RC - 2679 - Sessão: 17/11/2016 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso criminal contra a sentença do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório/RS – que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia e absolveu CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES, candidata à vereadora nas eleições de 2012, e JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES da acusação de incursão nas condutas previstas nos arts. 290 e 299 do Código Eleitoral (induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor e captação ilícita de sufrágio, respectivamente), e a ré JOCELI SANTOS DOS SANTOS, da imputação do cometimento do crime descrito no art. 289 do Código Eleitoral (inscrição fraudulenta de eleitor), pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na inicial acusatória (fls. 02-12):

1º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram os eleitores Renato Silveira de Souza, Rogério Silva de Souza, Jorge Luis Silva de Souza e Maria Elsi de Jesus, a se inscreverem eleitores no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de declarações de residência ideologicamente falsas, porque então moradores do Município de Terra de Areia, não residiam no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido, quatro vezes, na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

3º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram a eleitora Alessandra Viana Carlos a se inscrever eleitora no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então moradora do Município de Três Cachoeiras, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

5º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram o eleitor Isac da Silva de Souza a se inscrever eleitor no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então morador do Município de Terra de Areia, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

7º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram o eleitor Gabriel Teixeira Ouriques a se inscrever eleitor no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então morador do Município de Imbé, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

9º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram o eleitor Romildo da Silva de Deus a se inscrever eleitor no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então morador do Município de Capão da Canoa, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

11º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram os eleitores Eder Fonseca Martins e Kelly Cristina Lutez Fagundes a se inscreverem eleitores no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de declarações de residência ideologicamente falsas, porque então moradores do Município de Capão da Canoa, nunca residiram no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido, duas vezes, na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

12 º Fato: nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no 11º fato, os denunciados Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, prometeram ajudar financeiramente Eder Fonseca Martins e Kelly Cristina Lutez Fagundes, chegando a pagar a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais), bem como levá-los no dia da eleição e pagar-lhes um churrasco, motivo porque incorreram, duas vezes, na pena prevista no artigo 299 do Código Eleitoral e 29 do Código Penal.

 

14º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram o eleitor Alexandre Ferreira da Silva Pereira a se inscrever eleitor no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então morador do Município de Capão da Canoa, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

16º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram a eleitora Débora Barbosa Ferreira, então menor de idade, a se inscrever eleitora no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então moradora do Município de Capão da Canoa, não residia no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

17º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram os eleitores Cláudia Roberta da Silva e Anderson de Lima Vacaren a se inscreverem eleitores no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral Osório, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de declarações de residência ideologicamente falsas, porque então moradores do Município de Capão da Canoa, nunca residiram no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido, duas vezes, na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

19º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram os eleitores José Enoir da Rosa e Rita Leodora de Souza Morais a se inscreverem eleitores no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de declarações de residência ideologicamente falsas, porque então moradores do Município de Capão da Canoa, nunca residiram no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido, duas vezes, na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

20º Fato: nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no 11º fato, os denunciados Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, prometeram dar todo o material necessário para a construção de uma área em frente à residência dos eleitores José Enoir da Rosa e Rita Leodora de Souza Morais, bem como a realização de um churrasco no dia da eleição para obter votos desses, motivo porque incorreram, duas vezes, na pena prevista no artigo 299 do Código Eleitoral e 29 do Código Penal.

 

22º Fato: em dia e horário não especificados nos autos, compreendidos no mês de abril do ano de 2012, Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, induziram a eleitora Joceli Santos dos Santos a se inscrever eleitora no Município de Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então moradora do Município de Capão da Canoa, nunca residiu no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque teriam incorrido na pena do artigo 290 do Código Eleitoral, na forma do artigo 29 do Código Penal.

 

23º Fato: nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no 11º fato, os denunciados Claudionice da Silveira Chaves, enquanto candidata a vereadora no Município de Itati/RS, juntamente com o seu esposo, Jair Cezar Neubert Chaves, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, prometeram cestas básicas e um emprego à eleitora Joceli Santos dos Santos, para obter o voto dessa, inclusive chegando a colocar um poste de energia elétrica em sua residência, motivo porque incorreram na pena prevista no artigo 299 do Código Eleitoral e 29 e 69 do Código Penal.

