PET - 572 - Sessão: 08/06/2016 às 17:00

 (Voto-vista)

Pedi vista dos autos para melhor examinar as circunstâncias do caso.

O eminente relator decide por bem julgar improcedente o pedido de decretação de perda de mandato eletivo formulado pelo PARTIDO DA REPÚBLICA, ao argumento de não ter havido a desfiliação formal do Deputado Volnei, o que teria apenas se evidenciado em 02.3.2016, estando ao amparo da EC 91, de 18 de fevereiro de 2016.

Peço vênia para divergir de Sua Excelência e de seus judiciosos fundamentos.

Começo lembrando a fundamental importância do positivismo jurídico para conferir cientificidade ao Direito, nos idos do século XIX, permanecendo até o século XX, quando teve início a sua derrocada.  Não se discute a inegável contribuição da obra de Hans Kelsen, no seu clássico “Teoria Pura do Direito”, que não atribuía força normativa aos princípios, nem guardava preocupação com a realidade de fato, a existência ou fenomenologia.  

Embora sejamos, nós todos, produtos da tradição liberal normativista que contaminou a produção do direito da civil law, com expectativas de encontrar respostas para todas as situações do cotidiano nos textos legais, a modo formal-positivista subsuntivo, faz-se necessário superar o método jurídico que percebe o Direito apenas como forma, decorrente que é de um pensamento jurídico de índole simplesmente cognitivo-analítico e lógico-dedutivo e que ignora, por isso, a realidade da vida, sequestrada pelo positivismo. O formalismo do positivismo jurídico força os tribunais a substituir uma justiça substantiva mais densa, que solaparia políticas sociais conservadoras, por uma concepção fraca de justiça processual, que a promoveria. (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011.)

A hermenêutica amplamente adotada nos tribunais cedeu espaço à ressurreição de uma vertente positivista (exegética) que há muito ficou démodé. Superada inclusive pelos positivistas normativos como Kelsen, que, embora defenda a pureza da ciência do direito intentando livrá-la de qualquer influência moral ou política na aplicação da lei, confere ao juiz um amplo poder, incluso o de desbordar a moldura legal, não se limitando à moldura semântica, é dizer, às polissemias (KELSEN, Hans. Teoria pura del derecho: introducción a la ciencia del derecho. 8. ed. - (tradução da edição francesa Théorie Pure du Droit, de Moisés Nilve). Buenos Aires: Universitaria de Buenos Aires, 1969).

A hermenêutica é vida, existência, faticidade e fenomenologia. O intérprete não é um outsider do processo hermenêutico. Há sempre um “já-compreendido” em todo o processo hermenêutico. No conto, está o contador. É por isso que Heidegger vai dizer que o mensageiro já vem com a mensagem. É por isso que não se pode falar, de forma simplista, em ‘textos jurídicos’. O texto não existe em si mesmo. O texto não segura, por si mesmo, a interpretação que lhe é dada. Do texto sairá, sempre, uma norma. O texto será sempre o ‘já normado’ pelo intérprete (STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: perspectivas e possibilidades de concretização dos direitos sociais no Brasil. Novos Estudos Jurídicos - Volume 8 - nº 2 - p. 257-301, maio/agosto, 2003, p. 286).

E a compreensão, para se legitimar, precisa estar consentânea não apenas com a realidade do caso posto, mas também com os princípios constitucionais.

O novo paradigma de justiça instituído pelo Estado Democrático de Direito, incompatível com a matriz positivista, superou a ideia do direito como sistema de regras e a racionalidade lógico-formal causa e efeito, trazendo a lume o discurso constitucional dos princípios, cujo papel é representar a efetiva possibilidade de resgate do mundo prático (faticidade), até então sequestrado pelo positivismo e, muito importante, a acomodação da moral e da ética ao direito. Com efeito, se o constitucionalismo compromissário e diretivo altera (substancialmente) a teoria das fontes que sustentava o positivismo, e os princípios vêm a propiciar uma nova teoria da norma (atrás de cada regra há, agora, um princípio que não a deixa se 'desvencilhar' do mundo prático), é porque também o modelo de conhecimento subsuntivo, próprio do esquema sujeito-objeto (nas suas duas faces, objetivista e subjetivista), tinha que ceder lugar a um novo paradigma compreensivo-interpretativo (STRECK, 2003, p. 280).

