RE - 5425 - Sessão: 16/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PAULO DA SILVA BORBA - ME contra decisão do Juízo da 73ª Zona Eleitoral, que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a representação por doação para campanha acima do limite ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Inicialmente, aduz preliminares de inépcia da petição inicial e de decadência do interesse de agir do Parquet. No mérito, aponta ter havido erro de natureza formal no preenchimento de recibo, qual seja, a inserção do número do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas da empresa, e que teria tomado providências para a retificação do equívoco. Sustenta não haver óbice para que a doação seja considerada realizada pela pessoa física PAULO DA SILVA BORBA e não pela pessoa jurídica PAULO DA SILVA BORBA – ME.

Com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no DEJERS em 16.2.2016 (fl. 66) e o apelo interposto em 17.2.2016 (fl. 69).

Inépcia da petição inicial

A recorrente entende inepta a peça portal da demanda. Sustenta que a ausência da descrição do valor doado e do percentual extrapolado é circunstância que impede o pleno exercício do direito de defesa, pois carentes dados concretos e específicos. Caracteriza a petição inicial como “modelar e estereotipada”, pouco clara, sem aptidão para demonstrar quais os fatos que autorizariam a produção da consequência jurídica pleiteada.

Sem razão.

A petição inicial foi elaborada de forma a afastar-se das hipóteses de inépcia expostas no art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil vigente.

Isso porque aponta pedido determinado: a procedência de representação por doação acima do limite, da qual decorre logicamente a condenação pretendida; e apresenta causa de pedir próxima calcada nos ditames da Resolução TSE n. 23.406/14, a partir de uma causa de pedir remota, a indicação de um fato - o eventual excesso de doação por parte de PAULO DA SILVA BORBA – ME.

Além, apresenta documentação apta a embasar, ao menos teoricamente, o pedido. Nessa linha, e ao contrário do asseverado pela recorrente, os documentos juntados, especialmente o constante na fl. 06, dão suporte, no mundo dos fatos, à tese esposada. Constam ali o valor doado, o candidato beneficiário, o número do recibo, a empresa doadora. É documento oriundo do sistema da Justiça Eleitoral que, quando cotejado com as declarações de imposto de renda pessoa física e com as informações socioeconômicas da pessoa jurídica (Anexo I), dados fornecidos à Receita Federal pela própria representada e por seu proprietário, sustenta, ao menos em tese, repito, o pedido realizado.

Portanto, a ausência de indicação dos valores doados, de forma expressa, ou a falta do percentual extrapolado não têm o condão de ferir gravemente a peça de representação a ponto de atrair inépcia, até porque decorrem logicamente, via operação aritmética bastante simples, da documentação constante nos autos.

Afasto a preliminar.

Decadência do direito de agir

A parte recorrente alega, ainda, decadência do direito do Ministério Público Eleitoral de representar.

Neste Estado, a diplomação ocorreu em 18.12.2014. Considerando-se que o dia 19.12.2012 foi o primeiro dia do prazo, o termo final do lapso temporal de 180 dias deu-se em 16.6.2013, data da propositura da ação, conforme fl. 2 dos autos.

Assim, a representação foi ajuizada a tempo, no dia derradeiro, não tendo ocorrido a decadência, pois o prazo de 180 (cento e oitenta dias) é expressamente referido no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.398/13, normativo que regulamenta, dentre outros tópicos, as representações previstas na Lei n. 9.504/97:

Art. 22. As representações que visem apurar as hipóteses previstas nos arts. 23, 30-A, 41-A, 73, 74, 75, 77 e 81da Lei nº 9.504/97 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, sem prejuízo da competência regular do Corregedor Eleitoral.

§ 1° As representações de que trata o caput deste artigo poderão ser ajuizadas até a data da diplomação, exceto as do art. 30-A e dos arts. 23 e 81 da Lei n. 9.504/97, que poderão ser propostas, respectivamente, no prazo de 15 (quinze) dias e no de 180 (cento e oitenta) dias a contar da diplomação.

Esse tem sido o posicionamento da Corte Superior, que aliás já aplicava o prazo precedentemente, fundamentada em entendimento jurisprudencial:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. PRAZO DE 180 DIAS. DESNECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE ADSTRITOS AOS LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO ESTABELECIDOS EM LEI. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Especial nº 36.552/SP, decidiu que o prazo para a propositura de representação fundada em doações de campanha acima dos limites legais, por pessoa física ou jurídica, é de 180 dias a partir da diplomação dos eleitos.

2. Basta o desrespeito aos limites objetivamente expressos no dispositivo legal para incorrer na penalidade prevista no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, sendo irrelevante a configuração do abuso de poder econômico ou potencialidade lesiva para influenciar no pleito.

3. Impossibilidade de aplicação de sanção em valor inferior ao mínimo legal. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser levada em consideração para fixação da multa entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 173726 – Araraquara/SP. Acórdão de 02.5.2013. Relatora Min. José Antônio Dias Toffoli. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 108, Data 11.6.2013, Página 66-67.) (Grifei.).

E, nos lindes regionais, o seguinte precedente demonstra idêntica posição também firmada já há algum tempo, com base no Código de Processo Civil então em vigor:

Recurso. Doação acima do limite legal. Art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2010.

Procedência da representação no juízo originário, para aplicar sanção pecuniária ao representado, declará-lo inelegível, bem como proibir sua empresa de participar de licitações públicas e de celebrar contratos pelo prazo de cinco anos.

