RC - 3395 - Sessão: 15/06/2016 às 17:00

Arnildo Hanatzki e Iolanda Isabel Seibel Ludwig foram denunciados pelo Ministério Público por terem, no dia 05 de outubro de 2014, na Linha Godói Centro, interior de Campina das Missões, fornecido transporte para duas eleitoras. Arnildo, cumprindo ordem de Iolanda, buscou o automóvel em sua casa, deslocando-se até o terminal rodoviário de Cândido Godoy para buscar as eleitoras Tereza Dresch e Cleusa Claudete Dresch. Em seguida, transportou-as até a seção eleitoral localizada na Linha Godói Centro para que votassem, tendo sido abordados pela Brigada Militar quando retornavam.

Conforme histórico de fl. 09, no porta-malas do veículo foi localizado farto material de campanha política dos candidatos do PP e PSDB. Entre os objetos apreendidos e registrados, conforme documento de fl.11, encontravam-se: diversos cartazes, "santinhos" e banners de candidatos a governador, deputado estadual, deputado federal e senador dos partidos PP e PSDB, o que é ratificado no auto de apreensão de fl.15.

Foram apresentadas as defesas e ouvidas as testemunhas, assim como o depoimento dos acusados.

A sentença considerou os réus culpados, condenando Arnildo a duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviço à comunidade, a ser cumprida por período igual ao da pena privativa de liberdade, e outra de prestação pecuniária equivalente a 5 salários-mínimos; impondo à Iolanda igualmente duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviço à comunidade, por período igual ao da pena privativa de liberdade, e interdição temporária de direitos, consistindo na proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo.

Arnildo recorre, renovando os termos da defesa, alegando, ainda, a desproporcionalidade da sanção do tipo penal diante do excesso na fixação da pena mínima, e sua não recepção pela Constituição Federal, por não atender aos princípios da proporcionalidade e racionalidade em comparação com os demais crimes eleitorais, devendo ser aplicada a regra do artigo 284 do Código Eleitoral.

Iolanda igualmente recorre renovando os termos da defesa, aduzindo também a desproporcionalidade da pena mínima em comparação à pena máxima e aos demais delitos eleitorais.

O feito foi trazido a julgamento na sessão do dia 19 de maio, tendo o Dr. Leonardo Tricot Saldanha proferido voto para afastar a conduta delitiva, por entender não comprovada a finalidade específica de aliciar eleitores, reformando, assim, a sentença recorrida. Já a Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja proferiu voto divergente, para manter a sentença condenatória, entendendo que o tipo legal não exige a prova do aliciamento dos eleitores transportados.

Em razão da divergência instaurada, pedi vista dos autos para bem analisar o caso posto em julgamento.

Com o devido respeito aos votos já proferidos, entendo que deve ser declarada inconstitucional (não recepcionada) a pena mínima fixada ao tipo penal sob exame, em claro uso do controle difuso ou concreto da constitucionalidade da lei aplicada (artigo 948 do CPC), já que antecedente lógico e necessário à declaração judicial que se pretende.

O princípio da proporcionalidade exige que “entre as penas e na maneira de aplicá-las proporcionalmente, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. RJ, Ediouro, 1996, p. 61-64; apud BOSCHI, José Antônio Paganella, Das Penas e seus Critérios de Aplicação, Ed. Liv do Advogado, 6ª. Ed., 2013, p. 54). “Essa concepção iluminista voltada à proibição do excesso acabou sendo incorporada à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo artigo 8º enuncia que: ‘a lei não deve estabelecer outras penas que não as estritas e necessárias’, tal qual propunha Beccaria no livro famoso, já referido.”(idem, ibidem).

“Em nosso direito constitucional, a fonte normativa da proporcionalidade é o princípio-garantia do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da CF, e vem sendo adotado como fundamento para impedir sentenças desalinhadas dos sentimentos de equidade e de justiça.” (idem, ibidem).

