RE - 1046 - Sessão: 22/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES de Arroio Grande contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014, em virtude do recebimento de doação de fonte vedada (autoridade pública). O juízo eleitoral determinou o recolhimento de R$ 1.310,00 ao Fundo Partidário e a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses (fls. 105-108).

O partido recorre, arguindo a legalidade e a legitimidade da doação. Argumenta que a Resolução TSE n. 24.432/14 não deveria ter sido utilizada no presente caso, porque sua aplicação deveria se dar somente a partir de 2015. Quanto à doação feita pelo Superintendente da Região Sul da CORSAN, refere que, como a empresa é uma Sociedade de Economia Mista, não haveria impedimento para que o servidor realizasse a doação. Ao final, sustenta que o cargo de Superintendente da Região Sul não pode ser enquadrado como “autoridade pública” para o efeito de vedar a doação ao partido político (fls. 111-113).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina, preliminarmente, pela anulação da sentença e, no mérito, pela manutenção da desaprovação das contas, bem como pelo repasse ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.310,00, oriundos de fonte vedada, e pela suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de 1 ano (fls. 121-131v.).

É o sucinto relatório.
 

VOTO

I. Preliminares

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada em 10.03.2016 (fl. 109), quinta-feira, e o recurso interposto em 11.03.2016 (fls. 111-113), sexta-feira, ou seja, dentro do tríduo legal.

Igualmente presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Preliminar de ausência de citação dos responsáveis partidários suscitada pelo Ministério Público Eleitoral

Em razão da ausência dos dirigentes partidários no processo, o Procurador Regional Eleitoral requereu a declaração da nulidade da sentença, com a remessa dos autos ao juízo originário para que sejam citados os responsáveis partidários, no caso, o presidente e o tesoureiro da agremiação (fls. 121-131v.).

Ocorre que esta Corte já sedimentou posição no sentido de que as regras que versam sobre a responsabilização solidária dos dirigentes possuem cunho material, devendo ser aplicadas apenas às prestações de contas relativas ao ano de 2015 e seguintes.

Nesse sentido, o julgamento do Agravo Regimental na PC n. 79-63, de 06.08.2015, referente ao exercício do ano de 2014, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha. Nesse precedente, esta Corte assentou que as alterações da Resolução TSE n. 23.432/14 acerca da responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos é matéria que diz respeito ao direito material e não ao direito processual, conforme ementa colacionada a seguir:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos diz respeito ao direito material, e não ao direito processual. Cabe aos responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido responder, na esfera cível, por improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário. São passíveis, igualmente, de responder na seara criminal por ofensa à fé pública eleitoral. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS – Agravo Regimental 7963 – Rel. Dr. Leonardo Tricot Saldanha – DEJERS 10.08.2015.) (Grifo nosso.)

Dessa forma, afasto a prefacial suscitada, mantendo no feito apenas a agremiação partidária.

3. Preliminar de não aplicação da Resolução TSE n. 24.432/14 suscitada pelo partido

Em seu recurso, o PARTIDO DOS TRABALHADORES de Arroio Grande pleiteia a reforma da sentença de primeiro grau, por entender que a Resolução TSE n. 24.432/14 não deveria ter sido utilizada no presente caso. Argumenta que a referida Resolução somente poderia ser aplicada às prestações de contas do ano 2015 e seguintes.

De fato, a prestação de contas refere-se ao exercício financeiro de 2014. No entanto, compulsando os autos, verifica-se que a referida prestação de contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES foi apresentada no cartório da 92ª Zona Eleitoral em 14.7.2015 (fls. 13-44), quando já vigente a Resolução TSE 23.432/14, a qual foi editada para disciplinar a contabilidade partidária. E, de acordo com dispositivo nela previsto, as normas processuais devem ser aplicadas imediatamente aos feitos ainda não julgados.

Reproduzo o artigo em comento:

Art. 67. As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015.

§ 1º As disposições processuais previstas nesta Resolução serão aplicadas aos processos de prestação de contas relativos aos exercícios de 2009 e seguintes que ainda não tenham sido julgados.

Portanto, sem razão o partido, pois aplicam-se à presente prestação de contas o rito e as disposições processuais da Resolução TSE 23.432/14, restando as de mérito reguladas pela Resolução 21.841/04 do TSE.

Afasto a preliminar.

II. Mérito

As contas da agremiação foram desaprovadas em razão do recebimento de recurso de fonte vedada, advindas de doação feita pelo Superintendente da Região Sul da CORSAN, Sr. Ricardo Freitas da Silva, no valor de R$ 1.310,00, ao PARTIDO DOS TRABALHADORES de Arroio Grande.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE na Resolução n. 22.585/2007, editada em razão da resposta à Consulta 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

(...)

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

(…)

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão para desigualar os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma, que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

No presente caso, conforme referido anteriormente, a doação foi feita por eleitor considerado autoridade pública, servidor da administração indireta, o que configura recebimento de valor de fonte vedada.

Inicialmente, restou consignado que o montante recebido indevidamente pelo partido era de R$ 1.505,12 (fl. 22). Todavia, consoante parecer conclusivo e planilhas de fls. 72-79, o valor foi ajustado para R$ 1.310,00, o que representa, aproximadamente, 32,30% do total arrecadado pelo partido.

E, tendo ocorrido a infringência aos dispositivos legais que regulam a matéria, - art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 e art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04 – impõe-se a desaprovação das contas.

Correta, portanto, a sentença que julgou desaprovadas as contas e determinou a suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário por três meses.

Entretanto, quanto à sanção de recolhimento do valor de R$ 1.310,00, ao Fundo Partidário, determinado pelo juízo sentenciante, corrijo o destino para o Tesouro Nacional, conforme dispõe o art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Esse é o entendimento que tem sido adotado por este Regional, conforme precedente referido a seguir:

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Verificada a existência de recursos de origem não identificada, bem como de arrecadações oriundas de fontes vedadas, realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, na condição de autoridades e desempenhando funções de direção ou chefia. No caso, Chefe de Gabinete, Coordenador-Geral e Diretor. Nova orientação do TSE no sentido de que tais verbas - de origem não identificada e de fontes vedadas - devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15. Aplicação dos parâmetros da razoabilidade para fixar a sanção do prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em um mês. Desaprovação.

(TRE/RS, Prestação de Contas n. 7242, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, Publicação DEJERS, tomo 79, data 06.05.2016, pág. 03.)

Ante o exposto, afasto as preliminares suscitadas e VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação da prestação de contas do PARTIDO DOS TRABALHADORES de Arroio Grande, referente ao exercício financeiro de 2014, e a determinação da suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário por três meses, bem como, DE OFÍCIO, determino que o recolhimento do valor de R$ 1.310,00 seja feito ao Tesouro Nacional.