E.Dcl. - 3395 - Sessão: 26/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

IOLANDA ISABEL SEIBEL LUDWIG, ARNILDO HANATZKI e o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL opõem embargos de declaração em face do acórdão das fls. 322-346.

IOLANDA ISABEL SEIBEL LUDWIG sustenta que o acórdão registra contradições e omissões. Refere que o voto vencedor não se manifestou expressamente sobre a intenção delitiva de “promover concentração de eleitores”, em contraponto ao voto vencido que acolheu a tese defensiva nesse ponto, caracterizando contradição do julgado. Suscita, ainda, violação aos arts. 155 e 615, § 1º, do CPP, e ao art. 368-A do CE, requerendo a manifestação expressa do Tribunal para fins de prequestionamento (fls. 349-352).

ARNILDO HANATZKI, por seu turno, entende havida contradição quanto ao não enfrentamento da tese de ausência da intenção delitiva de “promover concentração de eleitores”. Ademais, defende a existência de omissão quanto à aplicabilidade do art. 155 do CPP e de violação aos arts. 5º, 10 e 11 da Lei n. 6.091/74, aos arts. 1º, inc. II, e 5º, inc. LVII, da CF/88 e ao art. 615, § 1º, do CPP, requerendo a análise expressa das disposições para fins de prequestionamento (fls. 354-359).

Por sua vez, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL aponta contradição, objetando os argumentos do voto condutor no tocante ao indeferimento do pedido de cumprimento provisório da sanção imposta. Ao final, requer o saneamento das contradições e que seja determinado ao juízo da 166ª Zona Eleitoral a execução provisória da pena imposta aos réus (fls. 369-372).

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

Todos os recursos são tempestivos e comportam conhecimento.

Passo à análise das irresignações.

 

Dos embargos opostos por Iolanda Isabel Seibel Ludwig

Aduz a embargante que o voto condutor deixou de apreciar a questão da ausência do elemento volitivo de “promover concentração de eleitores” do tipo legal do crime, em contradição com o voto vencido, que acolheu expressamente essa tese defensiva de atipicidade da conduta.

Sem razão.

O relator, Dr. Leonado Tricot Saldanha, assim concluiu (fls. 326v.-327):

A partir dessa importante premissa, constata-se o equívoco da sentença ao considerar que a instrução logrou comprovar “o dolo de transportar as eleitoras ao local de votação” (fl. 243).

Ora, o cometimento do transporte é fato incontroverso, mas a lei não pune o dolo de transportar, e sim o dolo de aliciar eleitores com o fornecimento de transporte.

Se não há demonstração da intenção de obter vantagem eleitoral, não há crime.

Em contrapartida, o voto vencedor entendeu de forma expressa pela desnecessidade de dolo específico para tipificação da conduta, nos seguintes termos (fl. 330 e verso):

E estou convencida não apenas do acerto da sentença, mas da existência de provas e da tipicidade da conduta.

E indago aos eminentes pares: Qual é a intenção do candidato ou do cabo eleitoral ao transportar eleitor na data das eleições a não ser obter o voto? E mais, quem busca um eleitor para votar ou dá a indigitada carona a alguém que não peça votos ou em seu candidato no dia das eleições? Desculpem, mas nem mesmo a alegada amizade, aliás, não suficientemente comprovada, justifica a dita carona.

E apenas para exercício da dialética, pois entendo que o dolo específico restou comprovado, julgo importante referir que não desconheço a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral em sentido diverso, mas penso que a norma legal é clara e precisa, qual seja, transportar eleitor na data das eleições é crime eleitoral, e a finalidade de exigência do voto não está inserida na norma.

Com efeito, a conduta prevista no art. 11, inc. III, c/c o art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74, imputa como delito eleitoral o descumprimento da vedação de “fazer transporte” de eleitores desde o dia anterior até o dia posterior à eleição.

Destaco ainda que a norma é expressa e não permite interpretação. Além do mais, o tipo não dispõe a exigência do voto.

[…].

Quanto a presença do dolo específico, em outros processos julgados por esta Corte manifestei que no ato da “carona” está implícito o pedido de voto ao grupo político que está “agraciando o eleitor” com o transporte. (Grifei.)

Portanto, estão examinados todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal, em cotejo com a prova posta nos autos, entendendo o voto, de modo diverso do relator, pela tipicidade das condutas, bem como pela autoria e materialidade delitivas.

Não há, assim, necessidade de qualquer suprimento.

