RE - 4789 - Sessão: 20/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo DIRETÓRIO DO PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO DE SERAFINA CORRÊA em face de sentença (fls. 92-95) que desaprovou sua prestação de contas, referente ao exercício financeiro de 2014, em virtude de intempestividade; da ausência de documentos, tais como Livros Diário e Razão; de assinaturas em peças contábeis; da ausência de extratos bancários de todas as contas correntes do partido e do recebimento de doação de fonte vedada (autoridade pública). Na ocasião, o juízo eleitoral determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de doze meses.

O partido recorre (fls. 98-100) alegando que os doadores (vereadores) nunca foram ordenadores de despesas e nunca desempenharam nenhuma função de chefia ou direção. Argui que os referidos filiados exercem atividades privadas, sendo essa a origem dos recursos doados, e não os subsídios do mandato eletivo. Refere ainda que os recursos arrecadados pelo partido foram exclusivamente aqueles necessários para sua manutenção, e que, nos municípios de pequeno porte, os integrantes da executiva e do diretório municipal são os responsáveis pelas despesas da agremiação.

Por fim, argumenta que o cumprimento da decisão judicial redundaria na devolução de valores por partidos cumpridores de suas obrigações, enquanto as siglas omissas na prestação de contas sairiam ilesas a tal sanção.

Invoca o entendimento quanto à matéria de fontes vedadas aplicável em 2014 e pleiteia o reconhecimento da legalidade das doações.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina, preliminarmente, pela anulação da sentença e, no mérito, pela manutenção da desaprovação das contas, bem como pelo repasse ao Tesouro Nacional dos valores oriundos de fonte vedada, e pela suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de 1 ano (fls. 104-118v.).

É o sucinto relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada em 13.4.2016 (fl. 96), uma quarta-feira, e o recurso interposto em 14.4.2016 (fl. 98-100), quinta-feira, ou seja, dentro do tríduo legal.

Igualmente presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

 

Preliminar

Da nulidade por ausência de citação dos dirigentes do partido

Em razão da ausência dos dirigentes partidários no processo, o procurador regional eleitoral requereu a declaração da nulidade da sentença, com a remessa dos autos ao juízo originário, para que sejam citados os responsáveis partidários, no caso, o presidente e o tesoureiro do partido, tendo em vista o disposto na Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 104-118v.).

Ocorre que esta Corte já sedimentou posição de que as regras que versam sobre a responsabilização solidária dos dirigentes possuem cunho material, devendo ser aplicadas apenas às prestações de contas relativas ao ano de 2015 e seguintes.

Nesse sentido, o julgamento do Agravo Regimental na PC n. 79-63, de 06.8.2015, referente ao exercício do ano de 2014, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha. Neste precedente, esta Corte assentou que as alterações da Resolução TSE n. 23.432/14, acerca da responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos, é matéria que diz respeito ao direito material, e não ao direito processual, conforme ementa colacionada a seguir:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos diz respeito ao direito material, e não ao direito processual. Cabe aos responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido responder, na esfera cível, por improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário. São passíveis, igualmente, de responder na seara criminal por ofensa à fé pública eleitoral. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS – Agravo Regimental 7963 – Rel. Dr. Leonardo Tricot Saldanha – DEJERS 10.8.2015). (Grifei.)

Afasto, pois, a preliminar.

 

Mérito

Do recebimento de doação proveniente de fonte vedada

No mérito, as contas da agremiação foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, advindos de doações feitas por vereadores: Jairo Vidmar: R$ 300,00; Salete Pinto Cadore: R$ 400,00 e Vando Fabio Dalmas: R$ 300,00 (fl. 84). Tais doações totalizaram R$ 1.000,00 e são equivalentes à 71,43% das receitas do partido no exercício.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
[...]
II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

No conceito de autoridade pública inserem-se os detentores de cargos eletivos, conforme entendimento exarado nos autos da Consulta n. 10998, respondida em 23.9.2015:

Consulta. Indagações quanto à interpretação que deve ser dada ao disposto no art. 12, XII e seu § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/2014, com referência ao conceito de autoridade pública.

1. A vedação prescrita no dispositivo invocado refere-se aos ocupantes de cargos eletivos e cargos em comissão, bem como aos que exercem cargo de chefia e direção na administração pública, na qualidade de funcionários públicos efetivos.