“O artigo 5º, inciso LIV, não é, entretanto, a única fonte constitucional do princípio da proporcionalidade, uma vez que a lei Maior, conforme bem explica Flávia D’Urso, apoiada em Paulo Bonavides, faz referência à proporcionalidade em muitos outros dispositivos, v. g. o artigo 5º, V, X, XXV; o artigo 7º, IV, V, XXI; o artigo 36, parágrafo terceiro; o artigo 37, IX, o artigo 40, e o artigo 84, parágrafo único.”(D’URSO, Flávia. Princípio Constitucional da Proporcionalidade no Processo Penal, São Paulo, Atlas, 2007, p. 62; apud BOSCHI, op. Cit.).

Tais garantias constitucionais exigem, na ordem de 1988, que as penalidades previstas guardem proporção com o delito praticado, evitando a imposição de penas contraditórias e desproporcionais com os demais delitos, o que se percebe claramente no caso concreto ao compararmos a pena mínima para o delito de transporte de eleitores com todos os demais crimes previstos na legislação eleitoral que mantém um ano como pena mínima.

O excessivo rigor na imposição da pena mínima atende questões históricas conhecidas de todos e se explica em uma época não mais existente. Disso decorre a necessidade de revisão que, não tendo sido feita pelo procedimento legislativo ordinário, deve ser consertada pelo controle incidental da norma permitido na composição plena desta Corte.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, in Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, Ed. Atlas, 2ª Edição, pp. 11-13, lembra que:

O Código Eleitoral é de 1965. Entrou em vigência em pleno fulgor do regime militar que se instalou no país no ano anterior. Opções ideológicas e criminalizadoras feitas por ele muitas vezes são incompatíveis com o ideário da vigente e democrática Constituição de 1988.”; embora seja importante lembrar que a pena originariamente prevista no artigo 302 do Código Eleitoral era de detenção até dois anos, que foi modificada pelo Decreto Lei 1.064/1969 para a pena atual, e mantida pela Lei 6.091/74.

Alfredo Massi e Polianna Pereira dos Santos (in Transporte Irregular de Eleitores: O art. 11, III, da Lei 6.091/74 à luz da Constituição da República de 1988: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7780dee418096d1e, acesso em 28.5.2016) firmam posicionamento no sentido de que:

Não se discute a gravidade da conduta prevista no tipo em questão, nem a necessidade de exercer a repressão no âmbito criminal para tutelar a lisura e a legitimidade do pleito. No entanto, a estreita margem de pena prevista (quatro a seis anos) e a existência de pena mínima prevista em um patamar extremamente elevado impedem a adequada individualização da pena. Em alguns casos, ainda que fixada em seu mínimo legal, a pena imposta poderá ser desproporcional à conduta perpetrada.

Como entendo seria no caso presente, onde o transporte foi de apenas dois eleitores em um automóvel, sem nenhuma notícia de ser tal prática constante.

E completam os autores: “A aplicação da pena para o crime de transporte irregular de eleitores nos moldes do art. 11 da Lei n. 6.091 de 1974, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito por não cumprir os requisitos básicos da pena: a legalidade, a certeza, a igualdade, a mensurabilidade e a preocupação com os cálculos da pena (FERRAJOLI, 2006, p. 366). A norma constante no art. 11 não se amolda aos princípios penais preconizados na Constituição da República de 1988, especialmente os princípios da individualização das penas e da legalidade. Por não se conformar materialmente à Constituição da República de 1988, referido dispositivo não poderia ser recepcionado. Com a inauguração de uma nova ordem constitucional, surge a necessidade de analisar as normas infraconstitucionais que lhe são anteriores. O advento de nova Constituição é orientado pelo princípio da continuidade da ordem jurídica, segundo o qual se busca evitar um período de anomia (o que ocorreria se, por exemplo, com a nova Constituição se todas as leis anteriores fossem revogadas) e dar continuidade às relações jurídicas vigentes.” Com o que se concorda plenamente, em especial no caso concreto, onde o transporte foi de apenas dois eleitores para um local de difícil acesso pelos meios comuns de transporte.

Com isso teríamos a declaração incidental de inconstitucionalidade (não recepção) não do tipo penal, mas apenas de sua pena mínima, exigindo a supressão da omissão através da aplicação do artigo 284 do Código Eleitoral, fixando em um ano de reclusão a pena mínima para o tipo.

Assim, acolhendo a preliminar arguida, voto no sentido de declarar a inconstitucionalidade incidental (não recepção) da pena mínima fixada no artigo 11, III, da Lei 6.091/74, c/c os artigos 5 e 10 da mesma Lei, aplicando o artigo 284 do Código Eleitoral para fixar a pena mínima em um ano de reclusão para o transporte ilegal de eleitores.

