AP - 135214 - Sessão: 02/08/2016 às 17:00

 

Pedi vista dos autos para verificar a possibilidade da extensão dos efeitos do decreto absolutório à Maria de Godoy Grade e Michele de Paula da Silva, que aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo.

No mérito, a presente ação penal teve seguimento para apurar a prática do delito de corrupção eleitoral, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, assim descrito na denúncia:

No início do mês de dezembro de 2012, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE, na condição de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Estância Velha, candidatos a reeleição, agindo concertadamente, no Município de Estância Velha, ofereceram e prometeram a MICHELE DE PAULA DE SILVA uma unidade habitacional em troca de voto para a reeleição de 2012 – fls. 17-18.

Além disso, dois dias antes das eleições, que ocorreram no dia 07 de outubro de 2012, JOSÉ WALDIR ofereceu e entregou a MICHELE DE PAULA DA SILVA, em sua residência no Município de Estância Velha, a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais) para que ela pagasse a conta de energia elétrica de sua residência. MICHELE aceitou tal valor.

Deste modo, os denunciados JOSÉ WALDIR e MARIA IVETE ofereceram unidade habitacional a MICHELE em troca de voto. Além disso, JOSÉ WALDIR deu a MICHELE o valor de duzentos reais para obter voto. A denunciada MICHELE, por sua vez, recebeu para si dinheiro para dar voto.

O eminente relator asseverou que o testemunho de Michele, que era a principal prova da prática criminosa, restou retificado em juízo. Embora não concorde, na linha da jurisprudência remansosa, em valorar o depoimento de Michele de Paula na condição de testemunha, pois que se trata de corré - obviamente o seu depoimento é suspeito porque também a isenta da prática criminosa, estou propondo a extensão a ela da absolvição. As demais provas coligidas aos autos, conquanto apontem para uma possível irregularidade na distribuição de habitações populares, não são suficientes para demonstrar, acima de qualquer dúvida razoável, a efetiva prática do específico fato imputado ao acusado José Waldir Dilkin, devendo-se aplicar aqui o princípio in dubio pro reo.

Por outro lado, como o fato envolvia as corrés Maria de Godoy Grade e Michele de Paula da Silva, que aceitaram a suspensão condicional do processo, forçosa a incidência da teoria monista, que preconiza que o crime, ainda que praticado por várias pessoas em colaboração, continua único, indivisível.

Pela teoria monista, o crime, ainda que praticado por várias pessoas em colaboração, continua único, indivisível. Assim, todo aquele que para ele concorra, causa-o na sua totalidade e por ele responde integralmente, de vez que o crime é o resultado da conduta de cada um e de todos indistintamente, não se distinguindo entre as várias categorias de pessoas: autor, partícipe, instigador, cúmplice etc. Todos são considerados autores ou coautores do crime. Esta foi a teoria adotada pelo Código Penal de 1940 ao estatuir em seu art. 25 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Essa concepção, conforme já se disse, parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado, donde se deduz que toda a pessoa que contribui para a sua produção o causa em sua totalidade e, portanto, por ele deve responder integralmente. Por uma questão de política criminal, houve por bem o legislador estabelecer que todos os participantes do crime são autores, evitando, assim, uma série de questões que poderiam, naturalmente, decorrer das definições de autores, partícipes, participação necessária, auxilio necessário, auxilio secundário etc. A reforma penal de 1984, ao estabelecer no art. 29 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, dá a entender que continua agasalhando a teoria igualitária, pois dispôs haver um só crime e que todos por ele respondem. Todavia, sensível às constantes críticas e, sobretudo, a decisões manifestamente injustas em face da teoria monista, o legislador abrandou seus rigores, distinguindo a punibilidade de autoria e participação.

Assim, cabível a extensão dos efeitos dessa decisão absolutória às corrés Maria de Godoy Grade e Michele de Paula Silva, de modo a revogar o benefício da suspensão condicional do processo, conforme preceitua o art. 580 do CPP, consoante pacífica jurisprudência:

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. ILÍCITO TIPIFICADO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. PREFEITO. COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INSUFICIÊNCIA PARA UM DECRETO CONDENATÓRIO. DENÚNCIA IMPROCEDENTE. ABSOLVIÇÃO. BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. EXTENSÃO DA DECISÃO AOS QUE ACEITARAM O SURSIS.

Encontrando-se o denunciado no exercício do cargo de prefeito municipal, competente é este Tribunal Regional para apreciar e julgar processo-crime eleitoral contra ele instaurado (art. 29, inciso X, da Constituição Federal c.c. o 84 do CPP), nos termos da Lei n. 8.038/90 e Resolução TREMS n. 281/03, estendendo-se tal foro por prerrogativa de função aos demais denunciados por força da conexão (arts. 76, inc.I, e 78, inc. IV, do CPP), prevalecendo dessa forma a unidade processual.

Sendo possível identificar da peça de acusação os beneficiários da benesse supostamente concedida, bem como igualmente compreensível a imputação do crime, com todas as circunstâncias e fundamentos fático-jurídicos, não gerando qualquer prejuízo à defesa, não há falar-se em inépcia da inicial.

