RC - 444 - Sessão: 23/05/2018 às 17:00

RELATÓRIO

 

O Ministério Público Eleitoral denunciou ICLÊ RHODEN, VALMIR MOREIRA DOS SANTOS, AMAURI LUIS LAMPERT, SIMONE BRITES LAMPERT, TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS, NADIR MOREIRA DOS SANTOS, IRIS NADIR WILLE, NELSON WILLE e ARNÉLIO JANTSCH como incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, arrolando, na peça acusatória, 12 (doze) fatos delituosos envolvendo os réus (fls. 02-06).

A denúncia foi recebida em 15.4.2015 (fl. 236).

Após serem citados (fls. 282-300), NELSON WILLE, IRIS NADIR WILLE, SIMONE BRITES LAMPERT, ARNÉLIO JANTSCH e NADIR MOREIRA DOS SANTOS aceitaram o benefício da suspensão condicional do processo (fls. 303-306), procedendo-se à cisão processual, com a autuação da AP n. 29-57.2015.621.0155 relativamente a esses réus (fls. 303-308).

A presente ação penal prosseguiu contra AMAURI LUIS LAMPERT, ICLÊ RHODEN, VALMIR MOREIRA DOS SANTOS e TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS, ora recorrentes, em relação aos quais os fatos descritos na denúncia foram os seguintes:

 

1º Fato:

Entre os dias 24/09/2012 e 07/10/2012, em horário não esclarecido nos autos, no interior do Hospital São Francisco, na Rua Dr. Sampaio, nº 370, Centro, no Augusto Pestana, o denunciado AMAURI LUIS LAMPERT, na condição de representante da Coligação Augusto Pestana Pode Mais, deu para a eleitora Nadir Moreira dos Santos (título eleitoral nº 535144004/85) valor em dinheiro, com o fim de obter-lhe o voto para os candidatos à majoritária DARCI SALLET e NELSON WILLE e para a candidata à vereadora ICLÊ RHODEN. Na ocasião, o denunciado AMAURI, valendo-se do fato de a eleitora Nadir estar necessitando de valores em dinheiro, condicionou o empréstimo dos R$ 700,00 (setecentos reais) entregues à eleitora ao voto desta aos candidatos à majoritária - Darci Sallet e Nelson Wille - e à proporcional - Iclê Rhoden.

(...)

3º Fato:

Entre os dias 01/10/2012 e 06/10/2012, em horário e local não suficientemente esclarecidos nos autos, no Município de Augusto Pestana, o denunciado AMAURI LUIS LAMPERT, na condição de representante da Coligação Augusto Pestana Pode Mais, prometeu vantagens ilícitas ao eleitor Odair Moreira dos Santos (título eleitoral nº 077418730450), com o fim de obter-lhe o voto para os candidatos à majoritária DARCI SALLET e NELSON WILLE e para a candidata à vereadora ICLÊ RHODEN. Na ocasião, o denunciado AMAURI efetuou ligação telefônica para Odair, através do telefone nº 55-9962-0928, oferecendo valores em dinheiro para compra do fardamento do time de futebol Barcelona do qual o eleitor faz parte, bem como gênero alimentício carne- em troca dos votos do time e do referido eleitor para a majoritária - Darci Sallet e Nelson Wille - e para a candidata à vereadora Iclê Rhoden. A entrega do dinheiro somente iria ocorrer depois das eleições. Segundo informado pelo denunciado AMAURI, a entrega da carne ao eleitor seria feita ainda naquela semana pelo denunciado ARNELIO JANTSCH.

(…)

5º Fato:

No mês de setembro de 2012, em horário não esclarecido nos autos, na Rua Guilherme Hasse, próximo ao número 1593, nesta Cidade, a denunciada ICLÊ RHODEN deu vantagem ilícita ao eleitor Valmir Moreira dos Santos (título de eleitor nº 064187870400) com o fim de que o mesmo votasse nela e nos candidatos da majoritária Darci e Nelson. Na ocasião, a denunciada chamou o eleitor Volmir e pediu para que votasse nela e nos candidato da majoritária, em troca do pagamento da conta de energia elétrica do eleitor. A denunciada Iclê efetuou o pagamento da conta de energia elétrica cuja cópia está acostada à fl. 92 do processo. Tal pagamento ocorreu em 10/09/2012, conforme ofício do DEMEI da fl. 95.

6º Fato:

Nas mesmas circunstâncias e no local descrito no 5º Fato, o denunciado VALMIR MOREIRA DOS SANTOS recebeu vantagem, com o fim de dar seu voto à candidata à vereadora Iclê Rhoden e aos candidatos da majoritária Darci e Nelson. Na ocasião, o denunciado aceitou a proposta da candidata Iclê, entregando a esta a fatura da conta de energia elétrica e prometendo votar nela e nos candidatos à majoritária. A candidata efetuou o pagamento da conta de energia elétrica.