Ademais, a contradição que autoriza a oposição dos aclaratórios é aquela interna ao voto, entre a fundamentação e a sua conclusão. Não serve como paradigma dessa aferição a contrariedade de conclusões entre o voto vencedor e o vencido, ou quaisquer outras manifestações de juízes diversos, com entendimentos divergentes, proferidas no contexto do julgamento.

Nesse sentido, colaciono a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 275, I E II, DO CÓDIGO ELEITORAL. CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. OMISSÃO. CARACTERIZAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, EM PARTE, EXCLUSIVAMENTE PARA EFEITOS INTEGRATIVOS.

1. A contradição que autoriza a oposição dos embargos de declaração é unicamente aquela existente entre os fundamentos do acórdão embargado e a sua conclusão, e não entre julgados distintos ou entre o voto condutor e o vencido. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.

2. Se o acórdão embargado omitir-se sobre ponto acerca do qual deveria ter se manifestado, é de se acolher os aclaratórios para sanar referido vício. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se houver alteração quanto à conclusão do julgado.

3. Embargos de declaração do Ministério Público Eleitoral e da Coligação Cabo Frio Vai Ser Diferente acolhidos, em parte, exclusivamente com efeitos integrativos. Aclaratórios de Jânio dos Santos Mendes e outra rejeitados.

(Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral n. 9664, Acórdão de 20.3.2013, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 29.4.2013.) (Grifei.)

Alega a embargante, ainda, que houve violação ao art. 155 do CPP, tendo em vista que, na sua ótica, o acórdão embargado “deu maior peso aos elementos investigativos policiais” e não fundamentou “em que sentido a prova judicial se direciona para complementar a prova policial”.

Contudo, o aresto realizou um suficiente cotejo analítico entre os elementos de informação do inquérito e as provas da instrução judicial, extraindo sua convicção sobre os fatos a partir de todo o conjunto probatório. Não há, portanto, utilização exclusiva ou preponderante do acervo informativo colhido na investigação preliminar.

Quanto à interpretação do art. 155 do CPP nesse aspecto, vislumbra-se o adequado exame da questão nos seguintes termos:

E cabe ressaltar que não merece acolhimento o argumento de que a condenação foi efetivada tendo por base depoimentos prestados na esfera policial, o que feriria os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, do Estado Democrático de Direito.

A respeito, o STF, guardião da Constituição Federal, já se pronunciou no sentido de que é válida a condenação criminal que se fundamenta também na prova policial amparada por outros indícios e provas trazidas na instrução judicial, que passaram pelo crivo do contraditório e da ampla defesa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE EM AÇÃO PENAL MILITAR. IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.

[...]

5. Os elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório em juízo. 6. Para afastar a premissa de que a condenação não se fundamentou apenas em provas produzidas na fase de inquérito e decidir pela anulação do acórdão condenatório, seria imprescindível o reexame dos fatos e das provas que permeiam a lide. 7. O art. 93, inc. IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que seja correta a fundamentação expendida. 8. Ordem denegada. (HC 119315, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 04.11.2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 12.11.2014 PUBLIC 13.11.2014.) (Grifei.)

No mesmo sentido, não prospera a arguição de violação ao art. 615, § 1º, do CPP.

Ora, no julgamento houve voto de desempate proferido pela Presidente Desembargadora Liselena Ribeiro, nos exatos termos da primeira parte da norma em tela, com a seguinte redação: “Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate”.

Desse modo, não há que se falar em prevalência da decisão mais favorável ao réu na eventualidade de empate na votação.

Em relação à alegação da necessidade da aplicabilidade do art. 368-A do Código Eleitoral ao caso sob análise, entendo que de igual modo não merece acolhida o pleito da embargante.

A aludida norma, estabelecendo que “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”, não tem aplicabilidade sobre processos penais.

Depreende-se da dicção legal que a disposição alcança somente os processos cíveis eleitorais típicos que tenham por objeto direto a perda do mandato eletivo – tal como a representação por captação ilícita de sufrágio e a ação de perda de mandato por infidelidade partidária –, não sendo, por evidente, a hipótese dos feitos de natureza criminal.

Outrossim, ainda que fosse aceitável a sua incidência no presente processo, a norma tem por finalidade impedir a cassação de mandato eletivo baseada em uma única testemunha, ou seja, aquela cujo depoimento não seja corroborado por outros elementos probatórios, ou, mesmo, por outras testemunhas.

Em outras palavras, diversamente do sustentado pela embargante, não há vedação de utilização da prova produzida a partir de um conjunto de testemunhas, ainda que exclusiva, para amparar a conclusão de procedência da ação.

