E.Dcl. - 5943 - Sessão: 19/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos modificativos, opostos pela PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em face do acórdão das fls. 1.243-1.254, da relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, o qual, por unanimidade, desaprovou a prestação de contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, relativa ao exercício financeiro de 2012, cominando-lhe as sanções de recolhimento do valor de R$ 378.805,46 ao Tesouro Nacional, e suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de um mês, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 152.272,97, e provenientes de fontes vedadas, no montante de R$ 226.532,49.

Sustenta que a decisão foi omissa quanto ao pedido de citação dos dirigentes partidários formulado em parecer ministerial, tendo sido violados: a) os arts. 34, II e 37, da Lei n. 9.096/95; b) os arts. 18, 10, 20, 28 e 33, todos da Resolução TSE n. 21.841/04; c) os arts. 31, 38 e 67, todos da Resolução TSE n. 23.432/14; e d) os arts. 31, 38 e 65, todos da Resolução TSE n. 23.464/15. Além disso, afirma a existência de contradição quanto ao prazo determinado para a suspensão de quotas do Fundo Partidário, uma vez que a legislação prevê o período de um ano para a hipótese de recebimento de recursos de fontes vedadas, e, para o caso de valores com origem não identificada, a suspensão até o esclarecimento da questão perante a Justiça Eleitoral, nos termos do art. 36, II c/c art. 31, da Lei n. 9.096/95, e art. 28, II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Alega que o prazo de suspensão diverge de outro acórdão prolatado por este Tribunal, no qual a penalidade foi fixada em 12 meses, e que a quantia apontada no arresto é expressiva, podendo ser aplicado, no mínimo, o prazo de oito meses de suspensão. Requer o prequestionamento dos dispositivos suscitados e a atribuição de efeitos infringentes (fls. 1.268-1.272v.).

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

O primeiro fundamento para a oposição dos declaratórios refere-se à falta de manifestação deste Tribunal quanto ao pedido de citação dos dirigentes partidários, formulado pela Procuradoria Regional Eleitoral no parecer das fls. 982-996v.

Embora o argumento de que não houve pronunciamento, do exame dos autos observa-se que o requerimento foi expressamente analisado pelo então relator, Dr. Leonardo Tricot Saldanha, na decisão da fl. 998, proferida logo após a juntada do parecer ministerial, nos seguintes termos:

Assim, aplico ao feito o rito estabelecido no art. 38 da Res. TSE n. 23.432/14, que prevê o oferecimento de defesa em caso de irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela unidade técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, dispensada a intimação dos dirigentes partidários nos termos da jurisprudência consolidada deste Tribunal (Agravo Regimental n. 90-92, rel. Dr. Hamilton Langaro Dipp, DJE 27.8.2015, p. 3).

Depois dessa decisão, quando novamente teve vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral apresentou a promoção da fl. 1241 e verso, que se limitou a retificar em parte e a ratificar os termos do parecer das fls. 982-996v., e a informar a impetração de mandado de segurança contra a decisão que indeferiu o pedido de citação dos responsáveis do partido.

Portanto, a questão foi decidida no curso da tramitação.

Em virtude da menção de que a temática está consolidada no âmbito deste Tribunal, da falta de renovação ou referência específica quanto aos dirigentes partidários na última promoção juntada aos autos, e da notícia de que a matéria estava sendo discutida via mandado de segurança, penso que se concluiu pela ausência de necessidade de reiterar o indeferimento.

Não obstante, em atenção às disposições previstas nos arts. 1.022 e 489, § 1º, inc. IV, do CPC, ora invocados pela Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que o pedido de manifestação expressa pode ser acolhido para que seja consignado no acórdão a posição do Tribunal sobre a citação dos dirigentes partidários no presente processo de prestação de contas, relativo ao exercício financeiro de 2012.

A previsão de que os responsáveis pelas contas dos partidos políticos devem integrar o processo de prestação de contas, a fim de que sua responsabilidade por eventuais irregularidades seja apurada pela Justiça Eleitoral nos próprios autos, é regra que decorre da edição da Resolução TSE n. 23.432, publicada em 30.12.2014.

