RE - 3104 - Sessão: 01/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

O PARTIDO PROGRESSISTA - PP de Guaporé interpõe recurso contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, aplicando-lhe as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 8 meses, bem como o recolhimento do valor de R$ 2.500,00 ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de contribuição de fonte vedada (fls. 74-76v.).

Em suas razões (fls. 93-100), o recorrente alega que a doação é originária de detentor do cargo de vereador, o qual não pode ser considerado como fonte vedada. Sustenta que as normas e os precedentes emanados do TSE não autorizam interpretação que abarque os cargos políticos na compreensão do termo “autoridade” posto no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que suscitou preliminares de nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis partidários e de intempestividade do recurso. No mérito, opinou pelo seu desprovimento (fls. 103-109).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

A sentença foi publicada no dia 15.7.2016, sexta-feira (fl. 78), e a peça recursal protocolada em 21.7.2016, quinta-feira (fl. 93), sem observar o prazo de três dias estatuído no art. 258 do Código Eleitoral.

Consoante a certidão de fl. 92, a sentença transitou em julgado no dia 20.7.2016.

Contudo, antes de concluir-se pelo não conhecimento da insurgência em vista da sua extemporaneidade, cumpre analisar a questão relativa à não inclusão dos dirigentes partidários no polo passivo da prestação de contas, suscitada no parecer ministerial, e, principalmente, se tal nulidade restaria superada pela formação da coisa julgada.

Importante ressaltar que os autos versam sobre a prestação de contas partidárias do Diretório Municipal do Partido Progressista - PP de Guaporé relativas ao exercício de 2015.

Portanto, quanto à análise de mérito, devem ser observados os preceitos da Resolução TSE n. 23.432/14, apesar de atualmente revogada, eis que vigente no período de apuração contábil em tela. O art. 65, § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15, em vigor, ao regular a sucessão temporal das disciplinas jurídicas quanto às prestações de contas partidárias, estampa esse mesmo teor:

Art. 65.

[…]

§ 3º As irregularidades e impropriedades contidas nas prestações de contas relativas aos exercícios anteriores a 2015 devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício, observando-se que:

[…]

II - as prestações de contas relativas ao exercício de 2015 devem ser examinadas de acordo com as regras previstas na Res.-TSE n. 23.432;

Dessa forma, é aplicável à espécie o art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14, que trouxe novo aspecto procedimental às contas partidárias, prevendo a formação de litisconsórcio necessário entre os dirigentes e a agremiação, quando constatadas irregularidades no parecer conclusivo ou na manifestação do Ministério Público Eleitoral.

Transcrevo a dicção do comando legal:

Art. 38. Havendo impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela Unidade Técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, o Juiz ou Relator deve determinar a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa no prazo de 15 (quinze) dias e requeiram, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo.

Vale reiterar que a prestação de contas sob análise refere-se ao exercício de 2015.

Portanto, a situação é diferente do que este Tribunal tem decidido quanto às prestações de contas partidárias de 2014, nas quais há entendimento consolidado no sentido de que o litisconsórcio previsto na nova regulamentação de contas anuais, por ser regra que interfere no exame do mérito do processo, é matéria que só deve ser aplicada nas prestações de contas dos exercícios financeiros do ano de 2015 em diante, nos termos do caput do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015”. Com esse entendimento o seguinte precedente:

Agravo Regimental. Partido político. Omissão quanto a apresentação das contas com relação ao exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A alteração da natureza da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições com aplicação imediata. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS, AgReg 11508, rel. Leonardo Tricot Saldanha, DEJERS de 08.09.2015.)

Feito esse esclarecimento, do exame dos autos é possível verificar que, após o relatório conclusivo da unidade técnica, entendendo pela desaprovação das contas em decorrência do recebimento de recurso de fonte vedada (fls. 66-67v.), e do parecer ministerial no mesmo sentido (fls. 70 e verso), apenas o diretório partidário foi citado para apresentação de defesa (fl. 72).

Na hipótese, a irregularidade apontada no parecer conclusivo tornaria imprescindível, por expressa imposição normativa, a citação, além do órgão partidário, dos exercentes dos cargos de presidente e de tesoureiro durante o período do exercício financeiro sob análise, tornando a sentença nula, uma vez que não observada essa providência.

Assim, deve-se perquirir se a ausência de integração dos responsáveis ao contraditório da prestação de contas representa nulidade passível de preclusão temporal ou se, ao contrário, mostra-se com gravidade suficiente a vergastar inclusive a decisão acobertada, em tese, pelo manto da coisa julgada.

