AP - 127687 - Sessão: 09/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de ação penal proposta pela Procuradoria Regional Eleitoral contra BENONE DE OLIVEIRA DIAS, prefeito de São Nicolau-RS, em razão da prática de arregimentação de eleitores, delito previsto no art. 39, § 5º, II, primeira figura, da Lei n. 9.504/97.

De acordo com a denúncia, no dia da eleição municipal de 2012, no período da manhã, o réu, na condição de candidato a prefeito de São Nicolau, arregimentou eleitores, pois permaneceu, juntamente com o candidato opositor, em frente à escola que funciona como o maior local de votação de São Nicolau. De acordo com a denúncia, na data do fato, o réu teria cumprimentado, abordado e conversado com eleitores que se dirigiam às mesas de votação ou delas saiam, em situação de tempo, lugar e modo capazes de influenciar a vontade dos eleitores, ferindo a lisura do pleito. Na ocasião, a Brigada Militar, em atividade ostensiva para a repressão de crimes eleitorais, flagrou e filmou o acusado e o seu candidato adversário, Ricardo Miguel Klein, cumprimentando eleitores em frente à seção eleitoral, conforme vídeo acostado à fl. 37. Apenas depois de ordem dada pela promotora eleitoral o denunciado retirou-se do local de votação (fls. 02-04).

Após ofertada a resposta preliminar (fls. 103-110), a denúncia foi recebida na sessão de 03.02.2015 (fls. 231-233v.).

Citado, o réu apresentou defesa sustentando a atipicidade da conduta, uma vez que a inicial não traria indícios contundentes de autoria e de materialidade. Alega que a escola em que estava é o seu local de votação e que o simples fato de alguém conversar e cumprimentar pessoas no dia da eleição não caracteriza ilícito penal. Assevera que a conduta somente seria punível se houvesse distribuição de propaganda eleitoral, ameaça ou coação de eleitores, ou pedido de votos. Afirma que as eleições também são um momento para rever amigos e consolidar relações antigas, e que não estava realizando “boca de urna” e sim cumprimentando amigos que esperavam para votar, já que as filas tinham mais de 100 metros. Salienta que após conversar com a promotora eleitoral retirou-se do local de votação. Requereu a absolvição sumária, por atipicidade delitiva, e arrolou testemunhas (fls. 239-247).

Foi delegada a instrução do feito, com a inquirição de nove testemunhas (fls. 291, 363-369, 391-397, 424-430) e realização do interrogatório do réu (fls. 450-455).

Na fase processual oportunizada pelo art. 10 da Lei n. 8.038/90, não foram requeridas diligências (fls. 464 e 467).

A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou alegações finais, sustentando que a autoria e a materialidade delitivas restaram devidamente demonstradas por meio da gravação audiovisual e da prova oral. Alega que, embora a defesa argumente que a conduta não transbordou do simples ato de cumprimentar conhecidos, as circunstâncias que envolveram o caso concreto permitem concluir pela existência de ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Assevera que a abordagem aos eleitores foi realizada durante, pelo menos, duas horas, e que o fato foi praticado em município de pequeno porte, com apenas dois candidatos ao cargo de prefeito. Acrescenta que o acusado foi eleito com 2115 votos, 22 votos a mais que o candidato opositor. Requer a procedência da denúncia (fls. 469-474).

Nas alegações finais defensivas (fls. 487-492), o acusado nega a prática delitiva. Sustenta que o ato de conversar e cumprimentar pessoas, na data da votação, não caracteriza tipo penal. Afirma que não arregimentou eleitores e nem realizou propaganda de boca de urna. Alega que o delito apenas estaria comprovado se houvesse distribuição de propaganda eleitoral, ameaça ou coação de eleitores e pedido de votos. Aponta que a denúncia objetiva alargar o tipo penal a fim de punir conduta não descrita em lei, pois conversar com pessoas não é crime, e relata que se retirou do local de votação logo após falar com a promotora eleitoral. Postula a absolvição.

É o relatório.

 

VOTO

Ausentes preliminares a serem enfrentadas, passo ao exame do mérito da presente ação penal originária.

