E.Dcl. - 4159 - Sessão: 18/08/2016 às 14:00

RELATÓRIO

EDIFICATORE EMPREENDIMENTOS LTDA. (CONSTRUTORA MOVIMENTO LTDA.) opõe embargos de declaração (fls. 142-145), com pedido de efeitos infringentes, contra acórdão deste Tribunal (fls. 137-139) que, por unanimidade, negou provimento ao recurso por meio do qual a embargante buscava modificar a decisão de primeiro grau que reconheceu extrapolado o limite de doação eleitoral, condenando-a ao pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma do art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

A embargante sustenta haver omissão consistente em ausência do enfrentamento da matéria constitucional (art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal), eis que o acórdão teria deixado de manifestar-se sobre a necessidade de desconstituição da multa, vinculada ao princípio da abolitio criminis, pois com a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97, pela Lei n. 13.165/15, teria sido extinta a punibilidade de sanções dele derivadas. Alega também haver ausência de exame da matéria infraconstitucional e constitucional, especificamente em relação ao art. 27 da Lei. n. 9.868/99 e ao art. 102, § 2º, da Constituição Federal, pois entende inequívoca a rejeição do Supremo Tribunal Federal (STF) de modular os efeitos da inconstitucionalidade declarada na ADI n. 4650.

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.
 

VOTO

Eminentes colegas:

O embargos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Quanto ao mérito, é sabido que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, contradição ou omissão que emergem do acórdão, ou para corrigir a ocorrência de erro material.

O art. 275 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei n. 13.105/2015, estabelece que: “São admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil”.

Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seu art. 1.022, incisos I, II e III, assim dispõe:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Todavia, não se evidencia na decisão embargada a existência de qualquer das hipóteses acima mencionadas.

O acórdão atacado foi claro ao consignar fundamentação jurídica suficiente para justificar sua conclusão.

O fato de a embargante discordar do ponto de vista do texto doutrinário utilizado na fundamentação não desconstitui os argumentos do julgado.

No mais, a embargante reforça as mesmas razões sobre a aplicação do art. 81 da Lei n. 9.504/97, já suscitadas em sede preliminar nas contrarrazões do recurso e, diga-se, exaustivamente analisadas no julgado ora embargado.

Apenas para relembrar, cito o trecho do acórdão abordando a questão (fls. 138-139):

Cumpre, de início, tecer algumas considerações diante das alterações legislativas havidas acerca das doações realizadas por Pessoas Jurídicas e recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em comento.

Em 29 de setembro de 2015, foi publicada a Lei n. 13.165, chamada Minirreforma Eleitoral ou Reforma Política. O art. 15 da aludida lei revogou expressamente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Nessa ordem, surge questão de direito intertemporal no sentido de se verificar se a nova lei teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas na vigência do art. 81, da Lei 9.504/97, hoje revogado expressamente.

No plano doutrinário, Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed. 1955. p. 28) refere que Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto.

Conclui-se, portanto, que a doação se deu ao tempo em que a relação jurídica estava sob o império do art. 81 da Lei 9.504/97, sendo este o dispositivo legal a ser aplicado. Se houver excesso ao limite permitido pela lei (2%), ficará o doador sujeito às consequências do seu ato, no caso, as previstas nos §§ 2º e 3º do art. 81 da Lei 9.504/97.

Registro que esta Corte, em voto da relatoria do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, já enfrentou a matéria em relação às doações realizadas por pessoas jurídicas, fixando o entendimento no sentido de que as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência:

Recursos. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Afastadas as preliminares de cerceamento de defesa e de intempestividade na apresentação da peça defensiva. Não vislumbrado prejuízo na referida ausência de intimação, já que a defesa teve a oportunidade de manifestar-se sobre o documento proveniente da Receita Federal. No tocante à tempestividade, não pode a omissão cartorária, relativa à ausência da data da juntada aos autos da notificação para contestar, vir em prejuízo à parte.

Doação de bem estimável em dinheiro consistente em material gráfico para propaganda. Inviável a pretendida aplicação do disposto no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, pois trata-se de regramento direcionado às doações realizadas por pessoas físicas. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido. Ultrapassados os limites impostos, que restringe a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação dos limites impostos pelo parágrafo 2º do citado dispositivo.

Provimento parcial ao apelo da empresa recorrente.

Provimento negado ao recurso ministerial.

(RE 34-90.2015.6.21.0022, julgado em 18.11.2015.) (Grifei.)

Cumpre ressaltar, ainda, que em recente decisão proferida na ADI n. 4650, o STF declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de Pessoas Jurídicas às campanhas eleitorais; todavia, restou assente que os efeitos dessa decisão apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Consequentemente, hígidas estão as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, inclusive o art. 81 da lei 9.504/97.

Em relação à irresignação da embargante quanto aos efeitos da decisão do STF proferida nos autos da ADI n. 4650, cabe referir que a vedação às contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais decorreu da declaração de inconstitucionalidade do art. 81, caput e § 1º, da Lei n. 9.504/97, bem como da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do art. 24 da Lei n. 9.504/97, na parte em que autorizava, a contrario sensu, a doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, ambas com eficácia ex tunc e salvaguardadas as “situações concretas consolidadas até o momento da decisão” (termos do voto do relator, min. Luiz Fux).

Por não ter alcançado o número de votos exigido (oito), o STF não modulou os efeitos da decisão, mas preservou as situações concretas consolidadas até o momento da decisão.

