RE - 1318 - Sessão: 27/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DARLEI LANHE, na qualidade de delegado do PARTIDO PROGRESSISTA- PP de GUABIJU, contra decisão proferida pelo magistrado da 75ª Zona Eleitoral (Nova Prata), que deferiu o pedido de transferência de inscrição eleitoral de LAURINDO PIGOZZO e IRIA ROZIN PIGOZZO para o município de Guabiju.

O recorrente, em suma, alegou que as transferências de domicílio eleitoral não poderiam ser deferidas, pois o casal, Laurindo e Iria, nunca residiu em Guabiju. Afirmou que a iniciativa da solicitação de transferência não pode ter sido do casal, uma vez que Laurindo e Iria encontram-se próximos dos 80 anos de idade, denotando, em verdade, “interesse eleitoreiro de terceiros” (fls. 02-04). Anexou documentos (fls. 05-11).

Devidamente notificados, os recorridos vieram aos autos, alegando que, considerando a sua idade avançada, mudaram-se para Guabiju para permanecerem aos cuidados de um de seus filhos, HERMES PIGOZZO, o qual possuiria residência naquele município (fls. 20-29). Juntaram documentos (fls. 30-40).

Ao receber a impugnação, o juízo manteve a decisão que deferiu as transferências para Guabiju, determinando, em ato contínuo, a remessa dos autos para este Tribunal (fl. 42).

Nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 50-52v).

É o relatório.

 

 

VOTO

Sistematizo meu voto quanto à admissibilidade recursal e quanto ao mérito, em ordem jurídica.

Admissibilidade

A operação de transferência do domicílio eleitoral dos ora recorridos, de São Jorge para  Guabiju, os dois municípios pertencentes à 75ª Zona, ocorreu em 08.4.2016, uma sexta-feira (fls. 13-14), ao passo que o recurso eleitoral subjacente foi protocolizado em 20.4.2016, uma segunda-feira (fl. 02).

Para tais casos, o art. 18, § 5º, da Resolução TSE n. 21.538/03 estabelece que qualquer delegado de partido político poderá recorrer  em 10 dias, "contados da colocação da respectiva listagem à disposição dos partidos – nos dias 1º e 15 de cada mês, ou no primeiro dia útil seguinte, ainda que tenham sido exibidas ao requerente antes dessas datas e mesmo que os partidos não as consultem".

Sob uma ótica estritamente processual, considerando que entre a decisão recorrida e a interposição do recurso decorreram 10 dias, a irresignação afigura-se tempestiva.

De qualquer modo, diante da ausência de prova da publicação, em cartório, da lista de transferências de domicílio eleitoral ocorridas na 75ª Zona Eleitoral em abril deste ano, e visando a não trazer prejuízo injustificado à pretensão do recorrente - delegado do Partido Progressista de Guabiju -, considero o recurso tempestivo.

Outrossim, a ausência de advogado nos autos não impede o conhecimento do recurso, pois o ato contra o qual se insurge o recorrente foi aplicado no exercício de atividade administrativa, conforme jurisprudência deste Tribunal:

Recurso. Mesário Faltoso. Multa. Art. 124 do Código Eleitoral. Eleições 2014.

Sanção aplicada no exercício de atividade administrativa, dispensando a representação por advogado. Conhecimento da interposição recursal.

Comprovada a impossibilidade de comparecimento à seção eleitoral por motivo de saúde. Justificativa que afasta a aplicação da penalidade imposta.

Provimento.

(TRE/RS – RE 14-40 – Rel. DRA. MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ – J. Sessão de 18.11.2015)

 

Recurso. Mesário Faltoso. Aplicação de multa por atraso no comparecimento aos trabalhos eleitorais.

Flexibilização da obrigação de representação por advogado aos eleitores em procedimentos de cunho administrativo. Apresentação de justificativa plausível para o comparecimento tardio na seção eleitoral. O fato de a eleitora ter atuado como mesária em pleitos anteriores denota a boa-fé da recorrente. Provimento.

(TRE/RS – RE n. 4678 – Rel. DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA – DEJERS de 12.7.2012)

Logo, conheço do recurso.

 

Mérito

Trata-se de recurso interposto por DARLEI LANHE, na condição de delegado do Partido Progressista - PP de Guabiju, contra decisão do Juiz Eleitoral da 75ª Zona que indeferiu os requerimentos de transferência de domicílio eleitoral formulados pelos eleitores Laurindo Pigozzo e Iria Rozin Pigozzo – do município de São Jorge para o município de Guabiju.

Inicialmente, determinam os artigos 42, parágrafo único, e 55, inc. III, do Código Eleitoral sobre o domicílio eleitoral:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

 

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1º A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

I - entrada do requerimento no cartório eleitoral do novo domicílio até 100 (cem) dias antes da data da eleição.

II - transcorrência de pelo menos 1 (um) ano da inscrição primitiva;

III - residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

Na espécie, estão demonstrados os requisitos necessários à transferência da inscrição, tendo presente que os conceitos de domicílio eleitoral e civil não se confundem.