 

24º Fato: em 05 de maio de 2012, a denunciada inscreveu-se fraudulentamente eleitora no Município de Itati, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, porque então moradora do Município de Capão da Canoa, nunca residiu no endereço informado à Justiça Eleitoral, assim agindo, incorreu na sanção do artigo 289, do Código Eleitoral.

A denúncia foi recebida em 6.6.2014 (fl. 572).

A peça acusatória também foi dirigida contra Renato Silva de Souza, Rogério Silva de Souza, Jorge Luis Silva de Souza, Maria Elsi de Jesus, Alessandra Viana Carlos, Isac da Silva de Souza, Gabriel Teixeira Ouriques, Romildo da Silva de Deus, Eder Fonseca Martins, Kelly Cristina Lutez Fagundes, Alexandre Ferreira da Silva Pereira, Cláudia Roberta da Silva, Anderson de Lima Vacaren, José Enoir da Rosa e Rita Leodora de Souza Morais, por infração ao art. 289 do Código Eleitoral.

Todos esses denunciados foram beneficiados com a suspensão condicional do processo, conforme o art. 89 da Lei n. 9.099/95, cindindo-se o feito para acompanhamento do período de cumprimento das condições (fls. 656, 657, 781/782, 939/940, 1005, 1010).

Com relação à ré JOCELI DOS SANTOS, foi decretada a sua revelia na decisão de fl. 1005.

Após regular instrução, sobreveio sentença de improcedência da ação penal eleitoral, absolvendo os réus das imputações que lhes foram atribuídas relativamente ao 5º e 7º fatos, com fundamento no art. 386, incs. II e VII, do Código de Processo Penal, conforme pedido formulado pelo Ministério Público Eleitoral, e com relação ao 1º, 3º, 9º, 11º, 12º, 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º, 23º e 24º fatos, com fundamento no art. 386, inc. VII, do mesmo código (fls. 1139-1157).

Em seu recurso (fls. 1160-1202), o Ministério Público Eleitoral busca a condenação dos réus, sustentando haver prova suficiente nos autos da materialidade e autoria dos crimes que lhes foram imputados, conforme o 1º, 3º, 9º, 11º, 12º, 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º, 23º e 24º fatos narrados na denúncia.

A defesa do réu Jair Chaves apresentou contrarrazões, suscitando, em preliminar, a inépcia da petição recursal por constituir reprodução das alegações finais apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral, que não rebate, especificamente, os fundamentos da decisão condenatória. No mérito, postulou a manutenção da sentença, referindo que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral movida contra a ex-esposa do recorrido foi julgada improcedente e que os indícios que motivaram a denúncia nos presentes autos carecem de densidade probatória, sendo insuficientes para embasar o juízo condenatório (fls. 1206-1210).

A defesa de Joceli dos Santos contrarrazoou o recurso, defendendo, também, que seja mantida a decisão de primeiro grau, uma vez que os depoimentos colhidos na fase processual mostraram-se contraditórios, sendo que nenhuma testemunha ou informante fez referência ao envolvimento da ré nos fatos, não podendo a condenação ser alicerçada exclusivamente em prova testemunhal produzida na fase do inquérito policial (fls. 1212-1216).

Em suas contrarrazões, Claudionice Chaves arguiu preliminar de não conhecimento do recurso por constituir mera repetição do texto contido na denúncia, não atendendo ao requisito do art. 1010, inc. III, do Código de Processo Civil. Quanto ao mérito, argumentou que o conjunto probatório não é apto a comprovar a prática da ação ilícita (fls. 1240-1254).

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso criminal para que a sentença seja reformada, condenando-se os réus Claudionice Chaves e Jair Chaves às penas do art. 290 do Código Eleitoral (dezessete vezes) e do art. 299 do Código Eleitoral (cinco vezes), e Joceli dos Santos, às penas do art. 289 do Código Eleitoral (uma vez). Formulou, ainda, pedido de execução provisória das penas, com base nos arts. 257 e 363 do Código Eleitoral e em precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal da 4ª Região e desta Corte Eleitoral (fls. 1259-1276).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 10 dias, previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

 

Preliminar de Não Conhecimento do Recurso

Com relação à preliminar de não conhecimento do recurso, suscitada pela defesa técnica dos réus Jair Chaves (fls. 1206-1210) e Claudionice Chaves (fls. 1240-1254), consigno que a repetição, nas razões recursais, de argumentos idênticos aos da denúncia ou das alegações finais não caracteriza inépcia do recurso, exceto quando, dissociados dos fundamentos adotados pelo juízo sentenciante, torna-se inviável identificar as razões do pedido de reforma da decisão impugnada.