A solução da questão perpassa pela dicção do art. 115 do CPC, que diferencia os efeitos da inobservância do litisconsórcio passivo necessário conforme se qualifique como simples ou unitário, verbis:

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:

I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;

II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.

Nessa senda, entendo que o consórcio de partes no polo passivo das contas, estabelecido pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14, configura um litisconsórcio necessário unitário.

Com efeito, a referida norma estabelece uma hipótese de responsabilidade solidária, pela qual os dirigentes passam a responder de forma concomitante com o partido político pelas falhas contábeis. O julgamento acerca da regularidade das contas é necessariamente idêntico e uniforme para todos os demandados.

Não há uma pluralidade de relações jurídicas envolvidas, mas um único dever de prestar contas que vincula os responsáveis e a agremiação com a Justiça Eleitoral, ainda que, em momento posterior, a decisão possa ensejar sancionamentos próprios para cada uma das partes.

Então, fixada tal natureza para a reunião litisconsorcial, aplicável à espécie a solução estabelecida pelo art. 115, inc. I, do CPC, ou seja, a decisão é absolutamente nula. Dessa forma, o reconhecimento de tal vício pode ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de ofício, não sendo passível de preclusão, ainda que sob argumento da coisa julgada.

Nesse sentido, transcrevo a lição doutrinária de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

Sentença prolatada na ausência de um litisconsorte necessário é inutiliter datur (dada inutilmente, STJ, 1ª Turma, REsp 753.340/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 08.05.2007, DJ 11.06.2007, p.269),sendo de todo inválida (STJ, 5ª Turma, REsp 793.920/GO, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.05.2006, DJ 19.06.2006, p.198), salvo se a decisão for favorável ao litisconsorte necessário preterido, porque aí não há interesse processual na sua desconstituição e os limites subjetivos da coisa julgada são ampliados para alcançar também o litisconsorte ausente (coisa julgada secundum tenorem rationis ). O vício da decisão pode ser levantado em qualquer tempo e grau de jurisdição, não o apanhando a preclusão (STJ, 1ª Turma, REsp 480.712/RJ, rel.Min. Teori Zavascki, rel. para acórdão Min. Luiz Fux, j. 12.05.2005, DJ 20.06.2005, p. 207), podendo ainda ser alegado em ação rescisória (art. 485, V, CPC) e em ação de querela nullitatis insanabilis (STF, Pleno, RE 97.589/SC, rel. Min. Moreira Alves, j.17.11.1982, DJ 03.06.1983, p. 7.883).

(Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 194) (Grifei.)

É o mesmo posicionamento veiculado nos comentários de Daniel Amorim Assumpção Neves:

No caso de litisconsórcio necessário unitário, a nulidade da sentença deve ser tratada como absoluta durante o processo, podendo ser alegada a qualquer momento, considerado o entendimento dos tribunais superiores em exigir o pré-questionamento de matéria de ordem pública em sede de recurso extraordinário e especial, e conhecida de ofício pelo juiz. No entanto, com o trânsito em julgado, as nulidades absolutas se convalidam, salvo aquelas de gravidade extrema, em fenômeno conhecido por “vício transrescisório”, cujo objetivo claro é a possibilidade de sua alegação mesmo depois de transcorrido o prazo decadencial de dois anos da ação rescisória. Acredito que seja esse o caso, o que permitirá a alegação do vício sem qualquer restrição temporal, tanto pelos sujeitos que participaram do processo como pelos que deveriam ter participado. (Novo código de processo civil. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 186) (Grifei.)

Portanto, a ausência de citação dos dirigentes partidários representa mácula insuscetível de preclusão, ou, denominado na doutrina, vício transrescisório, impedindo que a decisão tenha aptidão para a formação de coisa julgada. Trata-se de nulidade cognoscível pelo tribunal a qualquer momento, ainda que vencido o prazo recursal, eis que proferida sem a citação daqueles que deveriam ser litisconsortes necessários.

Dessa forma, impõe-se reconhecer a nulidade da sentença e determinar o retorno do feito à origem, visando à citação dos dirigentes partidários responsáveis pelas contas, na forma estipulada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.464/15.

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar de nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis partidários, determinando o retorno dos autos à origem para a observância do art. 38 da Resolução TSE n. 23.464/15, afastando a preliminar de não conhecimento pela intempestividade recursal.

É como voto, senhora Presidente.