Até essa nova regulamentação, a Resolução TSE n. 21.841/04 disciplinava as finanças partidárias, e apenas previa a apuração da responsabilidade dos integrantes das legendas em caso de malversação dos recursos públicos do Fundo Partidário, nos autos de procedimento administrativo da tomada de contas especial, realizada pelo TCU após o trânsito em julgado da decisão de mérito sobre as contas.

A Resolução TSE n. 23.432/14 teve vigência por aproximadamente um ano, e foi posteriormente revogada pela Resolução TSE n. 23.464/15, de 21.12.2015, mas essa nova norma manteve a disposição relativa à citação dos dirigentes partidários, que foi inaugurada pela resolução revogada.

O TRE-RS, ao examinar a matéria, atentou para outra determinação também estabelecida na Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015” (art. 67).

Para bem esclarecer que apenas as novas regras processuais deveriam ser imediatamente aplicadas aos processos em tramitação, mormente no que concerne ao novo rito introduzido pela Resolução TSE n. 23.432/14, o qual assegura a apresentação de defesa, com ampla produção de provas, e de alegações finais, o TSE publicou a Portaria n. 107/15, informando que as prestações de contas partidárias anuais, pertinentes ao exercício de 2014 e anos anteriores, ainda não entregues à Justiça Eleitoral, devem observar os termos da Resolução TSE n. 21.841/04 quanto ao seu mérito.

Diante desse quadro, ao considerar a possibilidade de citação dos dirigentes partidários para apuração de sua participação nas falhas eventualmente constatadas nas contas, este Tribunal entendeu que essa previsão regulamentar significa a formação de um litisconsórcio necessário entre a agremiação, o presidente e o tesoureiro do partido, e que esse instituto não poderia ser aplicado de forma retroativa a processos de prestação de contas que já estavam em tramitação ou que se referiam a exercícios financeiros anteriores ao de 2015.

Os principais argumentos ponderados pela Corte são os de que, até o ano de 2015, os dirigentes não figuravam na qualidade de partes dos processos, e que as contas anteriores ao execício de 2015 são instruídas com base na Resolução TSE n. 21.841/04, que não prevê a citação dos responsáveis da agremiação, devendo ser aplicada ao caso a regra de direito intertemporal, segundo a qual deve prevalecer o princípio do tempus regit actum.

Ponderou-se que eventual condenação pessoal dos gestores das finanças partidárias, em prestação de contas relativa a exercício anterior às novas resoluções, poderia sugerir afronta ao postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, princípio que se projeta sobre a estabilidade das relações jurídicas.

Com esse raciocínio, o TRE-RS firmou o entendimento de que a citação e a penalização dos dirigentes partidários, em processos de prestação de contas, só pode ocorrer a partir dos feitos relativos ao exercício de 2015 em diante.

Considera-se que o litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes é matéria que interfere diretamente no exame de mérito das prestações de contas, pois afeta direito material e não apenas direito processual, em virtude de tratar de responsabilização solidária, da sujeição de cobrança por meio do cumprimento de sentença, inclusive com possibilidade de protesto da decisão judicial e de inclusão do nome no cadastro de inadimplentes, conforme estabelece o Código de Processo Civil.

Além disso, o Tribunal assentou que a responsabilização a ser apurada no julgamento das contas deve seguir as regras da responsabilidade civil subjetiva, com verificação do nexo causal entre a conduta, omissiva ou comissiva, dos responsáveis pelas contas, e o débito ou o dano ao erário apurado, não havendo razão para formação de litisconsórcio unitário, devendo ser observada a regra do art. 117 do CPC, no sentido de que os atos e as omissões de um litisconsorte não prejudicarão nem beneficiarão os outros.

No tocante à apuração da responsabilidade dos dirigentes das agremiações, a previsão regulamentar deve, inclusive, atentar para o § 13 do art. 37 da Lei n. 9.096/95, introduzido pela Lei n. 13.165/15, que instituiu a minirreforma eleitoral:

§ 13 - A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.

Todas essas questões demonstram que, longe de ser mera regra processual, a inclusão dos responsáveis como partes nas contas é matéria de mérito que não deve ser imediatamente aplicada aos processos de exercícios anteriores ao de 2015.

