RE - 2687 - Sessão: 15/12/2016 às 13:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por REJANA MARIA DAVI BECKER contra sentença proferida pelo Juízo da 160ª Zona Eleitoral às fls. 90-91, o qual julgou procedente a representação por doação de recursos acima do limite legal proposta pelo MPE, condenando a recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 45.932,00 (quarenta e cinco mil, novecentos e trinta e dois reais), correspondente a 5 (cinco) vezes o valor doado em excesso, este quantificado em R$ 9.186,40 (nove mil, cento e oitenta e seis com quarenta centavos).

No recurso (fls. 104-115), a recorrente requereu: a) a supressão da palavra “despropósito” da sentença; b) a extinção do feito sem julgamento do mérito em razão da inobservância dos prazos do art. 25 da Resolução TSE n. 23.406/15, diante da intempestividade da apresentação das informações pela Receita Federal; c) que seja reconhecida a incompetência do Juízo da 160ª Zona Eleitoral de Porto Alegre para processar e julgar a reclamação, uma vez que a recorrente é eleitora da 111ª ZE; e d) que a base de cálculo do limite da doação seja determinada levando em consideração o somatório dos rendimentos do casal, uma vez que, de acordo com a Súmula n. 377 do STF, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Após as contrarrazões (fls. 119-121), nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso e para que se mantenha a sentença (fls. 130-134).

Acompanham os autos documentos sigilosos, envelopados e armazenados na forma de “Anexo 1”.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada no DEJERS no dia 28.3.2016 (fl. 94); foram protocolados os Embargos Declaratórios em 30.3.2016 (fls. 97-98); foi publicada a decisão que rejeitou os embargos em 12.4.2016 (fl. 101); e o recurso foi interposto em 13.4.2016 (104-115), portanto, dentro do tríduo legal.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Das preliminares

Inicialmente, analiso as preliminares suscitadas pela recorrente.

a) A recorrente requereu a exclusão a palavra “despropósito” do seguinte trecho do decisum (fl. 90v.):

A alegação de inconstitucionalidade do art. 23, §1º, inc. I da Lei Federal n. 9504/97, se afigura verdadeiro despropósito, mormente por falta de fundamento jurídico razoável, pois o argumento é com a violação ao art. 14 da CF/88 que evidentemente não guarda consonância com a violação eleitoral comprovada nos autos. […]

No contexto em que aplicada, está claro que a palavra “despropósito” refere-se ao entendimento do juiz eleitoral – devidamente fundamentado (fls. 90-91) – de que não houve propósito no que se alegou.

É mister observar que uma palavra sinônima nem sempre tem a mesma significação de outra. Assim sendo, sua utilização na sentença não macula o procurador da recorrente, nem remete aos sinônimos (“desatino” e “destempero”) referidos pelo advogado.

b) Decadência:

A recorrente requereu, também, seja reconhecida como intempestiva a apresentação, pela Receita Federal, das informações sobre os valores doados, pois encaminhadas em 14.4.2015, desrespeitando, assim, o prazo do art. 25, § 4º, II, da Resolução TSE n. 23.406/14, que estabelecia, in verbis:

Art. 25.

[…]

§ 4º A verificação dos limites de doação observará as seguintes disposições:

[…]

II – a Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos de pessoa física e faturamento da pessoa jurídica e, apurando indício de excesso, fará, até 31.3.2015, a devida comunicação ao Ministério Público Eleitoral, a quem incumbirá propor representação, solicitando a quebra do sigilo fiscal ao juiz eleitoral competente.

[…]

Observa-se que os prazos estabelecidos no dispositivo em comento não tratam de prescrição ou decadência, logo, são de caráter procedimental.

O entendimento encontra-se pacificado na jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2014.

Preliminar afastada. Os prazos referidos no inciso II do § 4º do art. 25 da Resolução TSE n. 23.406/14 são de natureza procedimental, estranhos às matérias invocadas pelo recorrente, atinentes aos institutos da prescrição e decadência.

[…]

Ultrapassados os limites impostos, que restringem a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior ao da eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral.

Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação.

Provimento negado.

(RE 96-43.2015.6.21.0148. Relatora: Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em 08.3.2016. TRE-RS)

c) Da competência do juízo:

A recorrente alega que, na hipótese, a competência para o processo e julgamento originário da representação pertenceria com exclusividade a este Tribunal Regional Eleitoral, por força do art. 96, inc. II, da Lei n. 9.504/97, que estabelece, in verbis:

Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se:

I – aos Juízes Eleitorais, nas eleições municipais;

II – aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais;

[…]

Contudo, a norma em comento é inaplicável às ações por doação acima do limite legal, posto tratar-se de representação específica, que não traz previsão de responsabilização de partidos ou candidatos.