Streck (Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 311) afirma que a Constituição é, em toda a sua substancialidade, o topos hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema jurídico. E mais, se referindo ao pensamento de Paulo Bonavides, afirma há de se ter claro que os princípios são deontológicos (e não apenas axiológicos) e  'governam' a Constituição, o regime e a ordem jurídica. Não são os princípios apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência (p. 312). Com isso, o jurista gaúcho (p. 311-313) pretende ressaltar um ponto crítico da construção do Direito. Vale frisar, o esquecimento da força normativa da Constituição. Seja no campo legislativo, seja no campo das decisões judiciais, é a Constituição e seus princípios que irão governar.

Dworkin (Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 56-7) considera os princípios mecanismos de fechamento do sistema, e não de abertura. Justamente por essa propriedade fundamental, identifica-os, respondendo aos postulados positivistas contrapostos, como obrigatórios e vinculantes. Corolário deste atributo é a obrigatoriedade para o legislador e para o juiz, que devem levá-los em consideração (a sério!), inclusive para admitir que possam prescrever um resultado particular (segundo os positivistas, somente as regras ditam tais resultados). O caráter vinculante e obrigatório dos princípios reside na impossibilidade de o juiz, diante deles, fazendo uso de um discricionarismo – que não tem –, deixar de aplicá-los sob o pretexto de serem meramente programáticos e otimizadores. O caráter imperativo dos princípios, como topoi hermenêuticos, decorre mesmo da sua natureza deontológica (e não apenas axiológica). Sua cogência dimana da força normativa da Constituição.

Fiz essa digressão para assentar a desvalia da compreensão da regras que garante a permanência do mandato ao parlamentar apenas por uma questão de forma, em que pese o conteúdo tenha ferido de morte o princípio da fidelidade partidária.

Deve ser afastada a concepção formalista e positivista no sentido de que somente a desfiliação, formalmente levada a efeito, seria capaz de gerar efeito jurídico. Essa compreensão nega força jurígena aos fatos, como se não fossem eles a fonte primária do Direito.

Na espécie, o Missionário Volnei, em 16 de janeiro de 2016, estando filiado ao Partido da República, agremiação que o guindou ao mandato de deputado estadual, participou de evento do Partido Social Cristão, nas dependências do Hotel Ritter, nesta cidade de Porto Alegre, cuja pauta era sua recepção como novo filiado nos quadros daquela agremiação.

Nas palavras do próprio relator, o caderno probatório traz farta documentação de atos caracterizadores de infidelidade partidária, evidenciando-se a delicadeza e a complexidade do exame do pedido de decretação de perda do cargo eletivo em razão da ausência de juntada de prova da desfiliação do requerido do PR.

Foram listadas no voto do relator as seguintes provas como caracterizadoras de infidelidade partidária:

