E.Dcl. - 73795 - Sessão: 13/07/2016 às 16:00

RELATÓRIO

ADAIR JOSÉ TROTT, RENZO THOMAS, TANIA ROSANE PORSCH, VALTER HATWIG SPIES, RANIERI TONIM e COLIGAÇÃO PRA CONTINUAR CRESCENDO (PP/PTB) opõem embargos de declaração (fls. 545-551) contra acórdão das fls. 516-540v., no qual este Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso eleitoral interposto pelos embargantes.

Os embargantes suscitam omissão do acórdão acerca dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Alegam “excesso punitivo” da decisão, postulando que haja o reconhecimento da “absorção de umas [condutas] pelas outras”, visto que ocorreram no mesmo ato.

Argumentam ter havido bis in idem na aplicação de diversas penas em relação a um único ilícito. Reiteram as “preliminares já suscitadas no recurso eleitoral”. Acerca das gravações ambientais que compõem o acervo probatório, postulam seu prequestionamento, bem como alegam que não houve o prequestionamento acerca da manipulação da prova e da análise da cadeia de custódia. Nesse ponto, acerca de alegada necessidade de perícia, suscitam infringência aos arts. 464, § 1º, incs. I, II e III, do Código de Processo Civil, e 383, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Alegam que a aplicação de sanções exige a prova da participação efetiva no ato ilícito, o que não teria ocorrido em relação a alguns dos recorrentes.

Por fim, requerem a atribuição de efeitos infringentes aos embargos, “para modificar o resultado do julgado com a improcedência da demanda”, em relação a alguns dos recorrentes.

Vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

Os embargos são tempestivos e comportam conhecimento.

Quanto ao mérito, é sabido que os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, dúvida ou contradição que emergem do acórdão, situando a matéria no âmbito deste Tribunal, nos termos do art. 275, incs. I e II, do Código Eleitoral:

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração:

I - quando há no acórdão obscuridade, dúvida ou contradição;

II - quando for omitido ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal.

Portanto, a revisão do julgado, por intermédio de atribuição de efeitos infringentes, somente pode ocorrer em hipóteses excepcionais, ou seja, quando demonstrado que a existência de algum dos vícios referidos no parágrafo anterior infirma a lógica da conclusão obtida pelo julgamento.

Fora dessas situações extraordinárias, não há como buscar a simples revisão do julgado através dos embargos de declaração (nesse sentido STF, EDcl no AgReg no Agravo de Instrumento 681331, 1ª Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 09.9.2010 e STJ, EDcl no HC 114556, 5ª Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 26.4.2010).

Afinal, são incabíveis os embargos de declaração quando, “a pretexto de esclarecer uma inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição, (a parte) vem a utilizá-los com o objetivo de infringir o julgado e de, assim, viabilizar um indevido reexame da causa” (RTJ n. 191/694-695, Relator Ministro Celso de Mello), com o evidente objetivo de fazer prevalecer a tese do embargante.

Nesse sentido, a consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

DIREITO PENAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SUCESSIVIDADE DE EMBARGOS QUE BUSCAM A REDISCUSSÃO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS RELACIONADOS NO ART. 619 DO CPP. REITERAÇÃO DE ALEGAÇÕES EXPENDIDAS. PRETENSÃO DE CARÁTER INFRINGENTE. 1. As questões trazidas nesses embargos declaratórios já foram analisadas no julgamento do agravo regimental. A via recursal adotada não se mostra adequada para a renovação de julgamento que se efetivou regularmente. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que os segundos embargos declaratórios só podem ser admitidos quando o vício a ser sanado tenha surgido pela primeira vez no julgamento dos anteriores. Precedentes. 3. Embargos de declaração não conhecidos. 4. No caso, a reiteração dos embargos declaratórios mal disfarça a natureza abusiva do recurso, o que autoriza a execução imediata da decisão, independentemente de sua publicação. Precedentes. (AI n. 760.304-AgR-ED-ED, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 10.6.2015).

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 619 DO CPP. REDISCUSSÃO DE QUESTÕES JÁ DECIDIDAS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. (ARE n. 761.602-AgR-ED, Relator Ministro Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 20.10.2015).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

(RE 919827 AgR-ED, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 02.02.2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 22.02.2016 PUBLIC 23.02.2016.)

No caso, não se verifica a existência de qualquer das deficiências em questão, pois o acórdão embargado enfrentou e decidiu a controvérsia de maneira integral e com fundamentação suficiente.

