RE - 3291 - Sessão: 26/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ARMANDO CHAVES GARCIA DE GARCIA FILHO contra sentença do Juízo da 161ª Zona Eleitoral (fls. 93-95) que julgou procedente a representação por doação eleitoral acima do limite legal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condená-lo ao pagamento de multa de R$ 14.861,20 (catorze mil, oitocentos e sessenta e um reais e vinte centavos), calculado em razão de excesso de doação de R$ 2.972,24, uma vez que o recorrente doou R$ 3.000,00 à campanha eleitoral do candidato a senador Lasier Costa Martins, e obteve rendimentos brutos no valor de R$ 217,60 em 2013, ano anterior ao do pleito.

Em suas razões, afirma que o art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97 é claro ao estabelecer para as doações eleitorais o limite de 10% da renda bruta. Sustenta que a sentença recorrida se valeu de normas tributárias para modificar o texto legal, conferindo interpretação extensiva e temerária que afronta o Estado Democrático de Direito, o princípio da reserva legal e a separação de poderes. Afirma que a tese da sentença invoca a necessidade de que o doador apresente seu livro caixa e resultado líquido para poder realizar doação, e que para tanto deveria ser realizada uma perícia contábil. Assevera que obteve receita bruta de R$ 1.342.624,44 no exercício de 2013, e que seu faturamento bruto deveria ser considerado como base de cálculo de doações, nele compreendida toda a renda auferida, até mesmo a proveniente de atividade rural, ainda que não tributável. Requereu a reforma da decisão e o afastamento da condenação (fls. 100-107).

O Ministério Público Eleitoral ofereceu contrarrazões postulando a manutenção da sentença recorrida (fls. 109-110).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 112-114v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recurso ataca o conceito de rendimento bruto utilizado pela juíza a quo para aferição do cálculo do excesso de doação.

Na sentença, a magistrada considerou que a Lei n. 9.504/97 prevê, em seu art. 23, § 1º, que pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

Ponderou que, consoante informação da Receita Federal, o rendimento bruto do representado referente ao exercício de 2013 foi de R$ 217,60 (duzentos e dezessete reais e sessenta centavos), enquanto que o valor doado à campanha eleitoral de 2014 foi de R$ 3.000,00 (três mil reais), portanto, superior ao limite estabelecido na Lei das Eleições.

O recorrente, qualificado como orizicultor na procuração de fl. 24, defende que auferiu receita de mais de 1 milhão de reais no exercício de 2013 (R$ 1.342.624,44 conforme fl. 32 da sua Declaração de Imposto de Renda que consta no volume anexo), e invoca a tese de que deveria ser considerada como rendimento bruto a receita alcançada no exercício.

A decisão recorrida considerou que, no item Receitas e Despesas - Brasil, embora declarada a importância de R$ 1.342.624,44 no total de “receita bruta mensal”, consta como total de “despesas de custeio e investimentos” o montante de R$ 2.362.495,60, quantia que, por ser superior à receita, resultou no valor negativo de R$ 1.019.871,16 e, como consequência, em um resultado tributável igual a zero (fl. 94v.).

Porém, o raciocínio não está alinhado com a jurisprudência sobre a matéria, pois o TSE já enfrentou a questão e assentou que a Justiça Eleitoral deve considerar como rendimento bruto o conceito legal previsto no art. 37 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99), dispositivo que toma por base o art. 43, incs. I e II, do Código Tributário Nacional, e art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.713/88, o qual regulamenta a tributação dos rendimentos e ganhos de capital, concluindo que o rendimento bruto compreende apenas as receitas auferidas no exercício:

O conceito de rendimento bruto, portanto, deve ser extraído do direito tributário e comprovado pela declaração de imposto de renda.

O artigo 37 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99), fundado no artigo 43, incisos I e II, e no artigo 3º, §1º, da Lei nº 7.713/88, estabelece:

Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

Daí já se vê que o conceito de rendimento bruto compreende apenas as receitas, não incluindo a dedução correspondente às despesas incorridas. Caso fossem levadas em consideração também as despesas dedutíveis não mais se estaria a tratar, na linguagem tributária - e, em razão da remissão legal, tampouco na eleitoral -, de rendimento bruto, mas sim de renda.

Especificamente a respeito dos rendimentos de atividade rural, o artigo 61 do Regulamento do Imposto de Renda, por sua vez, estabelece que "a receita bruta da atividade rural é constituída pelo montante das vendas dos produtos oriundos das atividades definidas no art. 58, exploradas pelo próprio produtor-vendedor" .

Já o resultado da atividade rural consiste, nos termos do artigo 63 do Regulamento do Imposto de Renda, na "diferença entre o valor da receita bruta recebida e o das despesas pagas no ano-calendário, correspondente a todos os imóveis rurais da pessoa física" .

Como mencionado, para a legislação tributária (e, por força do artigo 23 , § 1º, I, da Lei nº 9.504/1997, também para a eleitoral), o conceito de rendimento bruto está vinculado à noção de receita - e não de renda.

(TSE, RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 154311, Decisão monocrática de 3.12.2015, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE 10.12.2015.) (Grifei.)

O conceito de rendimento bruto é dado pelo art. 3º, parágrafos 1º e 2º, da Lei n. 7.713/98, a saber: o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, os acréscimos patrimoniais, e os ganhos de capital, definidos como o resultado da soma dos ganhos auferidos.

