RE - 2252 - Sessão: 30/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB de Senador Salgado Filho contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referentes ao exercício financeiro de 2014 e aplicou a penalidade de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de quatro meses, em virtude da falta de manutenção de conta bancária e de apresentação dos respectivos extratos contemplando todo o período do exercício (fls. 72-73v.).

Em suas razões (fls. 77-79), o recorrente sustenta que não movimentou recursos financeiros no ano de 2014 e que sua conta bancária foi encerrada por falta de movimentação, motivo pelo qual fica impossibilitada a juntada de extratos. Argumenta a existência de mera irregularidade, já que foi informado que a conta bancária estava inativa e que não foram recebidos recursos do Fundo Partidário. Requer o provimento do recurso.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa, conforme previsto em resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. No mérito, manifestou-se no sentido de que as falhas identificadas nestes autos seriam aptas a ensejar a aplicação da sanção de doze meses de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, mas a providência esbarra no princípio da não reformatio in pejus, pelo que se manifesta pela manutenção da decisão recorrida (fls. 84-93v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e merece ser conhecido. A sentença foi publicada em 07.6.2016 (fl. 75), e o recurso foi interposto em 09.6.2016 (fls. 77-79), dentro do prazo de três dias.

Passo ao enfrentamento da preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral e adianto que não prospera.

 

a) Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou preliminar de nulidade da sentença em face da ausência de observância do art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14 – que posteriormente foi revogada pela Resolução TSE n. 23.464/15, mas reproduziu dispositivo com teor bastante semelhante –, que prevê a citação dos dirigentes partidários em caso de parecer técnico ou ministerial pela desaprovação das contas.

Sobre a questão, há entendimento consolidado no âmbito deste Tribunal no sentido de que o litisconsórcio previsto na nova regulamentação de contas partidárias, por ser regra que interfere no exame do mérito do processo, é matéria que só deve ser aplicada nas prestações de contas dos exercícios financeiros do ano de 2015 em diante, nos termos do caput do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015”. Com esse entendimento o seguinte precedente:

Agravo Regimental. Partido político. Omissão quanto a apresentação das contas com relação ao exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A alteração da natureza da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições com aplicação imediata. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS, AgReg n. 11508, Relator Dr. Leonardo Tricot Saldanha, decisão publicada no DEJERS de 08.9.2015.)

Com efeito, a inteligência de que a Resolução TSE n. 23.432/14 trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores a sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Esse entendimento de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica.

Além disso, a declaração de nulidade e a consequente baixa dos autos para reabertura da instrução nem sequer teria utilidade ao feito, pois as contas foram reprovadas em face da ausência de abertura de conta bancária e de apresentação de extratos contemplando todo o período sob exame.

Nem sequer há determinação de restituição de valores ao Fundo Partidário ou de recolhimento de qualquer quantia ao Tesouro Nacional.

No processo eleitoral vige o princípio do prejuízo, máxima expressamente prevista no art. 219 do Código Eleitoral: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

No caso concreto, a citação dos responsáveis teria o condão de modificar o exame das contas caso houvesse apuração de falhas que pudessem ser esclarecidas pelos dirigentes partidários ou de dívida que pudesse ser cobrada destes enquanto pessoas físicas.

Porém, considerando que a própria agremiação reconhece que a conta bancária foi encerrada pela instituição financeira, não tendo sido reaberta no exercício e sem movimentação financeira por parte da agremiação, eventual declaração de nulidade não aproveitaria ao resultado útil do processo, razão pela qual rejeito a preliminar.

Portanto, afasto a preliminar.

 

b) Mérito: falta de abertura de conta bancária e apresentação de extratos

No mérito, o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB de Senador Salgado Filho teve as contas relativas ao exercício de 2014 desaprovadas em razão da ausência de manutenção de conta bancária e dos respectivos extratos, vindo a ser sancionado com a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de quatro meses.

Em suas razões, a agremiação sustenta que a falha se deve ao encerramento automático da conta corrente pelo banco, em função da falta de movimentação financeira, não havendo, no seu entender, mácula capaz de comprometer a transparência da contabilidade, pois o partido não recebeu recursos em dinheiro e nem quotas do Fundo Partidário, não relacionando qualquer receita no exercício.

De fato, os autos da prestação de contas demonstram que durante o exercício de 2014 o partido realizou apenas despesas operacionais no valor de R$ 394,00 (fl. 04), que constituíram resultado líquido negativo.

Nas fls. 67-68 estão colacionadas declarações de conta corrente fornecidas pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A., que demonstram montante de aplicações e disponibilidade de créditos zerados em relação à conta titularizada pelo partido, englobando o período de 07/2012 até 11/2013 e de 06/2015 até 05/2016.

As declarações se referem à mesma conta (Ag. n. 660, conta n. 06.058156.0-5), sendo que também se encontra nos autos uma cópia de sua proposta de abertura que, embora datada de 12.6.2015, informa, em seu item 4.2, que “A conta será encerrada quando: decorridos 120 dias da última movimentação e estando a conta com SALDO ZERO, sem pendência de encargos e/ou aplicações”.

