RE - 2165 - Sessão: 04/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA, em representação por doação acima do limite ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral junto à 160ª Zona Eleitoral – Porto Alegre (fls. 56-66), a qual o magistrado julgou procedente para o fim de condenar o representado ao pagamento de multa no valor de R$ 7.637,95 (sete mil seiscentos e trinta e sete reais e noventa e cinco centavos), correspondente a cinco vezes o valor doado em excesso, este quantificado em R$ 1.527,59 (um mil quinhentos e vinte e sete reais e cinquenta e nove centavos) (fls. 50-51).

Na peça de insurgência, o doador, essencialmente, repisou os argumentos trazidos em sede defensiva. Assim, reiterou a preliminar de cerceamento de defesa, alegando que “sequer lhe foi dado vista da irregularidade, bem como não lhe fora oportunizada a defesa em tal situação”.

Quanto ao mérito, repetiu a tese de que a doação, no valor total de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), efetuada em favor da candidatura Tarso Fernando Herz Genro no pleito de 2014, foi, na verdade, realizada conjuntamente por ele e por sua companheira Eveline Parpinelli. O recorrente teria apenas realizado a transferência bancária do valor integral. Dessa forma, segundo aduziu, teria arcado com a proporção de 50% (cinquenta por cento) do montante, ou seja, cada um dos conviventes teria adimplido uma cota de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais).

Após as contrarrazões (fls. 69-72), nesta instância, os autos foram com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 82-85v).

Acompanham os autos documentos sigilosos, envelopados e armazenados na forma de “Anexo 1”.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A intimação do recorrente ocorreu em 28.3.2016, mediante publicação no DEJERS, e o recurso aportou em cartório na mesma data, dentro, portanto, do tríduo legal (fls. 54 e 56).

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

 

Preliminar de cerceamento de defesa

O recorrente requereu a declaração de nulidade do feito, aduzindo ter-lhe sido cerceado o direito de defesa quando da instauração do procedimento que originou a representação.

Não vejo razão nas alegações do recorrente.

No ponto, lanço mão da sentença exarada pelo magistrado de piso (fl. 50v.):

[…] Primeiramente sustenta com cerceamento de defesa, mas se refere a fase inquisitiva, a qual, como se sabe, não contamina a fase judicial, onde, destarte, o representado foi citado pessoalmente e esboçou defesa, mas, por outro lado, não juntou prova documental nenhuma.

Cabe reproduzir jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, colacionada pelo parquet em seu parecer (fl. 83v.):

ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 23 DA LEI Nº 9.504/1997. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ILICITUDE DA PROVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. O Ministério Público Eleitoral pode solicitar à Receita Federal a relação de doadores que excederam o limite legal para, posteriormente, requerer a quebra do sigilo fiscal ao juízo competente, como ocorreu no caso concreto. Na linha da jurisprudência do TSE, “o acesso, pelo Órgão Ministerial, tão somente à relação dos doadores que excederam os limites legais, mediante o convênio firmado pelo TSE com a Receita Federal, não consubstancia quebra ilícita de sigilo fiscal” (ED-AgR-AI nº 57-79/PR, rel. Min. Luciana Lóssio, julgados em 24.4.2014). 2. Agravo regimental desprovido.

(TSE - AgR-REspe 26375 CE, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 19.5.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 156, Data 18.8.2015, Página 121).

Verifico que a representação, por parte do Ministério Público Eleitoral, foi instruída com todos os documentos necessários, tendo sido deferido judicialmente o acesso ao sigilo fiscal do recorrente (fl. 16 e verso). E, porquanto constatado devido andamento processual, não vislumbro a alegada ofensa aos princípios do contraditório ou da ampla defesa.

Assim afasto a preliminar, passando ao julgamento do mérito.

Destaco.

 

Mérito

Cuida-se de recurso interposto por FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA contra sentença proferida pelo Juízo da 160ª Zona Eleitoral, o qual julgou procedente a representação por doação acima do limite legal, proferindo condenação ao pagamento de multa de R$ 7.637,95 (sete mil seiscentos e trinta e sete reais e noventa e cinco centavos) – correspondente a cinco vezes o valor que teria excedido o limite permitido para doação.

Veja-se o teor da Lei n. 9.504/97:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

[...]

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

No presente caso, resta incontroverso que o recorrente FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA efetuou doação de campanha em favor do candidato Tarso Genro, no pleito de 2014. Contudo, o cerne da contenda reside no montante doado e no total de rendimentos brutos auferidos no exercício anterior ao ano da eleição, o que, conforme o patamar em que ocorra, pode inquinar a doação de irregularidade, visto que o permissivo legal para doação é fixado em 10% (dez por cento) do valor dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no exercício anterior ao pleito.