7º Fato:

Entre os dias 20 de setembro e 06 de outubro de 2012, na Rua Venâncio Aires, Bairro Sol Nascente, Augusto Pestana, em horário não esclarecido nos autos, a denunciada ICLÊ RHODEN deu valor em dinheiro à eleitora Tassiana Moreira dos Santos (título de eleitor nº 070247510400), com o fim de que votasse nela e nos candidatos da majoritária Darci e Nelson. Na oportunidade, a denunciada ICLÊ foi até a casa da eleitora no fito de angariar votos à sua candidatura e à dos candidatos à majoritária DARCI e NELSON, ocasião em que deu à Tassiana Moreira dos Santos o valor de R$ 100,00 (cem reais), em dinheiro, em troca do voto da eleitora para a denunciada e para os candidatos da majoritária.

8º Fato:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do 7º fato, a denunciada TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS recebeu da candidata à vereadora Iclê Rhoden valor em dinheiro, em troca de dar seu voto à candidata à vereadora Iclê e aos candidatos da majoritária Darci e Nelson. Na ocasião, a denunciada recebeu a quantia de R$ 100,00 (cem reais) de Icle, em troca do seu voto.

9º Fato:

No dia 07 de outubro de 2012, por volta das 09h, na Rua Venâncio Aires, Bairro Sol Nascente, nesta Cidade, os denunciados AMAURI LUIS LAMPERT e sua esposa SIMONE BRITES LAMPERT, agindo em comunhão de vontades e desígnios, prometeram à eleitora Tassiana Moreira dos Santos, vantagem ilícita, com o fim de conseguir seu voto para a candidata à vereadora Iclê Rhoden e para os candidatos à majoritária Darci e Nelson. Na ocasião, os denunciados foram até a residência da eleitora Tassiana questionando-a se já havia votado. Com a resposta negativa de Tassiana, os denunciados lhe ofereceram um fogão à lenha, roupas para os filhos da mesma e uma quantia não especificada de carne, a fim de que a eleitora votasse em Darci Sallet e Nelson Wille, bem como na candidata à vereadora Iclê Rhoden.

(…)

12º Fato:

No dia 05 de outubro de 2012, durante a noite, na Rua Venâncio Aires, Bairro Sol Nascente, Augusto Pestana, a denunciada TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS recebeu R$ 300,00 (trezentos reais), em dinheiro, entregues por Nelson Wille e Iris Nadir Wille, com o fim de dar seu voto aos candidatos à majoritária Darci Sallet e Nelson Wille nas eleições municipais de 2012. Na ocasião, Nelson Wille e Iris Nadir Wille foram até a residência da denunciada Tassiana para fazer campanha política, oportunidade em que deram o valor em dinheiro à mesma em troca do voto aos candidatos Darci e Nelson.

 

O processo foi instruído, sendo interrogados os réus ao final (CD de fl. 464).

Sobreveio sentença prolatada pelo Juízo da 155ª Zona Eleitoral de Augusto Pestana, julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar os recorrentes como incursos nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral, da seguinte forma:

 

a) AMAURI LUIS LAMPERT, por três vezes (1º, 3º e 9º fatos), em continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto – substituída por prestação de serviços à comunidade e pena pecuniária no valor de 03 (três) salários mínimos –, e à pena de multa em 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/4 (um quarto) do salário mínimo nacional vigente à época do fato;

b) ICLÊ RHODEN, por duas vezes (5º e 7º fatos), em continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto – substituída por prestação de serviços à comunidade e pena pecuniária no valor de 02 (dois) salários mínimos –, e à pena de multa de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/6 (um sexto) do salário mínimo nacional vigente à época do fato;

c) VALMIR MOREIRA DOS SANTOS, por uma vez (6º fato), à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto – a qual não foi substituída por pena restritiva de direito, por ser o réu reincidente em crime doloso –, e à pena de multa de 05 (cinco) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo nacional vigente à época do fato;

d) TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS, por duas vezes (8º e 12º fatos), em continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto – substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo –, e à pena de multa de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo nacional vigente à época do fato.

 

Inconformado, AMAURI LUIS LAMPERT interpôs recurso buscando a sua absolvição, ao argumento central de insuficiência da prova do cometimento dos crimes que lhe foram imputados na denúncia (fls. 585-599).

ICLÊ RHODEN recorreu, sustentando, igualmente, que a prova produzida nos autos é insuficiente para comprovar a sua participação nos fatos delituosos objeto dos autos. Postulou a reforma da sentença, pleiteando a sua absolvição, ou, alternativamente, a redução da pena ao seu patamar mínimo (fls. 602-621).

Em seus recursos, VALMIR MOREIRA DOS SANTOS (fls. 624-629) e TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS (fls. 630-635) pleitearam a concessão de Assistência Judiciária Gratuita (AJG). No mérito, alegaram ser integrantes de família humilde, tendo atuado em erro de proibição e estado de necessidade, causas excludentes da ilicitude de suas condutas. Requereram, ainda, a aplicação do princípio da insignificância, devido à diminuta expressividade econômica das vantagens supostamente percebidas com a prática delitiva e o reconhecimento da delação premiada para fins de absolvição, ou redução das penas aplicadas na sentença.

