RC - 364 - Sessão: 02/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por RAFAEL MARQUES ASSUMPÇÃO contra decisão da Juíza Eleitoral da 24ª Zona, que condenou o recorrente pelo delito de divulgação de pesquisa fraudulenta, tipificado no art. 33, § 4º da Lei n. 9.504/97, assim descrito na denúncia:

No dia 04 do mês de outubro de 2012, em endereço e horário não esclarecidos nos autos, mas no Município de Itaqui e por meio da rede mundial de computadores - “internet”, o denunciado RAFAEL MARQUES ASSUMPÇÃO divulgou pesquisa eleitoral fraudulenta.

Na ocasião, o denunciado, de posse de um panfleto com dados de uma suposta pesquisa sabidamente fraudulenta, editou imagem obtida da “internet”, incluindo os dados da referida pesquisa e o logotipo de Rádio Gaúcha. Ato contínuo, divulgou a referida imagem contendo a falsa pesquisa por meio de postagem realizada em sua página pessoal do “facebook” na “internet” consumando o delito.

O acusado aceitou a proposta de transação penal, consistente na prestação pecuniária de R$ 724,00, a ser paga em três parcelas de R$ 241,35 (fl. 159), posteriormente revogada em face do inadimplemento da última parcela (fl. 172).

Foi apresentada defesa prévia às fls. 184-186 e, em 30 de março de 2015, recebida a denúncia (fl. 187).

Realizou-se audiência de instrução, ocasião em que foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação, uma pela defesa, e procedido ao interrogatório do réu (fl. 198).

Aditada a inicial para o fim de incluir o corréu Ricardo Howes Carpes no polo passivo, aditamento aceito (fl. 210), o qual apresentou defesa preliminar às fls. 216-225 e documentos às fls. 227-238.

O corréu Ricardo Howes aceitou a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público, tendo adimplido a prestação pecuniária (fl. 257), o que lhe ensejou a extinção da punibilidade.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais (fls. 274-278 e 279-282).

Na sentença, o juízo entendeu provadas a materialidade e a autoria do delito e condenou o réu às penas do art. 33, § 4º da Lei n. 9.504/97, consistente em seis meses de detenção, substituída por multa de 10 dias-multa no valor de 1/30 do salário-mínimo e, ainda, à pena pecuniária de R$ 53.205,00.

Em suas razões recursais (fls. 296-299), o recorrente sustenta que agiu na condição de funcionário, em cumprimento a ordens superiores, para não perder o emprego, o que teria sido confirmado pelas testemunhas Fernando e Verônica. Alega que deixou de adimplir a última parcela da transação penal por falta de recursos financeiros.

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões (fls. 312-319), pugnando pela manutenção da sentença.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 323-325v.).

É o breve relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença em 12 de fevereiro de 2016 (fl. 293) e a irresignação foi interposta no dia 22 do mesmo mês (fl. 296), portanto, dentro do prazo de dez dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

No mérito, Rafael Marques Assumpção foi condenado pela prática de divulgação de pesquisa fraudulenta, em face da edição de imagens, inclusão de dados falsos e, posteriormente, compartilhamento, na rede social Facebook, de pesquisa pretensamente realizada pela Rádio Gaúcha, apontando o candidato ao cargo de prefeito no Município de Itaqui, Ricardo Howes Carpes, como empatado com outro candidato, com 31% de intenção de votos.

Os fatos descritos na denúncia narram a divulgação de pesquisa eleitoral inexistente, adequando-se ao enquadramento típico do art. 33, § 4º, da Lei n. 9.504/97. A respeito deste artigo, transcrevo a lição de Suzana de Camargo Gomes:

Assim, constitui crime a ação de divulgar pesquisa obtida por meios fraudulentos. A fraude, a atingir a pesquisa, pode se revelar das mais variadas formas, podendo ser realizada através do emprego de ardis, artifícios, ou qualquer outro meio que permita dar uma aparência, que permita iludir as pessoas a respeito da consulta eleitoral apresentada. Pode, assim, restar caracterizado o crime, tanto na hipótese de serem alterados dados relativos a uma pesquisa eleitoral, como também na hipótese de, sem ter havido a consulta à opinião pública, ocorrer a divulgação de resultados enganosos, inexistentes. Não importa a forma, o meio, o instrumento empregado, o fundamental para a caracterização do delito é a divulgação de pesquisa que não corresponda à realidade, que não retrate a efetiva opinião manifestada pelas pessoas consultadas (Crimes Eleitorais, 4. ed., 2010, p. 182-183). (Grifei.)

