CTA - 11571 - Sessão: 19/07/2016 às 17:00

(voto divergente)

Rogando as mais respeitosas vênias, apresento divergência no tocante à preliminar de não conhecimento da presente Consulta.

É de ser considerada a jurisdição como função estatal dotada de múltiplas finalidades, dentre as quais merece destaque, na complexa sociedade pós-moderna da presente quadra histórica, a função de pacificação dos incontáveis conflitos de nosso quotidiano.

Justamente por tal razão, não é exagero que uma jurisdição célere e especializada, como a prestada pela Justiça Eleitoral, há de servir de exemplo de efetividade judicial.

Dentre os vários motivos de tal efetividade, estreme de dúvidas que o instituto jurídico da consulta há de merecer papel destacado, porquanto se presta à inibição de incontáveis conflitos que sequer chegarão a ocorrer, justamente pelo itinerário interpretativo trilhado pelos Tribunais Eleitorais.

Trata-se de instituto jurídico que poderia servir de exemplo para outras Justiças Especializadas e mesmo para a Justiça Comum, ainda que para tanto fosse necessária a superação de alguns paradigmas ou dogmas que formataram um Processo Civil mais vocacionado à solução de conflitos individuais.

Por tudo o quanto afirmado, coloco-me numa posição jurídica ideologicamente simpática ao emprego da consulta. Dito de outro modo, sempre que possível, haverá de ser prestigiada a utilização da consulta.

Contudo, e esta é a causa da discordância com o r. voto da ilustre relatora, parece não ser possível o emprego da consulta no caso presente, seja porquanto se trata de evidente pretensão de deslinde de caso concreto, seja, em especial, porquanto já iniciado o período eleitoral.

Destaco que emprego o termo “período eleitoral” em um sentido lato, com início no 1º momento temporal em que a legislação cria comportamentos concretos para o pleito eleitoral, impondo obrigações e vedações exatamente por reconhecer a influência de tais situações sobre o pleito, do qual fazem parte:

(a) desincompatibilização, exigida nos seis meses anteriores ao pleito (art. 1º, § 1º, da LC 64/90); quatro meses (art. 1º, inc. IV, al. 'a') ou três meses (art. 1º, inc. II, al. 'l');

(b) condutas vedadas, com incidência, de regra, nos três meses que antecedem o pleito (art. 73, incs. V e VI);

(c) convenções partidárias, pedidos de registro de candidatura e propaganda eleitoral, os quais integram o período eleitoral stricto sensu, iniciado com as convenções (Consulta n. 103683, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE: 7.10.2014).

Aliás, aqui é de ser destacada uma particularidade do processo de consulta, que se depreende do próprio art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, pelo qual compete privativamente aos Tribunais Regionais “responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político”. Trata-se do fato de que a transcendentalidade eficacial que a caracteriza, no sentido de projetar efeitos para além dos limites da consulta propriamente dita, na medida em que se presta à divulgação de interpretação de determinada Corte Eleitoral, impõe um óbvio limite na sua utilização, no sentido de que não poderá ser empregado sempre que a quaestio juris a ela intrínseca versar sobre determinado caso concreto, e, em especial, cuja solução há de ser levada a efeito pela jurisdição eleitoral não consultiva.

Não se diga que tal postura interpretativa mostrar-se-ia deveras formalista.

Isso porque, de um lado, é de ser lembrada verdadeira parêmia de Jhering, segundo o qual “a forma é inimiga jurada do arbítrio, irmã gémea da liberdade" (VON JHERING, Rudolph. Geist des Römischen Rechts auf den verschiedenen stufen seiner entwicklung, 5ª ed., Leipzig, 1880, p. 471).

De outro lado, acredita-se que a interpretação aqui proposta possui justificação teleológica, própria da noção de interpretação sistemática do direito, no que hodiernamente se convencionou denominar de “formalismo valorativo” (vide, por todos, ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009).

Com efeito, a proibição de utilização da consulta para o deslinde de caso concreto, bem como – e especialmente – a proibição de sua utilização em período eleitoral, possui plena razoabilidade, sobretudo se considerada a necessidade de a Justiça Eleitoral pautar-se pela imperiosa exigência de preservação de um estado de paridade de armas entre candidatos, em prol da lisura de pleitos eleitorais.

Tal afirmação decorre do fato de que, considerado que somente podem ser formuladas consultas por partidos políticos ou autoridades públicas e considerando, ainda, a tendência jurisprudencial de se restringir o conceito de “autoridade pública”, a utilização de consulta para a solução de casos concretos, já no período eleitoral, significaria uma óbvia vantagem a agentes públicos que já ocupam mandatos eletivos, seja em proveito próprio (em caso de candidato reelegível), seja em proveito de interposta pessoa (candidatos que contam com seu apoio).

Veja-se que grande parte das consultas dizem respeito à possível caracterização de condutas vedadas, formulações nascidas de dúvidas sobre casos enfrentados pelos legitimados à formulação das consultas, como se pode verificar em alguns exemplos pinçados do Tribunal Superior Eleitoral: possibilidade de reestruturação de cargos no ano eleitoral (Cta. 1036-83, Min. Luciana Lóssio), distribuição de boletins informativos por parlamentares (Cta. 103-76, Min. Gilmar Mendes), possibilidade de redistribuição de servidores (Cta. 562-15, Min. Gilmar Mendes), concessão de anistia e parcelamento tributário em ano eleitoral (Cta 132-63, Min. Laurita Vaz).