a) fotos retratando o deputado com líderes do PSC em seu gabinete junto à Assembleia Legislativa, publicadas no site de relacionamentos facebook (fl. 3);
b) fotografias da convenção destinada à assinatura da ficha de filiação do parlamentar ao PSC, realizada no Hotel Ritter, em Porto Alegre, e filmagem do discurso promovido pelo requerido no local (mídia da fl. 24);
c) cópia do contrato de locação da sala em que foi realizado o evento, no qual consta como locatário o assessor parlamentar do deputado requerido, Altair Alves Pereira (fls. 26-32, 34 e 36);
d) desfiliação do assessor Altair Alves Pereira do PR, e sua respectiva filiação ao PSC, com permanência de atividades junto ao gabinete do parlamentar (fl. 37);
e) vídeo em que o presidente do PSC convoca filiados ao PSC a comparecem no evento de filiação do requerido, no qual afirma que “o Partido Social Cristão do Rio Grande do Sul terá um deputado”, divulgado nas redes sociais facebook e whatsapp (mídia da fl. 24);
f) matéria publicada no portal da internet da emissora Rádio Guaíba, pela internet, em 17.1.2016, sob o título “Missionário Volnei deixa PR em março” (fl. 6);
g) confecção de um banner do PSC no qual o nome do requerido consta como integrante da agremiação (fl. 7);
h) e-mails nos quais os presidentes de diretórios municipais do PR afirmam eleitores estão promovendo desfiliações por orientação do demandado (fls. 40, 43-46);
i) e-mail enviado ao deputado requerido por vereador eleito pelo PSC, solicitando-lhe apoio (fls. 48-50);
j) nota divulgada no Jornal NH de 19.1.2016: “E-mail atribuído à assessoria do deputado estadual Missionário Volnei diz que ele trocou o PR pelo PSC – a assessoria do parlamentar gaúcho não confirma a informação” (fl. 166);
k) matéria veiculada no portal da internet da emissora Rádio Guaíba em 25.1.2016: “Alegando infidelidade partidária, PR quer cassar mandato do deputado Missionário Volnei”. No rodapé, lê-se “Deputado Missionário Volnei garante que segue no PR até 2018” (fl. 167);
l) reportagem publicada no Jornal do Comércio de 26.1.2016: “PR processa Missionário Volnei por infidelidade partidária” (fl. 168-169);
m) notícia compartilhada em blog da internet no dia 26.1.2016: “PR quer de volta o mandato do deputado Missionário Volnei. Preventivamente” (fl. 170);
n) aparte publicado no Jornal Correio do Povo de 30.1.2016: “Deputado Estadual Missionário Volnei começa a limpar a área para ingressar no PSC. Ontem, exonerou todos os Cargos em Comissão (CCs) do seu gabinete ligados ao partido da República (PR)” (fl. 171);
o) matéria veiculada no portal da internet da emissora Rádio Guaíba em 18.1.2016: “Deputado Missionário Volnei garante que segue no PR até 2018” (fl. 173);
p) reportagem publicada no Jornal Correio do Povo de 19.1.2016 afirmando “O deputado Missionário Volnei (PR) está sendo sondado pelo PSC e tem expectativa de que aconteça uma alteração na legislação para possivelmente deixar a sigla” (fl. 174);
q) nota divulgada no Jornal Gazeta do Sul de 22.1.2016 afirmando “O troca-troca partidário também chegou à Assembleia Legislativa. O deputado estadual Missionário Volnei, que preside a CPI das Próteses, está ameaçando trocar o PR pelo PSC”. (…) “A troca pode ocorrer em março ou apenas em 2018 (fl. 175).

Dessa forma, mesmo que não formalizada oficialmente em 16.01.2016 a desfiliação de Volnei, tenho que nessa data houve o seu desligamento voluntário do PR.

Nesse sentido, o bem lançado parecer da douta Procuradoria, que reproduzo:

