RE - 6114 - Sessão: 19/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUCIANA MACHADO DA SILVA contra decisão do juízo da 74ª Zona Eleitoral (fls. 52-56), que julgou procedente a representação por doação acima do limite legal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando a ora recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 7.169,15, nos termos do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais, preliminarmente, suscita a incompetência do juízo da 74ª Zona Eleitoral, a ocorrência de cerceamento de defesa e a ilicitude da prova que embasou a sentença. No mérito, alega a ausência de potencial lesivo da doação à igualdade do pleito ou à transparência das contas de campanha, requerendo a improcedência da representação ou, subsidiariamente, a redução da multa aplicada (fls. 61-66).

Com contrarrazões pela manutenção da decisão (fls. 68-74), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 77-81).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece conhecimento.

Inicialmente, analiso as preliminares suscitadas pela recorrente.

a) Da competência do juízo

A preliminar recursal refere que, na hipótese, a competência para o processo e julgamento originário da representação pertenceria com exclusividade a este Tribunal Regional Eleitoral, por força do art. 96, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

O argumento não prospera.

A referida norma é inaplicável às ações por doação acima do limite legal, posto que essas traduzem hipóteses de representações específicas, que não trazem previsão de responsabilização de partidos ou candidatos.

Assim, as doações acima dos limites legais nas eleições gerais devem ser propostas pelo representante do Ministério Público Eleitoral, com atribuição junto ao juízo eleitoral do domicílio do doador, de forma, inclusive, a facilitar o exercício do direito ao contraditório e da ampla defesa por parte do representado.

Nesses termos, a Resolução TSE n. 23.398/13, disciplinando as representações previstas na Lei n. 9.504/97, referentes às Eleições de 2014, estabelece em seu art. 22, § 2º, que: “O juízo eleitoral do domicílio do doador será o competente para processar e julgar as representações por doação de recursos para campanha eleitoral acima dos limites legais previstos nos arts. 23 e 81 da Lei n. 9.504/97”.

Esse entendimento encontra-se sedimentado em nossa jurisprudência:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ELEITORAL DO DOMICÍLIO CIVIL DO DOADOR.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a competência para processar e julgar a representação por doação de recursos acima do limite legal é do juízo eleitoral do domicílio civil do doador.

2. Conflito de competência resolvido para declarar a competência do Juízo Eleitoral da 1ª Zona Eleitoral do Exterior.

(Conflito de Competência nº 71582, Acórdão de 25.6.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 144, Data 06.8.2014, Página 99.) (Grifei.)

 

Conflito negativo de competência. Doação acima do limite legal. Art. 23, I, da Lei nº 9.504/97.

A competência para julgamento das representações com base em doação para campanha eleitoral acima do limite legal é do juízo eleitoral do domicílio civil do doador. Entendimento respaldado na necessidade de assegurar a ampla defesa e o acesso à justiça ao destinatário da ação.

Reconhecida a competência do juízo suscitado para processamento e julgamento da representação.

Procedência.

(Conflito de Competência n. 2573, Acórdão de 16.7.2015, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 129, Data 20.7.2015, Página 2.) (Grifei.)

 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS DA 1ª E 14ª ZONAS ELEITORAIS DO DISTRITO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA PROCEDENTE. DECLARADO COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE DA 1ª ZONA ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL.

1. Conforme entendimento adotado pelo TSE, a competência para julgar e processar as Representações por doações acima do limite legal em campanhas eleitorais é do juízo cuja competência compreenda a circunscrição territorial do domicílio do doador.

2. Conflito de competência julgado procedente e declarado competente o Juízo da 1ª ZE/DF.

(CONFLITO DE COMPETÊNCIA n. 3361, Acórdão n. 6917 de 09.6.2016, Relator EVERARDO RIBEIRO GUEIROS FILHO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 106, Data 13.6.2016, Página 5.) (Grifei.)

Consoante se depreende dos autos, a recorrente possui domicílio em Porto Alegre (fls. 02, 11 e 31), município no qual também exerce a sua atividade profissional (fls. 12-19), circunstância que, em tese, atrairia a competência para julgamento da presente representação para um dos juízos eleitorais desta capital.

