E.Dcl. - 579 - Sessão: 31/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

MILTON JOSÉ MENUSI opõe embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, em face do acórdão deste Tribunal que, por unanimidade, desproveu o recurso criminal interposto contra sentença que o condenou à pena de 1 (um) ano de reclusão e 5 dias-multa, à razão de um salário-mínimo nacional por dia, substituída a restritiva de liberdade por prestação pecuniária, entendendo comprovada a prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

Sustenta que a decisão é omissa no pertinente à atipicidade delitiva, pois não foi comprovado que o valor foi entregue à eleitora com o intuito de obter seu voto, uma vez ter se tratado de um empréstimo. Alega haver omissão, obscuridade e contradição no aresto em relação à prova coligida nos autos, pois o conjunto probatório é comprometido com questões partidárias e não pode embasar uma condenação criminal. Aponta a existência de omissão quanto aos elementos fáticos que comprovam a armação pela oposição, assim como em relação ao fato de o PPS não ter apoiado a candidatura do embargante, mas sim a de seu adversário político. Assinala omissão no exame dos argumentos delineados para amparar o pedido de redução do valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade, que teria sido fixada em patamar desproporcional. Tece considerações sobre a prova testemunhal. Invoca o art. 1.022 do CPC e o art. 275 do Código Eleitoral. Requer o aclaramento do acórdão e a atribuição de efeitos infringentes (fls. 635-651).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, em tese caracterizadores de omissão, obscuridade e contradição, foram objeto de manifestação expressa no acórdão embargado, decisão que julgou o feito contrariamente à pretensão do ora embargante, uma vez ter sido mantida a sentença condenatória.

A decisão enfrentou especificamente a alegação de flagrante armado, concluindo: “não foi o cometimento do crime o que foi preparado, mas sim a gravação da sua prática, para fins de prova. Essa situação é legítima e está ao abrigo da lei”.

Também há expressa manifestação sobre a conclusão pela entrega do dinheiro em troca do voto, restando consignado que o embargante “levou a quantia de R$ 1.000,00, dinheiro que foi manifestamente entregue com o objetivo de conquistar o seu voto e o seu apoio eleitoral”.

Além disso, a tese defensiva sobre o alegado empréstimo foi considerada e afastada, merecendo transcrição os dois principais pontos em que há direta menção: “Não há nos autos elemento algum a indicar que, nos fatos analisados, Milton estava negociando com Maria um empréstimo de dinheiro” e, “Embora a referência de que Milton, em algumas oportunidades, tenha emprestado dinheiro a Maria, ou 'trocado cheques', toda a prova colhida não deixa dúvidas de que Milton almejava o voto de Maria e o seu apoio político para formação da coligação”.

A insurgência quanto à valoração da prova e, pontualmente, à alegação de o PPS não ter apoiado a candidatura do embargante, trata-se de inconformismo contra a conclusão da Corte, matéria que deve ser invocada no respectivo recurso dirigido à instância superior, pois na via estreita dos embargos não há como ser realizado um novo julgamento.

Relativamente ao caderno probatório, a Corte concluiu que “A prova colhida durante a instrução conduz à formação de juízo seguro sobre a entrega de dinheiro e oferta de cargo público com o objetivo de obter voto e apoio político”.

Ademais, a tese sobre a falta de apoio do PPS é fato novo, não foi mencionada nas razões recursais do ora embargante, e sequer tem força suficiente para atrair o efeito infringente pretendido. Os fatos ocorreram em fevereiro de 2012 e o recorrente foi preso em flagrante por conta deles. Natural que o partido tenha, eventualmente, retirado-lhe apoio.

Por fim, tem-se que os argumentos delineados para fundamentar o pedido de redução do valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade foram afastados pela decisão embargada, a qual registrou que, “diante da ausência de prova da impossibilidade de adimplemento ou de demonstração de que a quantia representa onerosidade excessiva, não há como acolher o pedido alternativo de redução do valor”.

Percebe-se, assim, que houve expressa manifestação em relação aos pontos invocados nos embargos, ausente qualquer omissão, obscuridade ou contradição no julgado.

Por fim e, de ofício, verifico que a decisão foi omissa quanto ao direito de o embargante recorrer em liberdade.

