RE - 1514 - Sessão: 09/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB de Boa Vista do Buricá-RS contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2013, em virtude da arrecadação e gastos de recursos sem trânsito pela conta bancária, determinando a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

Em sua irresignação (fls. 44-48), o recorrente pleiteia a reforma da decisão e alega excesso de rigor na aplicação da sanção. Esclarece que se trata de “diretório municipal pequeno, pertencente a um pequeno município do interior do Estado, ou seja, de pequena expressividade no cenário político estadual, que não recebeu recursos do fundo partidário”.

Refere a natureza e a menor gravidade da falha e requer a reforma da sentença para aprovar, com ou sem ressalvas, a prestação de contas. Alternativamente, postula a redução do prazo da sanção aplicada.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que arguiu a nulidade por ausência de citação dos dirigentes do partido para comporem o polo passivo e da entidade partidária após o parecer técnico conclusivo e, no mérito, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 51-61).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 11 de março de 2016 (sexta-feira, conforme o próprio recorrente pontua) e o recurso interposto no dia 16 do mesmo mês (quarta-feira, fls. 44-48), dentro do prazo previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

 

Preliminares

1. Da nulidade por ausência de citação dos dirigentes do partido

Inicialmente, abordo a questão suscitada pelo d. Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer, relativa à nulidade da sentença por ausência da inclusão dos dirigentes partidários no polo passivo.

Fundamentalmente, o Parquet Eleitoral sustenta que (fls. 51-61):

[…] Sendo assim, considerando que as disposições processuais da Resolução TSE nº 23.432/14 tiveram aplicação imediata e vigência durante o ano de 2015 e que a nova resolução manteve o regramento acerca da citação dos dirigentes partidários, deve ser adotado o novo procedimento.

Importante salientar que a citação dos dirigentes da agremiação para comporem o polo passivo não caracteriza uma sanção, mas, ao contrário, traduz os direitos à ampla defesa e ao contraditório. Direitos esses que devem ser assegurados, inclusive, sob pena de eventual futura alegação de nulidade.

Por fim, vale ressaltar que a nova Resolução apenas criou a possibilidade de os dirigentes se defenderem, não cabendo se falar em alteração do julgamento de mérito pela adoção das novas disposições atinentes à intimação do presidente e do tesoureiro do partido, tendo em vista que a Lei n.º 9.096/95 já previa, em seu art. 37, a possibilidade de responsabilização dos dirigentes pela falta de prestação de contas ou pelas irregularidades constatadas na escrituração e na prestação de contas:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

Igualmente, o §2º, do art. 20 da Resolução 21.841/2004 já dispunha que “No processo de prestação de contas podem os ex-dirigentes que tenham respondido pela gestão dos recursos do órgão partidário no período relativo às contas em exame, a critério do juiz ou do relator, ser intimados para os fins previstos no § 1º”, ou seja, para o complemento de informações ou saneamento de irregularidades. No mesmo sentido, são os artigos 18, 28, III, e 33 da Resolução TSE nº 21.841/2004.

Contudo, esta Corte tem precedente no sentido de que os dirigentes não devem integrar a demanda em casos como o que ora se analisa.

Sedimentada a posição de que as regras que versam sobre a responsabilização solidária dos dirigentes possuem cunho material, devendo ser aplicadas apenas às prestações de contas relativas ao ano de 2015 e seguintes.

Nesse sentido, no julgamento do Agravo Regimental na PC n. 79-63, em 06.8.2015, referente ao exercício do ano de 2014, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, esta Corte assentou que a Resolução TSE n. 23.432/14 alterou a forma de responsabilização dos dirigentes partidários, circunstância que dispõe sobre o mérito:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos diz respeito ao direito material, e não ao direito processual.

Cabe aos responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido responder, na esfera cível, por improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário. São passíveis, igualmente, de responder na seara criminal por ofensa à fé pública eleitoral.

Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(Ag. Reg. na PC n. 79-63, publicação em 10.8.2015, Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS n. 144, Pág. 3.)

 

Afasto, pois, esta preliminar.

 

2. Da nulidade por ausência de citação do partido em face do parecer conclusivo pela desaprovação das contas

O art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14, cuja redação foi reproduzida na Resolução TSE n. 23.464/15, determina que “havendo impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela Unidade Técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, o Juiz ou Relator determinará a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa no prazo de quinze dias e requeiram, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo”.

Com base nesse dispositivo, a Procuradoria Regional Eleitoral postulou a anulação da sentença e o retorno dos autos ao juízo eleitoral.

Cumpre referir que as mencionadas resoluções disciplinaram o rito do processo de prestação de contas, prevendo duas fases distintas no procedimento de apreciação: a primeira etapa inicia-se com a apresentação das contas e encerra-se com a emissão de parecer conclusivo; já a segunda, inicia-se após o referido parecer, com a citação da agremiação, encerrando-se com a apresentação de alegações finais.

Destaque-se, entretanto, que esta segunda fase pode ser definida como eventual, pois somente deve ser observada caso haja “impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela Unidade Técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral”.

Na hipótese, é possível observar que o Relatório Conclusivo do Exame das Contas (fl. 32) apenas reiterou os pontos do Relatório para Expedição de Diligências (fl. 27), não trazendo elementos novos que pudessem surpreender o partido.

Vejamos: na fl. 27 são solicitados extratos bancários de todo o exercício 2013 e esclarecimentos sobre a manutenção de escrituração contábil (em relação à identificação de origem de receitas e destinação de despesas), sobre recurso sem identificação de doador (R$ 96,00), sobre recebimento de bens e serviços estimáveis em dinheiro e sobre o custeio de manutenção e funcionamento do partido.

