RE - 4325 - Sessão: 24/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por BRAIR TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA contra decisão do Juízo da 128ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a recorrente.

Na sentença (fls. 524-530), o juízo considerou comprovada a doação para campanha eleitoral no valor de R$ 20.000,00, realizada em outubro de 2014. Concluiu que, uma vez que a empresa foi constituída apenas em 2014, todo o montante da contribuição representou excesso ao limite legal, eis que inexistente faturamento no ano de 2013, impondo-se a penalidade prevista no art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Condenou a representada à pena de multa no valor de R$ 100.000,00, afastando, porém, o pedido inicial para que fosse aplicada a penalidade de proibição de participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público.

Em suas razões recursais (fls. 535-544), a recorrente sustenta que o limite de doação deve considerar o rendimento bruto de todas as pessoas jurídicas do grupo econômico no qual inserida, requerendo a improcedência da representação. Subsidiariamente, alega afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosagem da sanção, postulando o integral afastamento da multa aplicada, uma vez que, diante da ausência de potencial lesivo da conduta, seria excessiva ainda que aplicada no mínimo legal.

Com as contrarrazões (fls. 546-549v.), nesta instância, os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.
 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão recorrida foi publicada em 15 de junho de 2016, numa quarta-feira (fls. 532-533), e o recurso interposto no dia 20 do mesmo mês, numa segunda-feira, dentro do prazo de 3 dias do art. 34 da Resolução TSE n. 23.398/2013.

Primeiramente, cumpre estabelecer a norma jurídica aplicável ao caso, pois a Lei n. 13.165, de 29.9.2015, revogou o art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, desde que observado o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição.

O fato narrado nos autos ocorreu no pleito eleitoral de 2014, sua análise, portanto, terá como premissa a aplicação da legislação vigente naquela época, ou seja, o art. 81 da Lei n. 9.504/97 em sua redação original, com fundamento no princípio tempus regit actum.

Além disso, no julgamento da ADI n. 4.650/DF, rel. Min. Luiz Fux, em 17.9.2015, o STF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições eleitorais pelas pessoas jurídicas, expressamente declarando a eficácia ex tunc da decisão para as eleições de 2016 em diante, salvaguardadas as situações concretas consolidadas até o aquele momento.

Dessa forma, concluo que nem a alteração legislativa nem a decisão da Corte Excelsa produzem reflexos sobre as doações eleitorais de pessoas jurídicas realizadas no contexto das Eleições de 2014, que continuam reguladas pela legislação então vigente, inclusive no tocante ao sancionamento por inobservância dos limites legais.

No mérito, cuida-se de recurso em representação por doação acima do limite legal previsto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, em sua dicção original:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.
§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

 Na hipótese dos autos, a representada efetuou doação, no pleito de 2014, no valor de R$ 20.000,00 (fl. 18). Porém, uma vez que constituída apenas em 2014 (fls. 215-238), a empresa não obteve faturamento bruto no ano anterior, razão pela qual todo aquele montante foi considerado como extrapolamento do limite insculpido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

A recorrente argumenta que não realiza suas atividades empresariais de forma isolada, mas compõe um grupo econômico constituído por três pessoas jurídicas – Brair Transportes e Logística Ltda, Brair Imóveis Ltda e Brair e Brair Ltda., as quais possuem idêntico quadro social e operam de modo integrado. Assim, aduz que os rendimentos brutos tomados como referência para o limite de doação deve abarcar o somatório do obtido por todas as participantes do grupo empresarial, o qual, no caso, ultrapassaria a cifra de R$ 6.000.000,00.

Contudo, a tese não prospera.

A jurisprudência está consolidada no sentido de que, ainda que se trata de ente integrante grupo econômico, se cada componente detém personalidade jurídica distinta, CNPJ específico e receita financeira própria, o limite passível de doação às campanhas eleitorais é aferido de forma individualizada sobre o faturamento bruto de cada empresa parte.

A ilustrar, cito os seguintes precedentes do TSE:

ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL PARA CAMPANHA. PESSOA JURÍDICA.

1. Afastadas as preliminares de decadência, de ilegitimidade ativa e de inépcia da inicial e a prejudicial de inconstitucionalidade.

2. O limite de 2% deve ser calculado isoladamente sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, não abrangendo os grupos empresariais, que, apesar de possuírem interesses comuns, são, em regra, entes despersonalizados e sem patrimônio próprio. Precedentes.

3. A fixação de multa abaixo do mínimo legal significaria negar vigência à disposição legal que estabelece os limites para a sanção pecuniária.

4. Acórdão regional em desarmonia com o entendimento do TSE.

5. Decisão agravada mantida pelos próprios fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 132669, Acórdão de 10/11/2015, Relator(a) Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 23, Data 02/02/2016, Página 243)  (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. PESSOA JURÍDICA. LIMITE LEGAL. FATURAMENTO BRUTO. GRUPO ECONÔMICO. MULTA. MÍNIMO LEGAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência deste Tribunal Superior não se reconhece a decadência se a representação por doação de recursos acima do limite legal foi ajuizada dentro do prazo de 180 dias contados da diplomação perante o órgão judiciário competente à época para o seu processamento e julgamento.

2. Em razão do princípio da unicidade do Ministério Público, pode o Promotor Eleitoral ratificar os atos anteriormente praticados pelo Procurador Regional Eleitoral.

3. Na dicção do art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97, o limite de 2% (dois por cento) deve ser calculado sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, não abrangendo os grupos empresariais, que, apesar de possuírem interesses comuns, são, em regra, entes despersonalizados e sem patrimônio próprio. Precedentes.

4. É proporcional e razoável a cominação da multa em seu mínimo legal, correspondente a cinco vezes a quantia em excesso nos casos de doação acima do limite permitido.