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões aos recursos defendendo a manutenção da sentença (fls. 637-645).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu parecer, instruído com documentos, opinando: a) pelo desprovimento dos recursos interpostos por AMAURI LUIS LAMPERT e ICLÊ RHODEN, mantendo-se as suas condenações nos termos da sentença; b) pelo provimento dos recursos interpostos por VALMIR MOREIRA DOS SANTOS e TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS, reconhecendo-se, em seu favor, a incidência da causa supralegal de exclusão da culpabilidade atinente à inexigibilidade de conduta diversa, para absolvê-los das imputações criminosas; c) em sendo mantidas as condenações, pela imediata execução provisória do acórdão, na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC n. 126.292/SP e dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais Regionais Eleitorais (fls. 648-670).

Os mandados expedidos para a intimação dos réus da sentença condenatória foram juntados nas fls. 672-676.

AMAURI LUIS LAMPERT e ICLÊ RHODEN juntaram termos de substabelecimento (fls. 679-680 e 688-690), deferindo-se prazo para carga dos autos aos novos procuradores constituídos (fls. 682 e 694).

A defesa de AMAURI LUIS LAMPERT apresentou razões complementares ao recurso interposto com respaldo na Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal, aduzindo a incompletude da defesa, ensejadora de manifesto prejuízo ao réu e, por decorrência, de nulidade processual. Suscitou que a condenação seria nula por ter sido fundada no depoimento de informantes e corréus e em extratos de ligações telefônicas, sem o correspondente conhecimento de seu teor, questionando, ainda, a majoração da pena em virtude da continuidade delitiva (fls. 701-709).

Com nova vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral defendeu a consistência dos elementos de prova embasadores da sentença condenatória, assim como ter sido observado um juízo de proporcionalidade relativamente à majoração da pena devido ao reconhecimento do crime continuado na hipótese subjacente (fls. 714-716).

Constatado que os arquivos com os depoimentos colhidos na audiência de instrução realizada no dia 13.10.2015 não integravam o conteúdo das mídias juntadas nas fls. 433 e 464 – embora os respectivos termos de degravação constassem nas fls. 472-484v. e 496-504 –, por solicitação deste relator, o Cartório da 155ª Zona Eleitoral remeteu a este Tribunal a mídia anexada na fl. 721.

É o relatório.

 

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

A sentença foi publicada no DEJERS no dia 20.01.2016 (fl. 579), e as defesas dos réus AMAURI e ICLÊ interpuseram recursos, respectivamente, em 22 e 25.01.2016 (fls. 585 e 602), obedecendo ao prazo de 10 (dez) dias, previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

O defensor dativo nomeado para VALMIR e TASSIANA foi intimado da sentença em 16.02.2016 (fl. 623), vindo a protocolizar ambos os recursos interpostos em favor dos réus no dia 22.02.2016 (fls. 624 e 630), igualmente dentro do prazo legal.

Preenchidos, também, os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Preliminares

Pedido de Assistência Judiciária Gratuita e Reconhecimento de Colaboração Premiada

A defesa dos réus VALMIR e TASSIANA requereu a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita (AJG), em virtude de hipossuficiência econômica.

Contudo, diferentemente da sistemática adotada na Justiça Comum (Lei n. 1.060/50), no âmbito da Justiça Eleitoral inexiste condenação ao pagamento de emolumentos ou custas processuais, com base no que dispõe o art. 5º, inc. LXXVII, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n. 9.265/96.

Nesse sentido, a seguinte decisão deste Tribunal:

 

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DENÚNCIA. ART. 353 DO CÓDIGO ELEITORAL. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA FINS ELEITORAIS. PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. COMPROVADAS MATERIALIDADE E AUTORIA. ABSORÇÃO DO DELITO DE FALSO PREVISTO NO ART. 349 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MANTIDA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AFASTADA A CONDENAÇÃO EM CUSTAS. INDEFERIDO PEDIDO DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. DESPROVIMENTO.

Prática dos crimes previstos nos arts. 349 e 353 do Código Eleitoral. Falsificação de documento particular para fins eleitorais, consistente em peça judicial de contestação ao pedido de impugnação do registro de candidatura, tendo o recorrente firmado como se verdadeira fosse a assinatura do advogado. Absorção do delito de falso (art. 349, CE) pelo de uso (art. 353, CE), conforme o princípio da consunção. Conjunto probatório formado por documentos e testemunhas que demonstram a materialidade e a autoria. Ausente semelhança da assinatura inserida no documento com a que pertence ao bacharel. Declaração do advogado no sentido de não ter assinado qualquer peça processual, tampouco ter sido constituído procurador do recorrente. Manutenção da sentença condenatória.

Afastada, de ofício, a condenação em custas, pois inaplicáveis aos feitos eleitorais. Indeferimento do pedido ministerial para a execução provisória da pena, sob pena de solapar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Provimento negado.

(RC n. 142-72, Relator Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, julgado na sessão de 04.12.2017.)

 

Logo, ausente o interesse recursal dos réus VALMIR e TASSIANA, indefiro o pedido de concessão do benefício da AJG.