O termo inicial para ingressar com a representação é o dia imediatamente seguinte à diplomação, ainda que nesse dia não tenha havido expediente cartorário, em razão de dia não útil, de recesso forense ou feriado. Por se tratar de prazo decadencial, a regra insculpida no art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil é cabível tão somente para prorrogar o termo final, caso não haja expediente normal no cartório.

Reforma da sentença, para afastar as penalidades impostas, já que operada a decadência.

Extinção do feito, com apreciação do mérito.

(TRE-RS - RE - Recurso Eleitoral n. 1733 – Cachoeirinha/RS. Acórdão de 13.8.2013. Relatora DR. INGO WOLFGANG SARLET. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 150, Data 15.8.2013, Página 6.) (Grifo nosso.)

Afastada a preliminar.

 

2. Mérito

De início, ressalto que esta Corte tem entendido, sistematicamente, pela aplicação da legislação eleitoral com base no preceito tempus regit actum.

Nessa linha, as modificações trazidas pela Lei n. 13.165/15, a denominada minirreforma eleitoral, ou as discussões acerca das doações eleitorais por pessoas jurídicas não integram questões de julgamento do caso – os fatos serão analisados conforme a legislação vigente à época em que ocorridos.

A representada, condenada em 1º grau por doação eleitoral acima do limite, alega equívoco no preenchimento do recibo eleitoral, verbis, fl. 73:

Com efeito, o candidato a Deputado Federal FABIANO PEREIRA procurou o representante legal da Recorrente, Sr. PAULO DA SILVA BORBA, para fins de obter doação para a sua campanha ao pleito de 2014.

Na ocasião, o representante legal da Recorrente se dispôs à ajudá-lo, dando o telefone de sua esposa para que entrassem em contato e realizassem os procedimentos para a realização da doação.

Ocorre que ao entrar em contato com a esposa do representante legal da Recorrente, o Sr. MARCOS OLIVEIRA SCHNENGLER (um dos responsáveis pela captação de doações do candidato) solicitou o CNPJ do Sr. PAULO DA SILVA BORBA, induzindo ao erro a esposa do mesmo que, sem saber, lhe forneceu os respectivos dados (CNPJ).

Em nenhum momento o representante legal da Recorrente manifestou a vontade de realizar a doação através da empresa, uma vez que não possuía rendimentos para tanto, visto ser uma microempresa. Porém, em razão deste fato, o Sr. MARCOS OLIVEIRA SCHNENGLER repassou as informações para a Sra. JUCEMAR IRUME, que confeccionava os recibos eleitorais, que acabou formalizando a doação no CNPJ da Recorrente de forma inadvertida.

[…] (Grifos no original.)

O recurso não merece provimento.

De início, a versão apresentada é da ocorrência de descuido e, embora verossímil, sem comprovação nos autos. Não houve, por exemplo, a apresentação de documento que demonstrasse uma iniciativa da representada em reverter o engano cometido, de forma que o relato perde força na medida em que, após realizada uma doação para campanha eleitoral, a emissão do respectivo recibo fornece todos os dados da operação realizada, inclusive ao doador.

Ou seja: a prova colhida define que a doação ocorreu via pessoa jurídica.

Ainda assim, e conforme bem apontado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, muito embora a doação tenha sido formalizada por PAULO DA SILVA BORBA – ME, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é de que, em se tratando de microempreendedor individual, deve ser considerado o percentual de 10% (dez por cento) do somatório dos rendimentos auferidos pela pessoa jurídica e pela pessoa física para seja aferido o limite legal de doação eleitoral – vide o Recurso Especial Eleitoral n. 487-81, Relatora Ministra Luciana Lóssio, DJE de 16.8.2014, p. 128, e o Recurso Especial Eleitoral n. 33379, Relator Ministro Henrique Neves, DJE de 13.5.2014, pp. 66-67.

Aliás, procedimento adotado na sentença, fl. 64v.

Friso que esta própria Corte Regional, em decisão unânime de 22.11.2012, julgou a mesma questão no RE 76-55, da relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, em razão da conceituação de empresário individual que passou a ser adotada desde então:

[...]

Tratando-se de empresária, é pessoa que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”, nos termos do art. 966 do Código Civil. Como se vê, a sua qualificação como empresária define apenas a natureza de sua ocupação, não havendo que se falar em aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física tão somente pelo exercício de tal atividade, tanto que a figura do “empresário” não está elencada como pessoa jurídica no rol do art. 44 do Código Civil:

art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

Diante disso, impõe-se a consideração inicial de que, na verdade, a representada é uma só, eis que, como assinala RUBENS REQUIÃO,

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda” (Curso de Direito Comercial, 1º vol., 14ª ed., pág. 64).

[…]

No caso, houve a doação de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais) pelo empresário individual Paulo da Silva Borba ao então candidato FABIANO PEREIRA.

O total de rendimentos do doador, no valor de R$ 28.136,00 (fl. 50), facultava a doação de, no máximo, R$ 2.813,60 (dois mil, oitocentos e treze reais com sessenta centavos), de forma que o excesso restou configurado, alcançando o montante de R$ 14.186,40 (quatorze mil, cento e oitenta e seis reais com quarenta centavos).

A multa aplicada pelo juízo a quo, de R$ 70.932,00 (setenta mil, novecentos e trinta e dois reais), reflete, portanto, o patamar mínimo de sanção previsto legalmente para a irregularidade, conforme o art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, e é de ser mantida em seus exatos termos.

Ante o exposto, VOTO por afastar as preliminares e negar provimento ao recurso.