Em 16/01/2016, ocorreu um evento do PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC, no Hotel Ritter, em Porto Alegre-RS, no qual a pauta foi a recepção ao novo filiado deputado estadual pelos filiados e pela liderança do referido partido.
O vídeo da divulgação do evento (fl. 24 – arquivo AlIo3EPA0I2OuY4ET-kKtwzmiNxz1JIodjn1Xw71W-jk.mp4), feito, com grande entusiasmo, pelo Presidente estadual do PSC – Moisés Rangel-, divulgado através da rede social facebook e do aplicativo whatsapp, demonstra a finalidade do evento acima mencionado: as boas-vindas - filiação – ao deputado VOLNEI DA SILVA ALVES pelo PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC, conforme a transcrição do mesmo abaixo:
“Quero convocar a todos, os Presidentes municipais, todos os membros das Executivas, vereadores, todos aqueles que ocupam cargos nos governos, todos os simpatizantes e filiados ao PSC, para comparecer, no dia 16 deste mês – sábado que vem-, a partir das 14 horas, no hotel Ritter, em frente à Rodoviária de Porto Alegre, para um grande evento estadual, um grande encontro estadual do PSC, contando com a presença do Deputado Missionário Volnei, onde provavelmente estará fazendo a sua filiação no Partido Social Cristão. É, querido, o Partido do Rio Grande do Sul, Partido Social Cristão do Rio Grande do Sul terá um deputado, Deputado Missionário Volnei. Então, CONTO COM A PRESENÇA DE TODOS LÁ PARA DARMOS AS BOAS-VINDAS AO NOSSO DEPUTADO, O DEPUTADO DO PARTIDO SOCIAL CRISTÃO. Até lá! Um abraço.” (grifado).
A filiação, ainda, restou demonstrada através também da mídia anexada à fl. 24, na qual há a gravação do discurso fervoroso efetuado pelo deputado, no qual o mesmo se coloca como integrante do PSC e, ainda, milita para a plateia a necessidade de o PSC crescer, para atingir melhores resultados nas eleições de 2016, conforme demonstram os trechos da gravação transcritos abaixo (fl. 24 – arquivo 2016116_152219.mp4):
00min22seg. (aproximadamente) - “Boa tarde a todos! Quero cumprimentar NOSSO PRESIDENTE, que tem lutado, não tem parado, tem viajado, e eu tenho incomodado bastante ele, Moisés. (…)”
A partir dos 04min00seg. (aproximadamente) - “(…) Chegou a hora do PSC, NÓS todos, essa família, nós darmos as mãos, mas tem muitas coisas que precisa ser mudado. EU NÃO VIM AQUI “ah, vou tirar o fulano, vou tirar o beltrano, não. Nós temos 60 comissões provisórias, 60 municípios né? 65 municípios! 400 e poucos municípios ainda para eu trabalhar. Agora, Senhores Presidentes, nós precisamos eleger vereadores. Eu não vou tirar Presidente, mas o Presidente vai mostrar a diferença nesse ano. Nesse ano, nós estamos dizendo que o PSC está na frente, PSC é isso, o PSC é da família, mas temos somente 6 mil filiados no Estado do Rio Grande do Sul. É pouco (ou não é?). PARA NÓS QUE QUEREMOS COLOCAR DEPUTADO FEDERAL, NÓS QUE QUEREMOS COLOCAR DEPUTADO ESTADUAL, ENTÃO NÓS VAMOS COMEÇAR A ARRUMAR, E NÃO QUE A CASA ESTÁ DESARRUMADA, NÓS VAMOS ARRUMAR OS UTENSÍLIOS DE CASA PAR RECEBER AS PESSOAS. Nós precisamos disso. O PSC TEM UMA VISÃO E ESSA VISÃO É MARAVILHOSA. O PAÍS, O BRASIL PRECISA DESTA VISÃO DO PSC. 30 anos de PSC, né? 30 anos tem o PSC! E nós vamos ficar de braços cruzados? VOCÊ SABE QUE EU QUERO AJUDAR VOCÊ, VEREADOR! QUERO AJUDAR O SENHOR QUE É PRESIDENTE LÁ, EU VOU LÁ TE AJUDAR A FALAR COM O PREFEITO - “Prefeito, quero espaço”. EU NÃO CHEGUEI AQUI PARA TOMAR O TEU ESPAÇO. PELO CONTRÁRIO, EU QUERO ACRESCENTAR LÁ NO TEU MUNICÍPIO, MAIS ESPAÇO PARA VOCÊ. Eu e o Presidente estávamos ali em Canoas, conversando com o Prefeito de Canoas. (...) Mas olha só, como que um Presidente vai chegar, um Prefeito vai chegar assim: “quantos filiados tu tem?”,“28”. Você acha que é certo, Presidente? Precisamos crescer? Precisamos crescer! Presidente que, às vezes, não contribui com R$130,00 - “Ah, Meu Deus, não vou contribuir”. Isso não é crescer, não é visão. Eu vou lá e consigo algo pra você, que vai sobressair lá para você. Mas você tem que querer. Aqui o Presidente, que é o Moisés, fica ligando, Tesoureiro, fulano tem que contribuir, tem que falar isso. Você vai ter o que você quiser, mas você vai ter que estar junto também com o nosso Presidente” (grifado).
[…]
As fotografias do evento mencionado às fls. 04-05 corroboram a tese de que o evento foi destinado para a filiação do deputado requerido, através dos gestos nelas captados, mais precisamente de o Deputado ter assinado documento, segurar a bandeira e a camiseta do PSC ao lado de filiados, diante de uma plateia e em posição central - de evidência - no evento.
Como se não bastasse, o contrato de locação do hotel Ritter, para o evento do dia 16/01/2016 (fl. 31-32), foi firmado em nome de ALTAIR ALVES PEREIRA (fls. 26-32), que é atual assessor do deputado requerido (cargo em comissão de Assessor VI - fls. 34 e 36) e, inclusive, requereu o cancelamento da sua filiação ao PR em 28/12/2015 (fl. 37). As testemunhas do referido contrato também são assessores do deputado VOLNEI DA SILVA ALVES, mais precisamente REGIS FRANCISCO FIORAVANTE (fls. 33) e TATIELI DA ROSA MANNA BARRETO (fls. 35-36).