Da mesma forma, inviável reconhecer, na hipótese, o instituto da colaboração premiada, ou conceder, aos réus TASSIANA e VALMIR, os benefícios decorrentes desse meio de obtenção de prova, seja o perdão judicial, ensejador da extinção da punibilidade, seja a redução ou a substituição da pena privativa de liberdade, nos moldes em que disciplinado no ordenamento jurídico, a exemplo das Leis n. 9.807/99 (Lei de Proteção às Testemunhas) e n. 12.850/13 (Lei do Crime Organizado).

E isso porque TASSIANA e VALMIR apenas foram ouvidos pelo Ministério Público Eleitoral da origem e pelo juízo de primeiro grau na condição de investigados e codenunciados, sem terem atuado como colaboradores voluntários, mediante a formalização do acordo devidamente homologado perante o juízo eleitoral competente, confessando os delitos e, além disso, contribuindo de forma efetiva na investigação ou no processo.

Dessa maneira, inviável reconhecer pretensão alusiva à colaboração premiada no caso em tela.

Complementação das Razões Recursais

Ainda em sede preliminar, tenho por admitir as razões apresentadas, nesta instância, pela procuradora constituída pelo réu AMAURI (fls. 701-709) em complementação ao recurso interposto nas fls. 585-599.

O sistema processual, em observância aos princípios da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, veda a interposição de novo recurso ou a apresentação de razões complementares destinadas a sanar a deficiência da fundamentação recursal anteriormente aviada pelo advogado da parte após o transcurso do prazo recursal (STJ, AgReg no REsp n. 1196667/RJ, Relator Min. Sérgio Kukina, julgado na sessão de 19.4.2016).

Contudo, no caso dos autos, a petição apresentada pela defesa do réu AMAURI, após o escoamento do prazo para a interposição do recurso, agregou argumentos não suscitados pelo advogado que até então o patrocinava no processo, e que se mostram pertinentes e relevantes à solução da causa, repercutindo diretamente sobre a sua esfera de interesse. Petição essa cuja ciência foi oportunizada à Procuradoria Regional Eleitoral, tanto que o agente ministerial apresentou nova manifestação (às fls. 714-716) repisando as conclusões expendidas no seu parecer anterior.

Diante desse cenário, e considerando que, no âmbito do processo penal, é admissível, ao julgador, a cognição ampla da matéria fático-jurídica debatida em benefício do réu, com amparo no princípio da ampla defesa (TJ/SP, AP n. 4435-13, Relator Luiz Fernando Vaggione, julgado na sessão de 06.2.2017), conheço do teor complementar das razões apresentadas nas fls. 701-709 e prossigo.

Mérito

Inicialmente, registro que, em tendo ocorrido o trânsito em julgado da sentença para o Ministério Público Eleitoral, a prescrição é regulada pelas penas concretamente aplicadas aos réus (art. 110, § 1º, do Código Penal).

Como todas elas se encontram compreendidas entre 1 (um) e 2 (dois) anos de reclusão, deve ser observado o prazo prescricional de 4 (quatro) anos (art. 109, inc. V, do Código Penal), cujo transcurso não foi verificado entre a data do recebimento da denúncia, ocorrido em 15.4.2015 (fl. 236), e a data da publicação da sentença condenatória, em 20.01.2016 (fl. 579), marcos interruptivos da prescrição (art. 110, § 1º, c/c o art. 117, incs. I e IV, do Código Penal).

No concernente à questão de fundo, AMAURI, ICLÊ, VALMIR e TASSIANA interpuseram recursos em face da sentença do Juízo da 155ª Zona Eleitoral, que os condenou pela prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral durante as eleições de 2012 no Município de Augusto Pestana.

O réu AMAURI, representante da Coligação “Santo Augusto Pode Mais” à época, foi condenado pela prática do 1º, 3º e 9º fatos descritos na denúncia, porque: a) teria entregue a quantia de R$ 700,00 à eleitora Nadir Moreira dos Santos entre os dias 24.9.2012 e 07.10.2012 em troca do seu voto, em favor das candidaturas de Darci Sallet e Nelson Wille (candidatos que disputaram o pleito majoritário pela Coligação Augusto Pestana Pode Mais (PMDB/DEM), da qual AMAURI era representante) e da ré ICLÊ (candidata ao cargo de vereadora pelo PMDB); b) teria oferecido, ao eleitor Odair Moreira dos Santos, entre os dias 1º e 06.10.2012, valores em dinheiro para a compra do fardamento do time de futebol Barcelona, do qual o referido eleitor fazia parte, bem como gênero alimentício (carne), em troca do seu voto e dos votos dos integrantes do time de futebol em favor dos candidatos Darci e Nelson e da ré ICLÊ; c) teria oferecido à corré TASSIANA um fogão a lenha, roupas para os seus filhos e uma quantia não especificada de carne no dia 07.10.2012, a fim de que votasse em Darci, Nelson e ICLÊ.

A ré ICLÊ foi condenada pela prática do 5º e 7º fatos por ter: a) oferecido e efetuado o pagamento de uma conta de energia elétrica ao réu VALMIR (irmão da corré TASSIANA), no dia 10.9.2012, em troca de voto para a sua candidatura e a dos candidatos Darci e Nelson; b) entregue a quantia de R$ 100,00 à corré TASSIANA em troca de voto para a sua campanha e à chapa majoritária.