Trata-se, pois, de crime formal, que independe do resultado para a sua consumação, a qual resta configurada no exato momento da divulgação da pretensa pesquisa.

A materialidade do delito encontra-se provada por meio das imagens obtidas das páginas de Ricardo Howes Carpes, Verônica Marques e “PT Itaqui” na rede social Facebook, em que se verificam os dizeres “Pesquisa Eleição Itaqui”, seguida do logotipo da Rádio Gaúcha e dos seguintes dados: 31% Ricardo Carpes; 31% Jarbas Martini e 25% Gil Marques (fls. 14-15).

A autoria do fato, por outro lado, não é negada pelo recorrente, o qual alega excludente de ilicitude, ao argumento de que apenas teria cumprido ordens superiores para não perder o emprego.

Nesse ponto, anoto que, ao contrário do entendimento do juízo sentenciante, não vislumbro confissão por parte do réu, à medida que ele confirmou ter praticado o ato de elaboração do material e divulgação da dita pesquisa, mas afirmou desconhecer o fato de que dita pesquisa não existiu. Em outras palavras, o réu não admitiu a prática do ato ilícito, admitiu a prática de ato , porém alegou pensar que se tratava de pesquisa dentro dos parâmetros legais.

De qualquer sorte, ainda que não confessado pelo réu, todos os elementos de prova que instruem a presente ação penal demonstram que ele sabia se tratar de pesquisa inexistente, não merecendo reparos a sentença condenatória.

Como bem frisou a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, o réu disse, ao ser ouvido perante a autoridade policial, que elaborou o material para publicar no Facebook a partir de um panfleto que teria recebido na frente do Supermercado Baklizi e negou ter recebido orientação do candidato a prefeito Ricardo Carpes para praticar o ato.

Depois, em juízo, mudou a versão, afirmando que Ricardo Carpes lhe forneceu os dados por telefone e encomendou a divulgação da “pesquisa”. Disse, ainda, ter conhecimento acerca da ilicitude da divulgação de pesquisa fraudulenta, mas que de posse dos dados que supostamente lhe foram repassados, copiou o logotipo da Rádio Gaúcha da rede mundial de computadores e, com ele, elaborou o material que depois publicou na sua página na rede social Facebook e compartilhou com outros perfis, como o do PT de Itaqui e de sua irmã Verônica, candidata a vereadora.

Logo, não se mostra crível que, sabendo o recorrente da ilicitude do ato de divulgar pesquisa fraudulenta, se desse o trabalho de montar um material, utilizando logotipo de uma das mais tradicionais emissoras de rádio do Rio Grande do Sul, sem se certificar sobre a veracidade dos fatos.

Ademais, como pontuou a Procuradoria Regional Eleitoral, para que se possa alegar a excludente de culpabilidade é necessária a presença de três requisitos:

1) relação de subordinação de direito público, já que o poder hierárquico – e a consequência que decorre de desobediência a ordem de superior hierárquico – é inerente à administração pública; 2) ordem não manifestamente ilegal; 3) estrita obediência a essa ordem.

No caso concreto, não foi acostada aos autos uma prova sequer da alegada relação de subordinação, a qual, de qualquer modo, ainda dependeria de outros elementos para excluir a culpabilidade do agente.

Das pessoas ouvidas em juízo, apenas Edesson Bonorino Floriano – presidente, à época dos fatos, do Partido dos Trabalhadores de Itaqui – o foi na condição de testemunha, dada a relação de trabalho e de parentesco dos outros dois arrolados. Mencionada testemunha negou enfaticamente que a cúpula do partido tivesse “encomendado” a divulgação da suposta pesquisa a Rafael. Disse mais, que possivelmente ele trabalhava em prol da candidatura da sua irmã, Verônica.