O dispositivo não determina que seja descontada a despesa gerada no exercício para fins de aferição do rendimento bruto:

Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90)

§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

§ 2º Integrará o rendimento bruto, como ganho de capital, o resultado da soma dos ganhos auferidos no mês, decorrentes de alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, considerando-se como ganho a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, observado o disposto nos arts. 15 a 22 desta Lei.

Idêntica é a jurisprudência sobre a matéria:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO LIMITE LEGAL PARA DOAÇÃO À CAMPANHA ELEITORAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23 DA LEI Nº 9.504/97. RECURSO DESPROVIDO. 1 - A doação de recursos para campanha eleitoral realizada por pessoa física limita-se a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao das eleições ou R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) se a doação for em bens estimáveis em dinheiro. 2 - É irrelevante para efeitos de caracterização de rendimentos brutos, se a apuração do resultado tributável obteve saldo negativo ou positivo, pois tão somente aquele, considerado isoladamente, deve ser considerado para fins de apuração de excesso de doação na seara eleitoral. 3 - Não se justifica a aplicação da penalidade prevista no § 3º do art. 23, da Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, quando observado o limite estabelecido pela lei. 4 - Reconhecimento dos efeitos probatórios da DIRPF retificadora enviada à Receita Federal após o ajuizamento de representação por doação acima do limite legal, em razão da inexistência da declaração primária nos autos, fato que torna inviável a verificação dos dados alterados, acrescentados ou suprimidos pela retificadora. 5 - Impossibilidade de condenação lastreada em mera suposição de que teria havido má-fé da parte, ao retificar sua declaração anual de imposto de renda. 6 - Recurso desprovido.

(TRE-GO - REP 42586 GO, Relator WILSON SAFATLE FAIAD, Data de Julgamento: 28.4.2014, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Tomo 078, Data 06.5.2014, Página 02.)

 

ACÓRDÃO RECURSO ELEITORAL Nº 20-05.2015.6.13.0063 63ª Zona Eleitoral, de Campina Verde. Recorrente: Uander Felisbino Leonel. Recorrido: Ministério Público Eleitoral. Relator: Juiz Maurício Pinto Ferreira. Recurso Eleitoral. Representação. Doação de recursos acima do limite legal. Pessoa física. Procedência. Condenação em multa. Embasamento do dispositivo da sentença aduzindo que a base de cálculo para a aferição dos limites de doação do representado seriam seus rendimentos tributáveis e não seus rendimentos brutos, conforme prescreve o art. 23, § 1º, I, da Lei das Eleições. Desconsideração, pela sentença, do rendimento bruto proveniente de atividade rural que autorizaria, então, a doação que perfez, sem extrapolação do limite estabelecido pela lei, de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, porquanto, objetivamente, a doação efetivada equivale a 5,81%. A jurisprudência dos tribunais eleitorais tem-se sedimentado sobre a convicção de que à base de cálculo das doações de campanha, feitas por pessoas físicas aos candidatos, deve ser incluído o valor de toda a renda bruta decorrente da exploração da atividade rural, e não apenas os rendimentos tributáveis de tal empreendimento, nos limites permitidos pela legislação eleitoral, porquanto o conceito de rendimentos brutos, de natureza tributária, possui, para o direito eleitoral, função meramente instrumental, de simples base de cálculo para doações de campanha, sendo vedado ao intérprete transportar para o regime jurídico eleitoral conceitos e conclusões tributárias, haja vista a inexistência de expressa autorização legal para tanto, conforme disposto no art. 3º, da Lei nº 7.713/88 - o imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei - pelo que, então, o rendimento bruto decorrente de atividade rural deve ser computado sem desconto de despesas relativas a custeio e investimento, não se autorizando distinguir-se aqui receita e rendimento (Continuação do Acórdão no Recurso Eleitoral nº 20-05.2015.6.13.0063). Afinaram a Receita Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, o conceito de rendimento bruto como sendo a soma dos rendimentos tributáveis, dos rendimentos isentos e dos rendimentos tributáveis exclusivos na fonte declarados (cf. Nota n.º 49/2015 - RFB/Copen/Diaes). Receita tributável incluída no valor da receita bruta. Regularidade da doação. Inexistência de afronta ao limite legal. Revogação da multa aplicada ao recorrente em primeiro grau. Recurso a que se dá provimento. ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, à unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Belo Horizonte, 31 de março de 2016. Juiz Maurício Pinto Ferreira Relator.

(TRE-MG - RE 2005 CAMPINA VERDE/MG, Relator MAURÍCIO PINTO FERREIRA, Data de Julgamento: 31.3.2016, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico - TRE-MG, Data 13.4.2016.)

A Receita Federal regulamenta a tributação dos rendimentos brutos percebidos por pessoas físicas e deixa claro que o conceito de renda não é idêntico ao de rendimento bruto. Portanto, o conceito de rendimento bruto deve compreender somente as receitas, não incluindo a dedução correspondente às despesas.

Em verdade, o cálculo realizado na sentença, ao levar em consideração também as despesas dedutíveis, resultou no cálculo da renda auferida no exercício, ou seja, o saldo tributável.

Assim, a decisão merece reforma, pois o limite legal é calculado sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução ou desconto de despesas relativas a custeio e investimento.

Na hipótese, o recorrente percebeu rendimentos brutos de R$ 1.342.624,44 e realizou doação de R$ 3.000,00, quantia que se encontra dentro do limite legal de 10% previsto na legislação eleitoral, pois poderia ter doado até R$ 134.262,44 para campanhas eleitorais.

Em face do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, afastando a pena de multa.