Que razão outra haveria a necessidade de envolvimento dos assessores de VOLNEI DA SILVA ALVES na organização do evento se não fosse um acontecimento de extrema importância para o deputado? Ora, caso VOLNEI DA SILVA ALVES fosse mero convidado do evento, como aduz às fls. 109-113, não haveria a necessidade de mobilização de sua equipe, principalmente com os custos do referido evento.
[…]
A notoriedade da filiação ocorrida no evento do dia 16/01/2016 resta demonstrada, também, através da publicação de matéria no sítio eletrônico da Rádio Guaíba, sob o título “Deputado Missionário Volnei deixa PR em março” e na qual o referido veículo de comunicação dispõe que:
“[…] Deputado estadual de primeiro mandato na Assembleia Legislativa gaúcha, Missionário Volnei está de saída do Partido da República (PR). Apesar de ainda não formalizar sua ida para o Partido Social Cristão (PSC), o parlamentar já publicou fotos com militantes da sua próxima sigla nas redes sociais desde a semana passada.
Segundo integrantes da bancada do PR na Assembleia, a projeção é que o deputado migre para o PSC somente em março, quando há a possibilidade do Congresso Nacional promulgar, após o recesso parlamentar, a PEC que abrirá uma ‘janela’ de 30 dias na legislação permitindo que qualquer ocupante de cargo eletivo possa mudar de partido sem perder o mandato. De acordo com a assessoria jurídica do parlamentar, Missionário Volnei só falará sobre o assunto em março. [...]” (grifado).
Além disso, conforme disposto na inicial (fl. 07), o secretário-geral do PARTIDO DA REPÚBLICA – PR, Luiz Henrique da Fonseca Ribeiro, assessor do Parlamentar representado, fl.36, encontrou no gabinete do deputado um banner promocional do PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC, no qual há a menção das principais autoridades do partido, como, dentre outros, Pastor Everaldo, André Bragagnolo e, também, VOLNEI DA SILVA ALVES.
[…]
Ora, inequívoca a filiação partidária de VOLNEI DA SILVA ALVES ao PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC, principalmente diante das provas trazidas aos autos, que demonstram a militância do deputado em favor do PARTIDO SOCIAL CRISTÃO – PSC, o que é legalmente incompatível com a permanência da sua filiação ao PARTIDO DA REPÚBLICA – PR.
Somado a tais fatos, o intrínseco laço do deputado estadual com o PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC resta evidenciado, ainda, através dos encontros ocorridos, em seu gabinete, com os líderes do PSC, mais precisamente o Presidente do PSC no município de Eldorado do Sul - Antônio Elias-, e parte da Comissão Executiva do PSC - Márcio Nunes e Luiz Heleno da Silva-,o que se depreende da análise das fotos postadas no sítio eletrônico facebook e anexadas à fl. 03.
Ainda, além de demonstrar sem restrição alguma o seu vínculo com o PSC – em que pese a permanência ao PR meramente formal-, o Deputado vem exercendo influência sobre os demais filiados do PR, causando grave prejuízo ao PR, como, inclusive, desfiliações, o que restou demonstrado através dos e-mails anexados às fls. 08-11 e 39-50.
Importante destacar que a Resolução nº 22.610/2007 permite, em seu artigo 3º, que provas documentais e testemunhais sejam utilizadas na ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária.
Sendo assim, conforme o art. 22 da Lei nº 9.096/95, “havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais”. Em sendo a filiação ao PSC mais recente – 16/01/2016, melhor entendimento é o de que deve ser entendida como cancelada a sua filiação ao PR.
Logo, diante de todo esse suporte fático probatório e por não ter existido o cancelamento formal da sua filiação junto ao PARTIDO DA REPÚBLICA – PR, conclui-se, portanto, que houve, de fato, a desfiliação de VOLNEI DA SILVA ALVES do PR.
De acordo com Rodrigo Lopes Zílio (Zílio, Rodrigo López. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral, da convenção à diplomação), ações eleitorais - 4ª edição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014. Página 85.,
"[…] a Constituição Federal distingue, no âmbito da autonomia do partido político, as normas de disciplina e de fidelidade partidária (Art. 17, §1º, da CF). Efetivamente, distinguem-se a fidelidade e a disciplina partidária; esta, por mais ampla, abrange àquela. Com efeito, a disciplina partidária, em síntese, circunscreve-se ao dever de o filiado observar as normas e diretrizes impostas pelo respectivo órgão de direção partidário, restringindo-se, pois, à falta no âmbito interna corporis da agremiação. O ato de infidelidade, ao contrário, configura-se a partir de ato de caráter externo, consistente na troca ou mudança de partido, tendo, portanto, reflexo extra muros a prática de infidelidade partidária. Inobstante alguma divergência periférica, a doutrina trata a infidelidade como gênero, do qual são espécies a infidelidade (propriamente dita) - consistente na troca de agremiação, sob cuja legenda foi eleito - e os ATOS DE OPOSIÇÃO DAS DIRETRIZES ESTABELECIDAS PELO ÓRGÃO DE DIREÇÃO" (Grifado).

