RE - 73795 - Sessão: 10/05/2016 às 17:00

Voto-vista

Este processo veio a julgamento na sessão do dia 31 de março de 2016, da Relatoria da Dr. Gisele Anne Azambuja, e trata-se de recurso em ação de investigação judicial eleitoral por abuso do poder de autoridade, cumulada com representação por condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio. A sentença não acolheu as preliminares e julgou procedentes os pedidos, para o fim de condenar os representados, ora recorrentes, ao pagamento de multa individual no valor total de R$ 7.000,00, e declaração da inelegibilidade pelo prazo de 8 anos.

A proficiente e culta relatora manteve a sentença.

O Dr. Leonardo Saldanha pediu vistas para melhor analisar os autos e proferiu voto divergente, decidindo de modo diverso quanto à valoração da prova dos autos.

Em seu voto, narrou ele que:

A ação foi ajuizada com base em gravação ambiental de áudio de uma reunião ocorrida no posto de saúde municipal de Cerro Largo, no dia 20 de agosto de 2012, da qual participaram agentes comunitárias de saúde, agentes do programa Primeira Infância Melhor - PIM, técnicas de enfermagem da SAMU, e os representados: Adair José Trott, prefeito de Cerro Largo à época, Renzo Thomas, presidente da Associação Hospitalar de Caridade Serro Azul, entidade responsável pela contratação das funcionárias de saúde, e Tânia Rosane Porsch, secretária municipal de saúde.

A conversa foi gravada pela agente de saúde Maria Beatris Boeno Lino Gallas, por meio de gravador digital emprestado por Zeno Aloísio Krindges, integrante da Coligação Cerro Largo Unido e Forte, que fazia oposição à coligação Pra Continuar Crescendo, pela qual concorriam os candidatos recorrentes Valter Hatwig Spies, então vice-prefeito de Cerro Largo e candidato à eleição como prefeito, e Ranieri Tonim, candidato a vice-prefeito na chapa de Valter.

Os candidatos não participaram do encontro.

Para comprovar que a reunião foi realizada com a finalidade de praticar abuso de poder, captação ilegal do sufrágio e condutas vedadas, a inicial foi acompanhada da mídia digital com o áudio das conversas lá travadas e a respectiva degravação (fl. 60), texto reproduzido na própria representação (fls. 04-11) e às fls. 51-55. Além disso, foi acostada a cópia do procedimento investigatório eleitoral que tramitou junto à Promotoria Eleitoral de Cerro Largo (fls. 36-144), no qual consta cópia de representação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra os recorrentes, por alegado assédio moral no ambiente de trabalho, termos de declarações prestadas perante a Promotoria Eleitoral de Cerro Largo, cópia de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra os recorrentes e a associação hospitalar municipal, e o respectivo termo de acordo firmado por Adair e Renzo naquele processo, no qual comprometeram-se a realizar concurso público para contratação de profissionais de saúde.

Os recorrentes foram condenados com base na acusação de que o evento foi realizado com a única e exclusiva finalidade de pressionar as servidoras para que fornecessem apoio eleitoral à candidatura de Valter Hawig Spies e Ranieri Tonim, sob ameaça de demissão, e de prometer-lhes a manutenção no emprego em caso de voto.

Não obstante tivesse acompanhado a culta Relatora quando do julgamento, fiquei em dúvida a partir da extensa análise do processo, produzida pelo Dr. Leonardo Saldanha, e pedi vista dos autos para melhor ponderar acerca das questões em debate.

Pedindo vênia à culta e proba Juíza, Dra. Gisele, com o mais profundo respeito, antecipo que ouso divergir das conclusões por ela trazidas quando de seu julgamento, muito embora divirja das conclusões e do direcionamento adotado pelo Dr. Leonardo no voto por ele proferido.

Explico.

O processo é extenso e exigiu uma demorada análise e reflexão sobre o acervo probatório nele contido.

De início, causou-me estranheza, certamente por não ter visto caso análogo, em que pese o efetivo exercício da advocacia já há mais de quarenta (40) anos, e que diz tanto com o modo em que foi descrita a degravação do conteúdo do CD de áudio de fls. 25, segundo o Ministério Público Eleitoral “de forma mais detalhada, organizada e de forma mais fiel do que a degravação das fls. 07/11”.