Contudo, tratando-se de hipótese de competência territorial de natureza relativa, inexistindo provocação da parte nesse sentido e sendo defeso ao juiz conhecê-la de ofício (consoante súmula n. 33 do STJ e art. 337, § 5º, do CPC), incide no ponto o fenômeno processual da prorrogação de competência para o juízo da 74ª Zona Eleitoral de Alvorada, na forma do art. 65, caput, do CPC.

Essa trilha conclusiva encontra agasalho na jurisprudência:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO. CAMPANHA ELEITORAL. LIMITE LEGAL. INOBSERVÂNCIA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. JUÍZO. INCOMPETÊNCIA. NÃO ARGUIÇÃO. PRECLUSÃO. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "tratando-se de incompetência relativa, não tendo a defesa oposto a devida exceção no prazo legal, fica operada a preclusão, prorrogando-se a competência firmada" (Segunda Turma, AgR-REsp n. 1424270/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJE de 13.10.2014).

2. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 9829, Acórdão de 03.8.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data 22.10.2015, Página 32.)

Conquanto a preliminar de incompetência absoluta tenha sido aduzida no bojo da defesa (fls. 27-28) e das razões recursais (fls. 62-63), tais requerimentos aventaram a ocorrência de incompetência funcional, indicando a competência originária deste Tribunal, o que, entendo, não é hábil a afastar a consumação de preclusão quanto à específica alegação de incompetência territorial.

Com essas considerações, afasto a presente preliminar e fixo a competência do juízo eleitoral da 74ª Zona de Alvorada.

b) Do cerceamento de defesa e da licitude da prova

Invoca a recorrente a ocorrência de cerceamento de defesa, sob o argumento de que os documentos que embasam a condenação foram obtidos a partir da violação ilegal de seu sigilo fiscal. Além disso, pugna para que tais elementos probatórios sejam considerados ilícitos, decorrendo disso a nulidade da decisão recorrida.

Aludidas preliminares igualmente devem ser rechaçadas.

Com efeito, as informações quanto aos valores doados para campanhas eleitorais e nomes dos doadores são públicas e não são acobertadas por sigilo, prevendo a Lei das Eleições, até mesmo, a divulgação desses dados na rede mundial de computadores.

O Ministério Público Eleitoral instruiu o pedido judicial de acesso aos dados fiscais com documento obtido a partir de convênio firmado entre a Justiça Eleitoral e a Receita Federal (Portaria Conjunta n. 74/06), o qual prevê tão somente a comunicação sobre excessos de doações verificadas quando do cruzamento de dados, sem envio de documentação alguma, conforme prevê o art. 25, § 4º, da Resolução TSE n. 23.406/14 (fls. 07-08v.).

Esse procedimento é meramente apuratório e preparatório de eventual pedido de quebra de sigilo fiscal ao Poder Judiciário, não caracterizando cerceamento de defesa ou acesso ilícito às informações fiscais, na esteira da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 23 DA LEI Nº 9.504/1997. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ILICITUDE DA PROVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. O Ministério Público Eleitoral pode solicitar à Receita Federal a relação de doadores que excederam o limite legal para, posteriormente, requerer a quebra do sigilo fiscal ao juízo competente, como ocorreu no caso concreto. Na linha da jurisprudência do TSE, "o acesso, pelo Órgão Ministerial, tão somente à relação dos doadores que excederam os limites legais, mediante o convênio firmado pelo TSE com a Receita Federal, não consubstancia quebra ilícita de sigilo fiscal" (ED-AgR-AI n. 57-79/PR, rel. Min. Luciana Lóssio, julgados em 24.4.2014).

2. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 26375, Acórdão de 19.5.2015, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 156, Data 18.8.2015, Página 121.)

Nesse sentido, também já decidiu esta e. Corte:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Afastada preliminar. Caráter público das informações referentes às doações realizadas para campanha eleitoral, não acobertadas por sigilo. Licitude da prova extraída do relatório de cruzamento de dados entre a Justiça Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal para instrução de procedimentos judiciais. Irrelevante o valor representado pelos bens e direitos para dimensionar o montante da doação. O valor decorrente de liquidação de empresa, cujo montante já integre o patrimônio do doador em exercícios anteriores, sem qualquer diferença positiva de ganho de capital, não pode ser considerado como rendimento, devendo ser excluído do cálculo para apuração do limite legal. As doações realizadas por pessoas físicas, em regime de comunhão universal de bens, ficam limitadas a dez por cento do somatório dos rendimentos auferidos pelo casal no exercício fiscal anterior ao do pleito. O comando disposto na norma do art. 23, § 1°, inc. I, da Lei n. 9.504/97 é de aplicação objetiva. Ultrapassado o limite estabelecido, há incidência da sanção correspondente. Multa cominada no patamar mínimo previsto pela legislação de regência. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 3507, Acórdão de 08.3.2016, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 42, Data 10.3.2016, Página 4.) (Grifei.)