Ressalto que a reforma eleitoral, levada a efeito em 2015 (Lei n. 13.165/2015), elevou ao nível de lei ordinária a hipótese de desfiliação imotivada como causa da perda do mandato, possibilidade outrora regulada por Resolução do TSE (22.610/2007).

Foi acrescentado à Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95) o art. 22-A, com o seguinte teor:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:
I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
II - grave discriminação política pessoal; e
III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Grifei.)

Muito embora esteja pacificado na jurisprudência que a desfiliação apta a gerar a perda do mandato eletivo seria somente aquela formalmente documentada, não se pode olvidar que é da competência desta Especializada o exame das circunstâncias e peculiaridades do caso concreto para concluir se houve, ou não, justa causa para o rompimento do vínculo partidário.

A despeito de a Justiça Comum ser competente para análise da matéria interna corporis que poderia ensejar a expulsão do filiado Volnei do Partido da República, o STF reservou à Justiça Eleitoral a competência jurisdicional para decretar a perda do mandato eletivo quando o parlamentar desligar-se imotivadamente de sua agremiação.

E essa análise, na seara do Direito Eleitoral, encontra território fértil na teoria funcionalista do direito de Norberto Bobbio, pois enseja uma hermenêutica normativa para a qual o direito, enquanto tal, inclusive se é definido de forma neutra como técnica de organização social, tem função social axiologicamente positiva, até o ponto de que pode ser considerado um meio necessário para alcançar e conservar o bem coletivo (...). (apud in GREPPI, Andrea. Teoria e ideologia en el pensamiento de Noberto Bobbio. Madrid: Marcial Pons, 1988, p. 11).

