RE - 1477 - Sessão: 28/07/2016 às 17:00

Trago em mesa o presente voto-vista, relativo ao recurso interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB de Pinheirinho do Vale contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas do exercício financeiro de 2014, aplicando-lhe a penalidade de suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, em virtude da ausência de dois extratos bancários, relativos aos meses de janeiro e fevereiro.

A ilustre relatora, Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, afastou a matéria preliminar, negou provimento ao recurso e reduziu, de ofício, o período de suspensão de quotas do Fundo Partidário para 1 mês, com fundamento na posição, consolidada neste Tribunal, que considera irregularidade insanável a ausência de abertura de conta bancária ou a falta de juntada dos respectivos extratos bancários do período integral do exercício ao qual se refere a prestação de contas do partido político.

Pedi vista dos autos em face do julgamento, na presente sessão, de processo análogo a este, RE 32-33, de minha relatoria, a fim de estabelecer uma necessária diferenciação entre as hipóteses em que o partido não realiza a abertura da conta bancária, daí resultando na falta de extratos, e os casos em que a própria instituição financeira, à revelia da agremiação correntista, encerra a conta corrente por ausência de movimentação contábil, exatamente a questão versada neste feito.

O único motivo para a desaprovação das contas apontado pelo juízo a quo é a ausência de juntada da íntegra dos extratos bancários, uma vez que faltaram os referentes aos meses de janeiro e fevereiro.

A jurisprudência deste Tribunal há muito tempo tem exigido dos partidos políticos a abertura de conta bancária e a apresentação de extratos zerados a fim de provar a alegação de falta de movimentação financeira, conforme julgados trazidos à colação pela nobre relatora.

No caso dos autos, todavia, e sem propor uma modificação da jurisprudência consolidada da Corte, entendo que essa posição pode ser flexibilizada porque o partido, efetivamente, abriu a conta bancária, a qual foi fechada pela instituição bancária a sua revelia, justamente, por falta de movimentação, conforme demonstra o documento da fl. 63, na qual consta a informação de que a conta-corrente foi eliminada.

Além disso, merece ser considerado que houve ausência de extratos pertinentes a apenas dois meses, pois em março a conta foi reaberta e os documentos foram apresentados.

Tendo em vista a ausência de notícia de indícios de fraude ou má-fé, proponho que sejam aplicados ao feito os precedentes do TSE que consideram possível a aprovação das contas com ressalvas quando a irregularidade não se revele de magnitude necessária a atrair a desaprovação, tal como ocorre quando inexiste movimentação de recursos.

A Corte Superior Eleitoral, em hipóteses específicas, como a dos autos, nas quais analisam-se contas com valores módicos ou irrisórios, admite até mesmo a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a prova da falta de movimentação financeira puder ser suprida por outros meios igualmente idôneos, situação verificada nos autos, pois a própria instituição financeira encerrou a conta bancária em virtude da ausência de movimentação:

O TRE/MT consignou, ainda, que “o partido político não teve lucro nem prejuízo acumulado ao longo do exercício; não tem patrimônio próprio; não teve despesas; não tem obrigações a pagar [e] não distribuiu recursos de fundo partidário a nenhum candidato ou integrante da legenda” (fl. 75).

Em hipóteses como a dos autos, o Tribunal Superior Eleitoral tem mitigado a exigência de abertura da conta bancária. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional. [...]

(AgR-REspe 66-98/MT, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 23/5/2014) (sem destaque no original).

[...] - Ainda que se tenha averiguado a ausência de abertura de conta bancária específica por diretório municipal, tal fato, por si só, não enseja a desaprovação das contas do partido, consideradas as peculiaridades do caso, em que foi reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral a realização de uma única despesa, de valor diminuto, relativa ao exercício financeiro. [...]

(AgR-REspe 30-93/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 17/10/2012)

(TSE, RESPE 353620116110041, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 1.8.2014).

Examinei toda a documentação apresentada pelo partido e, efetivamente, a única irregularidade foi a ausência desses dois extratos, mas considero que a falha não impediu o controle das contas pela Justiça Eleitoral, havendo manifesta inexistência de arrecadação de recursos em espécie no período em que a conta foi encerrada pois, do contrário, teria permanecido aberta.

A Lei n. 13.165/15, que institui a reforma eleitoral, incorporou esse entendimento ao incluir o § 4º ao art. 32 da Lei n. 9.096/1995, que dispõe: “os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral, exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período”.