2. A norma abrange os funcionários públicos vinculados aos três Poderes da União.

3. As doações de detentores de mandato eletivo e de ocupantes de cargos de chefia e direção junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, constituem verba oriunda de fonte vedada.

Conhecimento.

(Consulta n. 10998, Acórdão de 23.9.2015, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 176, Data 25.9.2015, Página 3). (Grifei.)

Do corpo do acórdão, lançado pelo Dr. Leonardo Saldanha, acompanhado pela maioria dos membros desta Corte, extraio o seguinte trecho:

Da leitura de suas decisões mais recentes, o TSE consolidou entendimento no sentido de que os agentes políticos estão abrangidos pela vedação prevista no art. 12, inciso XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

A questão foi diretamente enfrentada pelo TSE no Agravo de Instrumento n. 8239, de 25.8.2015, na qual o PSDB de Santa Catarina invocou o art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, e requereu que fosse considerado autoridade somente aqueles que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta, autorizando os que detenham mandato eletivo ou que exerçam cargo de assessoramento.

Na decisão, o Relator, Ministro Henrique Neves, asseverou: ressalto que, conforme assinalei no julgamento do REspe n. 49-30, da minha relatoria, o conceito de autoridade pública deve abranger os agentes políticos e servidores públicos, filiados ou não a partidos políticos, investidos de funções de direção ou chefia (DJE de 28.8.2015).

As doações aqui analisadas são provenientes de agentes políticos, no caso vereadores do município, configurando, desta forma, fonte vedada.

O recorrente menciona que “na época do fato, ano de 2014, existia outro entendimento quanto à matéria, onde inclusive os juízes eleitorais mencionavam em suas sentenças que no mínimo as pessoas militantes do partido, especialmente aqueles detentores de cargos, tinham obrigação de contribuir para a movimentação bancária partidária” (fls. 98-100).

Não se desconhece o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da mudança da jurisprudência em matéria eleitoral, mas desde logo se esclarece que não é esse o caso dos autos.

No caso dos “prefeitos itinerantes”, aquela Corte Superior fixou que o postulado da segurança jurídica é vetor a ser observado na interpretação das regras que afetem o processo eleitoral. Cumpre transcrever trecho específico daquele acórdão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. […]

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada. IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: […] (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: […] (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

(RE 637485, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01.8.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 20.5.2013 PUBLIC 21.5.2013).

Por evidente, a observação do paradigma, fosse o caso, se daria em respeito ao precedente e à segurança jurídica, visto que não está se tratando de interpretação de comando constitucional e que a determinação não é dirigida aos Tribunais Regionais.

Mesmo que fosse, o julgado citado como fundamento para acolher a tese de que agentes políticos não podem efetuar doações para os partidos políticos não configurou “mudança de jurisprudência em matéria eleitoral”, uma vez que, anteriormente à sua publicação, não havia posicionamento majoritário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul sobre tal fonte vedada. Tanto é que o recorrente menciona “outro entendimento”, mas não colaciona ou enumera qualquer decisão que lhe ampare o argumento.

Reconhecida a ilicitude da doação proveniente de agentes políticos, são irrelevantes as considerações do recorrente acerca de não serem os doadores ordenadores de despesas ou de não desempenharem função de chefia ou direção; tampouco o fato de estes exercerem atividades privadas, sendo essa a origem dos recursos doados, e não os subsídios do mandato eletivo.

Confirmando a sentença, tenho como ocorrida a infringência aos dispositivos legais que regulam a matéria – art. 31 da Lei n. 9.096/95 e art. 5º, inc. II da Resolução TSE n. 21.841/04 –, impondo-se a desaprovação das contas.

Correta, portanto, a sentença que julgou desaprovadas as contas, devendo ser mantida a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

No tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, plausível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois ainda que grande percentual das doações seja proveniente de fonte vedada, não houve indícios de má-fé ou propósito de prejudicar a fiscalização exercida por esta Justiça especializada, afigurando-se adequada a pena de suspensão por 3 meses.

Ante o exposto, afasto as preliminares suscitadas e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação da prestação de contas do PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO DE SERAFINA CORRÊA, referente ao exercício financeiro de 2014, bem como a determinação de recolhimento do valor de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional e, de ofício, determino a redução do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 3 meses.