PET - 13562 - Sessão: 21/05/2019 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de processo no qual o DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO DA REPÚBLICA (PR) postula regularizar a omissão na prestação de contas do exercício financeiro de 2013.

A Secretaria Judiciária certificou que a grei partidária teve suas contas referentes ao exercício financeiro de 2013 julgadas não prestadas, nos autos da PC n. 85-07.2014.6.21.0000, com decisão transitada em julgado em 10.10.2014 (fl. 14).

Em exame preliminar, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria (SCI) manifestou-se pela imprescindibilidade da complementação dos documentos para a continuidade da análise (fls. 32-33).

Foram intimados o partido (fl. 41) e os responsáveis pelas contas (fls. 50 e 51) para manifestação no prazo de 20 dias.

A agremiação juntou o Livro Diário n. 4 e requereu o prosseguimento do exame (fl. 48).

Por sua vez, Carlos Alexandre Gonçalves postulou a sua exclusão do polo passivo da demanda, tendo em vista a sua desfiliação do Partido da República (fls. 54-55).

Após remessa dos autos, a SCI requereu autorização para consultar os dados de contas bancárias do partido disponíveis no Banco Central do Brasil (fl. 68), o que restou deferido por decisão do então relator (fl. 72).

Realizada a diligência, a SCI manifestou-se pela necessidade da obtenção dos extratos bancários relacionados às contas bancárias em nome do partido (fls. 77-80).

Acolhida a requisição de informações (fls. 83-84), as instituições financeiras apresentaram os extratos bancários pertinentes (fls. 94 e 97), juntados, respectivamente, aos Anexos 2 e 3 dos autos.

Em relatório de exame das contas, a Unidade Técnica apontou a existência de recursos de origem não identificada e de receitas oriundas de fontes vedadas (fls. 99-102).

Intimada (fl. 108), a agremiação deixou transcorrer o prazo sem manifestação (fl. 109).

A SCI emitiu parecer conclusivo reafirmando as irregularidades anteriormente identificadas (fls. 123-127).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela intimação do partido e de seus dirigentes para apresentação de alegações finais. No mérito, entendeu pela continuidade da situação de inadimplência e da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário até o recolhimento dos valores considerados irregulares ao Tesouro Nacional (fls. 131-134).

Procedida a intimação do diretório político e de seus responsáveis, não houve a apresentação de defesa (fl. 143).

Os advogados constituídos pelo Partido da República apresentaram renúncia ao mandato outorgado (fl. 150). Intimados (fl. 132), o diretório estadual e seus dirigentes juntaram novo instrumento de mandato e documentos adicionais às contas (fls. 169-187).

Após análise, a SCI concluiu pela permanência das irregularidades (fls. 199-202).

Na mesma linha, a Procuradoria Regional Eleitoral ratificou o parecer antes exarado, agregando a informação de que encaminhou cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral do Rio Grande do Sul, a fim de apurar possível configuração de crime de falsidade documental em razão de diversas incongruências nos demonstrativos complementares apresentados (fls. 208-209).

Após conclusos os autos para análise e julgamento, o partido político requereu a desconsideração dos documentos às fls. 173-187 (fls. 212-213).

É o relatório.

VOTO

Preliminar de ilegitimidade passiva.

Preliminarmente, Carlos Alexandre Gonçalves, tesoureiro do partido ao tempo do exercício financeiro em tela, suscitou sua ilegitimidade passiva, uma vez que não mais participa dos quadros do Partido da República. Ressalta que, atualmente, ocupa o mandato de vereador no município de Canoas pelo Partido Popular Socialista (PPS), não guardando qualquer relação com a agremiação pretérita (fls. 54-55).

Ocorre que, tratando-se de regularização de contas de exercício financeiro, a legitimidade para integrar o feito como responsáveis pela agremiação abrange todos os presidentes e tesoureiros com composição vigente no período sob exame, na forma prescrita pelo art. 59, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17.

O escopo da regra é oportunizar a participação substancial dos dirigentes da época no processo, uma vez que o julgamento de contas, em determinadas hipóteses, pode trazer consequências à esfera jurídica não só do partido, mas também, de forma pessoal, dos seus administradores financeiros.

Na situação em análise, portanto, sendo certo que Carlos Alexandre Gonçalves atuou como tesoureiro do Partido da República durante o exercício de 2013, tal circunstância é suficiente para sua eventual responsabilização sobre a contabilidade do período, independentemente de mudanças supervenientes de sua filiação partidária, cabendo a sua participação no feito.

Desse modo, a prefacial comporta rejeição.

Prejudicial de desconsideração dos documentos de fls. 173-187.

Previamente ao mérito propriamente dito, cabe analisar o pedido da agremiação de desconsideração dos demonstrativos contábeis juntados pelo prestador de contas na fase de alegações finais (fls. 169-187).

O referido acervo foi objeto de análise complementar pela unidade técnica (fls. 199-202) e embasou a promoção ministerial de encaminhamento dos autos ao Gabinete de Assessoramento Eleitoral do Ministério Público Eleitoral do Rio Grande do Sul, para os fins de apuração de eventual crime de falsidade documental, tendo em vista as incongruências e desconformidades verificadas nos novos demonstrativos (fls. 208-209).