É como voto quanto à preliminar, renovando os respeitos aos votos já proferidos.

Destaco.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Reconheço a constitucionalidade da lei, mas gostaria de dizer que aprecio a opinião do Dr. Jamil porque ela traz consigo um sentido crítico muito bom: o sentido crítico no que tange ao direito, à lei, à ação da jurisprudência é salutar, mas acho que prevalece a lei. Tenho um sentimento, uma opinião sobre a pena arbitrada – não propriamente com relação ao mínimo cominado, que é, aparentemente, alto -, que se dirige à situação em que se deveria delegar ao juiz maiores poderes para modular a pena aplicada, conforme as circunstâncias determinantes. Pode ser a pena privativa de liberdade substituída por privativas de direito ou pode ser apenas a pena de multa.

A Constituição da República tem um princípio histórico no direito: “não há crime sem prévia definição legal, nem pena sem prévia cominação legal". A pena está cominada e não podemos alterar mediante o reconhecimento da inconstitucionalidade; como juízes, temos que utilizar de outros fatores, seja na modulação da pena, seja em sua substituição.

Esse assunto veio muito forte no Tribunal de Justiça, alguns anos atrás, especialmente na 5ª Câmara Criminal, a partir de um parecer do então Procurador de Justiça, Lenio Streck, que defendia a aplicação da pena abaixo do mínimo legal, fazendo considerações de ordem constitucional e até analogia com outras penas cominadas.

Mas à medida que o legislador estabelece a pena cominada, penso que nós como juízes temos que cumprir. Penso que a lei como está é constitucional.

 

Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Em relação à matéria preliminar ora destacada, observo que a questão da recepção ou não recepção de uma norma – e trata-se exatamente disso, e não de inconstitucionalidade –, divide-se em um elemento fático e outro normativo. Teoricamente, quando há uma Constituição completamente nova, essa, ao substituir a anterior, revoga todo o ordenamento jurídico então vigente ou recepciona as normas que com ela são compatíveis.

No caso específico do Brasil, entendeu-se pela recepção das normas anteriores, porque o rompimento institucional não era tão forte quanto outros que, na história da humanidade, foram verificados. Então, as normas adequadas à Constituição Federal de 1988 foram recepcionadas pelo novo ordenamento jurídico. Esse elemento inovador do poder constituinte originário, do ponto de vista normativo, seria imediato, mas o direito é um fenômeno social complexo e depende de uma série de racionalidades, discussões e evoluções, e por isso não é incomum que o Supremo Tribunal Federal, em Ação de Arguição de Preceito Fundamental – ADPF, declare a não recepção de normas que, inicialmente, foram tratadas como compatíveis com a nova Constituição.

Assim, faço uma divisão acadêmica entre a realidade fática e a normativa. Na normativa, as normas que não foram recepcionadas não estão no mundo do direito – ao qual não temos acesso –, ele depende de um desenvolver social que leva em conta novos elementos e melhores argumentos. O direito não consegue sempre fazer justiça, e para se fazer a evolução do direito não podemos nos aferrar a um viés de continuidade.

Me parece ser exatamente o caso em tela.

A não recepção da pena prevista para o tipo foi suscitada em preliminar e, no meu voto, a arguição foi rejeitada. Entretanto, após ouvir o que foi dito pelo Dr. Bannura, modifico meu voto para aderir ao entendimento de que o preceito secundário da norma penal não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

A meu ver, a pena não foi recepcionada por dois motivos: a) em primeiro lugar, porque ela destoa das demais penas previstas na legislação penal para crimes muito mais graves, sendo manifestamente desproporcional. Não se pode estabelecer a pena mínima para transporte de eleitores em quatro anos, se a pena mínima para homicídio é seis anos. São valores próximos para crimes que não tem proximidade em termos de reprovação social. Há clara desproporcionalidade nessa pena; b) há um segundo argumento, trazido pelo Dr. Bannura, que é o direito à individualização da pena, um direto fundamental estabelecido na Constituição Federal de 1988. A individualização é impossível de ser feita no caso concreto, com uma pena mínima de quatro e máxima de seis trazida pelo tipo penal. A pena cominada contraria a Constituição, mas não de forma clara e expressa, sendo necessário um processo hermenêutico mais complexo, perfeitamente apresentado no voto do Dr. Bannura.