O réu VALMIR teria incorrido na prática de corrupção eleitoral passiva, ao receber o pagamento da conta de energia elétrica oferecida pela ré ICLÊ (6º fato).

A ré TASSIANA, por sua vez, incorreu em idêntico delito por ter recebido o montante de R$ 100,00 de ICLÊ, (8º fato) e a quantia de R$ 300,00 do candidato Nelson e de sua esposa, Iris Wille, em troca de voto para as suas campanhas (12º fato).

A prova dos fatos criminosos produzida ao longo da instrução é essencialmente testemunhal, como passo a descrever (CDs de fls. 433, 464 e 721 e degravações de fls. 467-504).

Nadir Moreira dos Santos, eleitora diretamente envolvida no 1º fato, prestou depoimento na condição de informante por ser irmã dos corréus TASSIANA e VALMIR.

O depoimento de Nadir foi dúbio no tocante à configuração do crime alegadamente cometido por AMAURI, não tendo restado suficientemente esclarecido se o réu ofereceu a quantia de R$ 700,00 em troca de seu voto, ou se Nadir teria procurado por ele junto ao Hospital São Francisco para pedir-lhe dinheiro emprestado, o qual se destinaria ao pagamento de contas deixadas por sua mãe falecida.

Aliás, em seu depoimento, Nadir disse que, na oportunidade em que recebeu o valor de AMAURI, este não lhe entregou “santinho”, não lhe pediu voto em favor de Darci e Nelson, ou da ré ICLÊ, tampouco lhe pediu que “desse uma força” para a campanha junto a seus irmãos. Embora tenha assinado um documento, que acreditava ser uma nota promissória, afirmou não ter devolvido o valor a AMAURI. Ao final, disse desconhecer os fatos envolvendo seus irmãos TASSIANA e VALMIR.

Odair Moreira dos Santos, irmão de Nadir e dos réus VALMIR e TASSIANA, também foi ouvido como informante. Afirmou que AMAURI lhe prometeu a metade do valor dos uniformes para o time de futebol Barcelona antes das eleições, sendo que a outra metade seria paga após a realização do pleito, sob a condição de que votasse em Darci, Nelson e ICLÊ.

Disse, também, ter combinado com AMAURI, por telefone, que a carne seria entregue por Arnélio Jantsch. Contudo, dias antes da data aprazada, a entrega foi cancelada por ter sido descoberta a sua vinculação política com os candidatos adversários de Darci e Nelson.

No tocante aos fatos envolvendo o recebimento de vantagens por VALMIR e TASSIANA, as declarações de Odair mostraram-se contraditórias e inconclusivas. Disse, em certo momento, ter ouvido apenas comentários a respeito deles, mas, ao longo do seu depoimento, afirmou ter visto VALMIR sair da casa de ICLÊ com um talão de luz e conversado com TASSIANA, que lhe contou da oferta de reforma de sua casa se votasse em Darci, Nelson e ICLÊ.

A testemunha Fábio Vandré Pellenz não trouxe informações relevantes à prova dos delitos.

Helena dos Santos Bueno e Rosemara dos Santos Bueno testemunharam sobre o 10º fato, em relação ao qual a ré ICLÊ foi absolvida, em virtude de insuficiência probatória (art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal), não tendo havido a interposição de recurso pela acusação quanto a esse ponto do julgamento de primeira instância.

As testemunhas Sônia Teresinha Müller, Marinês Teresinha Barasuol, Valentim Luis Tamiozo, Bruno Wandersan, Clóvis Roth, e Remi Antônio Dama (fls. 405-409) e Jairo Francisco Tessari (fl. 453 e v.) apenas abonaram as condutas dos réus AMAURI e ICLÊ.

O réu AMAURI negou o cometimento de todos os delitos que lhe foram imputados, relacionados ao oferecimento de vantagens a Nadir, Odair e TASSIANA, objetivando conquistar seus votos em favor de Darci, Nelson e ICLÊ.

A ré ICLÊ negou, do mesmo modo, a prática das condutas criminosas. Disse ter visitado a ré TASSIANA rapidamente em sua casa, oportunidade em que lhe entregou propaganda, acreditando que a mesma disse ter recebido a quantia de R$ 100,00 em troca de voto, por conta de interesses de seus adversários políticos, uma vez que TASSIANA manifestou sua preferência pelo PP e, inclusive, trabalhava na casa de uma pessoa ligada a esse partido. A sua ligação com TASSIANA limitou-se a uma visita que fizeram juntas a sua vizinha Araci, quando estava hospitalizada no Município de Ijuí. Com relação ao pagamento da fatura de energia elétrica ao réu VALMIR, disse nunca ter procurado ou ter sido por este procurada com esse intuito.

O réu Valmir referiu desconhecer os fatos envolvendo os seus irmãos Nadir, Odair e TASSIANA.