Com muito respeito ao pensamento contrário, entendo que por ser a razão do encerramento da conta a falta de movimentação financeira, deve ser considerada comprovada a falta de recebimento de recursos em espécie, conclusão que se afigura muito mais razoável e proporcional do que o juízo de desaprovação.

Nestes termos, acompanho a relatora quanto ao afastamento da matéria preliminar e, no mérito, peço vênia para acolher o pedido alternativo aduzido na peça recursal e aprovar as contas com ressalvas, dando provimento ao recurso interposto.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Acompanho o voto do Dr. Silvio, com muito respeito ao voto da Dra. Gisele.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez:

Acompanho a divergência, Senhora Presidente.

 

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Senhor Presidente, da mesma forma vou pedir vênia a Dra. Gisele, relatora, para acompanhar a divergência. No caso, nós temos que, de alguma forma, levar em consideração esse evento de encerramento da conta que deixou um período  muito exíguo a descoberto. E, ao final das contas, o que está acontecendo é uma aprovação com ressalvas. Em outra oportunidade tentei trazer uma posição intermediária neste Tribunal aplicando a razoabilidade, a proporcionalidade, justamente com base em alguns precedentes do TSE, que levavam em consideração a insignificância do valor da prestação de contas, do montante que ficou a descoberto. Fui vencido.

Certamente há situações em que o juízo de proporcionalidade e razoabilidade é feito pelo próprio legislador. Nestas situações eu penso que há espaço para aplicação de técnicas que estão universalizadas na jurisdição, sobretudo na jurisdição constitucional. Não se trata da possibilidade de aplicar ou não a razoabilidade, a qual me parece ser um apanágio de toda e qualquer decisão. Toda vez que se verifique que há uma desproporcionalidade na resposta jurisdicional, é dever do judiciário fazer o devido desbaste para tornar a resposta adequada do ponto de vista constitucional, razoável e proporcional. Então, eu acho certo que o Tribunal se mantenha nessa linha de maior rigorismo em relação às prestações de contas. E acho até que é temerário nós começarmos, num ou noutro caso, julgarmos com base na razoabilidade, se não tivermos critérios objetivos para sua definição. Isso pode levar a um subjetivismo que pode ser mais grave do que o próprio rigorismo, mas há situações, por outro lado, colegas, em que isso é verificável ictu oculi, a olho nu. É de fato comprovável aqui a boa fé, o período de tempo muito exíguo com a grande possibilidade de que não tenha havido nenhuma movimentação naquele período. Então, essas ideias são para amadurecimento. Eu não me comprometo com a tese de aplicar razoabilidade e proporcionalidade, mas minha sugestão é no sentido, de que nós passemos, em um ou outro caso, olhar com mais boa vontade a possibilidade de aplicação. Por isso acompanho o Juiz Sílvio.

 

Dr. Rafael da Cás Maffini:

Eu vou acompanhar a ilustre relatora, e justifico, obviamente, com o mais absoluto respeito ao brilhante voto do Dr. Silvio e quem o acompanhou, por algumas considerações que a mim parecem necessárias em razão de uma hermenêutica teleológica. Na verdade, não é fortuita a exigência de extratos bancários, ela vem da Resolução n. 21.841, aplicável ao caso concreto. Ainda, todas as demais resoluções que trataram da prestação de contas, que tem índole jurisdicional por disposição legal - as Resoluções TSE ns. 23.432 e 23.464 - estabelecem essa exigência de extrato bancário. Essa determinação, mais do que simplesmente um cotejo numérico de despesas e receitas, se presta a dar oficialidade e credibilidade razoável à movimentação financeira das coligações e dos partidos políticos, ou seja, especialmente numa eleição que se avizinha já com a notória preocupação com caixa dois, com o empobrecimento das campanhas e o incentivo a utilização de mecanismos “criativos” de captação e talvez cooptação de eleitores, me parece que qualquer flexibilização quanto a exigência de extratos bancários, que dão um grau de oficialidade a movimentação, se mostra temerária.

Assim, me permito aqui, Presidente, acompanhar a relatora, entendendo que justamente a movimentação bancária materializada pelos extratos que acompanham a prestação de contas é que confere às operações financeiras esse grau de oficialidade, necessária numa época como a que vivenciamos. Por essas razões, Senhora Presidente, estou acompanhando o voto da eminente relatora.