Esta Corte, recentemente, na sessão de 10.5.2016, nos autos dos processos PET 2733 e PET 3510, de relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, examinou requerimento, formulado pelo Procurador Regional Eleitoral, de imediata execução provisória de acórdão penal condenatório.

O pedido foi formulado em consequência do julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do HC n. 126.292/SP, relator o Ministro Teori Zavascki (publicado no DJE do STF em 17.5.2016), em que restou assentada, basicamente, a seguinte tese: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal”.

No entanto, a análise do mérito restou prejudicada em razão do voto-vista, e vencedor, proferido pela Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, no qual suscitou, de ofício, preliminar de incompetência deste Tribunal para julgar o requerimento, uma vez que o processo já havia ultrapassado a fase de exame de admissibilidade de recurso especial, consumando-se, assim, o esgotamento da jurisdição na instância ordinária.

No ponto, afora todos os argumentos invocados em contraposição ao entendimento firmado pelo STF, com os quais concordo, atinentes à proteção do princípio da presunção da inocência (art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal), o qual impede a antecipação do juízo condenatório, com o reconhecimento da culpabilidade do réu antes do trânsito em julgado da condenação, cumpre tecer outras considerações.

A primeira questão a ser ressaltada é a de que a decisão do Supremo Tribunal Federal não foi unânime (7 a 4), e foi pontual, aplicável somente ao caso concreto em que foi prolatada, até porque não houve deliberação acerca de eventual extensão aos demais réus, em outros processos penais, que se encontrarem em igual situação.

Assim, o entendimento não é vinculante e não há notícia de que a questão tenha sido enfrentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, sendo certo que pontos controversos ainda deverão ser esclarecidos.

Quanto aos dados estatísticos invocados pelos adeptos da tese, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais divulgaram notas sobre a questão, apontando que cerca de 30% dos recursos interpostos por pessoas condenadas têm obtido êxito perante as Cortes Superiores, principalmente em sede de habeas corpus, situação que evidencia ser temerária a adoção do entendimento pelo inegável risco de causar prejuízo irreparável a um inocente.

Além disso, há considerável diferença estatística na realidade da Justiça Eleitoral, pois o Tribunal Superior Eleitoral reforma grande volume de decisões condenatórias de Tribunais Regionais Eleitorais. No âmbito deste Tribunal, não localizei os dados estatísticos relativos aos resultados dos recursos julgados pelo TSE, mas é cediço que há inúmeras reformas de acórdãos criminais, o que mostra ser prudente a conservação do estado de inocência até o trânsito em julgado da decisão.

Penso ser temerária a relativização, que em verdade é a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência, diante do prejuízo causado com o encarceramento injusto do réu, circunstância que, posteriormente, poderá ser reconhecida pela Corte Superior Eleitoral.

Ademais, o tempo de prisão por decisão reformada na última instância não pode ser devolvido ao acusado, sendo cediço que a jurisprudência, nesses casos, sequer admite a possibilidade de indenização por parte do Estado.

Por fim, entendo que a orientação do STF não pode ser adotada pela Justiça Eleitoral, sob pena de configuração de um inegável contrassenso, pois para as ações cíveis eleitorais há previsão específica no §2º do art. 257 do Código Eleitoral, segundo o qual os recursos ordinários dirigidos ao TSE, interpostos contra acórdãos de Regionais que resultem em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo, devem ser recebidos com efeito suspensivo.

É cediço que a independência entre as instâncias permite que sejam propostas ação cível e criminal, fundadas nos mesmos fatos, para apurar o cometimento de corrupção eleitoral.

Penso que não poderia ser admitido o cumprimento, antes do trânsito em julgado, da pena aplicada em sede de ação penal por corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral) e, ao mesmo tempo, determinar que a pena cominada na representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições) aguarde o trânsito em julgado para ser cumprida.

Em verdade, embora para alguns a decisão do STF tenha significado um avanço, para outros representou verdadeiro retrocesso, tal e qual afirmaram os ministros do STF que proferiram votos divergentes quando do julgamento do HC n. 126.292/SP – sendo essa última a minha posição sobre o tema.

Com essas considerações, de ofício, reconheço omissão no acórdão para o fim de consignar que ao embargante está assegurado o direito de recorrer em liberdade, e, no mérito, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.