Essa compreensão de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis serem citados para se defender das irregularidades constatadas nas contas partidárias, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito.

Colaciono precedente deste Tribunal que bem sintetiza a questão:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão do feito dos responsáveis pela administração financeira da agremiação partidária. Alegada aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, a qual institui mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no caput do artigo 67 da aludida resolução, estabelecendo que as normas de natureza material somente se aplicam às prestações relativas aos exercícios financeiros a partir de 2015. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais, uma vez que a Resolução TSE n. 23.432/14 altera o entendimento quanto à responsabilização dos dirigentes partidários, estabelecendo a regra da responsabilidade solidária, onde aqueles passam a responder de forma concomitante ao partido político pelas irregularidades contábeis, podendo figurar no mesmo título executivo como devedores solidários.

Tratando-se a determinação da inclusão dos responsáveis nos processos de prestação de contas partidárias como norma de natureza material, inaplicável ao caso concreto a nova orientação, subsistindo as disposições da Resolução TSE n. 21.841/04.

Provimento negado.

(Agravo Regimental n. 90-92, rel. Dr. Hamilton Langaro Dipp. DEJERS de 27.8.2015, n. 156, p. 3).

Acrescento, para finalizar, que tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5362, recentemente ajuizada contra a previsão de responsabilização e punição dos dirigentes partidários nas resoluções do TSE supracitadas, processo da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Portanto, especificamente quanto à alegação de omissão, acolho os embargos de declaração para o fim de consignar ser incabível a inclusão dos dirigentes partidários como partes, nos processos de prestação de contas relativos a exercícios financeiros anteriores a 2015, e que este entendimento não afronta nenhuma das disposições legais invocadas nos embargos de declaração.

Todavia, igual circunstância não ocorre com a alegada contradição na fixação do prazo de suspensão do Fundo Partidário.

A Procuradoria Regional Eleitoral afirma que ao aplicar a penalidade de um mês de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário o acórdão incorreu em contradição relativamente a outro julgado desta Corte e a disposições legais e regulamentares sobre as finanças partidárias.

Além disso, sustenta que os precedentes do TSE que adotaram o mesmo raciocínio e foram invocados na fundamentação do arresto devem ser desconsiderados, porque aqueles casos concretos trataram de irregularidades em patamar menor do que o constatado nos autos.

No entanto, a contradição que autoriza o cabimento de embargos de declaração é somente aquela existente entre a fundamentação e a conclusão do acórdão.

Estando o fundamento do acórdão em perfeita harmonia com a sua conclusão, não há se falar na existência de vício que enseja a interposição de embargos de declaração para saná-lo, pois o recurso não serve para provocar rejulgamento da causa com vistas a alinhar o novo pronunciamento aos interesses da parte embargante.

No tocante à reprimenda aplicada ao partido, o acórdão é muito claro e assertivo quanto aos argumentos delineados para alcançar o raciocínio de que deveria ser aplicado o prazo de um mês de suspensão de repasse de novas quotas.

Em síntese, considerou-se que o total de falhas constadas nas contas representa apenas 7,98% dos recursos arrecadados no exercício e, a partir da realização de um juízo de ponderação, entendeu pela aplicação da penalidade fixada na redação original do art. 37 da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos), em invés de aplicar o inc. II do art. 36, com base em precedentes jurisprudenciais do TSE, entendimento que pareceu mais adequado, razoável e proporcional ao caso concreto.

Portanto, não há contradição em relação a esse ponto e sim irresignação, circunstância que deve ser levada à apreciação da superior instância recursal, pois as hipóteses de cabimento do apelo especial eleitoral são, justamente, a afronta à disposição legal e a divergência jurisprudencial entre dois ou mais tribunais eleitorais.

 

ANTE O EXPOSTO, voto pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração para o fim de sanar a omissão apontada e agregar ao acórdão ser incabível a inclusão dos dirigentes partidários como partes, nos processos de prestação de contas relativos a exercícios financeiros anteriores a 2015, consignando que não restaram violadas quaisquer das disposições legais invocadas, nos termos da fundamentação.