Ao disciplinar as representações previstas na Lei n. 9.504/97 referentes às Eleições de 2016, a Resolução TSE n. 23.462/15 estabelece, em seu art. 22, § 2º, que: “O Juízo Eleitoral do domicílio civil do doador será o competente para processar e julgar as representações por doação de recursos para campanha eleitoral acima do limite legal de que trata o artigo 23 da Lei n. 9.504/1997”.

Nesse sentido os seguintes precedentes, que colaciono a título exemplificativo:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ELEITORAL ACIMA DO LIMITE LEGAL. ART. 23, INC. I, DA LEI N. 9.504/97.

A competência para julgamento das representações com base em doação acima do limite legal é do juízo eleitoral do domicílio civil do doador. Entendimento respaldado na necessidade de assegurar a ampla defesa e o acesso à justiça ao destinatário da ação.

Havendo mais de um juízo virtualmente competente no município de domicílio do representado, deve ser aplicado o critério da distribuição, nos moldes do art. 285 do Código de Processo Civil de 2015.

Reconhecida a competência do juízo suscitado para processamento e julgamento da representação.

Procedência.

(CC 49-91.2016.6.21.0000. Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Julgado em 19/5/2016. TRE/RS)

 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. ART. 23, I, DA LEI Nº 9.504/97.

A competência para julgamento das representações com base em doação para campanha eleitoral acima do limite legal é do juízo eleitoral do domicílio civil do doador. Entendimento respaldado na necessidade de assegurar a ampla defesa e o acesso à justiça ao destinatário da ação.

Reconhecida a competência do juízo suscitado para processamento e julgamento da representação.

Procedência.

(CC 40-42.2015.6.21.0105. Relator Dr. Leonardo Tricot Saldanha. Julgado em 16/7/2015. TRE/RS)

Consoante se depreende dos autos, a recorrente possui domicílio civil em Porto Alegre (fls. 02 e 27), circunstância que atraiu a competência para julgamento da presente representação para qualquer um dos juízos eleitorais desta Capital, não coincidindo, no caso, com o juízo do domicílio eleitoral da recorrente, em virtude da observância das regras de distribuição de feitos aplicáveis aos municípios com mais de uma zona eleitoral, como é o caso de Porto Alegre, estabelecidas no art. 66 e seguintes da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral.

Não há, assim, que se falar em incompetência do Juízo da 160ª Zona Eleitoral.

Logo, afasto as preliminares e passo ao julgamento do mérito.

Mérito

Trata-se de recurso interposto por Rejana Maria Davi Becker contra sentença proferida pelo Juízo da 160ª Zona Eleitoral, o qual julgou procedente a representação por doação acima do limite legal subjacente, proferindo condenação ao pagamento de multa de R$ 45.932,00 – correspondente a cinco vezes o valor que teria excedido o permitido para doação, nos termos do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

[…]

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

[…]

Os autos dão conta, e isto restou incontroverso, de que Rejana Maria Davi Becker auferiu no exercício de 2013 o valor de R$ 8.136,00 (oito mil, cento e trinta e seis reais), declarados em seu Imposto de Renda (fl. 46) e doou R$ 10.000,00 (dez mil reais) à campanha da candidata Maria do Rosário Nunes ao cargo de deputado federal, nas eleições de 2014 (fl. 07).

A recorrente alegou, todavia, que a doação fora realizada tendo como suporte os rendimentos do casal, a despeito do regime de bens adotado pelos cônjuges, pois a comunicação do patrimônio estaria abrigada pela Súmula 377 do STF.

Já em sua peça de defesa, declarara que “é casada com comunicação dos bens aquestos, conforme disposição do art. 258, parágrafo único, inciso II do Código Civil de 1916, em vigência, quando do casamento (doc. 1)”, e que “os 10% do rendimento bruto de que fala a lei, devem ser entendidos como os rendimentos do casal face à comunicabilidade dos bens aquestos”, e que “neste caso é evidência jurídica que a quantia doada foi retirada do monte comum do casal” (fl. 32).