Como se observa, o réu não trouxe aos autos nenhuma prova contundente capaz de elidir a sua responsabilidade pela publicação ilícita por ele elaborada e compartilhada na rede social Facebook. Ao contrário, em juízo, apresentou versão diametralmente oposta àquela prestada no âmbito policial, o que retira a credibilidade das suas alegações, carentes de firmeza e coerência.

A sua irmã Verônica, por sua vez, então candidata a vereadora, chegou a dizer que Ricardo recebeu uma ligação anônima com os dados da pesquisa e teria repassado a Rafael para confecção do material. Ora, quem se prestaria a encomendar um trabalho com base em ligação anônima?

Restando incontroversa a materialidade e provada a autoria delitiva, é de ser confirmada a sentença de primeiro grau que condenou o recorrente pela prática de divulgação de pesquisa fraudulenta, nos termos da jurisprudência, a saber:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. DENÚNCIA REFERENTE AO CRIME PREVISTO ART. 33, § 4º, DA LEI 9.504/1997: "§ 4º A DIVULGAÇÃO DE PESQUISA FRAUDULENTA CONSTITUI CRIME, PUNÍVEL COM DETENÇÃO DE SEIS MESES A UM ANO E MULTA NO VALOR DE CINQUENTA MIL A CEM MIL UFIR". SENTENÇA CONDENATÓRIA. INCONFORMISMO DO DENUNCIADO. PESQUISA NOTADAMENTE FRAUDULENTA. POSTAGEM VIA PERFIL FALSO DE FACEBOOK CRIADO PELO IP DO RÉU. CRIME FORMAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. RECURSO DESPROVIDO.

(RECURSO CRIMINAL nº 117, Acórdão de 27.10.2015, Relator SILMAR FERNANDES, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 05.11.2015.)

A alegação do réu, apenas em sede recursal, de que deixou de adimplir a última parcela da transação penal por ausência de condições financeiras, diferentemente do alegado na defesa prévia, no sentido de que “entendeu que já havia depositado os valores da transação penal”, não lhe socorre nesta fase processual.

Em relação à dosimetria da pena, verifico que a sanção foi aplicada no mínimo legal, consideradas a primariedade do réu, a ausência de agravantes e de causas de aumento e diminuição de pena. Anoto que mereceria reparo unicamente a atenuante considerada pela magistrada, pois, a meu ver, o réu confirmou os fatos, mas não confessou o ilícito, já que alegou desconhecer o caráter fraudulento da suposta pesquisa. Todavia, em face da proibição da reformatio in pejus, deve ser mantida a atenuante. De qualquer sorte, a atenuante não interferiu no resultado da pena, porque fixada no mínimo legal.

Assim, mantenho a pena, nos termos fixados pela r. sentença. Ante o exposto, nego provimento ao recurso para manter a condenação do réu, como incurso no art. 33, § 4°, da Lei n. 9.504/97, impondo-lhe a pena de 6 (seis) meses de detenção substituída por 10 (dez) dias-multa, cumulada com pena pecuniária de 50 mil UFIR'S, equivalente a R$ 53.205,00 no dia da sentença.

Por fim, no tocante ao pedido de execução imediata da condenação, comungo integralmente das considerações tecidas pela Dra. Gisele Anne.

Como é do conhecimento de todos, no dia 17 de fevereiro deste ano o Supremo Tribunal Federal denegou a ordem ao HC 126.292 (publicado no DJE do STF em 17.5.2016), no qual discutia-se a legitimidade de ato do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) que, ao negar provimento a recurso exclusivo da defesa, determinou o imediato início da execução da pena.

No caso que deu origem ao habeas, um indivíduo havia sido condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo qualificado (art. 157, parágrafo 2º, incs. I e II, do CP). A sentença condenatória possibilitou ao réu o direito de recorrer em liberdade. A defesa recorreu ao TJ/SP, que negou provimento ao apelo e determinou a expedição de mandado de prisão contra o demandado. Ao interpor o habeas junto ao STF, a defesa alegou que o Tribunal de São Paulo teria decretado a prisão sem qualquer motivação, constituindo flagrante constrangimento ilegal, visto que o magistrado de primeiro grau permitiu que o réu recorresse em liberdade.