O que considero não recepcionado é a pena mínima cominada, pois o crime continua existindo. Logo, a pena deve ser a mínima prevista no Código Eleitoral para os delitos apenados com reclusão, ou seja, um ano. Com essas considerações, voto no sentido de aderir à divergência inaugurada pelo Dr. Jamil Bannura em relação à matéria preliminar, para o fim de considerar não recepcionado o preceito secundário previsto para o tipo, nos termos da fundamentação, tornando sem efeito o voto anteriormente lançado, o qual afastava a referida prefacial.

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja:

Os juízes são constantemente acusados de legisladores, penso que não podemos ir a tanto. Havendo uma norma a definir um crime e cominar uma pena, não há princípio constitucional que ampare uma mudança pelo juiz. E mais, já tivemos alterações nessa legislação em duas oportunidades e essa pena foi mantida.

Com relação à comparação com a pena do homicídio, também entendo de forma diversa. A pena mínima de seis anos impõe o regime fechado, retirando a liberdade do cidadão, que é a punição mais grave que existe, e não aconteceu no caso dos autos, onde houve suspensão condicional da pena com cumprimento de prestação do serviço à comunidade de uma hora por dia, sem retirar a liberdade da pessoa, mas punindo-a da forma que a lei determinou.

Assim, mantenho o meu voto divergente.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez:

Acompanho o voto divergente, na preliminar.

 

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

A questão é relevante. Enfrentei um caso semelhante a este e obtive êxito.

Tratava-se do crime de medicamento falsificado, artigo 273 do Código Penal. Era um comprimido falsificado. Reconheci que a pena mínima de dez anos era demasiada, então, invocando o princípio da vedação de excesso de resposta penal, que é a segunda variante do princípio da proporcionalidade, suscitei a inconstitucionalidade da pena.

A grande preocupação, naquele caso e neste, é que, ao afastar o preceito secundário resta o tipo sem pena. O princípio da legalidade estrita em matéria penal não pode ser tomado em desfavor do acusado. Ao substituir a pena cominada por uma menor, o acusado vai ser beneficiado. O princípio é de defesa e não poderia ser usado de modo prejudicial ao acusado.

Aquela jurisprudência ficou pacificada no âmbito do Tribunal de Justiça e, posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade do referido artigo. Porém, o STJ acabou afirmando que o Poder Judiciário não poderia criar a pena, precisaria absolver ou aplicar outro tipo penal.

Por essas razões, mas sobretudo porque, no caso, foi aplicada a substituição da pena, o que harmonizou os princípios que estavam em aparente conflito, do ponto de vista da gradação da pena, entendo que não se faz necessário reconhecermos a não recepção.

 

 Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro (voto de desempate):

Em desempate, ratifico todas as razões da Dra. Gisele e do Des. Paulo Afonso afastando a preliminar.

 

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator)

No mérito, entendo que houve o delito, ainda que por fundamentos diversos do voto divergente da exma. Juíza Gisele Azambuja.

Vejamos.

Reconheço a necessidade de dolo específico, ou seja, obter vantagem eleitoral com o transporte, influindo no ânimo do eleitor direta ou indiretamente, seja pelo fornecimento do favor, seja pelo fato implícito de que o transporte está sendo realizado em agrado de eleitores que se dirigem à urna, durante o pleito.

Também acredito que possa existir a carona desinteressada, especialmente em lugares mais afastados do centro do município, não enxergando em qualquer carona o fim eleitoral.

Assim, há necessidade de se fixarem elementos objetivos para a caracterização do dolo específico, que não pode ser a simples carona, como também não se pode exigir a prova material do pedido expresso de voto.

Entendo que outros elementos devem estar presentes no fato sob exame, haja vista ser impossível presenciar a conversa durante a carona quando, na maioria dos casos, o próprio eleitor nega o pedido eleitoral.