A propósito, esse é o entendimento do Ministro Cesar Asfor Rocha, quando relator da Consulta n. 1.398/TSE (Sessão Administrativa de 27.3.2007):

Ouso afirmar que a teoria funcionalista do direito evita que o intérprete caia na tentação de conhecer o sistema jurídico apenas pelas suas normas, excluindo-se dele a sua posição, empobrecendo-o quase até a miséria; recuso, portanto, a postura simplificadora do direito e penso que a parte mais significativa do fenômeno jurídico é mesmo a representada pelo quadro axiológico.

E, sob tal perspectiva, é indispensável ter-se uma compreensão não meramente retórica acerca do sistema representativo, para se aquilatar a gravidade dos atos perpetrados pelo requerido, que deturpou o sistema proporcional, subvertendo a vontade do eleitor que depositou seu voto na legenda que lhe conferiu o mandato.

Aliás, esse feito revela que o requerido desdenhou da sua agremiação, renegou a sigla pela qual foi eleito, aguardando, sorrateiramente, a publicação da Emenda Constitucional n. 91 para formular, de direito, sua desfiliação, tudo com o propósito único e imoral de não perder seu mandato.

E enquanto não expedido seu salvo conduto, militava fervorosamente no PSC, inclusive tentando persuadir outros filiados do Partido da República a migrarem àquela agremiação.

Portanto, em consonância com o asseverado pela douta Procuradoria Eleitoral, permitir que mandatários de cargo eletivo, apenas pela permanência de vínculo formal ao partido pelo qual tenha disputado as eleições, militem, de fato, para outros partidos, no curso do seu mandato eletivo, é permitir claro desvirtuamento da vontade política do eleitor. É claramente incoerente determinado mandatário de cargo eletivo - eleito em razão dos votos dados ao seu partido-, durante seu mandato – no caso dos autos, logo no seu início-, migre para outro partido que em nada contribuiu para a sua eleição, demonstrando total dessintonia do sistema proporcional, da democracia representativa e da soberania popular.

Por fim, trago como reforço de argumento as razões vertidas pelo Dr. Leonardo Tricot Saldanha em voto-vista proferido na PET 290-41.2011.6.21.0000, julgada em 25 de novembro de 2011, na qual se discutia a possibilidade de a expulsão de filiado ser causa de pedir de ação de perda do mandato eletivo, pois o texto do art. 1º da Resolução n. 22.610/07 apenas contemplaria a desfiliação partidária sem justa causa.

Naquele feito, o eminente Dr. Leonardo Tricot Saldanha sustentou exatamente a mesma linha de intelecção por mim adotada, assentando que a expulsão de filiado poderia dar motivo ao pedido de perda do mandato eletivo.

O relator originário, Dr. Hamilton Dipp, havia indeferido a inicial por impossibilidade jurídica do pedido. No entanto, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental interposto, diante dos fundamentos exarados no voto-vista do Dr. Leonardo Saldanha, o feito teve regular processamento.

Diante de tão judiciosos fundamentos, transcrevo o que constou naquele voto-vista da lavra do Dr. Leonardo Saldanha:

O objetivo da edição da Resolução n. 22.610/07 é o de resguardar a fidelidade partidária. Um candidato a eleições proporcionais é eleito com os esforços e com os votos de determinado partido político, ou coligação. Ao desgostar-se com o partido (ou ao ser seduzido por outro), o representante eleito desfilia-se da agremiação pela qual foi eleito. Perde, por conseguinte, o mandato, por respeito ao instituto da fidelidade partidária, o que está de acordo com o espírito e com o texto da resolução.

Imaginemos outra situação. Sabedor de que o pedido de desfiliação sem justa causa gerará, necessariamente, a perda do mandato eletivo, o representante passa a forçar sua expulsão. Não comparece mais às reuniões partidárias, critica o partido na imprensa, vota contra a linha política e, até, ideológica pela qual se elegeu. Nesse hipotético caso, força sua expulsão.