Na hipótese em que foi proferida sentença absolutória, é bastante razoável que o Ministério Público Eleitoral, ao interpor o recurso, repise os fundamentos fáticos e jurídicos que utilizou ao longo da sua atuação no processo com o intuito de obter a condenação dos réus e, que, portanto, são pertinentes para refutar a decisão recorrida, circunstância que não autoriza esta Corte a deixar de conhecer do recurso por ausência de pressuposto de admissibilidade recursal.

Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.

 

Mérito

Conforme apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, não se verifica, no caso, prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos delitos imputados aos acusados.

Aos crimes tipificados nos arts. 290, 299 e 289 do Código Eleitoral são abstratamente cominadas as penas privativas de liberdade máximas de 2, 4 e 5 anos de reclusão, de forma que a pretensão punitiva prescreve nos prazos de 4, 8 e 12 anos, respectivamente, em conformidade com o disposto no art. 109, incs. V, IV e III, do Código Penal.

Como os fatos narrados na peça acusatória ocorreram nos meses de abril e maio de 2012, e a denúncia foi recebida em 6.6.2014 (fl. 572), não se verifica o transcurso de lapso temporal suficiente para caracterizar a prescrição, tampouco entre este último marco interruptivo até o presente momento.

A primeira questão de fundo cinge-se a verificar se há procedência na denúncia realizada pelo Ministério Público Eleitoral da 77ª Zona de Osório, dando conta de que CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES e JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES cometeram os crimes de induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor na circunscrição eleitoral de Itati/RS e captação ilícita de sufrágio (arts. 290 e 299 do Código Eleitoral c/c o art. 29 do Código Penal), de acordo com a descrição constante na denúncia (1º, 3º, 9º, 11º, 12º, 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º e 23º fatos).

A segunda delas, consiste em verificar se JOCELI SANTOS DOS SANTOS inscreveu-se fraudulentamente eleitora no Município de Itati/RS junto à 77ª Zona Eleitoral de Osório, praticando o delito do art. 289 do Código Eleitoral (24º fato).

 

1) Arts. 290 e 299 do Código Eleitoral

O Juiz da 77ª Zona Eleitoral de Osório entendeu por julgar improcedente a ação, absolvendo CLAUDIONICE DA SILVEIRA CHAVES e JAIR CEZAR NEUBERT CHAVES da imputação da prática dos crimes descritos nos arts. 290 e 299 do Código Eleitoral c/c o art. 29 do Código Penal, com fundamento no art. 386, incs. II e VII, do Código de Processo.

Adianto que compactuo com a decisão de primeiro grau, pois, na minha compreensão, em que pesem as judiciosas razões recursais trazidas pelo Ministério Público Eleitoral junto à origem, e corroboradas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, não há elementos suficientes para a condenação dos recorridos, devendo ser mantida a decisão de improcedência da denúncia.

Conforme consignado na sentença, nenhuma das testemunhas ouvidas em Juízo disse ter conhecimento de que Claudionice e Jair tivessem agido de forma a convencer eleitores a transferir seus domicílios eleitorais para Itati/RS, com o intento de obter voto em favor de Claudionice, a qual disputava o cargo de vereador no Município de Itati/RS, nas eleições de 2012 (depoimentos gravados no CD juntado na fl. 1046).

Tampouco houve referência de que os réus tivessem prometido vantagem, ajuda financeira, materiais de construção, cestas básicas, churrasco, colocação de poste de iluminação pública ou emprego a eleitores em troca de voto, caracterizando a captação ilícita de sufrágio (fls. 1139-1157).

A testemunha Eli Teresinha dos Santos Justin disse que não tinha conhecimento de que Claudionice tivesse induzido alguém a transferir o título eleitoral para Itati. Quanto a Jair, disse conhecê-lo, mas desconhecer fato que revelasse sua ligação com o induzimento de eleitores. Do mesmo modo, não tinha conhecimento acerca do oferecimento de vantagem pelos réus em troca de voto para Claudionice.

