RE - 1361 - Sessão: 18/08/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CÉSAR ANDRÉ AVRELA DE ASSUMPÇÃO contra decisão do Juízo da 169ª Zona Eleitoral, sediada em Caxias do Sul, que julgou PROCEDENTE a representação por doação para campanha acima do limite ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Inicialmente, aduz a decadência do interesse de agir do Parquet. No mérito, aponta que o valor supostamente excedente não caracteriza doação para campanha eleitoral, tendo sido utilizado para aquisição de ingressos para jantar oferecido pelo candidato. Sustenta não restar comprovado, pelo Ministério Público Eleitoral, o ânimo do recorrente em doar valores ao candidato, bem como não ter ocorrido pagamento em cheque, mas sim via depósito bancário, em espécie. Requer o provimento do recurso para o julgamento de improcedência da representação.

Com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no DEJERS em 29.3.2016 (fl. 120) e o apelo interposto em 1º.4.2016 (fl. 123), dentro do tríduo legal a que alude o art. 258 do Código Eleitoral.

Decadência do direito de agir

O recorrente alega decadência do direito do Ministério Público Eleitoral de representar.

Sem razão.

Relativamente às eleições gerais de 2014, a diplomação ocorreu em 18.12.2014. Considerando-se que o dia 19.12.2014 foi o primeiro dia do prazo, o termo final do lapso temporal de 180 dias ocorreu em 16.6.2015. E a data da propositura da ação, conforme fl. 2 dos autos, foi 25.5.2015.

Assim, a representação foi ajuizada a tempo, não tendo ocorrido a decadência, pois o prazo de 180 (cento e oitenta dias) é expressamente referido no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.398/13, normativo que regulamenta, dentre outros tópicos, as representações previstas na Lei n. 9.504/97:

Art. 22. As representações que visem apurar as hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 73, 74, 75, 77 e 81da Lei nº 9.504/97 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, sem prejuízo da competência regular do Corregedor Eleitoral.

§ 1° As representações de que trata o caput deste artigo poderão ser ajuizadas até a data da diplomação, exceto as do art. 30-A e dos arts. 23 e 81 da Lei nº 9.504/97, que poderão ser propostas, respectivamente, no prazo de 15 (quinze) dias e no de 180 (cento e oitenta) dias a contar da diplomação.

Essa tem sido a posição da Corte Superior, que aliás já aplicava o prazo precedentemente, fundamentada em entendimento jurisprudencial:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE ADSTRITOS AOS LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO ESTABELECIDOS EM LEI. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Especial nº 36.552/SP, decidiu que o prazo para a propositura de representação fundada em doações de campanha acima dos limites legais, por pessoa física ou jurídica, é de 180 dias a partir da diplomação dos eleitos.

2. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso de poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

3. Impossibilidade de aplicação de sanção em valor inferior ao mínimo legal. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser levada em consideração para fixação da multa entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 173726 – Araraquara/SP. Acórdão de 02.05.2013. Relator Min. José Antônio Dias Toffoli. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 108, Data 11.06.2013, Página 66-67.) (Grifo nosso.)

E, nos lindes regionais, o seguinte precedente demonstra idêntico posicionamento, também firmado já há algum tempo, com base no Código de Processo Civil então em vigor:

Recurso. Doação acima do limite legal. Art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2010.

Procedência da representação no juízo originário, para aplicar sanção pecuniária ao representado, declará-lo inelegível, bem como proibir sua empresa de participar de licitações públicas e de celebrar contratos pelo prazo de cinco anos.

O termo inicial para ingressar com a representação é o dia imediatamente seguinte à diplomação, ainda que nesse dia não tenha havido expediente cartorário, em razão de dia não útil, de recesso forense ou feriado. Por se tratar de prazo decadencial, a regra insculpida no art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil é cabível tão somente para prorrogar o termo final, caso não haja expediente normal no cartório.

Reforma da sentença, para afastar as penalidades impostas, já que operada a decadência.