Ao denegar a ordem, o STF entendeu que o início imediato da execução da pena, após a confirmação da sentença condenatória em segundo grau, não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.

O precedente retoma o entendimento anterior do Supremo, modificado em fevereiro de 2009, quando, no julgamento do HC 84.078, de relatoria do então Ministro Eros Grau, a Corte passou a condicionar a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, ressalvando, por óbvio, a possibilidade de prisão preventiva ou temporária, modalidades de prisão cautelar. O HC 84.078 restou assim ementado:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional , o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52] do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque - disse o relator - "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida.

(STF - HC 84.078 MG, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, Data de Julgamento 05.02.2009.)

Ao emitir juízo denegatório à ordem do HC 126.292, o relator do processo, Ministro Teori Zavascki, votou pela mudança do entendimento consolidado a partir do HC 84.078, no que foi seguido pelos Ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. A Ministra Rosa Weber abriu a divergência, defendendo a manutenção da jurisprudência pacificada naquela Corte.

A seguir, os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes acompanharam o relator.

Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio, lamentando a decisão que naquele momento já havia sido tomada pelo Supremo, seguiu a divergência para manter entendimento de que sentença só pode ser executada após o trânsito em julgado da condenação.

Após, acompanharam a divergência os Ministros Celso de Mello, decano da Corte, e Ricardo Lewandowski, atual presidente do Supremo.

Portanto, por maioria de sete votos a quatro, o Pleno retornou ao entendimento anterior daquela Corte, afirmando ser possível a execução imediata da pena aplicada em decisão condenatória confirmada em segunda instância.

E essa é a questão com a qual nos deparamos agora: aplicar (ou não) a recente decisão do STF e determinar a execução imediata da pena.

Pois bem, adianto que me inclino pela não aplicação. Pedindo redobradas vênias à maioria dos ministros e ministras da Suprema Corte, entendo que determinar a imediata execução da pena, antes do trânsito em julgado da persecução criminal, é violar a cláusula constitucional consagradora da presunção de inocência disposta no art. 5º, inc. LVII, de nossa Constituição Federal, o qual preceitua que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Segundo sintetizado no voto do Ministro Teori:

[...] o tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal.

Assim, após muito refletir sobre o tema, entendi por acompanhar a tese que restou vencida no julgamento do HC 126.292.

Em minha compreensão, não podemos afastar o princípio da presunção de inocência, positivado no inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, sob pena de retroagirmos a um sistema de desrespeito dos direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna.

E nesse ponto, compactuo com a inteligência do Ministro Celso de Mello, ao afirmar que:

[...] a Constituição brasileira promulgada em 1988 e destinada a reger uma sociedade fundada em bases genuinamente democráticas é bem o símbolo representativo da antítese ao absolutismo do Estado e à força opressiva do poder, considerado o contexto histórico que justificou, em nosso processo político, a ruptura com paradigmas autocráticos do passado e o banimento, por isso mesmo, no plano das liberdades públicas, de qualquer ensaio autoritário de uma inaceitável hermenêutica de submissão, somente justificável numa perspectiva “ex parte principis”, cujo efeito mais conspícuo, em face daqueles que presumem a culpabilidade do réu, será a virtual (e gravíssima) esterilização de uma das mais expressivas conquistas históricas da cidadania: o direito do indivíduo de jamais ser tratado, pelo Poder Público, como se culpado fosse (HC 126.292).

Ao defender a redação constitucional do princípio da presunção de inocência, o decano da mais alta Corte do nosso Poder Judiciário traz doutrina do eminente Professor Luiz Flávio Gomes, em obra escrita com o Professor Valério de Oliveira Mazzuoli (Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica, vol. 4, p. 85-91, 2008, RT). Assim advertem os notáveis doutrinadores:

O correto é mesmo falar em princípio da presunção de inocência (tal como descrito na Convenção Americana), não em princípio da não-culpabilidade […].

Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8º, 2, da Convenção Americana senão também (em parte) no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado. Tem previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Do princípio da presunção de inocência (‘todo acusado é presumido inocente até que se comprove sua culpabilidade’) emanam duas regras: (a) regra de tratamento e (b) regra probatória. ‘Regra de tratamento’: o acusado não pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5º, LVII).

O acusado, por força da regra que estamos estudando, tem o direito de receber a devida ‘consideração’ bem como o direito de ser tratado como não participante do fato imputado. Como ‘regra de tratamento’, a presunção de inocência impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de reconhecimento da culpabilidade do imputado, seja por situações, práticas, palavras, gestos etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se recolher à prisão para apelar em razão da existência de condenação em primeira instância etc. É contrária à presunção de inocência a exibição de uma pessoa aos meios de comunicação vestida com traje infamante (Corte Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de 18.8.2000, parágrafo 119).

Por esse motivo, o Ministro Celso de Mello entende que:

[...] a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral (HC 126.292).

Ou seja, ninguém pode ser considerado como culpado antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado. E esse tem sido o entendimento pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.

– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que culminem por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. (HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO.)

Aqui, cumpre fazer uma ressalva. A tese vencedora exposta pelo Ministro Teori no julgamento do HC 126.292, embora extremamente bem fundamentada – aliás, como costumam ser os votos daquele eminente julgador –, constitui precedente isolado naquela Corte constitucional. Precedente, diga-se, sem caráter vinculante. Precedente que se constitui em orientação, tal como sugeriu o Ministro Teori em sua manifestação: "Essas são razões suficientes para justificar a proposta de orientação, que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência". Precedente que não constitui súmula vinculante daquela Corte. Lembro que a súmula vinculante, instituída a partir da inclusão do art. 103-A na Constituição Federal por meio da EC 45/04, confere ao STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, a possibilidade de editar verbetes com efeito vinculante que contêm, de forma concisa, a jurisprudência consolidada daquela Corte sobre determinada matéria. A edição, o cancelamento e a revisão de súmulas vinculantes têm de ser aprovadas por, no mínimo, oito ministros do STF, o equivalente a dois terços da composição daquele Tribunal, após manifestação do Procurador-Geral da República. A propósito, ressalto: como acima referido, a edição de súmula vinculante tem que ser aprovada por no mínimo oito dos onze ministros do STF. O resultado da votação do HC 126.292, como já apontado, foi por sete votos a quatro. Assim, na atual composição do Supremo, tendo em vista a posição dos ministros exposta no HC 126.292, não se mostraria viável a edição de súmula vinculante dispondo que a execução provisória de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

Por essas razões, entendo que devemos encarar o precedente com a devida cautela, visto que a numerosa e consolidada jurisprudência da Suprema Corte traz compreensão diversa.

Cabe igualmente registrar que, em minha compreensão, o preceito constitucional disposto no art. 5º, inc. LVII, não permite interpretações.

Segundo o Ministro Marco Aurélio há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual quando o texto for claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção (HC 126.292).

E esse também é o entendimento do Ministro Ricardo Lewandowski (HC 126.292):

Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. Voltando a, talvez, um ultrapassadíssimo preceito da antiga escola da exegese, eu diria que in claris cessat interpretatio. E aqui nós estamos, evidentemente, in claris, e aí não podemos interpretar, data venia.

E no mesmo norte segue a compreensão do Ministro Celso de Mello (HC 126.292):

Veja-se, pois, que esta Corte, no caso em exame, está a expor e a interpretar o sentido da cláusula constitucional consagradora da presunção de inocência, tal como esta se acha definida pela nossa Constituição, cujo art. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), estabelece, de modo inequívoco, que a presunção de inocência somente perderá a sua eficácia e a sua força normativa após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação criminal.

Mais intensa, portanto, no modelo constitucional brasileiro, a proteção à presunção de inocência.

Desse modo, infere-se que a norma disposta no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal é de evidente clareza. Não há, portanto, o que nela ser interpretado.