Para a condenação é indispensável a existência de prova segura, firme e valiosa. Confissões frágeis, contraditórias e infirmadas não servem para evidenciar o ilícito e muito menos para incutir a certeza de seu cometimento, imprescindível à condenação penal. Não restando provado nenhum dos verbos elencados no tipo criminal do art. 299 do Código Eleitoral, nem a dação, nem o oferecimento, nem a promessa, nem a solicitação e nem o recebimento de dinheiro em troca de voto ou abstenção, devem os réus ser absolvidos, nos termos do art. 386, inciso VI, do CPP.

O descumprimento de qualquer condição imposta pelo juízo criminal é causa facultativa da revogação do sursis processual, a teor do § 4.º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, não estando, portanto, obrigado a fazer cessá-lo.

Nesses termos, considerando a absolvição exarada e não obstante o cumprimento parcial das condições impostas e a facultatividade da revogação do benefício in casu, revoga-se a suspensão concedida, estendendo-se a improcedência da denúncia aos corréus que aceitaram o benefício do sursis.

(AÇÃO PENAL ORIGINARIA n. 17, Acórdão n. 6105 de 11.5.2009, Relator ARY RAGHIANT NETO, Publicação: DJ - Diário de justiça, TRE-MS - Tomo 1970, Data 25.5.2009, Página 328/329.) (Grifei.)

 

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. TENTATIVA. ART. 171, CAPUT, C/C O ART. 14, INC. II, C/C O ART. 29, TODOS DO CÓDIGO PENAL, SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.a)- PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. TESES ALTERNATIVAS DE ‘INSUFICIÊNCIA DE PROVAS’ OU DE ‘NÃO CONSTITUIR O FATO INFRAÇÃO PENAL’. CONJUNTO PROBANTE SÓLIDO, ATESTANTO TÃO-SÓ A PRÁTICA DE ATOS PREPARATÓRIOS E QUE, ADEMAIS DISSO, SEQUER INDICAM QUAL SERIA O CRIME SUPOSTAMENTE VISADO PELOS DOIS DENUNCIADOS. COMPROVAÇÃO DE QUE OS FATOS NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. INTELIGÊNCIA DO ART. 386, INCISO III, DO CPP. EXTENÇÃO À CORRÉ NÃO APELANTE (ART. 580, DOCPP).b)- CORRÉU BENEFICIADO COM O "SURSIS PROCESSUAL". ABSOLVIÇÃO POR ANALOGIA (ART. 580, DO CPP). DECRETAÇÃO DE OFÍCIO.PRECEDENTES.[...] - CONCURSO DE AGENTES - ACUSADO NÃO APELANTE - BENEFICIÁRIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO ABSOLUTÓRIA - ADMISSIBILIDADE - APLICAÇÃO DO ART. 580 DO CÓDIGO DF PROCESSO PENAL POR ANALOGIA. É admissível a extensão dos efeitos da decisão absolutória ao acusado não apelante, anteriormente beneficiado com a suspensão condicional do processo, por analogia ao art. 580 do Código de Processo Penal, quando os motivos da absolvição não forem de caráter exclusivamente pessoal

(TRE-SC, Acórdão, n. 21.675, de 16.05.2007, Juiz José Isaac Pilati). RECURSO PROVIDO, COM MEDIDA DE OFÍCIO. (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 1307659-8 - Curitiba - Rel.: Sônia Regina de Castro - Unânime  - J. 08.10.2015.

 

Aqui nesta Corte igualmente foi decidido nesse sentido:

Recurso criminal. Condenação nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral. Suporte probatório insuficiente. Provimento, estendido o efeito da decisão ao corréu não recorrente.

(TRE-RS, Processo n. 10002301, Rel. Des. Marco Antônio Barbosa Leal, julgado em 19 de março de 2002.)

 

Anoto que tal extensão de efeitos configura reformatio in mellius, instituto que é amplamente aceito pela jurisprudência, mesmo operada em exame de recurso exclusivo da acusação. Para elucidar, cito decisões do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA APLICAÇÃO DE FRAÇÃO DIVERSA DO MÁXIMO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Verificado, de plano, na decisão impugnada, ao ser restabelecida a condenação do agravado pelo crime de tráfico de drogas, que não houve a indicação de qualquer elemento concreto para a incidência da redução do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no patamar diverso do máximo, é possível a esta Corte o redimensionamento da pena, diante da manifesta ilegalidade evidenciada, sem qualquer violação do entendimento firmado na Súmula 7/STJ.

2. Esta Corte firmou compreensão no sentido de que "é admitida a reformatio in melius, em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in pejus." (REsp 628.971/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 12.4.2010.) 3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1186155/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05.5.2016, DJe 18.5.2016.)

 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE.

1. Esta Corte firmou compreensão no sentido de que é admitida a reformatio in melius, em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in pejus.

2. A concessão da ordem, de ofício, para absolver o Réu, não se deu por meio da análise do recurso constitucional, mas sim nos autos de recurso de apelação. Divergência jurisprudencial não comprovada.

3. Ademais, é permitido à instância revisora o exame integral da matéria discutida na demanda, face ao amplo efeito devolutivo conferido ao recurso de apelação em matéria penal.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 628.971/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16.3.2010, DJe 12.04.2010.) (Grifei.)

 

Com essas singelas considerações, acompanho o eminente relator quanto ao decreto absolutório, agregando a necessária extensão dos efeitos dessa decisão às corrés Maria de Godoy Grade e Michele de Paula da Silva, revogando a suspensão condicional do processo por elas aceita à fl. 919 dos autos.