Primeiro, pela quantidade de destaques dados a cada depoimento degravado, quer com a variação do tamanho das letras, quer quanto ao uso de negrito e sublinhado, como se quisesse acentuar que nos diálogos transcritos houvesse entonação de voz ou diferenciação, e até mesmo em trechos isolados, que acabei por constatar – após ouvir atentamente a péssima gravação – diga-se de passagem – por duas vezes, que nem sempre correspondem ao que exatamente quiseram dizer as partes.

De outro lado, surpreendeu-me o modo como foram descritos os depoimentos das testemunhas, exatamente iguais entre si, com a mesmíssima redação, como se fossem um só depoimento, transcritos em relação às demais testemunhas.

Basta ver-se o trecho que ora reproduzo:

... Perguntado qual foi o o motivo da realização da reunião, respondeu que a referida reunião não tratou, sob hipótese alguma, de aumento salarial dos Agentes Comunitários de Saúde. Que a referida reunião foi convocada pelo Prefeito ADAIR, pelo RENZO THOMAS e pela TANIA POERSCH para que os Agentes Comunitárias de Saúde e Agentes do PIM votassem nos candidatos por eles (ADAIR, RENZO e TANIA) apoiados (candidatos VALTER e RANIERI), sob pena de perderem o emprego de Agentes Comunitários e Agentes do PIM, bem como pediram para falar mal do RAINERI TONIN na Rua.”...”. Que a reunião não teve mais do que 30 minutos, foi curtíssima a reunião, sendo que tudo o que foi dito na reunião está degravado nos autos” – fls. 17 e 17 verso, depoimentos de RAQUEL WILHELM e MARIA BEATRIS BOENO LINO GALLAS.

Idêntico texto foi lançado para os depoimentos de NERCI ANA SCHUTZ ROOS (fls. 17v., 18 e 18v.). Idem, depoimentos de DEONISE MARIA KREIN, NILSA CECÍLIA RAUBER e OLGA FRANCIELE DE SOUZA KRAMER (fls. 18v. e 19). Idem, CLAUDIA ELEANAI MACHADO, (fls. 19v., 20 e 20v.).

Testemunhas, por mais que lembrem dos fatos, jamais reproduzem exatamente as mesmas informações, com exatamente o mesmo linguajar, exceto se tivessem redigido previamente seus depoimentos ou fossem orientadas a responder texto previamente elaborado. Tal prova, de plano, é posta em dúvida pela maneira com que trazida à lume.

A surpresa, contudo, não foi só minha, pois ao ler a defesa dos denunciados vi seu advogado lançar a mesma surpresa e contestar essa prova trazida em tais termos pelo Ministério Público Eleitoral.

Com efeito, é o que se lê à fl. 185 dos autos na escrita do defensor:

Os depoimentos utilizados pelo Ministério Público Eleitoral são cópias literais uns dos ouros, o que demonstra claramente a ausência de liberdade das testemunhas em prestar seu depoimento e a sua imprestabilidade. Ou há como acreditar que pessoas diversas, ouvidas separadamente, teriam falado as mesmas coisas, com os mesmos termos, identicamente transcritos pelo Ministério Público Eleitoral? Evidentemente que não. Somente é possível acreditar se as mesmas ‘combinaram’ seus depoimentos, o que também os compromete por ilegal.

E arremata a defesa:

As testemunhas ouvidas pelo MP não idôneas e tampouco isentas, sendo, em verdade, adversários políticos ferrenhos e declarados dos contestastes, o que faz com que suas palavras não gozem da necessária credibilidade para o fim de servir de pivô a um eventual decreto de condenatório.

Examinados os depoimentos em seu conjunto outra é a conclusão a que chego, até mesmo por não existir "vozes uníssonas", como afirmado pelo Ministério Público e pelo próprio Juiz prolator da sentença, notadamente quanto ao tempo de duração da reunião. Para o MP Eleitoral e para o Juiz, 31min27seg, que, por corresponder ao mesmo tempo da gravação, faria esta incontroversa quanto ao material gravado. Ora, em contraponto, outras testemunhas afirmam que a reunião durou cerca de uma hora, e que os representados lá teriam permanecido entre 30 a 40 minutos.

O Dr. Leonardo bem apanhou o contexto e ânimo em que se realizou a reunião de 20 de agosto de 2.012, em que havia uma indisposição da maioria dos participantes em face da administração capitaneada pelo Prefeito Adair, porquanto contratados por convênio firmado entre o município e a Associação Hospitalar de Caridade de Serro Azul, o que gerou insegurança e apreensão nos contratados, que sobre isso sabatinaram Aldair, desde a sua chegada no local, sem que sobre isso tivesse havido gravação.