Extinção do feito, com apreciação do mérito.

(TRE-RS - RE - Recurso Eleitoral n. 1733 – Cachoeirinha/RS. Acórdão de 13.08.2013. Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 150, Data 15.08.2013, Página 6.) (Grifo nosso.)

Afastada a preliminar.

2. Mérito

No caso, a sentença condenou, por excesso de doação para campanha eleitoral, o recorrente CÉSAR ANDRÉ AVRELA DE ASSUMPÇÃO, que teria doado ao então candidato EDSON PAULO THEODORO DA ROSA o valor de R$ 1.400,00 reais.

O total de rendimentos do doador - R$ 9.360,00 (fl. 32) - permitiria, contudo, um máximo de doação de R$ 936,00 (novecentos e trinta e seis reais), de forma que o excesso alcançaria o montante de R$ 464,00 (quatrocentos e sessenta e quatro reais).

A multa aplicada pelo juízo a quo, de R$ 2.320,00 (dois mil, trezentos e vinte reais) reflete, portanto, o grau mínimo de sanção previsto legalmente para a irregularidade, conforme o art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Daí a irresignação do recorrente, pois entende que o valor de R$ 1.400,00 não se refere à doação eleitoral, mas sim à compra de 7 (sete) ingressos para um evento – jantar de campanha eleitoral. Essas aquisições não teriam sido apenas para ele, mas para facilitar a compra de ingressos também para seus familiares, conforme exposto nas razões de recurso, fls. 133-134:

Assim como qualquer cidadão comum, o recorrente foi junto com seus familiares interessados em ir ao jantar e agregou o valor referente para a aquisição do ingresso, pois ele estava encarregado de buscar os mesmos, não necessitando assim cada um se deslocar para comprar.

Entretanto é imperioso salientar que o representado NUNCA teve a intenção de fazer uma doação à campanha do candidato, mas sim apenas ir a um jantar com seus familiares (esposa, filhos, pais, etc.).

A seguir, individualiza os familiares, fazendo corresponder a cada um deles o respectivo número de cadastro de pessoas físicas e o valor de um dos ingressos adquiridos, R$ 200,00 (duzentos reais).

Ainda, sustenta que não restou provado, pelo Ministério Público Eleitoral, o “ânimo do representado em doar valores ao candidato”, pois “o representado não foi a origem da integralidade do valor, mas apenas arrecadou valores de seus familiares para facilitar a compra dos ingressos. Como rotineiramente acontece entre familiares para eventos quaisquer, bem como afirmaram em seus depoimentos tratar-se de uma situação corriqueira entre parentes” (fl. 135).

À análise.

De início, dois esclarecimentos: (1) o cálculo do excesso de doação constante em sentença está correto. Ainda que em tese, CÉSAR ANDRÉ poderia doar o valor de R$ 936,00 (novecentos e trinta e seis reais), eis que auferiu renda total de R$ 9.360,00 (nove mil, trezentos e sessenta reais) no ano-calendário de 2013; e (2) a referência feita na sentença, de ter a doação sido realizada mediante cheque (fl. 118v.) é, de fato, equivocada, pois comprovadamente foi efetuada via depósito em espécie (fl. 08). No entanto, tal circunstância é absolutamente irrelevante para a análise da questão de fundo da causa, de modo que será desconsiderada.

Ao caso propriamente dito.

Os argumentos do recorrente CÉSAR ANDRÉ são, em princípio, verossímeis. Podem ser considerados, até, um exemplo de situação amiúde verificada: o desconhecimento do eleitor, do cidadão, relativamente às regras básicas de doação para campanhas eleitorais.

Toda e qualquer doação eleitoral deve ser representada por um recibo. Essa regra, quanto às eleições de 2014, consta no art. 3º, IV, da Resolução TSE n. 23.406/14:

Art. 3º A arrecadação de recursos de qualquer natureza e a realização de gastos de campanha por partidos políticos, comitês financeiros e candidatos deverão observar os seguintes requisitos:

I – requerimento do registro de candidatura ou do comitê financeiro;

II – inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);

III – abertura de conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira de campanha;

IV – emissão de recibos eleitorais.