O domicílio eleitoral não exige residência permanente, pelo contrário, pode caracterizar-se por vínculos afetivos, econômicos ou familiares no local, que evidenciem o interesse do cidadão em participar das decisões políticas daquele município.

É boa a lição de Carlos Velloso e Walber Agra (em Elementos de Direito Eleitoral, Ed. Saraiva, 2ª ed, 2010, p. 149/150):

O Código Eleitoral conceituou domicílio eleitoral como o lugar de residência ou de moradia do requerente, facultando-lhe a prerrogativa de escolher uma delas se houver mais de uma (art. 42, parágrafo único). A densidade substancial de seu termo expressa o lugar a que o eleitor tenha vínculos – políticos, sociais, profissionais, afetivos, patrimoniais – na circunscrição em que exerça seu direito de voto.

(…)

O domicílio civil não pode ser confundido com o eleitoral. Ambos apresentam conceituações díspares, não impedindo que uma pessoa tenha um domicílio eleitoral e outro civil.

A jurisprudência consolidou-se no mesmo sentido, como se extrai das seguintes ementas:

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. VÍNCULO POLÍTICO. SUFICIÊNCIA. PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de que a demonstração do vínculo político é suficiente, por si só, para atrair o domicílio eleitoral, cujo conceito é mais elástico que o domicílio no Direito Civil (AgR-AI n. 7286/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 14.3.2013).

2. Recurso especial provido.

(TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 85-51.2011.606.0122 – Rel. Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO – DJE de 07.5.2014)

 

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Deferimento.

Afastada a preliminar de inépcia da inicial. Recebimento de petição nominada erroneamente mas protocolada dentro do prazo recursal.

É pacífico o entendimento de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil. Mais flexível, admite-se como domicílio eleitoral o lugar em que o cidadão possua vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos.

Comprovado o vínculo social e político do recorrido com o município. Inscrição eleitoral mantida.

Provimento negado

(TRE/RS – Rel. DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA – DJE de 18.02.2016)

Mais recentemente, em julgamento de caso análogo, este Tribunal confirmou o posicionamento:

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Indeferimento.

O conceito de domicílio eleitoral é mais flexível do que o do direito civil, comportando outros elementos que não propriamente a residência no município.

Ato amparado em previsão legal de vínculo afetivo e familiar.

Reconhecimento do domicílio eleitoral a ensejar o deferimento da inscrição da eleitora.

Provimento.

(TRE/RS – RE 31-55.2016.6.21.0102 – Rel. DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA – J. Sessão de 13.7.2016)

Os recorridos, ambos com mais de 75 anos de idade, demonstraram possuir vínculos com o Município de Guabiju, justificando a transferência de seu título eleitoral para a referida localidade por meio da apresentação dos seguintes documentos:

a) declaração assinada, com firma reconhecida em cartório, por Hermes Pigozzo, filho dos ora recorridos Laurino e Iria – condição essa constatada junto ao Sistema ELO da Justiça Eleitoral –, na qual afirma que seus pais com ele residem em imóvel de sua propriedade, em Guabiju/RS, rua José Prada, n. 266 (fl. 30);

b) duas cópias de conta de energia elétrica em nome de Hermes Pigozzo, ainda do ano de 2015, relativas ao imóvel situado em Guabiju/RS, rua José Prada, n. 266 (fls. 31-32);

c) declaração firmada pelo gerente adjunto do banco Banrisul de Guabiju/RS, pela qual atesta que Laurindo e Iria residem em Guabiju/RS, rua José Prada, n. 266 (fl. 33);

d) cópias dos espelhos do cadastro de Laurindo e Iria junto ao Sistema Único de Saúde – SUS – com os respectivos Cartões Nacionais de Saúde, nos quais registrados o seu endereço residencial em Guabiju/RS, rua José Prada, n. 266 (fls. 35-36).

É também o parecer do procurador regional eleitoral, do qual agrego a seguinte passagem (fls. 50-52v):

[…] No caso concreto, os eleitores lograram êxito em demonstrar que, embora possuam propriedade no interior do município de São Jorge, passaram a residir com o filho Hermes Pigozzo no corrente ano, na cidade de Guabiju/RS, à Rua José Prada, n. 266, fato que autoriza a transferência de seu domicílio eleitoral.

[...]

Portanto, uma vez comprovada a existência de vínculos afetivos, sociais, econômicos e políticos do recorrido com o município de Guabiju/RS, razão não há para se cancelar a transferência de seu domicílio eleitoral, pelo que se impõe a manutenção da sentença que deferiu o pedido de transferência.

Por fim, ao contrário do que alega o recorrente, não há nos autos qualquer evidência de que terceiros tenham manipulado os recorridos, Laurindo e Iria, visando à transferência dos seus domicílios eleitorais.

Logo, dentro desse contexto, demonstrado de forma inequívoca o vínculo dos eleitores com o município de Guabiju/RS, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.

 

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para confirmar a decisão do Juiz Eleitoral da 75ª Zona que deferiu os requerimentos de transferência de domicílio eleitoral de LAURINDO PIGOZZO e IRIA ROSIN PIGOZZO para o município de Guabiju.