Daí, com seriedade, se pode depreender que um dos assuntos da reunião foi a manutenção das agentes de saúde no emprego, além dos rumores de que algumas delas, durante o exercício das funções, falavam mal do candidato a vice prefeito, Ranieri Tonin, daí decorrendo o confessado pedido de que parassem de falar mal desse candidato da situação nas casas em que prestavam os serviços que lhes competia.

A verdade é que a base do processo se assenta na degravação do áudio, gravado clandestinamente por MARIA BEATRIS BOENO LINO GALLAS, confessadamente de partido opositor ao do Prefeito em exercício, que para tanto se valeu de equipamento de propriedade do partido concorrente, emprestado por ZENO ALOÍSIO KRINDGES, que confirmou tais fatos em depoimento ao juízo.

Ocorre que desde a primeira intervenção no feito, ADAIR JOSÉ TROTT, no termo de declaração firmado junto ao Ministério Público, em data de 28 de setembro de 2.012, cerca de um mês após a reunião, afirmava que “devem ter feito uma montagem ou algum corte” (fls. 74-75).

Sucederam-se as alegações nesse sentido, afirmando ser a gravação “clandestina e incompleta, claramente editada, a qual produz diálogos absolutamente descontextualizados” (fls. 184-196 e 220-230).

E, como bem pontuou o voto divergente, diante do indeferimento do pedido de realização da perícia técnica (fl. 235v.), foi manifestada irresignação (fl. 244), reprisada em sede de alegações finais (fls. 328-343) e no presente recurso (fls. 372-399).

Calha aqui, rapidamente, examinar as postulações dessa inconformidade pelos ora recorrentes.

O pedido deduzido pelo advogado dos representados foi expresso em sua defesa, à fls. 230e 230 verso dos autos, no sentido de que, verbis:

“...

“b) para fins de prequestionamento, seja objeto de decisão explícita de Vossa Excelência acerca da alegada ilicitude da produção da prova clandestina (gravação de áudio ambiental) juntada aos autos e de sua admissibilidade no presente feito;

“c. a produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente:

“c.1.) Seja certificado pelo Cartório Eleitoral eventual filiação político partidária de todas as agentes comunitárias de saúde e visitadoras do PIM;

“c.2.) seja certificado pelo Cartório Eleitoral eventual representação de partido político ou coligação e também eventual candidatura (e por qual partido ou coligação) exercida pelas seguintes pessoas nas eleições de 2012: Nilza Terezinha Rauber e todas as demais agentes comunitárias de saúde e visitadoras do PIM;

“c.3.) seja Certificado pelo Cartório Eleitoral de eventual autorização judicial outorgada em feito eleitoral para se proceder à gravação inquinada de ilícita e juntada aos autos;

“c.4) seja degravado integralmente, sem cortes, o inteiro teor da gravação ambiental juntada aos autos;

“c.5) seja periciada a gravação original a fim de que se certifique de sua autenticidade e de sua integridade (especialmente quanto às edições e cortes);

O Ministério Público Eleitoral manifestou-se às fls. 236/237 dos autos.

A uma, requerendo a certificação pelo Cartório Eleitoral se as testemunhas que elenca - arroladas pela defesa – possuem ou não filiação partidária.

A duas, especificamente impugna os pedidos de “degravação da gravação ambiental”, por entender "totalmente desnecessário e protelatório, porquanto o conteúdo do CD já foi degravado na própria petição inicial", justificando que tal requerimento “visa apenas desviar a atenção do Juízo acerca dos grifos e destaques opostos na degravação constante da petição inicial”, por ele promovidos, e sugere que “o próprio Juiz poderá (deverá) ouvir o CD encartado nos autos, acompanhando o que consta degravado na petição inicial, para vislumbrar a desnecessidade de nova degravação”.

A três, impugna o “requerimento de perícia no CD de mídia que contém a gravação ambiental", por entender “totalmente desnecessário e protelatório, pois tanto o conteúdo, quanto a extensão da conversa, em minutos, foram totalmente demonstrados e comprovados pelas testemunhas ouvidas durante a investigação ministerial”.