No que concerne ao crime cometido por ICLÊ (5º fato), VALMIR afirmou, em um primeiro momento, que, na época dos fatos, morava em Ijuí, votava em Augusto Pestana e estava “quebrado”. Foi até o Bar do Batista, que se localizava em frente à casa de ICLÊ, oportunidade em que pediu ajuda a Derci, marido da candidata, para o pagamento de uma conta de luz, cujo fornecimento estava prestes a ser cortado, prometendo o seu voto a ICLÊ.

Então, foi até sua casa pegar o carnê de luz – circunstância não esclarecida, pois declarou que morava em Ijuí – e o entregou a Derci e ICLÊ, que “estava do lado e viu tudo”. Derci e ICLÊ saíram para efetuar o pagamento da fatura, mas não pôde esperá-los, porque precisava tomar o ônibus para voltar a Ijuí, motivo pelo qual não recebeu o comprovante do pagamento. Em momento posterior, afirmou que Derci lhe entregou a conta de luz paga, a qual levou ao Cartório Eleitoral.

Após as perguntas feitas pela representante do Ministério Público Eleitoral, mudou a versão dos acontecimentos, dizendo que encontrou Derci e este lhe prometeu “uma ajuda” para que votasse em ICLÊ, e que esta não estava presente na ocasião.

Percebe-se, por conseguinte, que VALMIR prestou um depoimento bastante confuso e contraditório quanto aos fatos, manifestando, inclusive, dificuldade de compreensão acerca dos questionamentos que lhe foram dirigidos durante a audiência de instrução. As suas declarações mostram-se imprestáveis à comprovação das elementares do tipo do art. 299 do Código Eleitoral relativamente a ICLÊ (5º fato), já que delas é impossível extrair de forma clara e segura a finalidade eleitoral que teria supostamente orientado a conduta da ré.

A ré TASSIANA afirmou que ICLÊ esteve em sua casa em várias oportunidades, oferecendo-lhe, em uma delas, a quantia de R$ 100,00 em troca de voto para a sua candidatura e para a chapa majoritária. Confirmou que, na manhã do dia das eleições, estava em frente à residência de ICLÊ, com AMAURI e sua esposa Simone, porque uma vizinha havia falecido, ocasião em que a candidata lhe ofereceu dinheiro para que nela votasse.

Em seu conjunto, portanto, a prova testemunhal produzida em juízo mostra-se frágil e insubsistente ao juízo condenatório.

Nadir e Odair, cujos testemunhos teriam alguma pertinência com os fatos, foram ouvidos na condição de informantes, por manterem relação de parentesco com os réus VALMIR e TASSIANA.

Odair, ademais, declarou ser apoiador dos adversários políticos de Darci e Nelson, que disputaram o pleito majoritário, em benefício dos quais AMAURI e ICLÊ teriam oferecido vantagens a eleitores em troca de voto. Odair, inclusive, referiu expressamente que a entrega da carne foi cancelada depois que souberam do seu vínculo político com os adversários dos candidatos Darci e Nelson.

Não se olvida a relevância da prova testemunhal para a comprovação do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, tipo penal cujos vestígios são de difícil comprovação em processos de natureza criminal eleitoral, pois, não raras vezes, as promessas de compra de votos são feitas às escuras, clandestinamente, restando apenas os respectivos interlocutores como testemunhas do crime, sendo comuns, por exemplo, o adiantamento de valores, as ofertas de empregos e de cargos públicos e a influência política indevida sobre o eleitorado.

Por outro lado, embora as sentenças condenatórias possam fundar-se exclusivamente em prova testemunhal, exige-se que esta seja isenta e livre de comprometimentos políticos ou pessoais, condição sem a qual não deve subsistir o decreto condenatório, conforme jurisprudência deste Tribunal:

 

RECURSO CRIMINAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008.

A prova exclusivamente testemunhal, fundada em depoimento de amiga íntima da esposa de adversário político do réu é insuficiente para ensejar juízo condenatório. Exigência de que a testemunha seja isenta e livre de comprometimentos políticos ou pessoais, o que não se vislumbra na espécie.

Provimento.

(RC n. 25-66, Relator Dr. HAMILTON LANGARO DIPP, julgado na sessão de 02.9.2017.) (Grifei.)

 

Os depoimentos de VALMIR e TASSIANA, que poderiam ter alguma repercussão probatória no tocante aos fatos delituosos supostamente praticados por AMAURI (1º, 3º e 9º fatos) e ICLÊ (5º e 7º fatos), não podem ser considerados para essa finalidade. E isso porque, na esteira da orientação firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral: “a prova produzida por quem participou do processo como corréu também não pode ser aproveitada porque tem origem em sujeito parcial da lide e que dispõe do direito de calar a verdade” (RESPE n. 181-18, Relator Min. João Otávio de Noronha, julgado na sessão de 10.7.2014).

Nessa linha, cito, também, a seguinte decisão do Tribunal Superior Eleitoral:

 

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. INAPLICABILIDADE. TESTEMUNHA. CORRÉU. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

Histórico da demanda 1. Contra acórdão do TRE/AL - pelo qual reconhecida a nulidade da sentença condenatória proferida em desfavor do agravado, como incurso no art. 299 do Código Eleitoral, para determinar o retorno dos autos à origem para novo exame, ante a indivisibilidade da ação penal e a impossibilidade de condenação fundada exclusivamente em testemunho de eleitor corrompido - interpôs recurso especial o Ministério Público Eleitoral.