Vale lembrar que esta foi a intenção do constituinte originário. Intenção baseada em componentes de índole histórica, política e sociológica prevalentes naquele momento pelo qual atravessava o país, ao final da década de 80 do século passado. E não vejo, na época contemporânea, elementos que justifiquem a alteração de tal preceito constitucional.

E nesse ponto, faço minhas as palavras do Ministro Marco Aurélio (HC 126.292):

Reconheço que a Justiça é morosa, que o Estado, em termos de persecução criminal, é moroso. Reconheço, ainda, que, no campo do Direito Penal, o tempo é precioso, e o é para o Estado-acusador e para o próprio acusado, implicando a prescrição da pretensão punitiva, muito embora existam diversos fatores interruptivos do prazo prescricional. Reconheço que a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida.

Portanto, devemos respeitar o princípio da presunção de inocência tal como insculpido na Carta Magna, pois aquela é a redação derivada do constituinte originário. Redação inspirada na realidade de nosso país, e não na experiência vivenciada em nações como a Inglaterra, França ou Estados Unidos.

E atento para a realidade nacional, o Ministro Lewandowski assim mostrou sua perplexidade diante da guinada jurisprudencial da Corte Suprema (HC 126.292):

Eu também, respeitosamente, queria manifestar a minha perplexidade desta guinada da Corte com relação a esta decisão paradigmática, minha perplexidade diante do fato de ela ser tomada logo depois de nós termos assentado, na ADPF 347 e no RE 592.581, que o sistema penitenciário brasileiro está absolutamente falido. E mais, nós afirmamos, e essas são as palavras do eminente Relator naquele caso, que o sistema penitenciário brasileiro se encontra num estado de coisas inconstitucional. Então, agora, nós vamos facilitar a entrada de pessoas neste verdadeiro inferno de Dante, que é o nosso sistema prisional? Ou seja, abrandando esse princípio maior da nossa Carta Magna, uma verdadeira cláusula pétrea. Então isto, com todo o respeito, data venia, me causa a maior estranheza.

Apenas para relembrar, na ADPF 347, interposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o STF decretou o “estado de coisas inconstitucional”, e determinou medidas de intervenção orçamentária e estrutural no sistema prisional pátrio, resultando na exigência de que juízes realizem a audiência de custódia, bem como na liberação da verba do Fundo Penitenciário para a sua finalidade precípua, sem qualquer tipo de contingenciamento. Naquela oportunidade, o Presidente da Corte Ricardo Lewandowski esclareceu que “o estado de coisas inconstitucional […] foi uma medida desenvolvida pela Corte Nacional da Colômbia a qual identificou um quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais a exigir intervenção do Poder Judiciário de caráter estrutural e orçamentário”.

Nesse cenário, cumpre igualmente trazer as considerações do Ministro Lewandowski a respeito do sistema prisional pátrio (HC 216.292):

Eu queria, também, finalizar e dizer o seguinte: eu tenho trazido sempre a esta egrégia Corte alguns números que são muito impressionantes relativos ao nosso sistema prisional, dizendo que nós temos hoje no Brasil a quarta população de presos, em termos mundiais, logo depois dos Estados Unidos, da China e da Rússia, nós temos seiscentos mil presos. Desses seiscentos mil presos, 40%, ou seja, duzentos e quarenta mil presos são presos provisórios. Com essa nossa decisão, ou seja, na medida que nós agora autorizamos, depois de uma decisão de segundo grau, que as pessoas sejam presas, certamente, a esses duzentos e quarenta mil presos provisórios, nós vamos acrescer dezenas ou centenas de milhares de novos presos.

As estatísticas trazidas pelo eminente ministro encontram consonância com levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas, com o objetivo de analisar dados detalhados da quantidade, espécie, origem, resultado e fundamento dos processos de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2006 e 2014.

O objetivo específico da referida pesquisa foi a apresentação de medidas concretas capazes de aperfeiçoar o sistema de prestação jurisdicional, sem que se inviabilize o acesso à jurisdição nem se limitem direitos e garantias fundamentais.

O relatório final do trabalho apresenta propostas com base nos dados coligidos pela equipe de pesquisa e derivam tanto da análise quantitativa como da análise qualitativa (acesso pelo link: http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/relatorio_final_pesquisa_hc_ipea-mj_-_junho_-_2014_-_para_publicacao.pdf).

