RE - 5481 - Sessão: 21/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA - PP DE SERAFINA CORRÊA contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014, determinou o recolhimento de R$ 600,00 ao Tesouro Nacional e aplicou a penalidade de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de doze meses, em virtude do recebimento de recursos considerados fonte vedada de doação a órgão partidário.

Em suas razões (fls. 95-100), o recorrente afirma que o cargo em comissão de “assessor jurídico” não se caracteriza como fonte vedada e pede a aprovação das contas. Alternativamente, requer a desconstituição da sentença e a abertura de prazo para a correção da falha através do estorno dos valores indevidamente recebidos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa e, no mérito, pelo desprovimento do recurso e remessa de cópia do processo ao Ministério Público Estadual para apuração de eventual ato de improbidade administrativa (fls. 103-112v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece ser conhecido.

Passo ao enfrentamento das preliminares de nulidade suscitadas e adianto que não prosperam.

Preliminares

Da nulidade por ausência de citação dos dirigentes do partido

A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou preliminar de nulidade da sentença em face da ausência de observância das Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15, que preveem a citação dos dirigentes partidários em caso de parecer técnico ou ministerial pela desaprovação das contas.

Sobre a questão, há entendimento consolidado no âmbito deste Tribunal no sentido de que o litisconsórcio previsto na nova regulamentação de contas partidárias, por ser regra que interfere no exame do mérito do processo, é matéria que só deve ser aplicada nas prestações de contas dos exercícios financeiros do ano de 2015 em diante, nos termos do caput do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015”.

A vedação a que as novas regras interfiram no exame do mérito das contas também está disposta no art. 65 da Resolução TSE n. 23.464/15, que revogou a Resolução TSE n. 23.432/14.

Esse entendimento é unânime nesta Corte, merecendo registro a ementa do seguinte precedente:

Agravo Regimental. Partido político. Omissão quanto a apresentação das contas com relação ao exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A alteração da natureza da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições com aplicação imediata. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS, AgReg 11508, deste relator, DEJERS de 08.09.2015.)

A inteligência de que a Resolução TSE n. 23.432/14 trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores à sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Essa exegese de forma alguma poderia caracterizar malferimento aos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois como não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito.

Com essas razões, rejeito essa preliminar.

Da nulidade por ausência de abertura de prazo para correção de falha

O partido político postulou a desconstituição da sentença, com abertura de prazo para a correção da falha através do estorno do valor glosado, ao doador apontado como originário de fonte vedada.

Fundamenta o pedido, vinculado como alternativo, em dispositivos da Resolução TSE n. 23.464/15, que transcrevo para melhor elucidação:

Dos Recibos de Doação

Art. 11. (...)

§ 5º Os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

(…)

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Dispositivo de teor bastante semelhante constava no art. 11, § 3º, da Resolução TSE n. 23.432/14, que deve ter aplicação ao caso posto somente no que concerne às questões instrumentais no período em que esteve vigente. Embora não invocadas, cumpre mencionar disposições pertinentes, constantes na normativa de 2014:

Dos Recibos de Doação

Art. 11. Os órgãos partidários, de qualquer esfera, deverão emitir, para cada doação recebida, o respectivo recibo de doação partidária, no prazo máximo de até quinze dias, contado do crédito na conta específica.

(...)

§ 3º Os partidos políticos poderão recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

(…)

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

(…)

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 desta Resolução sujeitará o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6o desta Resolução, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput deste artigo também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas, que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 3o do art. 11, os quais deverão, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Observo que tais dispositivos não podem ser aplicados da forma que requer o recorrente, por duas circunstâncias: o caráter de direito material que encerram e o limite temporal expresso nas normas.

A faculdade ofertada aos partidos políticos nas resoluções mencionadas poderia ser utilizada no decorrer do exercício financeiro, e não após a entrega da prestação de contas.

Ou seja, os dispositivos determinam o estorno de valores irregulares quando o prestador de contas, no curso das atividades financeiras, note, por si, a ocorrência de erro ou falha.

Não se trata, como o partido pretende, de momento endoprocessual. Ao contrário: note-se que o art. 11 da Resolução TSE n. 23.432/2014 inaugurava o capítulo da resolução dedicado aos recibos de doação, sendo que primeiramente indicava o prazo de quinze dias para a emissão do referido recibo e, na sequência, abria a possibilidade de estorno até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, conforme expressamente delineado.