Intimada a organização partidária para se manifestar no prazo de 20 dias, apenas houve esclarecimento acerca da quantia não identificada (fls. 29-31).

Elaborado então o Relatório Conclusivo, foram apontadas falhas que comprometeriam a regularidade das contas: a não apresentação dos extratos bancários de todo o período; a existência de registros contábeis com ausência de lançamentos; a falta de trânsito de valores pela conta corrente (R$ 96,00); e a ausência de dados sobre os recursos (eventualmente estimáveis em dinheiro) que tenham financiado a manutenção e funcionamento do partido.

Sobre essas constatações, foi aberto prazo de 72 horas para manifestação (fl. 33), que transcorreu in albis.

A finalidade do artigo invocado pelo Ministério Público como ensejador de eventual nulidade é evitar que o partido político seja surpreendido por nova análise, a qual não tenha tido oportunidade de impugnar.

Não é o caso dos autos. Aqui, as considerações do Relatório Conclusivo do Exame das Contas são decorrência lógica dos apontamentos do Relatório para Expedição de Diligências. Os pontos do primeiro relatório sobre os quais o PTB se omitiu foram considerados irregularidades no segundo, e a própria agremiação relatou a existência de valor “que não possui identificação da origem […] refere-se a um pagamento efetuado diretamente pelo Sr. Darci Cacildo Classmann […] sem transitar pela conta bancária, para quitar despesa de serviço técnico contábil pela elaboração de procuração eletrônica do partido” (fl. 30).

Nenhum elemento que pudesse ensejar a necessidade de uma nova citação para estabelecimento de contraditório qualificado foi trazido aos autos .

Neste caso em especial, a agremiação sequer poderia alegar desídia do advogado em diligenciar junto ao outorgante do mandato para o esclarecimento de eventuais apontamentos, já que o presidente do partido é o próprio causídico (fl. 23).

Assim, por não vislumbrar qualquer ofensa ao contraditório, afasto também essa nulidade suscitada pelo Ministério Público.

 

Mérito

O Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Boa Vista do Buricá apresentou tempestivamente a prestação de contas relativa ao exercício de 2013, juntando balanço patrimonial, demonstrativos, parecer, indicação da conta bancária, balancete e extrato bancário.

Em vista do Relatório para Expedição de Diligências (fl. 27 e verso), no qual constaram os apontamentos já aqui relacionados, a agremiação juntou documento (fl. 30) onde consta que “o valor de R$ 96,00 que não possui identificação da origem […] refere-se a um pagamento efetuado diretamente pelo Sr. Darci Cacildo Classmann […] sem transitar pela conta bancária, para quitar despesa de serviço técnico contábil pela elaboração de procuração eletrônica do partido” e colacionou recibo (fl. 31).

A manifestação técnica que sobreveio concluiu pela desaprovação das contas, apontando que todos os recursos deveriam ter circulado pela conta corrente e que o pagamento das despesas deveria ter observado o que preceitua a legislação, além de anotar a necessidade de movimentação financeira que a manutenção de um partido político atuante demandaria.

Oportunizada manifestação sobre tal relatório, o partido manteve-se inerte (fl. 34).

De fato, se analisado apenas o valor das irregularidades, poder-se-ia admitir a aplicação da tese suscitada, com a consequente aprovação das contas, com ressalvas.

Entretanto, consoante reiterada jurisprudência desta Corte, há de se verificar não só o valor das falhas, como também a natureza delas, ou seja, se foram suficientes para macular a transparência e lisura das contas.

No caso aqui analisado, tenho que as inconsistências evidenciadas são graves e violaram os mais basilares princípios que devem nortear a prestação de contas, pois a agremiação deixou de emitir recibo de doação e efetuou pagamento sem trânsito de recursos pela conta bancária, em afronta às disposições legais.

A confiabilidade das contas restou comprometida e, de forma a ilustrar o posicionamento desta Corte acerca de irregularidades dessa natureza, menciono o precedente que segue:

Recurso. Prestação de contas. Partido Político. Diretório Municipal. Exercício financeiro de 2013.

Existência de recursos sem o trânsito pela conta bancária do partido, ausência de destinação específica a sobras de campanhas e concessão de empréstimos sem a apresentação da documentação relativa à operação financeira.

Irregularidades que comprometem o controle e a confiabilidade das contas. A prestação deve refletir a real movimentação financeira e patrimonial da agremiação, sendo obrigatório o acompanhamento de peças e documentos necessários à apreciação da contabilidade pela Justiça Eleitoral.

Aplicação do art. 24, III, "a", "b" e "c" da Resolução TSE n. 21.841/04, c/c o art. 37 da Lei n. 9.096/95. Suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de seis meses.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 1278, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 02.)

Assim, as contas merecem ser desaprovadas, com fixação de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário de forma proporcional, nos termos do § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, ressaltando-se que este Colegiado firmou entendimento pela não aplicação da Lei n. 13.165/15, que instituiu a Reforma Eleitoral, aos processos em tramitação antes da sua vigência, considerando válido o dispositivo legal no texto anterior.

A fixação do período da sanção de suspensão do Fundo Partidário deve atentar para as particularidades do caso concreto e observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais devem balizar a sua dosimetria.

Nesse sentido, sopesando a natureza, a gravidade e o valor das falhas, a tempestividade da entrega das contas à Justiça Eleitoral e a conduta do partido durante a instrução do processo, considero proporcional e razoável determinar a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) mês, em conformidade com o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para readequar o prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para o período de um mês.