Éverton Alexandre Farias limitou-se a referir ter ouvido comentários de que os réus teriam induzido eleitores a transferir seus títulos para Itati/RS, mas não identificou nenhum deles após a leitura de seus nomes pelo Juiz Eleitoral que instruiu o feito. Desconhecia eventual promessa de emprego ou vantagem financeira que tivesse sido feita pelos denunciados com o objetivo de garantir o voto em Claudionice.

Diovane Carlos da Silva mencionou não ter conhecimento de que os réus tivessem induzido eleitores de outras cidades a transferirem seus títulos eleitorais para Itati/RS, ou lhes oferecido emprego ou dinheiro para que votassem em Claudionice.

O testemunho de Rita de Cássia Alves Valim é igualmente frágil. As informações prestadas pela testemunha são de natureza periférica e não permitem caracterizar a responsabilidade dos réus pelos ilícitos objeto dos autos.

Os réus Claudionice e Jair, ao serem ouvidos em juízo, negaram integralmente os fatos (fls. 1043-1044). A ré Joceli, por sua vez, teve decretada a sua revelia durante a fase de instrução processual (fl. 1005)

A partir dos depoimentos dos réus e da prova testemunhal, o magistrado de piso também ponderou, com acuidade, ter restado claro que os réus, embora casados, estavam separados à época dos fatos há algum tempo, inferindo, daí, inexistirem motivos que justificassem a sua atuação conjunta, buscando que Claudionice fosse eleita.

Oportuno referir, nesse sentido, apesar de as instâncias cível e penal serem independentes, que a conduta imputada aos recorridos já foi alvo de decisão unânime deste Tribunal em sede de AIJE, de número 513-20 (fls. 574-586), ementada nos seguintes termos:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Artigo 14, § 9º, da Constituição Federal. Eleições 2012.

Parcial procedência da representação no juízo originário. Declaração de inelegibilidade por oito anos.

Alegado abuso de poder econômico em virtude da promoção de transferência eleitoral fraudulenta e promessa de transporte até o local de votação no dia do pleito.

Ainda que reprováveis os atos perpetrados pelos envolvidos, estes não se revestiram de força suficiente para macular a disputa eleitoral. Circunstância fática demonstrando a adoção de medidas judiciais e administrativas a fim de suspender e indeferir as inscrições irregulares.

A configuração do abuso de poder requer o exame da gravidade de suas circunstâncias em cotejo com a normalidade e legitimidade do pleito. Condutas desprovidas de repercussão hábil a macular o bem jurídico tutelado pela norma, em consequência das ações preventivas realizadas pelo “Parquet” e Juízo Eleitoral.

Afastada a sanção de inelegibilidade imposta aos representados.

Provimento.

(Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, publicado no DEJERS n. 204, p. 04, de 05.11.2013.)

Em princípio, tem-se que a natureza de ultima ratio da persecução penal não autoriza o reconhecimento de que uma conduta considerada sem força relevante para atrair punição na seara civil seja considerada ato penalmente relevante em sede de apuração dos fatos pelo juízo criminal.

É cediço que uma conduta pode ser considerada, concomitantemente, ilícito cível (ou administrativo) e ilícito penal, desde que haja alto grau de reprovação social da conduta tipificada como crime pelo legislador, situação comum no Código Eleitoral e na Lei n. 9.504/97.

Todavia, no presente caso, há de se observar que o conteúdo do acórdão da AIJE apontou que:

(…)

Assim, tratando-se de operações de alistamento ou transferência de eleitores no ano do pleito que vieram a ser obstaculizadas, promovendo o agente do Ministério Público as ações pertinentes ao art. 289 do Código Eleitoral (Inscrever-se fraudulentamente eleitor: Pena – reclusão até 5 anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa) em relação a eles, constata-se que o intento dos recorrentes não veio a concretizar-se; não se podendo afirmar, desse modo, que incorreram em abuso de poder econômico relativo a propósito que não se verificou. Mesmo despiciendo, convém registrar que a recorrente Claudionice restou longe da tábua de eleitos à vereança, com somente 64 votos – cifra muito distante do mínimo necessário para alcançar uma vaga na câmara de vereadores daquela diminuta cidade.