O Ministério Público Eleitoral fundou a denúncia no valor de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais) e considerou os rendimentos brutos auferidos pelo recorrente no ano base de 2013 como sendo aquele declarado junto à Receita Federal no IRPF (Anexo 1), qual seja, R$ 32.724,11 (trinta e dois mil setecentos e vinte e quatro reais e onze centavos). Assim, o valor de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), por exceder em R$ 1.527,59 (um mil quinhentos e vinte e sete reais e cinquenta e nove centavos) o limite máximo de R$ 3.272,41 (três mil duzentos e setenta e dois reais e quarenta e um centavos), seria irregular.

O recorrente, por sua vez, alegou ter realizado somente a transferência bancária do valor integral. No entanto, segundo afirmou, teria arcado com a proporção de 50% (cinquenta por cento) do montante, ou seja, teria doado apenas R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), sendo que a outra metade teria corrido às expensas de doadora diversa – sua companheira Eveline Parpinelli. Assim, sua doação seria regular, posto que o valor alegado não feriria o máximo legal. Ademais, considerando sua união estável, a fim de ser estabelecida a base de cálculo para o percentual legal, deveriam ser somados os rendimentos brutos de ambos os conviventes, o que faria com que o valor total doado se inserisse no limite permitido pela legislação.

A hipótese de doação conjunta ventilada pelo recorrente encontra, em tese, amparo jurídico. Esta Corte já definiu o entendimento acerca da possibilidade de considerar a soma dos rendimentos de ambos os cônjuges com a finalidade de ser estabelecido o limite legal para a doação, no regime de comunhão parcial de bens:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Comunhão parcial de bens. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Preliminares afastadas. Não vislumbrado o alegado descumprimento de prazos prescricionais e, tampouco, cerceamento de defesa. Os rendimentos auferidos por ambos os cônjuges, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos comuns e devem ser considerados para o estabelecimento do limite legal para a doação para campanha eleitoral. Doação realizada dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior ao pleito. Reforma da sentença. Provimento.

(TRE-RS, RE n. 21-51, Rel. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA – DEJERS 5.5.2016). (Grifei.)

O Código Civil, por sua vez, em seu art. 1.725, afirma que, salvo estipulação em contrato, na união estável, aplicam-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

In casu, tenho que não há meios de se aplicar tal entendimento, razão pela qual o recurso não tem como prosperar.

Analisando as declarações de rendimentos anuais efetuadas por FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA e por sua alegada companheira junto à Receita Federal (documentos componentes do Anexo 1), observo que o recorrente, no ano base de 2014, lançou em seu nome o valor integral da doação mencionada. Observo, ainda, que com relação à Eveline Parpinelli, apenas a declaração referente ao exercício de 2013 foi acostada, razão pela qual não se pode apurar se ela chegou e efetuar qualquer lançamento que pudesse corroborar a tese da doação conjunta.

Para além disso, verifico que na prestação de contas do candidato favorecido, consoante documento acostado na fl. 7, apenas o nome do recorrente foi consignado como doador do valor total. Verifico, também, que o recibo eleitoral de n. 000130300000RS000998 foi unicamente em seu nome consignado.

Quanto ao ponto, asseverou o recorrente, nas razões de insurgência, que o lançamento no IRPF se deu a título de declaração retificadora, pois, originalmente, não havia feito a consignação do valor atinente. Aduziu, também, que tal registro não foi procedido de forma a espelhar o que se deu de fato (doação efetiva de apenas 50% do total inserido na declaração), mas de modo distinto da realidade a fim de “evitar maiores problemas com a Receita Federal”, em razão de o montante de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais) haver saído integralmente da sua conta-corrente (fl. 57).

Em que pese tal argumentação, pelo conjunto probatório acostado, o que se tem é a doação do valor total efetuada exclusivamente pelo recorrente. Para afastar a irregularidade da conduta e colocar-se ao abrigado da exceção da doação conjunta, somando seus rendimentos brutos ao de Eveline Parpinelli, incumbiria a FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA comprovar, suficientemente, a alegada união estável com a qual se quer escudar.

Compulsando os autos, verifico não haver provas que permitam constatar a efetiva existência da referida união, motivo pelo qual não é possível, na linha do entendimento jurisprudencial desta Casa, permitir a pretendida soma dos rendimentos brutos para a verificação do limite legal de doação à campanha eleitoral.

No mesmo sentido, é o entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, de cujo parecer transcrevo o seguinte excerto (fl. 85):

Inicialmente, importante frisar que o Recorrente furtou-se a juntar qualquer documento capaz de comprovar que a doação teria sido efetuada por ele e sua companheira, bem como o regime de bens adotado na união estável que alega manter com Eveline Parpinelli, o que se faz necessário para considerar o somatório de rendimentos. Salienta-se que sequer há comprovação nos autos da união estável.

Assim, por todos os argumentos acima delineados, a negativa de provimento ao recurso, com a confirmação da sentença na sua integralidade, é medida que se impõe.

 

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por FAUSTO DAGO OLTRAMARI MANICA, ao efeito de manter o valor da multa imposta de R$ 7.637,95 (sete mil, seiscentos e trinta e sete reais e noventa e cinco centavos).