O tipo penal imputado ao denunciado, de arregimentação de eleitores, está descrito no artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39 - A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

Redação alterada pelo art. 1º da Lei n. 11.300, de 2006.

A definição dos atos que caracterizam arregimentação não está disposta na legislação. De acordo com Suzana de Camargo Gomes: “A norma penal está, no caso, resguardando a liberdade do eleitor de votar sem sofrer qualquer constrangimento, pelo que, no dia da eleição, é vedada a propaganda eleitoral.” Transcrevo a lição da autora:

Assim, [...] não podem ser levadas a efeito práticas tendentes a arregimentar ou a aliciar eleitores, ou realizar a chamada propaganda de `boca de urna", condutas essas que se revelam não só pela promoção de reuniões e formação de grupos de pessoas com fins eleitorais, mas inclusive pela distribuição de impressos, de volantes aos eleitores, ou, ainda, podem consistir no comportamento de abordar, de tentar persuadir, convencer o eleitor a votar em determinado candidato ou partido, no dia da eleição.

[...]

Assim, o que a norma penal veda é a divulgação de propaganda eleitoral, na data do pleito, que afete a esfera de outrem, ou seja, aquela que se revele pela ação consubstanciada na abordagem, no aliciamento, na arregimentação dirigida ao eleitor [...].

É que, nessas condições, está sendo atingido o eleitor em seu direito de liberdade de, no dia da eleição, votar sem sofrer qualquer ordem de pressão, de influência, de constrangimento.

[...]

Destarte, o que é vedado e, inclusive, constitui crime, é a conduta daquele que, no dia da eleição, divulga ou realiza propaganda eleitoral de molde a atingir a esfera do eleitor, através da abordagem, do aliciamento, da utilização de métodos de persuasão ou convencimento, e não daquele que sem incomodar, falar, ou tomar qualquer atitude que desborde seu âmbito particular, demonstra silenciosa e individualmente sua preferência eleitoral.

[...]

O mero porte de material de propaganda no dia da eleição, sem que denote divulgação, arregimentação, distribuição a eleitores, não caracteriza o crime em apreço" (GOMES. Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 164 e 166).

Segundo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves: “Arregimentar é abordar, tentar convencer, obter apoio. Supõe uma tentativa de convencimento que não se limita à distribuição de um folheto, mas envolve abordagem e argumentação.” (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2.ed. São Paulo: Altlas, 2015, p. 134.)

Para Joel J. Cândido, por sua vez, : “Arregimentar é 'alistar', 'reunir', 'enfileirar' ou 'associar'. Aqui, o sentido que quer o legislador é 'conseguir', 'obter', 'convencer' ou 'angariar'.” (Direito Penal Eleitoral & Processo Penal Eleitoral. Bauru: Edipro, 2006, p. 498.)

Na jurisprudência, a análise do verbo nuclear “arregimentar” também demanda esforço interpretativo. Em recente julgado, a Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura utilizou-se do significado trazido pelo dicionário, para fins de aferição da prática delitiva, nos seguintes termos: “De acordo com o dicionário Houaiss, arregimentar significa 'organizar em regimento, militar; ordenar, formar (um corpo de tropas)' ou 'reunir(-se) em partido, associação ou grupo; alinhar(-se)'.” (AI n. 69959, decisão monocrática de 13.4.2015, DJE 17.04.2015.)

Na interpretação realizada pelo Ministro Luiz Fux “o objetivo do tipo contido no dispositivo supra é o de resguardar o direito do eleitor de, no dia da eleição, desfrutar de um ambiente propício à manifestação de sua liberdade de voto, no qual não sofra pressão por outras pessoas. Outrossim, não abarca condutas desprovidas do desideratum de constranger ou arregimentar eleitores na data do pleito”. (AI n. 132439, decisão monocrática de 13/11/2015, DJE 24/11/2015.)

Conclui-se que a conduta de arregimentar pressupõe a argumentação mediante abordagem direta de eleitores capaz de influenciar o voto. Com esse entendimento, o seguinte precedente:

RECURSO CRIMINAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA - ALEGADA REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA, BOCA DE URNA E ARREGIMENTAÇÃO DE ELEITORES NO DIA DO PLEITO (LEI N. 9.504/1997, ART. 39, § 5º, II) - PROVA ORAL INSEGURA - MEROS INFORMANTES - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO SEGURA DO DOLO DE SUGESTIONAR ELEITORES - PROVIMENTO.