Não obstante, cumpre tecer algumas ponderações acerca das alegações da parte embargante.

Da análise do pleito, verifica-se que o único apontamento de omissão – requisito para o conhecimento dos embargos – consiste na alegada aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Do exame da peça das fls. 545-551, sou levada a crer que os embargantes consideram as sanções aplicadas desproporcionais, em razão de o ato ilícito examinado, em seu entender, não ter maculado a regularidade e igualdade da disputa pelo voto popular.

A fim de analisar tal colocação, trago lição de Dinamarco (A Instrumentalidade do Processo, 14. ed., Malheiro Editores, 2009, pp. 189-190), para quem:

A vida em sociedade seria bem pior se os estados pessoais de insatisfação fossem todos fadados a se perpetuar em decepções permanentes e inafastáveis; e o Estado, legislando e exercendo a jurisdição, oferece com isso a promessa de pôr fim a esses estados. Eis então que ele define condutas como favoráveis ou desfavoráveis à vida em grupo (licitudes, ilicitudes), acenando com recompensas ou castigos (sanções), além de estabelecer critérios para o acesso aos bens da vida e às situações almejadas.

O Estado está, com isso, positivando o seu poder, no sentido de evitar condutas desagregadoras, estimular as agregadoras, distribuir os bens entre as pessoas – e, por essas formas, criar o clima favorável à paz entre os homens, eliminando as insatisfações. Mas eis que o Estado positiva também o seu poder ao definir situações concretas, decidindo e realizando praticamente os resultados que entende devidos em cada caso. Legislação e jurisdição englobam-se, assim, em uma unidade teleológica - ambas engajadas em uma tarefa só, de cunho social, que estaria a meio caminho se fosse confiada só à legislação e não teria significado algum se se cogitasse da jurisdição sem existirem normas de direito substancial. E essa missão pacificadora não tem os resultados comprometidos pelo fato de ordinariamente trazerem situação desvantajosa a pelo menos uma pessoa. (Grifos no original.)

Posto que legislação e jurisdição se complementam, cabe ao juiz, aplicando os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, determinar as sanções dentro dos parâmetros enumerados em lei, ou seja, os princípios serão observados para fixação do quantum, não para afastar uma penalidade.

Conforme consta na decisão das fls. 516-540v., trata-se aqui de ação de investigação judicial eleitoral (art. 22, caput, da LC n. 64/90) cumulada com representação por conduta vedada (art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97) e com representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), todas decorrentes do mesmo fato.

No caso, a proporcionalidade e a razoabilidade foram observadas, visto que, havendo a possibilidade de apenamento, em relação à conduta vedada, de “multa no valor de cinco a cem mil UFIR”, e em relação à captação ilícita de sufrágio, de “multa de mil a cinquenta mil UFIR”, as sanções foram fixadas no mínimo e próxima ao mínimo, respectivamente, não havendo como considerá-las desproporcionais.

Sobre o alegado excesso punitivo, relembro que é comum a cumulação de ações no processo judicial eleitoral, em vista da busca da tutela de bens jurídicos distintos, mesmo que originadas de um mesmo fato.

Zílio (Direito Eleitoral, 5. ed., Editora Verbo Jurídico, 2016, p. 508) exemplifica a situação ao ensinar que:

É comum a prática forense de cumular demandas em um único processo. Assim, v.g., em caso de cumulação do abuso de poder genérico da AIJE com a corrupção eleitoral da representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da LE), ter-se-á uma necessidade de prova distinta em relação a tais fatos – já que protegem bens jurídicos diversos (normalidade e lisura do pleito e liberdade do voto). Portanto, em face à prática de determinado ilícito e considerada a ordem cronológica do processo eleitoral, é necessário o aforamento da ação correta, com o objetivo de obter o adequado sancionamento punitivo. De outra parte, também não é raro o ajuizamento de duas ou mais ações que tenham um mesmo objetivo (cassação de registro, diploma ou mandato). Essa sobreposição de ações com o mesmo objeto causa certa perplexidade – notadamente quando a Justiça Eleitoral se depara com a análise da possibilidade de conexão, continência ou litispendência dessas demandas.