(Grifei.)

Ou seja, os partidos e candidatos são obrigados a emitir recibo das doações recebidas.

E, nessa toada, o candidato EDSON PAULO inseriu, no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais, o valor de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais), como receita recebida e oriunda unicamente de CÉSAR ANDRÉ, tendo emitido o respectivo recibo eleitoral, de n. 156800700000RS000020, conforme constante à fl. 08 dos autos.

Daí, tratando-se realmente de 7 (sete) doações distintas, cada uma com o valor de R$ 200,00 (duzentos reais), como afirmado nas razões recursais, haveria a imperiosa necessidade de emissão de 7 (sete) recibos eleitorais distintos, pelo candidato, e que em cada um deles constassem os dados dos respectivos doadores.

Já na linha dos fatos, não é razoável sustentar que, tendo recebido um único recibo no valor global de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais), o recorrente não tenha suposto estar diante de algum erro ou, ainda, que não tenha percebido a diferença; CÉSAR ANDRÉ, ao receber tal documento, anuiu que a doação fosse declarada somente em seu nome. Note-se que forneceu apenas seus dados (número de título eleitoral e número no cadastro de pessoas físicas, por exemplo) e assinou o recibo para posterior inserção no já citado sistema da Justiça Eleitoral pelo candidato.

Se a situação estampada no recibo não condizia com a realidade, deveria o recorrente ter apontado o equívoco, não assinado o recibo em que constava o valor total, e pedido recibos individualizados – até porque, frise-se: para o candidato, é absolutamente indiferente o percebimento do valor de um doador ou de sete doadores.

E a sentença andou bem ao apontar uma circunstância fundamental: o valor do ingresso reforça a intenção de ajuda à campanha eleitoral do candidato, pois, nas palavras da magistrada de origem, fl. 118, “um jantar a R$ 200,00 não tem outra função senão capitalizar fundos para a campanha eleitoral, ao contrário do alegado pelo Representado (…) comprovado que se trata de campanha e não de simples pagamento de um jantar realizado por candidato em campanha eleitoral. Todos os depoimentos, de forma unânime, indicaram a intenção de ajudar o candidato”.

Daí, ainda que se considere a boa-fé do recorrente ao doar valores para campanha eleitoral, resta comprovada documentalmente a doação de R$ 1.400,00 realizada por CÉSAR ANDRÉ, sendo que os apontamentos da prova testemunhal, colhidas a posteriori, no sentido de uma suposta individualização das doações, não têm o condão de desconstituir a prova apresentada pelo Ministério Público Eleitoral.

Até mesmo porque não há que se perquirir a intenção do doador eleitoral, no caso CÉSAR ANDRÉ, ao efetuar a contribuição – a legislação dispensa tal análise. O comando do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.406/14 determina que "os valores arrecadados na promoção de eventos que se destinem a arrecadar recursos constituem doação e estão sujeitos aos limites legais e à emissão de recibos eleitorais":

Art. 27. Para a comercialização de bens e/ou serviços e/ou a promoção de eventos que se destinem a arrecadar recursos para campanha eleitoral, o candidato, o partido político ou o comitê financeiro deverão:

I – comunicar a sua realização, formalmente e com antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis, à Justiça Eleitoral, que poderá determinar a sua fiscalização;

II – manter, à disposição da Justiça Eleitoral, a documentação necessária à comprovação de sua realização.

§ 1º Os valores arrecadados constituem doação e estão sujeitos aos limites legais e à emissão de recibos eleitorais.

(Grifei.)

Ante o exposto, VOTO por afastar a preliminar e negar provimento ao recurso, mantendo a sentença que condenou CÉSAR ANDRÉ AVRELA DE ASSUMPÇÃO por doação acima do limite e ao pagamento de multa no valor de R$ 2.320,00 (dois mil, trezentos e vinte reais).