1. Não obstante a livre apreciação da prova autorize a formação de um convencimento condenatório com lastro em testemunhos de quem não têm ciência própria do ocorrido, para tanto é necessário que se estruture um alicerce probatório satisfatório, seja pela unidade e precisão das declarações, seja pela integração com outros meios de prova dos autos.

2. "Nem toda manifestação político-eleitoral, na data da eleição, é vedada pelo art. 39, § 5º, da Lei nº 9.504/97, o qual, por tratar de crime, deve ser interpretado estritamente; a simples declaração indireta de voto, desprovida de qualquer forma de convencimento, de pressão ou de tentativa de persuasão, não constitui crime eleitoral", pois "o bem jurídico tutelado pela norma é o livre exercício do voto" (TSE. Respe n. 485.993, de 26.4.2012, Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira).

(TRE-SC, RECURSO EM PROCESSO-CRIME ELEITORAL n. 43606, Acórdão n. 30215 de 15.10.2014, Relator VILSON FONTANA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 186, Data 20.10.2014, Página 8.)

No caso dos autos, o vídeo gravado pelo Tenente Luciano Morais Rosa, da Polícia Militar, juntado à fl. 37 dos autos, demonstra que, no dia da eleição, Benone de Oliveira Dias estava ao lado do outro candidato a prefeito municipal, Ricardo Miguel Klein, parado, em frente ao portão da Escola Maria Seggiaro Hoffmann, local de votação de São Nicolau, em que estavam instaladas urnas eleitorais.

Na gravação, o réu aparece em pé e segurando uma garrafa de água mineral enquanto conversa com o candidato opositor, e algumas pessoas que passam, entrando ou saindo da escola, cumprimentam a ambos. Durante a filmagem, o policial militar que está com a câmera se aproxima, chama os candidatos e diz que eles estão cometendo um crime eleitoral, pois não poderiam estar parados em frente ao local de votação. Nas palavras do policial, quem já votou deve afastar-se da escola.

Segundo a acusação, o candidato Benone permaneceu nessa situação por aproximadamente duas horas.

Todos os policiais militares ouvidos como testemunhas de acusação confirmaram que, durante a ocorrência, o denunciado estava parado cumprimentando as pessoas que passavam na rua. Nesse sentido foram os depoimentos de Brasília Flores, do Tenente Luciano Morais Rosa (fls. 363-366), autor da filmagem, dos Soldados Daniela Vargas Medeiros (fls. 395-397), Paulo de Tarso (fls. 391-394) e Reni Neves Marchi (fls. 424-426), e do Capitão Eduardo dos Santos Brum (fls. 367-369).

Todavia, na interpretação dos referidos policiais, a atitude praticada pelos dois candidatos a prefeito caracterizava abordagem de eleitores. Conforme afirmou, em juízo, o policial militar Paulo de Tarso, os candidatos realizavam “cumprimentos com gestos, apertavam as mãos”. Da mesma forma foi o testemunho do Capitão Eduardo dos Santos Brum, segundo o qual o acusado “cumprimentava os eleitores, todos que passavam na calçada onde ele estava, que é a calçada do lado da grade da escola”, “dava 'bom dia', 'boa tarde', tinha algum tipo de conversa” (fls. 367-369).

As testemunhas de defesa que presenciaram o fato: João Luiz Munari (fl. 427) e Izabel Cristina Correa (fl. 429), de igual modo, afirmaram que a conduta do acusado limitou-se ao ato de cumprimentar pessoas.

Da análise dos autos, verifica-se que não há elementos que autorizem afirmar a existência de arregimentação de eleitores. Não há sequer menção a algum pedido de votos feito pelo então candidato Benone ou tentativa de persuadir e convencer eleitores.