E o § 1º do art. 14, de fato, estendia a possibilidade de estorno aos valores oriundos de fonte vedada, mas o fazia respeitando o limite temporal do caput: o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito. Por exemplo, se o recurso oriundo de fonte vedada havia sido creditado em determinado dia do mês de maio, a agremiação tinha até o último dia útil do mês de junho do mesmo ano para a realização do estorno.

Tais argumentos são aplicáveis também à Resolução TSE n. 23.464/2014, dada a identidade das prescrições normativas.

Dito isso, rejeito também a segunda preliminar.

Mérito

Recebimento de Recursos de Fonte Vedada

A única irregularidade verificada nas contas do diretório do Partido Progressista do município de Serafina Corrêa refere-se ao recebimento de R$ 600,00, doados por Antônio Rampanelli, que, por exercer o cargo em comissão de assessor jurídico seria considerado fonte vedada de doação a órgão partidário.

O art. 31, inciso II, da Lei n. 9.096/95, assim dispõe:

Art. 31 - É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II- autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No conceito de autoridade pública inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/2007, editada em razão da resposta à Consulta 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.09.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado  Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

No entanto, no referido acórdão, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral que participaram do julgamento, de forma uníssona, concordaram que os assessores, por se tratar de cargo eminentemente técnico, não estão proibidos de contribuir a partidos políticos, mas apenas os detentores de cargos de chefia e direção. Nesse sentido, o seguinte excerto do voto lançado pelo Ministro Carlos Ayres Britto: “Veja como a questão é nuançada: pela Constituição, o ocupante do cargo em comissão é para desempenhar funções de direção, chefia e assessoramento. Nas duas primeiras situações, não pode, é autoridade. É bom deixar isso bem claro na nossa resposta à consulta (…) Dizer que o assessor é autoridade, uma vez que não dirige, não chefia ninguém, talvez seja demasia interpretativa.”

A questão da caracterização da contribuição de assessores na categoria de fontes vedadas de arrecadação a partidos políticos foi enfrentada por este Tribunal nos autos do RE 36-50, no qual foi adotada a orientação do TSE:

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício de 2011. Doação de fonte vedada. Conceito de autoridade. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Controvérsia quanto à interpretação do conceito de autoridade.

É possível afirmar que o conceito atual de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham função exclusiva de assessoramento.

Enquadra-se nesse conceito o detentor de cargo de coordenação, por configurar o exercício de chefia ou direção para fins de enquadramento na hipótese de fonte vedada prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Redução do período de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário em função do valor diminuto do montante envolvido.

Correção de erro material na sentença relativo ao valor da doação.

Deram parcial provimento ao recurso, mantendo a desaprovação das contas, reduzindo o período de suspensão das quotas para 6 (seis) meses e determinando o recolhimento ao Fundo Partidário de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais).

(RE - Recurso Eleitoral n. 3650 – Alvorada/RS. Acórdão de 23.09.2014. Redator do acórdão DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 172, Data 25.09.2014, Página 2.) (Grifei.)

Idêntica posição foi adotada por esta Corte em decisão mais recente, nos autos do RE 53-96, da lavra do Des. Carlos Cini Marchionatti, julgado na sessão de 08.6.2016:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Fonte vedada. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2013.

Prefacial afastada. Manutenção apenas da agremiação como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, e mais recentemente da Resolução TSE 23.464/15, não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por se tratar de matéria afeta a direito material.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. In casu, recursos oriundos de prefeito, enquadrado no conceito de agente político, detentor de função com poder de autoridade. Excluído desse conceito o assessor jurídico, por exercer função exclusiva de assessoramento.

Nova orientação do TSE no sentido de que verbas de origem não identificada e de fontes vedadas devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15. Adequação do quantum a ser recolhido. Redução do prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário para três meses.

Provimento parcial.

Confrontando o caso dos autos com os precedentes citados, é de se concluir que a doação realizada por Antonio Rampanelli, assessor jurídico do Poder Público Municipal, conforme o apontado nas razões recursais, não configura recurso proveniente de fonte vedada.

Não se considerando o cargo de assessor jurídico como de autoridade pública, a única irregularidade apontada na decisão que desaprovou as contas – recebimento de recursos de origem vedada - não mais subsiste.

Por fim, em face da manifestação ministerial pelo encaminhamento de cópias dos autos ao Parquet estadual para apuração de eventual ato de improbidade administrativa, indefiro o pedido, devendo aquele órgão, se entender necessário, reproduzir as peças às suas próprias expensas.

Diante do exposto, afastadas as preliminares, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar as contas do Diretório do Partido Progressista do Município de Serafina Corrêa referentes ao exercício financeiro de 2014.