A quatro, reitera pedido de notificação pela Justiça Eleitoral as testemunhas arroladas pelo MINISTERIO PUBLICO ELEITORAL, quanto as pela defesa de RENZO, para comparecerem à audiência de instrução a ser designada, verbis, “sob pena de grande prejuízo à acusação, na medida em que o Promotor Eleitoral signatário exercerá sua funções nesta 96ª Zona Eleitoral apenas até o dia 31 de janeiro de 2.013 (em virtude de promoção para a Comarca de São Luiz Gonzaga/RS), após o que a função de Promotor Eleitoral desta 96ª Zona Eleitoral será atendida em regime de substituição " (fl. 237 dos autos).

O processo vai concluso em 23 de janeiro de 2013 (fl. 238), e o MM Juiz Eleitoral em Substituição, no dia seguinte, 24 de janeiro de 2013, à fl. 238v., em despacho do próprio punho, dispôs:

Visto. Indefiro o pedido de degravação (C.4), na medida que dito pedido atenta ao princípio da celeridade e economia processual. Da mesma sorte, indefiro o postulado a p. 230, item c.5 – que correspondia à pericia requerida na gravação original para certificar a autenticidade e a integridade, especialmente quanto às edições e cortes -.

O advogado dos representados, diligentemente, à fl. 244 dos autos, fez consignar PROTESTO ANTIPRECLUSIVO, em razão do citado despacho que indeferiu as provas que reputam indispensáveis para sua defesa e para a correta compreensão dos fatos objeto da representação, em ofensa a direito constitucional, à ampla defesa e ao contraditório.

Inequivocamente, o contexto probatório está a exigir o deferimento da perícia técnica requerida na degravação, ante as fundadas suspeitas de sua ilegitimidade, e como decorrência disso, de sua autenticidade, integridade e fidedignidade em face dos diálogos transcritos no processo como correspondendo ao que dela se extrai.

Aduzo que tive muita dificuldade em conseguir confirmar, com segurança, várias das transcrições extraídas da escuta do CD. Faltam trechos dos diálogos, outros são incompreensíveis. E fiquei com fundadas suspeitas de que efetivamente pode ter sido editada, ou ter sofrido cortes, de modo a comprometer a veracidade dos trechos transcritos e tomados como razões de decidir.

Basta examinar-se, ouvindo a fita, a transcrição de linha 19 (dezenove) da fl. 43, quando a gravação repete "estou falando que comprou casa, comprou casa ...". Essa repetição não se deu naturalmente, e a sensação – com todo o respeito – utilizo o exemplo somente para fins didáticos – é como se estive um ‘gago’ falando, desbordando totalmente do restante contexto da fala, que é calma, pausada, elucidativa e coerente.

Só este fato, por si só, denota a necessidade da realização da perícia, porque seguramente aí há um corte na gravação, que é entremeada, ao fundo, com outros sons que dificultam a integral percepção dos conteúdos dos diálogos tidos como verdadeiros.

Com essas observações e aditando aqui as proficientes razões trazidas com o voto divergente do Dr. Leonardo Saldanha, que aqui as tenho como reproduzidas em razões de decidir, é que estou acolhendo a preliminar para deferir a realização da pretendida perícia na gravação do áudio, com vistas a que seja apurada sua autenticidade, integridade e fidedignidade em face dos diálogos transcritos no processo, mormente porque colhida por adversária politica dos denunciados, com equipamentos pertencentes ao partido opositor, que a manteve em seu poder por relevante tempo antes de ser encaminhada ao crivo do Ministério Público Eleitoral.

Aliás, calha oportuno trazer à colação decisão proferida pelo TRE de Mato Grosso do Sul, N.° 8.262 (5.5.2014), RECURSO ELEITORAL N.° 95-20. 2013.6.12.0038 - CLASSE 30.a, Origem: Figueirão (38.a Zona Eleitoral - Costa Rica), em que foi Relator o Juiz NÉLIO STÁBILE:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. PLEITO SUPLEMENTAR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N.° 9.504/97. SENTENÇA JULGADA PROCEDENTE. PAGAMENTO DE ESPÉCIE E FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA PARA CONSTRUÇÃO EM TROCA DE VOTOS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. DESPROVIMENTO DE PERÍCIA. PROVA ILÍCITA. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. CONFLITOS POLÍTICOPARTIDÁRIOS. DEMONSTRAÇÃO DE PARCIALIDADE E INTERESSE NO DESLINDE DA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE CONJUNTO PROBATÓRIO COESO E ROBUSTO A LEVAR A UMA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO PARA REFORMAR A SENTENÇA. JULGAMENTO IMPROCEDENTE DA AÇÃO. A gravação de escuta telefônica, realizada por um dos interlocutores ou por terceiro autorizado por ele, ainda que sem o conhecimento do outro, é prova lícita e pode ser validamente utilizada como elemento de prova se precedida por autorização judicial e necessária perícia técnica, já que a falta destas enseja dúvida razoável quanto à sua autenticidade, tornando-se prova precária e frágil para conduzir a condenação.