O primeiro é o envolvimento direto ou indireto dos acusados no pleito eleitoral. Se os acusados estão integrados de alguma forma na campanha eleitoral, obviamente durante o pleito continuam trabalhando nela, prestando os favores necessários aos eleitores de modo a induzir ou criar simpatia ou favorecimento ao seu partido ou candidato.

No caso sob exame, o acusado Arnildo, filiado ao PP, prestava serviços a Iolanda, do mesmo partido, tendo, a pedido desta, usado o carro alugado pelo irmão dela no dia do pleito em favor dos eleitores.

O segundo elemento a ser buscado, que me parece igualmente essencial, é a existência de propaganda eleitoral no veículo, o que indica que o carro estava a serviço da campanha do partido ou do candidato, descaracterizando, por completo, a carona despretensiosa.

Não se enquadraria na hipótese meros adesivos no veículo próprios de qualquer eleitor, mas material de propaganda eleitoral, como ocorreu no caso concreto, sendo irrelevante seu acesso imediato e sua existência no porta-malas do veículo, considerando, especialmente, a vedação na distribuição desse material nos locais próximos de votação, porém o indicativo principal é o fato de que o veículo e os acusados estavam envolvidos na campanha eleitoral, razão pela qual forneceram o vedado transporte.

Somando-se os dois elementos mencionados, envolvimento na campanha eleitoral e existência de material de campanha no veículo, entendo que resta caracterizada a intenção clara do transporte realizado.

No caso, ainda devemos acrescentar que o transporte ocorreu na ida e na volta, indicando que o acusado aguardou o tempo de votação para retornar com as eleitoras à rodoviária. O que é confirmado pelo depoimento da testemunha Cleusa Claudete Dresch (fl. 151) e ratificado por Tereza Dresch, fl. 152.

A alegação da defesa de que iria até um balneário a fim de marcar uma reserva para o final de ano não restou demonstrada, não existindo um único testemunho nesse sentido, salvo dos acusados que firmaram inúmeras contradições em seus depoimentos, iniciando pelo modo como foi solicitado o veículo, até a natureza do serviço prestado por Arnildo em favor de Iolanda, passando também pela iniciativa da carona, o que denota a fragilidade dos fatos descritos na defesa.

Assim, entendo que não houve mera carona, mas intencional transporte de eleitores, buscados pelo réu Arnildo a mando de Iolanda, com o fim de obter vantagem eleitoral direcionada à campanha com o uso de veículo que continha material de propaganda, fato incontroverso e reconhecido pela própria defesa, ainda que não colacionado aos autos o material referido.

Não consigo me convencer de que uma pessoa filiada a um partido político, trabalhando no dia das eleições, a pedido de outra pessoa igualmente envolvida na campanha, com veículo que continha farto material, não tenha tratado do tema eleições no trajeto da carona com as ocupantes, com a finalidade de afetar-lhes a vontade, direcionando-a em benefício de seu candidato ou partido, em evidente lesão à legitimidade e normalidade do pleito eleitoral.

O material de campanha encontrado no interior do veículo é descrito pelo policial militar Rene Knapp à fl. 19 e aos 3’31” e 7’18” de seu depoimento, que realizou a diligência, o que é ratificado pelo policial militar Valdemar Bourscheid, fl. 25, que também participou da apreensão (1’51”; 4’09”; 7’39”; 8’12” e 8’45” de seu depoimento gravado).

Em sua defesa, Arnildo alega que desconhecia a existência de material de propaganda eleitoral no carro, embora não negue a presença de panfletos de campanha no porta-malas do veículo (fl.111), o que também é reconhecido na defesa de Iolanda, fl.124; bem como teria dito ao policial Rene Knapp que o transporte estava sendo realizado a pedido de Iolanda (2’35”; 2’57” e 10’18” de seu testemunho gravado), ainda mais transportando pessoas desconhecidas (11’51”).

Iolanda reconhece que o carro foi alugado por seu irmão e estava à sua disposição no dia das eleições. Porém, a contradição na forma como Arnildo teria solicitado o veículo – já que ela diz que ele teria ido pessoalmente, e o próprio Arnildo diz que teria ligado – indica a falta de credibilidade da versão posta em defesa, sem mencionar que ninguém sabe como um farto material de campanha eleitoral foi parar no porta-malas do veículo.