5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 1930, Acórdão de 05/02/2015, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 109, Data 11/06/2015, Página 5)

Este Tribunal Regional já se manifestou no mesmo sentido, por oportunidade do julgamento do RE 30-33, de minha relatoria, decisão unânime, sessão de 11.7.16, cuja ementa transcrevo:

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81 da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Apenas pessoas jurídicas já existentes e que tenham declarado rendimentos no ano que antecede as eleições podem efetuar doações para campanhas eleitorais, limitadas a 2% do faturamento bruto. No caso, empresa constituída no ano da eleição. Ausente o faturamento bruto no ano anterior ao pleito, caracteriza-se como excesso o próprio valor doado. Desconsidera-se, para o cálculo do montante despendido, o faturamento obtido pelo grupo econômico ao qual pertence a pessoa jurídica doadora, incidindo a norma sobre a empresa, de forma individualizada.

Confirmada a ilicitude, há incidência objetiva de sanção eleitoral, despicienda a análise do porte da empresa ou de sua capacidade econômica. Manutenção da multa imposta.

Provimento negado.  (Grifei.)

Não se olvida que outras especializações do direito aplicam a figura do grupo econômico de empresas em determinados casos, a exemplo do direito tributário, consumerista e ambiental, consoante narrado na irresignação recursal. Contudo, essas disposições visam prevenir o inadimplemento obrigacional e proteger credores, sendo veiculadas por regras expressas e específicas de responsabilizações solidárias ou subsidiárias, sendo inaplicáveis por via extensiva às peculiaridades e escopos do direito eleitoral.

Com efeito, o regramento sobre doações de campanha não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica individual dos entes que compõe o grupo societário, tampouco prevê a responsabilização solidária ou subsidiária entre empresas, ainda que demonstrada a existência fática de uma unidade empresarial. Compreensão diversa resultaria em indevido elastecimento dos limites legais arbitrados pelo legislador.

Ademais, o art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 tem como finalidade evitar o financiamento de campanhas eleitorais à margem da lei, de modo a atenuar a influência do poder econômico do doador sobre as eleições.

Identificado excesso na doação, o aludido dispositivo estabelece as sanções de multa no valor de cinco a dez vezes o excedente e de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público por cinco anos.

A norma tem caráter objetivo, presumindo da sua violação o desequilíbrio entre os candidatos na campanha eleitoral e a lesão à legitimidade do pleito. Assim, não cabe ao legislador ponderar sobre o porte da empresa, sua estrutura operacional ou sua capacidade de desequilibrar ou não o pleito com abuso de poder econômico.

É esta a posição francamente amparada pela jurisprudência do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO. LIMITE DE 2% CALCULADO SOBRE O FATURAMENTO BRUTO DAS PESSOAS JURÍDICAS, ISOLADAMENTE. DESPROVIMENTO.

1. Decadência não verificada. Tendo a ação sido proposta pela parte legítima dentro do prazo de 180 dias, no Juízo competente à época, mesmo que tenha havido modificação posterior da competência, não há falar em decadência (tema debatido e decidido, por unanimidade, na sessão do dia 30.4.2013, no julgamento do AgR-REspe nº 682-68/DF, de minha relatoria).

2. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso do poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

3. O limite de 2% deve ser calculado sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, isoladamente, não abrangendo os grupos empresariais, que, apesar de possuírem interesses comuns, são, em regra, entes despersonalizados e sem patrimônio próprio.

4. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 34429, Acórdão de 15/10/2013, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 212, Data 6/11/2013, Página 44)  (Grifei.)

Quanto ao sancionamento, percebe-se que o juízo sentenciante aplicou a multa no patamar de cinco vezes o valor da doação de R$ 20.000,00, totalizando R$ 100.000,00.

Agiu com acerto o magistrado, pois, inexistindo receitas no ano anterior à eleição, a pessoa jurídica estava impedida de efetuar contribuições de campanha em qualquer valor. Assim, todo o valor doado deve ser considerado desbordamento da baliza legal, consoante iterativa jurisprudência desta Corte Eleitoral:

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Matéria preliminar: 1) Não evidenciada a inépcia da inicial. Representação instruída com informações necessárias para sua propositura, apta a possibilitar o exercício da ampla defesa; 2) Reconhecido, entretanto, o cerceamento de defesa na falta de publicação, no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, do despacho em que designada a data de oitiva de testemunha arrolada pelo representante. Falha que enseja a declaração de nulidade da prova oral, mas não do processo. Ausência de prejuízo à defesa. Situação sem repercussão no julgamento, uma vez que a sentença não se baseou na prova testemunhal para a condenação do representado.

A inexistência de faturamento bruto no ano anterior ao da eleição impede seja feita doação de qualquer valor. O excesso praticado equivale, in casu, ao montante integral doado. O comando disposto na norma do art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 é de aplicação objetiva. Ultrapassados os limites impostos, que restringem a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência de sanção eleitoral. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação dos limites impostos.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral nº 1968, Acórdão de 21/06/2016, Relator(a) DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 111, Data 23/06/2016, Página 6) (Grifei.)

Nesse ponto, uma vez já realizado o sancionamento no marco mínimo, não há que se falar em incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para afastar ou reduzir as penalidades da lei.

Esses postulados já se verificam presentes na fixação da sanção estabelecida pelo legislador. Desse modo, afastar a sanção pecuniária com base na razoabilidade significaria negar vigência à própria norma, conforme se manifestou o TSE:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO DE RECUSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 23 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 16628, Acórdão de 17/12/2014, Relator(a) Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 35, Data 23/02/2015, Página 53) (Grifei.)

Assim, a decisão recorrida deve permanecer íntegra em todos os seus termos.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.