Qual o comportamento mais gravoso à fidelidade partidária, desiderato da Resolução n. 22.610/07? O primeiro, em que o representante, lisamente, desfilia-se, ou o segundo, em que, desejando desfiliar-se, não o faz, forçando uma expulsão libertadora? Sem dúvida, o segundo comportamento é mais gravoso.

Note-se que, ao se dar abrangência maior do que a literal ao caput do art. 1° da resolução, não se está a legislar. Faz-se interpretação teleológica, nada moderna ou inovadora, defendida pelo primeiro cientista da hermenêutica nacional, Carlos Maximiliano. Não se está falando de Alexy, Dworkin ou Häberle, nem de neoconstitucionalismo. Está-se defendendo o método que pode alcançar a exata dimensão da expressão “desfiliação partidária sem justa causa” empregada na Resolução TSE n. 22.610/07.

Em homenagem à verdade, há de se revelar que a posição aqui defendida não é unânime, talvez nem majoritária, na jurisprudência pátria. Este mesmo Regional, em recente julgado de 30 de agosto de 2011, do qual não participei, entendeu ser impossível o pedido de perda de mandato em caso de expulsão. Mesmo o e. TSE já possui decisão contrária ao aqui defendido. Mas a decisão do TSE ainda não formou jurisprudência firme, incipiente que é a discussão.           (Grifei.)

Na sequência do voto-vista mencionado, o Dr. Leonardo Tricot Saldanha cita inúmeras decisões de Regionais com esse mesmo entendimento, ou seja, no sentido de que a interpretação da norma deve buscar o conteúdo substantivo que embasa a noção de infidelidade partidária e, mediante construção principiológica, fazer o adequado ajustamento do comando normativo à real proposição da lei (PET- 335-69 - TRE-DF – relator: Des. Mario Machado - julgado em 16.03.2010; PET 2-84 – TRE-RJ – relator: Leonardo Antonelli, julgado em 29 de julho de 2010; PET 193, acórdão de 29.04.2010, relator Ricardo Machado Rabelo, publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico- TREMG, data 11.05.2010; FEITOS DIVERSOS n. 12162007, Acórdão n. 797 de 15.04.2008, relator designado RENATO MARTINS PRATES, publicação: DJMG - Diário do Judiciário -Minas Gerais, data 06.05.2008, página 106).

Arremata o eminente Dr. Leonardo Tricot Saldanha com a seguinte conclusão:

Desse modo, não vejo razão, diante de comprovada infidelidade, para que o partido não possa reivindicar a vaga do eleito que não se desfilia voluntariamente, mas comete toda sorte de atos incompatíveis com o compromisso que deveria ter com o programa e as diretrizes partidárias, visando à garantia da continuidade do exercício do mandato eletivo, mas tornando insustentável sua permanência na agremiação, a ponto de compeli-la a expulsar o infiel.

A preservação ampla da fidelidade partidária deve ser perseguida e se coaduna perfeitamente com o disposto no artigo 1º da resolução, pois garante fundamentalmente a vontade do eleitor manifestada nas urnas, não havendo justificativa, repiso, para não dar-se tratamento equânime a todos os casos de comprovada infidelidade, decorrentes de ato de desfiliação voluntária ou expulsão. (Grifei.)

Dessarte, ainda que a desfiliação tenha sido procedida de forma sui generis, não obedecendo aos trâmites formais, reconheço que, em 16 de janeiro de 2016, o requerido deixou a sigla partidária, não amparado por qualquer excludente prevista em lei, ficando sujeito à perda de seu mandato.

Diante de todo o exposto, acompanhando o relator quanto à rejeição das preliminares, no mérito voto para julgar PROCEDENTE o pedido promovido pelo PR - PARTIDO DA REPÚBLICA, decretando a perda do mandato eletivo de VOLNEI DA SILVA ALVES.

Comunique-se a presente decisão à Presidência da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente eleito do Partido da República nas eleições de 2014, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral naquele pleito.