Por sua vez, a quebra do sigilo fiscal observou os trâmites regulares da espécie, sendo decretada em decisão fundamentada da autoridade judicial competente (fls. 21-22), preservando-se os princípios do devido processo legal e da reserva de jurisdição.

Outrossim, a informação é indispensável para se aferir o valor exato do excesso nas doações efetuadas, justificando a mitigação da proteção constitucional consagrada pelo art. 5º, inc. X, da CF/88.

Assim, não há que se falar em ilicitude da prova.

Com esses fundamentos, afasto a matéria preliminar.

No mérito, cuida-se de recurso em representação por doação acima do limite legal previsto no art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97, à época, com a seguinte redação:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este art. ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

Na hipótese dos autos, está comprovada a doação efetuada no pleito de 2014, no valor de R$ 4.000,00 (fl. 07v.), e a não apresentação da declaração de imposto de renda referente ao ano-calendário de 2013 (fl. 03 do anexo 1).

Tendo em conta os contribuintes isentos e considerando o art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97, que dispõe sobre doações em dinheiro para campanhas eleitorais provenientes de pessoas físicas, até o limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, os tribunais eleitorais, por construção jurisprudencial, passaram a entender que, diante da inexistência de declaração de renda, o cálculo do limite previsto na legislação eleitoral deve tomar como base 10% do valor estabelecido para a isenção.

Assim, em relação ao exercício de 2013, as pessoas físicas que não declararam imposto de renda em virtude da isenção poderiam efetuar doações para campanhas eleitorais até o valor de R$ 2.566,17, quantia que corresponde a 10% do valor de referência estabelecido pela Receita Federal para a isenção de declaração.

No caso dos autos, então, a doadora ultrapassou em R$ 1.433,83 o limite de doação.

Inequívoca, portanto, a ofensa ao art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

A previsão legal que estabelece limites às doações de campanha possui caráter objetivo, sendo irrelevante perquirir a respeito de abuso do poder econômico, da potencialidade lesiva da conduta ou da aplicação dos postulados da razoabilidade ou proporcionalidade.

Em verdade, consoante a remansosa compreensão de nossas Cortes Eleitorais, o dispositivo legal em tela traduz uma presunção absoluta de desequilíbrio entre os candidatos na campanha eleitoral e lesão à legitimidade do pleito.

É a posição amparada pela jurisprudência do c. TSE:

O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 23 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 16628, Acórdão de 17.12.2014, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 35, Data 23.02.2015, Página 53.)

 

Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 23 da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso do poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 16246, Acórdão de 19.12.2013, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 37, Data 21.02.2014, Página 75.)

Logo, identificada a ilicitude da doação, deve ser aplicada a sanção prevista no art. 23, § 3º, da Lei das Eleições, que estabelece multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Na esteira da jurisprudência deste Regional, em consonância com o entendimento acolhido pela Corte Eleitoral Superior (AgR-AI n. 211057, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE 5.8.2014; AgR-AI n. 16246, Rel. Min. José Antônio Dias Toffoli, DJE 21.2.2014), não é possível reduzir o quantum da referida penalidade abaixo da baliza mínima, ainda que sob fundamento de aplicação da insignificância, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de se negar vigência às disposições legais que estabelecem os parâmetros para as doações de pessoas físicas e jurídicas para campanhas eleitorais.

Relativamente a isso, portanto, nada há para reparar na sentença impugnada, que estabeleceu a multa de R$ 7.169,15, equivalente a cinco vezes o excedente doado, uma vez que fixada no mínimo legal.

 

Assim, mostra-se adequada a decisão de primeiro grau, motivo pelo qual, afastadas as preliminares, VOTO pelo desprovimento do recurso.