À vista dessas considerações, não pode prosperar a alegação de abuso de poder econômico, pois as medidas administrativas e judiciais aplicadas impediram as tentativas de inscrição desconformes com a legislação, sendo os casos irregulares cancelados e remetidos ao agente ministerial para as providências cabíveis; não decorrendo das circunstâncias que conformam os acontecimentos a gravidade que caracterizaria o propalado excesso a desequilibrar a contenda entre os candidatos ao pleito proporcional naquela localidade.

Desse modo, as condutas mostram-se desprovidas de repercussão hábil a macular a normalidade ou legitimidade do pleito – bem jurídico protegido pela norma –, não se configurando o abuso do poder econômico no caso sob exame.

No corpo do acórdão que julgou a AIJE n. 513-20, também foi consignado que não houve o abuso de poder econômico capaz de afetar o equilíbrio do pleito municipal de 2012 no Município de Itati, porque os eleitores que transferiram seus títulos naquela oportunidade, dentre os quais a testemunha Rita de Cássia Alves Alvim e a ré Joceli Santos do Santos, tiveram suas respectivas inscrições eleitorais suspensas ou indeferidas por decisão do Juízo da 77ª Zona Eleitoral de Osório.

Além disso, as condutas teriam sido todas praticadas até o início de maio de 2012, momento bastante distante da data da realização das eleições naquele ano, arrefecendo, pelo critério cronológico, a gravidade dos fatos.

Nos presentes autos, o caderno probatório não permite identificar o vício de vontade no ato de alistamento ou transferência de eleitores, causado por atos ou pela conduta dos réus, mostrando-se, consequentemente, insuficiente ao juízo condenatório.

Nesse ponto, em atenção aos argumentos expostos nas razões de recurso do Ministério Público Eleitoral de piso e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, observo que os elementos de prova colhidos durante o inquérito policial, para serem considerados idôneos ao juízo condenatório, devem ser minimante respaldados pela prova produzida em juízo, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, segundo o qual o juiz, no processo de formação da sua convicção, não pode fundamentar a sua decisão exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase pré-processual, ressalvadas as provas cautelares irrepetíveis e antecipadas.

Em situações como a dos presentes autos, em que a prova inquisitória não é confirmada em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a dúvida deve militar em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário por força de princípio constitucional (art. 5º, inc. LVII, da CF).

Acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal - 11. ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 294-298):

toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.

Cito, ainda, a título exemplificativo, decisão deste Tribunal no julgamento do Recurso Criminal n. 201-53, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, em acórdão publicado no DEJERS n. 195, p. 3, de 19.10.2015, em que adotado entendimento nesse sentido.

Nesses termos, concluo que inexiste prova inequívoca de que a livre manifestação de vontade dos eleitores tenha sido maculada, tanto para fins de configuração do delito de induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor quanto ao delito de corrupção eleitoral, visto que o acervo probatório não permite chegar a um juízo seguro sobre a ocorrência dos fatos narrados na peça acusatória, razão pela qual não incide, na espécie, as normas dos arts. 290 e 299 do Código Eleitoral.

 

2) Art. 289 do Código Eleitoral

A ré JOCELI SANTOS DOS SANTOS foi denunciada pela prática do crime tipificado no art. 289 do Código Eleitoral. Segundo narrado na denúncia, inscreveu-se fraudulentamente eleitora no Município de Itati, perante a 77ª Zona Eleitoral de Osório, mediante a apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa, pois, à época, residiria no Município de Capão da Canoa (24º fato).

Quanto a essa imputação, os autos carecem, igualmente, de elementos seguros da transferência fraudulenta do domicílio eleitoral da ré para o Município de Itati. A ré Joceli teve a sua revelia decretada (fl. 1005), não tendo sido ouvida durante a instrução do processo, de modo que restou isolado o seu depoimento perante a autoridade policial.

Os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo não permitem formar convicção pela prática do delito, não tendo a acusação trazido aos autos outros elementos de prova que embasassem a pretensão condenatória.

Nestes termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo-se íntegra a sentença recorrida.

É como voto, Senhora Presidente.