O único motivo para a desaprovação das contas apontado pelo juízo a quo é a ausência de juntada dos extratos bancários.

Estou ciente da jurisprudência deste Tribunal, que há muito tempo tem exigido dos partidos políticos a abertura de conta bancária e a apresentação de extratos zerados a fim de provar a alegação de falta de movimentação financeira. Pela lealdade ao debate, colaciono precedentes nesse sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2008. Aprovação com ressalvas no juízo originário. Ausência de abertura de conta bancária específica. Irresignação ministerial consignando a ocorrência de vício insanável.

Providência imprescindível para a aferição da movimentação financeira do partido e para comprovar, através dos extratos bancários, a alegada ausência de receitas e despesas. Circunstância que torna inviável o exame de regularidade das contas, impondo a sua desaprovação.

Aplicação da suspensão das cotas do Fundo Partidário, de acordo com o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 12.034/09. Dosimetria da sanção após consideração de critérios objetivos, consistentes na análise da gravidade das falhas, dos precedentes jurisprudenciais, do conjunto de irregularidades e do correspondente percentual impugnado em face do total movimentado pela agremiação. Razoabilidade e proporcionalidade para estipular em oito meses a perda das cotas do referido fundo.

Provimento.

(TRE-RS, Prestação de Contas n. 195243, Acórdão de 11.11.2011, Relatora DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 197, Data 16.11.2011, Página 9).

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Arts. 10 e 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 21.841/2004. Exercício financeiro de 2010.

Aprovação no juízo originário.

1. Contas zeradas. A apresentação de contas sem movimentação afronta a norma de regência.

2. A ausência de abertura de conta bancária inviabiliza a verificação da destinação dos recursos movimentados pelo partido, comprometendo a regularidade e a transparência da demonstração contábil.

Omissões que ensejam a desaprovação das contas.

Suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário por quatro meses.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4861, Acórdão de 26.11.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 220, Data 28.11.2013, Página 4).

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral. Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 3350, Acórdão de 25.01.2016, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 29.01.2016, Página 4).

No caso dos autos, todavia, entendo que essa posição possa ser flexibilizada porque o partido, efetivamente, abriu a conta bancária em exercício anterior, o que se comprova pela juntada de declaração de conta zerada, a qual foi fechada pelo banco a sua revelia, justamente, por falta de movimentação bancária, em cumprimento aos termos do contrato assinado com a instituição financeira.

Tendo em conta a ausência de notícia de indícios de fraude ou má-fé, e, ainda, considerando a circunstância de tratar-se de partido político instalado em município com pouco mais de 2.500 eleitores, proponho que sejam aplicados ao feito os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que consideram a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas quando a irregularidade não se revele de magnitude necessária a atrair a desaprovação das contas de partido político, se não houve movimentação financeira no exercício.

A Corte Superior Eleitoral, em hipóteses específicas, como a dos autos, nas quais analisam-se contas com valores módicos ou irrisórios, admite até mesmo a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a prova da falta de movimentação financeira puder ser suprida por outros meios igualmente idôneos, situação verificada nos autos, diante da juntada das mencionadas declarações e dos termos da proposta de abertura de conta:

O TRE/MT consignou, ainda, que “o partido político não teve lucro nem prejuízo acumulado ao longo do exercício; não tem patrimônio próprio; não teve despesas; não tem obrigações a pagar [e] não distribuiu recursos de fundo partidário a nenhum candidato ou integrante da legenda” (fl. 75).

Em hipóteses como a dos autos, o Tribunal Superior Eleitoral tem mitigado a exigência de abertura da conta bancária. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional. [...]

(AgR-REspe 66-98/MT, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 23.5.2014.) (Grifei.)

 

[...] - Ainda que se tenha averiguado a ausência de abertura de conta bancária específica por diretório municipal, tal fato, por si só, não enseja a desaprovação das contas do partido, consideradas as peculiaridades do caso, em que foi reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral a realização de uma única despesa, de valor diminuto, relativa ao exercício financeiro. [...]

(AgR-REspe 30-93/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 17/10/2012)

(TSE, RESPE 353620116110041, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 1.8.2014).

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional.

2. Agravo regimental não provido

(TSE, AgR-REspe n. 66-98/MT, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 23.5.2014.)

Portanto, a falha não impediu o controle das contas pela Justiça Eleitoral, havendo manifesta falta de arrecadação de recursos em espécie no período em exame.

A Lei n. 13.165/15, que institui a reforma eleitoral, incorporou esse entendimento ao incluir o § 4º ao art. 32 da Lei n. 9.096/95, que dispõe: “os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral, exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período”.

Com muito respeito ao pensamento contrário, entendo que, por ser a razão do encerramento da conta a falta de movimentação financeira, deve ser considerada comprovada a falta de recebimento de recursos em espécie, conclusão que se afigura muito mais razoável e proporcional do que o juízo de desaprovação.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo provimento parcial do recurso para o fim de aprovar as contas com ressalvas.