No mesmo sentido, cabe trazer o alerta registrado pelo Ministro Lewandowski em seu voto na ADPF 144/DF, demonstrando, por meio de dados estatísticos, a importância de aguardar-se o trânsito em julgado da condenação criminal para, em respeito ao princípio da presunção de inocência, determinar a execução da pena. Vejamos:

[...] trago, finalmente, nessa minha breve intervenção, à consideração dos eminentes pares, um dado estatístico, elaborado a partir de informações veiculadas no portal de informações gerenciais da Secretaria de Tecnologia de Informação do Supremo Tribunal Federal [...]. De 2006, ano em que ingressei no Supremo Tribunal Federal, até a presente data, 25,2% dos recursos extraordinários criminais foram providos por esta Corte, e 3,3% providos parcialmente. Somando-se os parcialmente providos com os integralmente providos, teremos o significativo porcentual de 28,5% de recursos. Quer dizer, quase um terço das decisões criminais oriundas das instâncias inferiores foi total ou parcialmente reformado pelo Supremo Tribunal Federal nesse período.

E o alerta é de extrema importância, pois segundo afirmou o ministro, 28,5% dos recursos criminais analisados pelo Supremo foram parcial ou integralmente providos. Ou seja, cerca de um terço das decisões criminais proferidas por instâncias inferiores foram total ou parcialmente reformadas pelo STF.

E é por esse motivo que o Ministro Celso de Mello sustenta que o Supremo Tribunal Federal tem repelido, por incompatíveis com esse direito fundamental (da presunção de inocência), restrições de ordem jurídica somente justificáveis em face da irrecorribilidade de decisões judiciais (HC 126.292).

E, por oportuno, peço vênia para tomar como minhas as palavras de lástima proferidas pelo ilustre decano da nossa mais alta Corte judiciária:

Lamento [...] registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista, revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do Estado.

E ainda que, eminentes colegas, desconsiderássemos o argumento constitucional alicerçado na presunção de inocência, do mesmo modo a execução antecipada da condenação estaria em dissonância com nosso ordenamento positivo. Isto porque a Lei n. 7.210/84, denominada Lei de Execução Penal (LEP), estabelece o trânsito em julgado como pressuposto inarredável de legitimação da execução de sentença condenatória.

Note-se que a regra disposta no art. 105 do referido ordenamento condiciona a execução da pena à ocorrência do trânsito em julgado da decisão penal condenatória:

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. (Grifei.)

No mesmo sentido é a exigência ditada pelo art. 147 da LEP em respeito à execução de penas restritivas de direitos:

Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares. (Grifei.)

Somado a isso, cumpre observar que a decisão tomada pelo STF no HC 126.292, ao menos pelo que se tem notícia, não abordou a (in)constitucionalidade do art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 12.403/11. Tal norma penal assim dispõe:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Grifei.)

À vista disso, conclui-se que tal normativa encontra-se em plena vigência, mostrando consonância com o princípio da presunção de inocência, pois estabelece que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado.

Nota-se que a norma possibilita a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória apenas em duas hipóteses: prisão temporária ou prisão preventiva – e nenhuma destas situações enquadra-se ao caso sob análise.

Infere-se, portanto, que independente do caráter do fundamento jurídico adotado (seja de ordem legal, seja de cunho constitucional), nosso sistema penal inadmite que qualquer pena seja executada (seja ela de prisão, seja restritiva de direitos) sem a existência do título condenatório definitivo, o qual, na minha compreensão, decorre do trânsito em julgado da decisão penal condenatória.

Assim, considero que a execução da sentença penal condenatória, antes de consumado o seu trânsito em julgado, mostra-se evidentemente incompatível com o direito fundamental da presunção de inocência assegurado aos réus pela Constituição da República, em seu art. 5º, inc. LVII, motivo pelo qual entendo improcedente o pedido de execução provisória da pena formulado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

DIANTE DO EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso e ao requerimento de execução imediata do acórdão condenatório.