Para tanto, destacou que a comunicabilidade mostra-se evidente em razão de ser sócia, na condição de advogada, em conjunto com seu marido, de escritório de prestação de serviços advocatícios (Becker e Davi Advogados Associados), daí decorrendo que “recebem seus honorários profissionais na pessoa jurídica de que são sócios para gozar os benefícios fiscais e legais” (fl. 32).

A cópia da certidão de casamento colacionada, a seu turno, expressa que Rejana Maria Davi Becker casou-se, em 8.11.1996, sob o regime de “separação de bens”, com a seguinte observação/averbação: “Conforme Art. 258, Parágrafo Único, Inciso II, do CCB” (“doc. 01”, à fl. 45).

Transcrevo o citado dispositivo da legislação de regência à época:

Art. 258. [...]

Parágrafo único. É, porém, obrigatório o da separação de bens no casamento:

[…]

II. Do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos.

[…]

Prossigo.

O regime de separação de bens é o regime pelo qual não há comunicação de bens em decorrência do matrimônio, estando regulado pelo Código Civil de 2002 em seus arts. 1.641 e 1.687 a 1.688.

Esta espécie de regime pode decorrer em razão da separação convencional de bens ou da separação obrigatória ou legal de bens.

Na primeira, estipulada através de um pacto realizado por escritura pública anterior ao matrimônio, os bens permanecerão sob a administração de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. A segunda, por sua vez, se dá por imposição legal e rege as relações patrimoniais advindas, entre outras hipóteses, do casamento envolvendo idoso.

O regime da separação obrigatória ou legal de bens era previsto no art. 258, parágrafo único, do Código de 1916. Diante de diversas incertezas e demandas judiciais, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento, por meio da Súmula 377, segundo a qual “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Contudo, a nova redação dada ao regime com a edição do Código Civil de 2002 deixou lacunas sobreviventes do antigo código, o de 1916, como a já mencionada Súmula 377 do STF.

É de grande relevância destacar que a edição dessa Súmula aconteceu em outro contexto social e histórico, na década de 1964, e de lá para cá vem sofrendo duras críticas, pois a sociedade de modo geral sofreu grande evolução histórica e mudanças de conceitos, o que deixa mais evidente o desuso da Súmula atualmente.

Hodiernamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem manifestado o entendimento segundo o qual a comunhão dos bens adquiridos durante a união, desde que comprovado o esforço comum, está em sintonia com o sistema legal de regime de bens do casamento, confirmado no Código Civil de 2002. Nessa linha, em prestígio à eficácia do regime de separação legal de bens, caberia ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado no fim da união (prova positiva). E que a Súmula 377 do STF tem levado a jurisprudência a considerar que pertencem a ambos os cônjuges – metade a cada um – os bens adquiridos durante a união com o produto do trabalho e da economia de ambos; mas que a Súmula, isoladamente, não confere ao companheiro o direito à meação dos bens adquiridos durante o período de união estável sem que seja demonstrado o esforço comum.

Logo, assentou o STJ que o regime de separação de bens mantém isolados os patrimônios dos cônjuges acumulados antes e durante o casamento, a não ser que reste comprovado o esforço comum na sua aquisição:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 12.344/2010). REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO LEGAL. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. COMPROVAÇÃO. BENFEITORIA E CONSTRUÇÃO INCLUÍDAS NA PARTILHA. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento. 2. No regime de separação obrigatória, apenas se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, sob pena de se desvirtuar a opção legislativa, imposta por motivo de ordem pública. 3. Rever as conclusões das instâncias ordinárias no sentido de que devidamente comprovado o esforço da autora na construção e realização de benfeitorias no terreno de propriedade exclusiva do recorrente, impondo-se a partilha, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não provido. (STJ – REsp 1403419 / MG RECURSO ESPECIAL 2013/0304757-6 – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – T3 - TERCEIRA TURMA – DJe de 14.11.2014)

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial. (TRE/RS – EREsp n. 1171820 – Rel. Min. Raul Araújo – Segunda Seção – DJe de 21.9.2015)

Como se infere desse último julgado, aquele Sodalício vaticinou que, no regime de separação obrigatória de bens, a divisão daquilo que foi adquirido onerosamente na constância da relação depende de prova do esforço comum para o incremento patrimonial.

Colho o seguinte excerto, agregando-o:

[…]

Nessa ordem de ideias, deve prevalecer o entendimento exposto no julgado paradigma, do qual se transcreve o excerto seguinte, decalcando-o como integrante das razões de decidir dos presentes embargos:

"4. Resta o exame da questão relativa à alegada comunicação dos aquestos, no regime da súmula 377, STF, aplicada ao caso em concreto, que está assim redigida:

"No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".

