RC - 3951 - Sessão: 08/08/2016 às 17:00

Eminentes colegas:

Solicitei vista dos autos buscando contribuir com a douta relatora no exame do conjunto probatório coligido aos autos, em especial quanto à possibilidade de, provendo o recurso da defesa, absolver o réu da conduta delituosa relativa ao segundo fato descrito na denúncia oferecida pelo Ministério Público da origem.

Assim, após detida análise, tenho que a questão foi abordada de modo irretocável pela ilustre relatora, ao votar pelo desprovimento do recurso ministerial e conceder provimento ao recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL.

De fato, a partir das provas colhidas na instrução não é possível formar convicção absoluta pelo juízo condenatório do acusado.

Principalmente no que diz respeito ao 2º fato, há dúvidas significativas acerca do objetivo do réu TIAGO ao repassar o combustível a Lucídio. E tal incerteza reflete-se diretamente na ponderação sobre o enquadramento da conduta ao tipo criminal previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Entretanto, gostaria de destacar, assim como já o fez a nobre relatora, a independência das esferas eleitorais cível e penal. E faço isto porque é incontestável a conjuntura de  o réu ter sido absolvido por este Tribunal em processo cível eleitoral que julgava seu eventual envolvimento na conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pelo fato que ora se analisa.

Naquela oportunidade, esta Corte entendeu que a prova não demonstrava segurança sobre a intenção do denunciado ao repassar o combustível, especialmente porque não se extraía clareza das circunstâncias em que tal fato ocorreu.

Todavia, registro que, embora o réu tenha sido absolvido na seara cível por conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, tal situação não leva necessariamente à conclusão de que o mesmo caminho deva ser tomado nesta ação penal.

Registro que aqueles que praticam condutas em desacordo com as normas jurídicas podem, sim, ser responsabilizados de forma diversa nos diferentes âmbitos, pois o princípio da independência das instâncias permite que elas atuem juntas, sem, contudo, afetarem-se de modo a prejudicar a punição daquele que, supostamente, mereça sanção por ato ilícito, sendo este cível ou penal.

Nesse sentido é a jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. FATOS APURADOS EM AIJE JULGADA IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DO § 3º DO ART. 96-B DA LEI Nº 9.504/97. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. REQUISITOS PRESENTES. PROVAS ROBUSTAS. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.
[...]
3.  As esferas cível-eleitoral e criminal são incomunicáveis e independentes entre si. Ainda que os fatos apurados na ação penal sejam os mesmos sobre os quais se funda a ação de investigação judicial eleitoral citada pelo recorrente, a improcedência desta última não representa qualquer impedimento à apuração criminal. Precedentes.
4.  O caput do art. 96-B trata de ações que, embora sustentadas sobre os mesmos fatos, são propostas por partes distintas. Tal diversidade subjetiva não pode ocorrer nos feitos penais afetos a esta Justiça Especializada, tendo em conta ser o Ministério Público Eleitoral o único legitimado para a propositura da correspondente persecução.
5.  A alegação de que não foram apresentados provas ou fatos novos, além dos já trazidos na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), não constitui argumento apto a ensejar o trancamento da ação penal, uma vez que as provas produzidas perante a instância criminal poderão, em tese, conduzir à formação de juízo diverso.
[...]
7.  Recuso desprovido.
(Recurso em Habeas Corpus n. 18057, Acórdão de 07.6.2016, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 126, Data 01.7.2016, Página 10.)

Feita esta ressalva, e voltando especificamente ao caso sob análise, lembro ser inegável que a condenação na esfera criminal exige prova robusta da prática do delito pelo réu, o que efetivamente não se verifica no caso concreto.

Assim, adiro ao voto condutor, pois ausente conjunto probatório que pudesse alicerçar a condenação pelo crime de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, não merecendo reparos, portanto, a decisão proferida pela ilustre relatora.

Ademais, a dúvida deve militar sempre em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário.

Acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 294-298):

Toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.”

Ante o exposto, acompanho o voto da eminente relatora pelo provimento do recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL e pelo desprovimento do recurso ministerial.

É como voto, Senhora Presidente.