Na mesma linha, Gomes (Direito Eleitoral, 8. ed., Editora Atlas, 2012, p. 561) pontua que:

Considerando-se que um mesmo evento ilícito pode ferir distintos bens jurídicos, não há óbice a que se acumulem em um só processo pedidos atinentes a cada qual dos bens jurídicos violados. Para tanto, é preciso que os pedidos sejam compatíveis entre si, que o mesmo juízo seja competente para conhecer e decidir de todos os pedidos e, ainda, que o procedimento seja adequado para todos os pedidos cumulados (CPC, art. 327, § 1o). Assim, pode-se cogitar a ocorrência de abuso de poder expresso, e. g., por conduta vedada que, de um lado, afete a legitimidade e a normalidade das eleições e, de outro, fira a igualdade da disputa. Naquele caso, incidem os artigos 19 e 22, XIV, ambos da LC no 64/90, ao passo que este se rege pelo disposto no artigo 73 ss da LE.

É o caso dos autos. Uma só conduta ou um só ato feriu bens jurídicos diversos. Para o sancionamento pelo cometimento de tais ilícitos foram cumuladas várias ações, com pedidos distintos, em uma só lide, sendo que cada sanção constitui retribuição pela mácula de bem jurídico próprio.

E apenas para que fique evidente a não configuração de bis in idem, colaciono decisão do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTAS VEDADAS. ATO PRATICADO ANTES DO REGISTRO DE CANDIDATURAS. POSSIBILIDADE. BENEFICIÁRIOS. LEGITIMIDADE ATIVA. PUNIÇÃO POR FUNDAMENTOS DISTINTOS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. ART. 73, I E II, DA LEI 9.504/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

[...]

2. Segundo o art. 73, §§ 5º e 8º, da Lei 9.504/97, os candidatos podem ser punidos por conduta vedada praticada por terceiros em seu benefício e, portanto, são partes legítimas para figurar no polo passivo da correspondente representação. Precedente.

3. Não ocorre bis in idem se um mesmo fato é analisado e sancionado por fundamentos diferentes - como na presente hipótese, em que o ocorrido foi examinado sob o viés de propaganda eleitoral extemporânea e de conduta vedada. Precedente.

4. A caracterização da conduta vedada prevista no art. 73, I, da Lei 9.504/97 pressupõe a cessão ou o uso, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Já a conduta descrita no inciso II do mesmo artigo pressupõe o uso de materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que exceda as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.

[...]

(Recurso Ordinário n. 643257, Acórdão de 22.3.2012, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 81, Data 02.5.2012, Página 129.)

Dessa forma, não tem amparo o pedido de reconhecimento de absorção de sanções e não se configura qualquer excesso punitivo no acórdão examinado.

Na questão das gravações ambientais, da mesma forma devem ser repelidos os argumentos dos embargantes.

Observo que a alegação de ilicitude da colheita da prova foi analisada em tópicos próprios no voto que proferi (fls. 518-525), sendo, de igual modo, exaustivamente debatida nos votos-vista do Dr. Leonardo Tricot Saldanha (fls. 525v.-535), do Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (fls. 535v.-539v.) e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz (fls. 540 e verso), não havendo qualquer omissão a ser corrigida, no ponto.

Em breves linhas, registro que ficou consignado no acórdão (fl. 523v.) que os candidatos Rainieri e Valter obtiveram benefício direto com a conduta ilícita, de forma a ser aplicável o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que não se exige, “para a configuração do abuso de poder, a anuência do candidato quanto à prática abusiva, mas simplesmente a comprovação dos benefícios por ele hauridos” (Recurso Especial Eleitoral n. 162, Acórdão de 03.11.2015, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA).

Portanto, não havendo qualquer omissão, no ponto, e não sendo este o momento para defesa de teses, não há como debater a exigência de participação efetiva dos agentes, como pretendem os embargantes.

Finalmente, descabe discutir dispositivo do Código de Processo Penal (art. 383), em razão da natureza cível desta lide, e por não ter havido pedido no recurso nesse sentido. Quanto ao artigo do Código de Processo Civil invocado para fins de prequestionamento (art. 464), o mesmo não possuía parágrafos quando da interposição do recurso eleitoral (28.8.2014 – fls. 372-426).

Assim sendo, é de se concluir pela inexistência de qualquer das deficiências no acórdão impugnado, pois a decisão embargada enfrentou e decidiu a controvérsia de maneira integral e com fundamentação suficiente.

As considerações aqui tecidas se prestam apenas para fins dialéticos, diante da ausência de omissão, obscuridade, dúvida ou contradição no acórdão, de modo que deixo de acolher os embargos.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.

É como voto, Senhora Presidente.