Após, conclusos os autos para elaboração de voto (fl. 211), a agremiação postulou a desconsideração dos documentos aludidos, afirmando que “houve protocolo dos relatórios das folhas 173 a 187 de maneira prematura e equivocada, pois ainda não eram relatórios finalizados/definitivos” (fls. 212-213).

Ocorre que, a partir do encerramento da instrução processual, deve ser reconhecida a preclusão temporal do direito de inovação sobre o conjunto probatório, tanto no sentido de angariar quanto no sentido de suprimir elementos capazes de influenciar no convencimento do julgador.

Assim não fosse, uma vez sobrevindo parecer conclusivo identificando irregularidades passíveis de consequências jurídicas indesejadas pelo partido, bastaria à parte requerer o desentranhamento dos documentos que fundamentam o apontamento e, assim, buscar eventual modificação das conclusões técnicas, o que não se coaduna com os princípios da transparência e da efetividade que norteiam o processamento das contas.

Dessa forma, a desconsideração pretendida não merece acolhimento, cabendo sopesar o valor probatório dos documentos em conjunto com a análise de mérito do pedido de regularização.

Mérito

Inicialmente, por força do que dispõe o art. 65, § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, em relação ao exercício de 2013, ora examinado, devem ser aplicadas as regras previstas na Resolução TSE n. 21.841/04. Por outro lado, no aspecto processual, têm incidência imediata as normas estipuladas no diploma atualmente em vigor, ou seja, a Resolução TSE n. 23.546/17.

Ainda, conforme certificou a Secretaria Judiciária (fl. 14), o Diretório Estadual do Partido da República teve as contas partidárias anuais relativas a 2013 julgadas como não prestadas, em razão de terem sido apresentadas sem a constituição de advogado habilitado nos autos (PC n. 85-07.2014.6.21.0000, com decisão transitada em julgado em 10.10.2014).

Assim, o feito tem por objeto a regularização de inadimplência em face da não prestação de contas anuais do partido no exercício de 2013, tal como estabelece o art. 59 da Resolução TSE 23.546/17, in verbis:

Art. 59. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas como não prestadas, os órgãos partidários podem requerer a regularização da situação de inadimplência para suspender as consequências previstas no caput e no § 2º do art. 48.

§ 1º O requerimento de regularização:

I - pode ser apresentado pelo próprio órgão partidário, cujos direitos estão suspensos, ou pelo hierarquicamente superior;

II - deve ser autuado na classe Petição, consignando-se os nomes dos responsáveis, e distribuído por prevenção ao juiz ou relator que conduziu o processo de prestação de contas a que ele se refere;

III - deve ser instruído com todos os dados e documentos previstos no art. 29;

IV - não deve ser recebido com efeito suspensivo;

V - deve observar o rito previsto nesta resolução para o processamento da prestação de contas, no que couber.

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13, o órgão partidário e os seus responsáveis devem ser notificados para fins de devolução ao Erário, se já não houver sido demonstrada a sua realização.

§ 3º Recolhidos os valores mencionados no § 2º, o Tribunal deve julgar o requerimento apresentado, aplicando ao órgão partidário e aos seus responsáveis, quando for o caso, as sanções previstas nos arts. 47 e 49.

§ 4º A situação de inadimplência do órgão partidário e dos seus dirigentes somente deve ser levantada após o efetivo recolhimento dos valores devidos e o cumprimento das sanções impostas na decisão prevista no § 3º.

Portanto, em virtude do pedido para regularizar a prestação de contas julgadas como não prestadas, a cognição limita-se a verificar a estrita observância das normas atinentes ao emprego dos recursos oriundos do Fundo Partidário, da detecção do movimento de recursos de fontes vedadas e/ou de origem não identificada, indicando, ainda, a necessidade de devolução ao erário de eventuais valores irregularmente mobilizados.

Nesse sentido, instruído o feito com os documentos imprescindíveis à análise das contas, o órgão técnico emitiu relatório conclusivo no sentido da identificação de recursos considerados de origem não identificada, no total de R$ 6.805,09, e de contribuições advindas de pessoas físicas enquadradas como fontes vedadas, no somatório de R$ 6.832,27.

Em relação ao primeiro apontamento, a Secretaria de Controle Interno e Auditoria observou a ausência de discriminação completa dos nomes dos doadores - identificados apenas pelo primeiro nome ou por aparentes epítetos - e omissão dos respectivos CPFs em relação aos aportes registrados no Livro Diário, conforme tabela à folha 124, perfazendo a quantia de R$ 5.908,30 recebida sem identificação de origem.

Ademais, da análise dos extratos bancários encaminhados pelo Banco do Brasil, conta-corrente n. 452769, agência n. 1249 (Anexo 2), constatou-se o ingresso do montante de R$ 896,79, conforme relação à folha 125 dos autos, auferido por “depósito online”, sem identificação do depositante e sem registro nos documentos contábeis apresentados pelo partido.

Em sua oportunidade de alegações finais, a agremiação juntou novo demonstrativo das contribuições recebidas (fls. 178v.-179), no qual consigna os nomes completos e os CPFs dos supostos doadores.