2. Negado seguimento ao recurso especial em face do entendimento segundo o qual descabida a condenação fundada exclusivamente em testemunha copartícipe na conduta delitiva, ainda que não denunciada. Do agravo regimental.

3. O princípio da indivisibilidade da ação penal se aplica apenas às ações de natureza privada. Precedentes.

4. Descabida a oitiva de corréu na qualidade de testemunha, irrelevante o fato de a eleitora corrompida ser denunciada pelo órgão ministerial. Precedentes. Agravo regimental não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 188-75/DF, Relatora Min. ROSA WEBER, DJE de 05.4.2018, Páginas0 105-106.) (Grifei.)

 

Ao lado da prova testemunhal, o único elemento documental relativo ao 2º fato cometido por AMAURI (oferecimento de vantagens indevidas a Odair em troca de voto) seria a informação e o CD, juntados nas fls. 342-345 (desentranhados dos autos da RP n. 254-82.2012.6.21.0155), contendo os dados da quebra do sigilo telefônico do réu AMAURI, decretada no âmbito da AC n. 244-38.2012.6.21.0155.

Contudo, a referida documentação resume-se à listagem das ligações telefônicas efetuadas por AMAURI a Odair, no período compreendido entre 16.09.2012 e 05.10.2012, a qual se encontra desacompanhada do inteiro teor das conversas.

Por essa razão, não pode ser validada como prova do cometimento do crime, porquanto atribuir-lhe força probante demandaria uma atividade presuntiva que, além de não guardar correspondência com o panorama da prova coligida aos autos, é incompatível com o nível de segurança e certeza indispensáveis ao juízo condenatório.

Vale lembrar que a presente ação penal foi cindida com relação a NELSON WILLE, IRIS NADIR WILLE e ARNÉLIO JANTSCH, dando origem à AP n. 29-57.2015.621.0155, na qual o benefício da suspensão condicional do processo, inicialmente aceito pelos referidos réus, foi revogado, porque passaram a responder a processo criminal por outros fatos no decorrer do período de prova.

Este Regional, ao apreciar os recursos interpostos por NELSON, IRIS e ARNÉLIO naquela ação penal, emitiu juízo absolutório sob fundamentação análoga, considerando insuficientes os depoimentos de Odair e de TASSIANA para a manutenção da sentença condenatória, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

 

RECURSO CRIMINAL. CORRUPÇÃO OU FRAUDE. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINARES AFASTADAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ART. 89, § 3º, DA LEI N. 9.099/95. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CONSTITUCIONALIDADE. EXECUÇÃO DE DELITOS POR MEIO DE AÇÕES AUTÔNOMAS. CONTINUIDADE DELITIVA AFASTADA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. PROVA TESTEMUNHAL. INSUFICIÊNCIA PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.

1. Preliminares afastadas. 1.1. O fato de o acusado vir a ser processado por envolvimento em novo crime é causa obrigatória de revogação da suspensão condicional do processo, nos termos do § 3º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, inexistindo ofensa ao princípio da presunção de inocência, na medida em que o STF já se manifestou pela constitucionalidade do referido artigo. 1.2. Não há continuidade delitiva quando os crimes de compra de votos e formação de quadrilha tenham sido arquitetados das mais diversas formas. A mera reiteração da conduta delituosa, por meio de ações autônomas, ainda que em curto espaço de tempo, afasta a ideia de continuidade delitiva.

2. Mérito. Promessa de vantagem ilícita a eleitor em troca do voto. Na espécie, os delitos foram comprovados exclusivamente por prova testemunhal, uma das quais declaradamente apoiadora do adversário politico do réu, e o outro por corré no presente processo. Exigência de que a testemunha seja isenta e livre de comprometimentos políticos ou pessoais, o que não se vislumbra no caso. Inconsistência do conjunto probatório com relação à autoria e à materialidade do delito. Absolvição.

Provimento.

(TRE-RS, RC n. 29-57, Relator Des. JORGE LUÍS DALL'AGNOL, julgado na sessão de 06.12.2017.) (Grifei.)

 

Referente ao delito de corrupção eleitoral passiva imputado aos réus VALMIR (6º fato) e TASSIANA (8º e 12º fatos), o cenário probatório não demonstra qualquer elemento convincente.

O depoimento de VALMIR, como anteriormente dito, revelou uma série de contradições e incoerências que o tornam inservível ao convencimento judicial, inclusive para fins de confissão, a qual, como é cediço, está atrelada à verossimilhança e à clareza da narrativa, ou seja, ao sentido inequívoco e persistente com que o confitente descreve os aspectos e as circunstâncias da sua ação delituosa, características definitivamente não identificadas no testemunho desse réu.