Transcreve-se, em complemento as razões aqui postas, importantes trechos do voto do Relator:

De efeito, as gravações telefônicas trazidas aos autos, produzidas unilateralmente e sob a confirmação apenas de hipotético interlocutor, e sem a devida perícia técnica mostram-se com duvidosa idoneidade e notória fragilidade.

A conduta descrita no art. 41-A da Lei n.° 9.504/97 deve ser apta a produzir influência no eleitor para que, à revelia de sua liberdade e consciência e conforme a benesse recebida, macule a sua vontade de exercício do voto - bem jurídico protegido - e, assim, a sua comprovação deve ser de forma incontroversa, idônea, cabal, firme, coesa, desvalida de suspeitas ou liames subjetivos e baseada em elementos que efetivamente comprovem a participação direta ou indireta do candidato beneficiário na alegada ilicitude, sendo inaceitáveis meras presunções e fracos indícios com prova testemunhai inconsistente e contraditória.

A condenação por ato ilícito exige que o devido processo legal seja observado de forma substancial, não apenas respeitando os consectários efeitos do amplo e irrestrito direito de defesa, capitaneando na ótica da norma jurídica os elementos produzidos na instrução processual, mas também que os fatos imputados sejam provados de forma segura, idônea e inconteste, não se permitindo que indícios ou presunções, formados apenas no seio dos interesses dos delatores, sejam o liame suficiente entre o fato, a norma, a valoração e a pena imposta, a qual deve ser permeada pelos princípios da simetria e da razoabilidade, valorando os fatos de acordo com as normas e impondo as sanções conforme o alicerce da proporcionalidade.

Não obstante o valor jurídico do conteúdo normativo do art. 23 da Lei Complementar n.° 64/90 , segundo o qual o juiz, na busca da preservação do interesse público na lisura do pleito formará sua convicção de acordo com todos os elementos, indícios, presunções e circunstâncias, é por demais certo que inexiste no arcabouço jurídico pátrio que os provimentos judiciais admitem que a imposição de qualquer penalidade seja com base em meras presunções ou ilações lançadas desprovidas de mínimo respaldo fático

A prova testemunhal, quando isolada e não amparada pelos demais elementos constantes dos autos, não é suficiente para a comprovação da captação ilícita de sufrágio.

Sobressaindo do conjunto probatório produzido os autos apenas meras alegações eleitoreiras no embate dos grupos políticos adversários, em continuidade mesmo após o pleito, diante do que restou demonstrada, efetivamente, a fragilidade das alegações, as contradições dos depoimentos, a conexão entre testemunhas e figuras políticas, bem como a articulação de parlamentares entre os personagens, com nítido interesse no deslinde da causa, têm-se que as provas colhidas são, de fato, inidôneas, unilaterais, de caráter eleitoreiro, e insuficientes para a configuração da alegada captação ilícita de sufrágio, restando prejudicada a dedução de magistrado quanto à sua percepção sobre eventual firmeza acerca da certeza dos fatos por testemunha envolvida nos fatos.

Diante das contradições verificadas nos depoimentos prestados, bem como diante da inexistência de outras provas capazes de demonstrar o ilícito apontado, conclui-se que o conteúdo probatório dos autos é insuficiente para comprovar a captação ilícita de sufrágio, ensejando a reforma da sentença com o provimento do recurso.

ANTE O EXPOSTO, voto no sentido de acolher a preliminar de cerceamento de defesa, para desconstituir a sentença e determinar a realização da prova pericial tal como requerida, mormente ante o fato de que, se mantido o voto condutor, estar-se-á cerceando os direitos políticos dos recorrentes, sem que lhes tenha oportunizado o exaurimento das provas requeridas e o devido processo legal, com o amplo contraditório.

É como voto.

 

(Após votar o Dr. Silvio Ronaldo, pediu vista o Des. Paulo Afonso.)

 

Participaram do julgamento os eminentes Des. Luiz Felipe Brasil Santos – presidente -, Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro, Dr. Leonardo Tricot Saldanha, Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz e Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, bem como o douto representante da Procuradoria Regional Eleitoral.