Entendo que o conjunto probatório indica claramente que Arnildo estava trabalhando junto com Iolanda, e a mando desta, na campanha eleitoral, ambos filiados ao mesmo partido; e, no dia das eleições, utilizando-se de carro de posse de Iolanda, alugado por seu irmão, tinham a incumbência de proporcionar caronas aos eleitores que assim o desejassem, como de fato ocorreu, incorrendo ambos na vedação do artigo 11, III, c/c os artigos 5º e 10º, da Lei n. 6.091/74.

Considerando que restei vencido na preliminar, adoto, na fixação da pena, os fundamentos e critérios da sentença de primeiro grau.

Por fim, no tocante ao pedido de execução imediata da condenação, comungo integralmente das considerações tecidas pela Dra. Gisele Anne.

Por todo o exposto, voto pelo parcial provimento do recurso, nos termos da fundamentação, e por indeferir o requerimento de execução imediata do acórdão condenatório.

É como voto, Sra. Presidente.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Acompanho o voto divergente da Dra. Gisele, negando provimento.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez:

Sra. Presidente, colegas:

Bem sabemos da dificuldade da comprovação da prática do crime de transporte irregular de eleitores. Não apenas relativamente à comprovação dos fatos em si, mas também no que diz respeito ao elemento finalístico, subjetivo do tipo: comprovar a finalidade de cooptar as eleitoras transportadas.

Como se não bastasse, e já considerada a categoria do ilícito, o presente processo tem prova limítrofe, o que por si só justifica as diferentes posições já tomadas pelos integrantes deste Tribunal – todas elas brilhantemente fundamentadas, reforçando a dificuldade do caso posto.

Nessa linha, note-se que não há dúvidas de que ARNILDO conduzia o automóvel alugado pelo irmão de IOLANDA e que transportava as eleitoras Tereza e Cleusa no momento do flagrante. A circunstância de que havia material de propaganda de candidatos do PP no porta-malas do carro parece, também, incontroversa.

Todavia, o material de propaganda, de existência admitida, não era de conhecimento das passageiras. O próprio ARNILDO afirmou que não sabia do referido material.

Ainda, há outros elementos a serem considerados:

- IOLANDA é vereadora em Cândido Godói, mas as eleições de 2014 foram gerais;

- IOLANDA e ARNILDO são colegas de trabalho, é certo que possuem relação estreita, pois do contrário o carro não teria sido emprestado.

De fato, a versão de ARNILDO, de que teria ido à casa de IOLANDA e pedido o carro emprestado para reservar um lugar para as festas de fim de ano é pouco crível.

Mas, por outro lado: não foi comprovado, cabalmente, o dolo na conduta. Tenho apreço pelas condenações estampadas, pela prova irrefutável, pela verdade expressa. Pela condenação em que o acusador cumpre o ônus que lhe incumbe.

E, admitamos, ainda que com pesar: não é o caso dos autos.

Aqui, o contexto probatório entrega uma versão bastante nebulosa dos fatos. Não há comprovação do dolo de ARNILDO e, relativamente a IOLANDA, os subsídios para uma condenação são ainda mais parcos.

O meu posicionamento é, portanto, o de acompanhar o voto do d. Relator, Dr. Leonardo Tricot Saldanha. Tenho que os recursos de ARNILDO e IOLANDA devem ser providos.

Isso porque, repito, entendo haver carência na comprovação do dolo específico ao transportar as eleitoras. Parece faltar um fato demonstrado, que defina a intenção de ARNILDO em obter a vantagem eleitoral, em cooptar o voto das transportadas.

A prova produzida tem idas e vindas, não direciona o julgador a uma conclusão cristalina.

Esta magistrada não é ingênua; bem conhece as práticas de alguns competidores, nas campanhas eleitorais, o modo com que muitos, infelizmente, optam por agir.

É certo que estamos em tempos delicados, de decepção e revolta, tempos nos quais se faz ainda mais presente a sensação de que, em nosso país, reina a impunidade.

Ilícitos por toda a parte, mormente os relacionados com a classe política.

Condenemos os criminosos.

Mas condenemos com base em prova cabal, robusta.

Do contrário, a absolvição se impõe.

Acompanho o Relator, Sra. Presidente.

 

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Peço vênia ao relator para acompanhar a divergência.