Colaciono, nesse sentido, a ilustrativa lição de Rodrigo Lópes Zílio (Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 582):

A Lei nº 13.165/15 acrescentou o art. 368-A no Código Eleitoral, estatuindo que “a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”. Essa regra objetiva evitar que a gravosa sanção de perda de mandato seja aplicada quando tiver por base uma “prova testemunhal singular, quando exclusiva”. Não é correto afirmar que esse tipo de prova não será aceita pelo juízo, pois, em verdade, o dispositivo indica que essa prova, de per si, não é suficiente para corroborar um juízo condenatório. A prova testemunhal singular é a consubstanciada no depoimento de uma única testemunha. Exclusiva significa que essa prova testemunhal foi o único fundamento para o julgamento proferido. Em síntese, veda-se que uma única testemunha, sem apoio em nenhuma outra prova produzida nos autos, sirva como substrato jurídico para se decretar uma perda de mandato. Logo, não incide essa restrição legal em caso de convergência de mais de uma prova testemunhal ou, ainda, quando a prova de uma única testemunha seja corroborada por outros meios de prova (v.g., prova documental). Considerados os bens jurídicos tutelados pelas ações cíveis eleitorais, notadamente naquelas demandas que objetivam cassar registro, mandato ou diploma, essa regra limitativa da prova exclusivamente testemunhal singular somente é aplicável na representação por captação ilícita de sufrágio – cujo bem jurídico é a vontade do eleitor – e na ação de perda de mandato por infidelidade partidária.

Dessa forma, devem ser rejeitados os embargos.

 

Dos embargos opostos por Arnildo Hanatzki

No tocante às alegações de omissão quanto a não aplicação dos arts. 155 e 615, § 1º, do CPP, repiso os mesmos fundamentos despendidos na análise dos aclaratórios de Iolanda Isabel Seibel Ludwig, os quais deixo de reproduzir para evitar repetições desnecessárias.

Sobre as supostas omissões referentes à análise dos argumentos recursais de atipicidade da conduta, pois o art. 10 da Lei n. 6.091/74 trataria de eleitores da zona urbana, e de não recepção constitucional do art. 11 do mesmo diploma, consigno que ambos foram adequadamente examinados e repelidos, em sede de preliminar, no voto do relator, Dr. Leonardo Tricot Saldanha.

O voto condutor, por sua vez, aderiu expressamente àquela fundamentação e ao julgamento de rejeição das preliminares, não havendo, assim, insuficiência alguma nesse tópico.

As demais lacunas da fundamentação aventadas pelo embargante dizem respeito à análise do elemento subjetivo do tipo penal, o qual foi suficientemente examinado, consoante argumentos e transcrições neste voto já desenvolvidas.

 

Dos embargos opostos pelo Ministério Público Eleitoral

Por sua vez, o parquet aponta contradição no tópico em que o acórdão indefere o requerimento de execução provisória imediata da pena, tecendo contra-argumentos a cada uma das razões nas quais se albergou a decisão guerreada.

A despeito de respeitável, a dialética pontual levada a efeito pela Procuradoria Regional Eleitoral consubstancia razões deduzidas de forma inovadora nesses autos, visando à rediscussão da matéria, o que não se coaduna com as taxativas hipóteses legais autorizadoras dos aclaratórios.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

I - É descabido o emprego de embargos de declaração para aclarar matéria não suscitada previamente no acórdão embargado.

II - Os embargos declaratórios, mesmo para fins de prequestionamento, somente são cabíveis quando houver no julgado um dos vícios descritos no art. 275 do Código Eleitoral.

III - Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade.

IV - O acórdão do TRE/SP que determinou as sanções de recolhimento de recursos ao Fundo Partidário e a suspensão de quotas pelo prazo de 12 (doze) meses observou as normas que regiam a espécie à época, em respeito ao axioma tempus regit actum. Inaplicabilidade do princípio da retroatividade benéfica penal. Precedentes.

V - Embargos rejeitados.

(Embargos de Declaração em Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 16972, Acórdão de 02.6.2016, Relator Min. ADMAR GONZAGA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 125, Data 30.6.2016, Página 42.) (Grifei.)

Diante disso, deixo de acolher também os embargos ministeriais.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição do embargos declaratórios de Iolanda Isabel Seibel Ludwig, de Arnildo Hanatzki e do Ministério Público Eleitoral.

É como voto, Senhora Presidente.