TASSIANA, por sua vez, disse que AMAURI, Nelson e Iris Wille lhe oferecem dinheiro em troca de voto. Todavia, em momento algum, ao narrar os acontecimentos em juízo, admitiu ter solicitado ou efetivamente recebido a vantagem econômica de ICLÊ, ou de Nelson e Iris Wille (estes dois últimos corréus na AP n. 29-57.2015.621.0155, que sequer foram ouvidos durante a instrução da presente ação penal).

O depoimento de Tiago Amarante, esposo de TASSIANA, mostrou-se vago e insubsistente, pois o informante limitou-se a dizer que não presenciou as “ofertas em dinheiro”, tendo apenas ouvido comentários a respeito delas.

Mas, mesmo considerando que TASSIANA em realidade atestou ser a autora dos delitos, ao confirmar genericamente o depoimento prestado na fase policial após a sua leitura do respectivo termo em audiência, é relevante ponderar que os irmãos VALMIR e TASSIANA integravam a família dos “Bibis”, composta por 13 irmãos, que, segundo se depreende dos autos, viviam em situação de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social, contexto em que, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não lhes era exigível conduta compatível com o ordenamento jurídico, permitindo o reconhecimento dessa causa supralegal de exclusão de culpabilidade em relação a ambos os réus.

Cito, nesse sentido, a percuciente análise do representante da Procuradoria Regional Eleitoral subscritor do parecer de fls. 648-664:

 

(…)

A situação de hipossuficiência e vulnerabilidade socioeconômica dos réus VALMIR e TASSIANA, integrantes da alcunhada “família dos Bibis” restou amplamente demonstrada no decorrer do processo. Não há qualquer questionamento seja do Ministério Público, seja da polícia, seja dos réus que efetivamente compraram os votos sobre este quadro fático.

Uma estrutura familiar com a presença de treze irmãos, com quase todos casados, e com sua respectiva prole, necessitando de bens básicos de sobrevivência, como carne, fogão à lenha, pagamento de contas de luz, faz com que a configuração da culpabilidade seja repensada, diante do caso concreto, diante de uma situação de pobreza.

O excesso de formalismo e o apego ao positivismo jurídico terminam, muitas vezes, desvirtuando o principal fim do Direito Penal: a justiça. As lacunas do direito positivado não representam uma justificativa para que o julgador profira decisões injustas para os casos concretos.

O respeito ao sistema jurídico todo impõe a possibilidade excepcional de soluções praeter legem, em benefício do indivíduo, especialmente quando estas se apresentam em consonância com as diretrizes político-criminais. Nesse contexto se insere o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

Aparecem as situações de inexigibilidade quando o agente comete fato típico e ilícito, mas, naquelas circunstâncias, não lhe poderia ser exigido um comportamento conforme o Direito. Portanto, exclui-se a sua culpabilidade.

Advirta-se que, a hipótese em questão não deve ser objeto de uso descriminado e desvirtuado, criando restrição a aplicação da norma não prevista pelo Legislador. O não poder agir de outro modo deve ser aplicado, de acordo com o caso concreto, mesmo quando não previsto no direito positivado, por constituir princípio do Direito Penal. No caso dos autos, há evidente situação de pobreza, que orientou o comportamento dos réus. O fato é recriminável e intolerável pelo sistema jurídico. O voto é o núcleo da democracia, devendo ser protegido pelos meios fiscalizatórios e punitivos mais adequados. No entanto, não pode fugir do conhecimento do intérprete da lei que a realidade social conforma o agir do sujeito. Situações como a dos autos, onde o sujeito se vê obrigado a vender seu voto, porque sabe que passando aquele momento não poderá mais conseguir bens de consumo, é triste e, lamentavelmente, frequentes no ambiente político brasileiro.

Aqui não se trata de tolerar a conduta, mas de se punir adequadamente quem age de forma oportunista, se locupletando da hipossuficiência do outro, e quem age por força das circunstâncias, por força do abismo social que acomete grande parte do povo brasileiro. (…)

 

Assim sendo, diante da fragilidade do conjunto probatório quanto à autoria e à materialidade dos delitos imputados a AMAURI, ICLÊ, VALMIR e TASSIANA, os seus recursos merecem ser providos para que sejam todos integralmente absolvidos das imputações que lhes foram feitas no âmbito da presente ação penal.

Para finalizar, no que se refere à formalização dos atos cartorários, verifiquei não ter sido certificada a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para o Ministério Público Eleitoral após sua intimação em 11.02.2016 (fl. 622). Dessa forma, com o retorno dos autos à primeira instância, competirá ao Juiz Eleitoral da 155ª Zona de Augusto Pestana adotar as providências necessárias para que se proceda a essa certificação nos autos.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento dos recursos interpostos por AMAURI LUIS LAMPERT, ICLÊ RHODEN, VALMIR MOREIRA DOS SANTOS e TASSIANA MOREIRA DOS SANTOS para o fim de absolvê-los da condenação pela prática do delito do art. 299 do Código Eleitoral, com base no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Após o retorno dos autos à primeira instância, o Juiz Eleitoral da 155ª Zona de Augusto Pestana deverá adotar as providências necessárias para que seja certificada, nos autos, a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para o Ministério Público Eleitoral.