Entretanto, os registros constantes no demonstrativo, elaborado em 18.01.2019, não guardam conformidade com os registros no Livro Diário originalmente apresentado, datado de 31.12.2013, havendo modificação dos nomes consignados em cada documento.

Com efeito, as doações de “Maurilio Barbosa” (07.01.2013), “Marlene Stefanello” (15.01.2013), “Sandro Gonçalves” (06.02.2013), “Roberto” (06.03.2013) e “Clovis Rech” (26.04.2013), constantes no Livro Diário, correspondem aos nomes “Ana Paula Corrêa Kovalski”, “Paulo Sérgio Schnorr”, “Enilto José dos Santos”, “Sérgio Henrique Sutton Barbachan” e “Karla Viviane Silveira da Silva Rech”, respectivamente.

Igualmente, o grupo de diversos depósitos identificados no Livro Diário simplesmente como “Mereb”, “Eloi” e “Marlene” foi substituído no novo demonstrativo por outros nomes sem mínima equivalência ou similitude com os anteriormente informados.

Sobre as alterações promovidas, o órgão de análise técnica bem apontou que, consoante às diretrizes da técnica contábil, “o Livro Diário contém a escrituração ‘oficial’ do partido, pelo fato de ser autenticado e possuir assinatura dos agentes responsáveis pela agremiação à época dos lançamentos” (fl. 200).

Dessa forma, as informações postas no Livro Diário, plenamente revestido das formalidades legalmente exigidas, somente deixam de prevalecer quando alteradas por procedimento de retificação, em conformidade com as normas de contabilidade, não bastando ao afastamento dos termos de sua escrituração o mero demonstrativo contábil ou outro documento equivalente em substituição.

Cabe destacar que o próprio contador responsável pelas contas buscou atestar que os aludidos demonstrativos às fls. 173-187 não refletem a real movimentação financeira do partido no exercício, sendo um mero “esboço” elaborado sem as confrontações e os ajustes necessários, juntados aos autos por equívoco da assessoria contábil (fls. 212v.-213).

Nessa senda, as quantias referidas devem ser consideradas sem identificação de origem e recolhidas ao Tesouro Nacional, de acordo com o comando do art. 6º da Resolução TSE n. 21.841/04.

A segunda irregularidade verificada relaciona-se com o recebimento de doações advindas de fontes vedadas, no valor total de R$ 6.832,27, provenientes de contribuintes detentores de cargos comissionados na administração pública do Estado do Rio Grande Sul, quais sejam, Coordenador Regional da Secretaria de Obras, Coordenador de Divisão da Fundação do Esporte e Lazer e Diretora-Presidente da CORAG, conforme relacionados na tabela à folha 125.

Com efeito, o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente ao tempo do exercício financeiro em análise, vedava o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38

No conceito de autoridade pública previsto no dispositivo referido inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.07, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.07, p. 172.) (Grifei.)

A quantia arrecadada de fonte vedada deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Configurado tal conjunto de falhas, a regularização pretendida está condicionada ao pleno recolhimento ao Tesouro Nacional das quantias recebidas de origem não identificada e de fontes vedadas, pois assim determina a expressa dicção de parágrafos 2º a 4º do art. 59 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Na hipótese, muito embora a agremiação tenha apresentado os documentos essenciais para a análise das contas e, inclusive, manifestado o acatamento às conclusões da unidade técnica (fl. 212), não demonstrou o recolhimento dos valores correspondentes às irregularidades apuradas, apesar de devidamente notificada para o atendimento ao relatório de exame e ao parecer conclusivo (fls. 108 e 143).

Nessas situações, este Tribunal tem se posicionado no sentido do indeferimento do pedido de regularização das contas:

RECURSO. PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. CONTAS JULGADAS COMO NÃO PRESTADAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. NÃO COMPROVADA A TRANSFERÊNCIA DE VALORES IRREGULARES AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA INADIMPLÊNCIA. MANTIDA A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DESPROVIMENTO. Pedido de regularização das contas julgadas não prestadas. Apresentadas planilhas de controle interno, elaboradas unilateralmente pelo diretório político, desprovidas de chancela outorgada pelos doadores ou pela instituição bancária. Prova insuficiente, portanto, à comprovação da origem das receitas. Não demonstrado o recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada, o que impossibilita afastar a inadimplência do partido, bem como a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. Mantida a improcedência do pedido. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 10498 SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 18.12.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 14, Data 25.01.2019, Página 7.) Grifei.

Destarte, impõe-se o indeferimento do pedido formulado pelo Diretório Regional do Partido da República, mantendo-se a situação de inadimplência decorrente do julgamento de suas contas referentes ao exercício financeiro de 2013, até o recolhimento do valor de R$ 13.637,36 ao Tesouro Nacional, correspondente ao somatório dos recursos de origem não identificada e de fontes vedadas verificados nos autos.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e prejudicial e, no mérito, pelo indeferimento do pedido de regularização das contas relativas ao exercício financeiro de 2013, até o recolhimento do valor de R$ 13.637,36 ao Tesouro Nacional.