O enquadramento do tipo penal de arregimentação de eleitores quando o candidato fica em frente ao local de votação cumprimentando as pessoas já foi analisado pelo STF em mais de uma oportunidade, restando assentado que apenas a conversa tendente a persuadir ou obter o voto caracteriza o delito. Nesse sentido, colho o seguinte trecho de decisão que apurou a conduta praticada pelo deputado federal ELISMAR FERNANDES PRADO e pelo deputado estadual WELITON FERNANDES PRADO, ocorrida na eleição de 2008:

A legislação não proíbe que os candidatos visitem as seções eleitorais. Conforme depreende-se dos arts. 132 e 140 do Código Eleitoral, os candidatos podem visitar as seções eleitorais e permanecer, inclusive, no recinto das mesas receptoras.

O que a legislação proíbe é a arregimentação e o aliciamento de eleitores, não a permanência do candidato nas seções eleitorais.

Ao comentar o delito em questão, SUZANA DE CAMARGO GOMES ressalta que o elemento subjetivo do tipo exige o dolo específico, consubstanciado pela intenção do agente em, no dia do pleito eleitoral, influir decisivamente na vontade do eleitor, dissuadindo-o da escolha já efetivada, se houvesse, e induzindo-o a votar em determinado candidato, o que não ocorreu no presente caso.

Em suma, não há nos autos a indicação de elementos concretos que ensejem a realização de atos investigatórios com vistas a colheita de provas para o eventual ajuizamento de ação penal pelo crime de boca de urna.

Assim, não havendo sequer indícios da eventual prática de crime eleitoral pelo Deputado Federal ELISMAR FERNANDES PRADO, requer o Ministério Público Federal o arquivamento dos presentes autos.

(STF - Pet: 4608 MG, Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 17.08.2009, Data de Publicação: DJe-160 DIVULG 25.08.2009 PUBLIC 26.08.2009.)

Conforme já decidiu o Plenário do STF, considerando que os arts. 132 e 140 do Código Eleitoral preveem que os candidatos podem fiscalizar a eleição junto às mesas receptoras de votos, o diálogo com eleitores em frente ao local de votação não atrai a incidência do tipo penal de arregimentação de eleitores, pois inexiste proibição à presença de candidatos nas proximidades dos locais de votação:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 39, § 5º, II E III DA LEI 9.504/1997. DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORIAL. PROPAGANDA DE BOCA DE URNA. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA REJEITADA. I – A inicial acusatória contemplou a qualificação do acusado, a classificação do crime, o rol de testemunhas e contém informações essenciais sobre a prática das condutas, preenchendo os requisitos do art. 41 do CPP. II – Ausência de justa causa no tocante ao delito de divulgação de propaganda eleitoral (art. 39, § 5º, III da Lei 9.504/1997) sustentada pelo próprio Procurador-Geral da República. III - As elementares “arregimentação de eleitor” e “propaganda de boca de urna” conferem, ao art. 39, § 5º, II da Lei 9.504/1997, feições abertas que devem ser completadas com dados do contexto fático, de modo a possibilitar a aferição, caso a caso, da relevância penal de condutas praticadas. IV – Diálogo com eleitores em frente ao local de votação. Atipicidade. Inexistência de proibição à presença de candidatos nas proximidades dos locais de votação (art. 132 e art. 140 do Código Eleitoral). V – Denúncia rejeitada.

(STF - Inq: 3182 RJ, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04.04.2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 11.10.2013 PUBLIC 14.10.2013.)

Portanto, tem-se que a instrução não logrou demonstrar que o candidato denunciado tenha praticado arregimentação, persuasão, ou tentado, de alguma forma, influenciar na liberdade de voto do eleitor, não havendo como considerar criminosa a conduta de permanecer em frente ao local de votação.

O fato é atípico e não tem força para malferir o bem jurídico tutelado pelo art. 39, § 5º, II, primeira figura, da Lei n. 9.504/97, a saber, o livre exercício do voto.

Além disso, a acusação afirma que o candidato permaneceu no local por apenas duas horas, e a gravação de vídeo confirma que estavam em frente à aludida escola os dois candidatos a prefeito, sequer sendo possível entender ter havido quebra da isonomia entre os candidatos ao pleito.

Diante do exposto, VOTO pela improcedência da denúncia, absolvendo o acusado, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.