A ratio das consultas é buscar o esclarecimento acerca de contradições ou inconsistências objetivas da legislação eleitoral, viabilizando, assim, a evolução do sistema eleitoral em benefício de todos os participantes do procedimento eleitoral. Todavia, não é o que ocorre quando se alia uma interpretação restritiva da legitimidade do consulente a uma interpretação ampliativa dos requisitos objetivos para o conhecimento da consulta.

Dito de outro modo: ou se adota um conceito mais amplo de “autoridade pública”, talvez contra legem ou ao menos praeter legem, para viabilizar-se que nela sejam incluídos todos os candidatos a mandatos eletivos, o que não parece ser possível ou recomendável, ou se veda o emprego da consulta para o deslinde de casos concretos em período eleitorais.

Interpretação diversa, como já dito, implicaria comprometimento à noção de paridade de armas, por conceder indevidas vantagens a eventuais candidatos que portem condição de autoridade pública.

Justamente por tal razão é que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral alinha-se no sentido de não conhecimento de consulta, em casos como o presente, quando já iniciado o período de incidência das normas sobre as quais recaia a dúvida ou o processo eleitoral, ou até mesmo quando se refiram a casos concretos, conforme dão conta os seguintes precedentes:

Não preenchido o pressuposto da formulação em tese, conforme disposto no art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral. Hipótese com contornos de caso concreto.

Consulta. Indagado se a promulgação de projeto de lei decorrente de veto governamental derrubado pelo Plenário Legislativo, tratando da reestruturação de carreiras de servidores públicos, após a data de 08 de abril de 2014, constituiria conduta vedada pela legislação eleitoral. Eleições 2014.

Ademais, não se conhece a consulta que envolva questionamento sobre a conduta descrita no dispositivo do art. 73, inc. VIII, da Lei das Eleições, se já iniciado o período estabelecido na referida proibição legal.

Não conhecimento. (Consulta n. 7645, Acórdão de 20.5.2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 20.5.2014.)

 

Consulta. Eleições Municipais. Indagação sobre a abrangência do disposto no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, em relação à possibilidade de patrocínio de evento público promovido por entidade privada.

O prazo de incidência na lei, de eventual evento público, já teria iniciado, o que gera questionamento acerca de caso concreto. Inobservância dos requisitos objetivos estabelecidos no inciso VIII do artigo 30 do Código Eleitoral.

Não conhecimento. (Consulta n. 2250, Acórdão de 19.4.2012, Relator DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 19.4.2012.)

 

CONSULTA. PROPOSTA DE LEI. CARREIRAS E CARGOS REESTRUTURAÇÃO. CONDUTA VEDADA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PERÍODO ELEITORAL. INÍCIO. NÃO CONHECIMENTO. 1. A consulta é via inadequada para análise das condutas vedadas aos agentes públicos de que trata o art. 73 da Lei das Eleições, pois a comprovação de sua ocorrência demandaria a verificação de circunstâncias do caso concreto. 2. Ademais, iniciado o processo eleitoral, não se conhece de consulta, porquanto seu objeto poderá ser apreciado pela Justiça Eleitoral também em caso concreto. 3. Consulta não conhecida. (Consulta n. 103683, Acórdão de 16.9.2014, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 188, Data 7.10.2014, Página 43.)

 

CONSULTA. REDISTRIBUIÇÃO DE SERVIDORES. ART. 73, INC. V, DA LEI Nº 9.504/1997. PERÍODO ELEITORAL. NÃO CONHECIMENTO. Conforme a jurisprudência do TSE, não se conhece de consulta em período eleitoral, pois o pronunciamento deste Tribunal poderia resultar em manifestação acerca de caso concreto. (Consulta n. 56215, Acórdão de 03.9.2014, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 183, Data 30.9.2014, Página 490.)

 

CONSULTA. CONSULENTE. PARTIDO POLÍTICO. PROCURAÇÃO. PODERES ESPECÍFICOS. DESNECESSIDADE. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. PERÍODO ELEITORAL. INÍCIO. NÃO CONHECIMENTO. 1. Iniciado o processo eleitoral, não se conhece de consulta, porquanto seu objeto poderá ser apreciado pela Justiça Eleitoral, em caso concreto. 2. Consulta não conhecida.(Consulta n. 1694, Acórdão de 26.8.2014, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 169, Data 10.9.2014, Página 258-259.)

 

CONSULTA. DISTRIBUIÇÃO FOLHINHAS DE NATAL. PARLAMENTAR. FELICITAÇÕES. ANO NOVO. PROPAGANDA. CONTORNOS DE CASO CONCRETO. NÃO CONHECIMENTO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de não conhecer de consultas que possibilitem a identificação dos ocupantes dos cargos a que se referem, sob pena de se consumar assistência jurídica ao consulente. Precedentes. 2. Consulta não conhecida. (Consulta n. 92706, Acórdão de 24.4.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 107, Data 10.6.2014, Página 48.)

 

Consulta. Propaganda Eleitoral. Utilização de imagem e voz de candidato em favor de outro cuja coligação agrega partidos concorrentes. Não se conhece de consulta em período eleitoral. Precedentes. Matéria já apreciada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Consulta não conhecida. (Consulta n. 171185, Acórdão de 07.8.2012, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 161, Data 22.8.2012, Página 115.)

Por tais razões, voto pelo não conhecimento da consulta.