Quanto às “situações concretas consolidadas”, trago texto de André de Carvalho Ramos, Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, que de forma extremamente objetiva e resoluta tratou da questão:

Essas situações concretas consolidadas são aquelas que foram regidas, no momento de sua realização, pelos dispositivos que, à época, incidiam sobre as doações eleitorais de campanha realizadas por pessoas jurídicas, regulares ou em excesso. Duas são as hipóteses que podem ter ocorrido, então, no passado: 1) cumprindo as regras, candidatos e doadores receberam e forneceram recursos ou 2) descumprindo as regras, arcaram com as consequências em vigor.

Quanto à primeira hipótese, os candidatos que receberam recursos – considerados lícitos à época – das pessoas jurídicas nas eleições pretéritas não podem ser punidos pela inconstitucionalidade do financiamento de suas campanhas, mesmo que estas tenham sido milionárias e fortemente baseadas nas contribuições de empresas, porque as regras da época devem ser respeitadas.

Quanto à segunda hipótese, os doadores pessoas jurídicas, ao descumprirem as regras, preferiram arcar com a resposta legal então prevista: multa, proibição de contratar e licitar com o Poder Público e, ainda, inelegibilidade dos seus dirigentes. Essa resposta é o equivalente normativo ao previsto na regra de permissão das doações de pessoas jurídicas. Isto é, se as regras de permissão de doação de pessoa jurídica não maculam os atuais mandatários e estão a salvo do efeito retrospectivo da inconstitucionalidade (por determinação expressa do voto do min. relator e dos demais que formaram a maioria no STF), também o seu equivalente normativo referente às doações ilegais (as multas e demais consequências) fica a salvo.

É impossível fracionar, arbitrariamente, a chamada “situação concreta consolidada”. Caso as multas, proibições de licitar/contratar e inelegibilidades desaparecessem – porque a doação seria inconstitucional – isso também levaria, ad terrorem, à inconstitucionalidade da manutenção dos mandatos atuais, porque suas campanhas vitoriosas teriam sido financiadas por recursos oriundos de fonte proibida. Por isso, agiu bem o STF ao ressalvar as “situações concretas consolidadas”, que se subdividem, como visto, nas (i) condutas que cumpriram as regras da época e (ii) nas condutas que descumpriram as regras e, consequentemente, aceitaram a imposição das reprimendas já expostas, pondo-as, ambas, a salvo dos efeitos da ADI n. 4.650.

Uma retroatividade “à la carte”, que preservasse as campanhas eleitorais vitoriosas e eliminasse as sanções, ofenderia também o direito à igualdade, a proibição da surpresa e a quebra da confiança. Ofenderia a igualdade, porque a retroatividade não é benigna a todos os participantes das campanhas eleitorais, que é uma competição, não podendo a retroatividade ser discriminatória e privilegiar justamente os ofensores.

Os candidatos que recusaram doações empresariais ilegais (por exemplo, a empresa foi criada no mesmo ano das eleições, tendo o candidato a cautela de verificar esse fato e recusar a doação) fizeram campanhas mais modestas, mas, ao menos, confiavam com a aplicação rigorosa da resposta jurídica da época, que eram a multa e demais consequências negativas aos doadores. Novamente, o jogo eleitoral é uma competição e a lei da época valia para todos.

Além disso, a viragem jurisprudencial (doações das pessoas jurídicas eram consideradas constitucionais até 2015) não pode retroagir surpreendendo a todos e abalando a confiança no Estado de Direito. O efeito apenas ex nunc da viragem hermenêutica em matéria eleitoral foi já reconhecido pelo STF no RE n. 637.485/RJ, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, o qual tratou especificamente da cautela necessária na interpretação dessas viragens em matéria eleitoral, uma vez que, na seara eleitoral, “a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais”(voto do Relator).

Para pôr fim à polêmica, o Tribunal Regional Eleitoral em São Paulo (TRE-SP), em 20 de outubro de 2015, apreciou tese sobre a perda de objeto das representações contra doações acima do limite legal em curso, fundamentada na declaração de inconstitucionalidade e na revogação expressa do artigo 81 da Lei das Eleições pela Lei nº 13.165/2015. O TRE-SP, em acórdão da relatoria da des. Marli Ferreira no Recurso eleitoral nº 21-46/2015, por unanimidade, afastou a tese da perda do objeto da representação e manteve a condenação da empresa ao pagamento de multa, respeitando, então, as situações concretas consolidadas.

Irretocável é a decisão da Corte paulista, no primeiro precedente sobre o tema no Brasil. Respeita-se a decisão soberana do STF, preservando-se a segurança jurídica e a igualdade quanto aos fatos anteriores, regidos por norma tida por constitucional até a decisão proferida na ADI 4.650/DF. Não se beneficia uns ou outros, aplica-se a lei vigente à época dos fatos a todos, equanimemente, preservando-se a regularidade democrática e a segurança jurídica eleitoral. Não se alteram as regras do jogo após o término da partida.

(http://jota.uol.com.br/multas-eleitorais-nao-se-mudam-as-regras-do-jogo-apos-o-termino-da-partida)

Assim, inexiste no acórdão embargado omissão a ser sanada.

Ante o exposto, ausentes os vícios elencados no art. 1.022, incisos I, II e III, do Código de Processo Civil, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.

É como voto, senhora Presidente.