4.1. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF.

Necessário ressaltar a importância da demonstração do esforço comum, mesmo porque, a prevalecer tese contrária, estar-se-ia igualando o regime da separação legal obrigatória ao regime da comunhão parcial de bens.

A partir de uma interpretação autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso, de fato, estabeleceu que somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso, companheiros) é que se defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime legal ou convencional (RTJ 47/614).

A propósito, confiram o entendimento do Ministro Décio Miranda, no RE n. 93.153/RJ:

"Trata-se, pois, de questão resolvida à consideração de não haver o cônjuge-mulher concorrido com o seu esforço para aquisição de tais bens, sendo assim a eles inaplicável o enunciado da Súmula 377, que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente concerne aos bens adquiridos, na constância do casamento, mediante esforço comum dos cônjuges, e não a todos e quaisquer bens advindos a um deles."

4.2. Nem cabe aqui agitar o fato de que a Lei n.º 9.278/96, no seu art. 5º, contempla presunção de que os bens adquiridos durante a união estável são "fruto do trabalho e da colaboração comum", porquanto tal presunção, por óbvio, somente tem aplicabilidade em caso de incidência do regime próprio daquele Diploma, regime este afastado, no caso ora examinado, por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916.

Em realidade, cuidando-se de união estável de pessoa sexagenária, a presunção que emerge da realidade dos fatos é exatamente outra, porque, ordinariamente, nessa faixa etária, o patrimônio já se encontra estabilizado e eventual acréscimo, de regra, é proveniente de esforço próprio em tempos passados ou de sub-rogação de bens já existentes.

Ademais, os conviventes, cônscios e seguros das consequências legais em relação ao patrimônio comum, por óbvio que podem regular a distribuição dos bens, conferindo as titularidades de acordo com sua efetiva vontade e esforço.

Por fim, não se desconhece a existência da presunção legal de esforço comum, prevista pelo art. 5° da Lei n. 9.278/96, segundo a qual "os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito".

Todavia, é inaplicável ao caso o indigitado dispositivo contido na Lei que regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal e reconhece "a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar", sem estabelecer exceção à normatização especial da convivência contraída por idosos, que é caracterizada pela separação de bens.

Com efeito, a separação obrigatória de bens foi prevista pelo art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), para o casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, dos que dependerem, para casar, de suprimento judicial e dos idosos, como no caso.

Em suma, no regime do Código Civil de 1916, a união estável de pessoas com mais de 50 anos (se mulher) ou 60 anos (se homem), à semelhança do que ocorre com o casamento, também é obrigatória a adoção do regime de separação de bens, pois "não parece razoável imaginar que, a pretexto de se regular a união entre pessoas não casadas, o arcabouço legislativo acabou por estabelecer mais direitos aos conviventes em união estável (instituto menor) que aos cônjuges" (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO).

Nesse contexto, os embargos de divergência devem ser providos para negar seguimento ao especial, sem alteração do acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que constatou a "ausência do esforço comum na aquisição dos bens".

Os precedentes sobre a matéria, percebe-se, são mais frequentes nos casos de dissolução de união estável, sob o regime da separação obrigatória de bens.

Penso que, com muito mais razão, em se tratando de casamento, a disciplina não pode ser diferente, ou, se o for, jamais de forma mais benéfica, na medida em que é comezinho a equiparação desejada pelo ordenamento jurídico entre os institutos da união estável e do casamento.

Assim, admitindo-se a incidência desse entendimento no caso vertente, forçoso reconhecer que não há demonstração de “esforço comum” na aquisição de bens na constância do casamento, o que inviabiliza a comunicação aqui apregoada pela recorrente.

Com efeito, compulsando os autos, constata-se que anexou extratos de ordem bancária (fls. 46-73), relativos à sua pessoa exclusivamente, atinentes aos anos de 2013 (de agosto a dezembro), 2014 (de janeiro a dezembro) e 2015 (de janeiro a abril e de junho a novembro) e à movimentação financeira de sua previdência privada (fls. 74-75).

Por sua vez, no que diz com os documentos integrantes do Anexo 1, consistem nas Declarações de Ajuste Anuais do Exercício 2014 – Ano-Calenário 2013, tanto da recorrente como do seu marido (Werner Cantalício João Becker). Nelas, consta o percebimento de rendimentos recebidos do escritório de advocacia antes aludido, mas exclusivamente por Rejana Maria Davi Becker, ora recorrente, sendo certo que a mera existência de quotas daquela sociedade, por seu marido, não equivale, no período considerado, à aquisição onerosa de bens, por meio de esforço comum; na Declaração atinente ao marido, advirta-se, consta como rendimentos tributáveis recebidos de pessoa jurídica, tão somente, os provenientes do Instituto Nacional do Seguro Social e seu 13º Salário.

Nesse sentido, trago o seguinte precedente deste Tribunal:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Eleições 2014.

Acervo probatório a revelar, modo seguro, doação em valor excedente ao limite legal de 10% dos rendimentos brutos declarados no exercício fiscal anterior ao pleito.

A norma inserta no art. 23, § 1º, I, da Lei nº 9.504/97 estabelece parâmetros para a doação, não permitindo que recursos patrimoniais ingressem na base de cálculo, mas tão somente rendimentos brutos auferidos em determinado interregno de tempo, compreendendo a renda e proventos de qualquer natureza. Irrelevante o valor representado pelos bens e direitos para dimensionar o montante da doação.

A finalidade da norma é buscar não apenas proteger o patrimônio dos doadores, mas impedir o abuso de poder econômico nas campanhas.

Acréscimo patrimonial inserido na declaração retificadora já integrava o patrimônio da doadora, não se prestando para afastar o excesso de doação. Reforma da sentença. Aplicação de sanção pecuniária.

Apelo ministerial provido.

(TRE-RS – RE 25-80 – Rel. DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA – J. Sessão de 28.01.2016)

De qualquer sorte, na questão de fundo, rememoro que a jurisprudência, inclusive deste Tribunal, têm admitido a hipótese de cumulação dos rendimentos do casal somente nos casamentos sob os regimes de comunhão total e parcial de bens, conforme exemplificam os seguintes julgados:

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Julga-se improcedente a representação por doação acima do limite legal quando, considerado o regime de comunhão universal de bens, o valor doado não ultrapasse 10% do somatório dos rendimentos auferidos pelo casal no exercício fiscal anterior ao pleito.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 45-64 – Rel. DRA. MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ – J. Sessão de 02.12.2015)

 

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Os rendimentos auferidos por ambos os cônjuges, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos comuns e devem ser considerados para o estabelecimento do limite legal relativo a doação para campanha eleitoral. Doação realizada dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior ao pleito.

Reforma da sentença para excluir a imposição da multa.

Provimento.

(TRE-RS – RE 33-43 – Rel. DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ – J. Sessão de 20.4.2016)

Vale dizer que, para os efeitos pretendidos neste processo, ao contrário dos regimes da comunhão universal e da comunhão parcial de bens, no de separação total a comunicabilidade de bens na constância do casamento não se presume, havendo de ser comprovada a sua aquisição conjunta – pelo esforço comum – de modo satisfatório.

Dessarte, como bem pontuado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral (fls. 130-34), na espécie, é “inaplicável a exceção autorizada pela jurisprudência de nossos tribunais quanto ao somatório das rendas dos cônjuges para aferição do limite previsto no artigo 23, § 1º, I, da Lei 9.504/97”.

Demais disso, in casu, a extensão do limite de doação aos rendimentos do casal, a meu sentir, fere o princípio da legalidade, eis que, por via transversa, equivaleria a legislar de forma indevida, aumentando o limite de doação. Além, não se pode presumir que o outro consorte esteja em harmonia com a doação, retirando, indevidamente, sua liberalidade sobre suas posições ideológicas, políticas e partidárias, o que fere o princípio democrático.

Pelos fundamentos já expostos, portanto, não acolho a tese defendida pela defesa, no sentido de estender o limite de doação aos rendimentos do casal.

Considerando o limite de 10% (dez por cento) para doação sobre o rendimento bruto estabelecido pela Lei das Eleições, a Representada poderia ter doado até o valor de R$ 813,60 (oitocentos e treze reais e sessenta centavos).

Tendo extrapolado o limite legal em R$ 9.186,40 (nove mil, cento e oitenta e seis reais e quarenta centavos), imperativa a aplicação, objetiva, da reprimenda fixada pelo juízo de origem, no mínimo legal previsto, a teor do § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97.

 

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por REJANA MARIA DAVI BECKER.