RC - 7928 - Sessão: 10/05/2016 às 17:00

 

Os recorrentes foram denunciados por dois fatos delituosos:

1º Fato

No dia 05 de outubro de 2008, no dia da eleição, na Rua Salustiano Marty, no Comitê do PTB da Barra do Quaraí, em Barra do Quaraí/RS, o denunciado JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, vereador do PSDB, na qualidade de candidato a reeleição, forneceu transporte gratuito aos eleitores.

Na ocasião, o denunciado providenciou o retorno de um casal de idosos para sua residência, no Uruguai. O fato foi narrado pelo próprio casal, sr. Aristóteles Dias Ribeiro e sra. Maria de Fátima Vargas, que já havia votado, para Promotora de Justiça Eleitoral Carolina Barth Loureiro, que estava no comitê, no momento em que eles esperavam o transporte. O casal relatou para Promotora que estava no local aguardando o transporte para sua casa, e que foi “Gringo” (JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA) que lhes prometeu forneceu o transporte.

O candidato, que também estava no comitê, foi preso em flagrante pela Promotora.

 

2º Fato

No dia 05 de outubro de 2008, no dia da eleição, em Barrado Quaraí/RS, o denunciado SANDRO GODOY PEREIRA, na qualidade de filho do vereador JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, candidato à reeleição, forneceu transporte gratuito aos eleitores.

O denunciado contratou a empresa Transportes e Turismo Cazer Ltda para realizar uma viagem de Bento Gonçalves a Barra do Quaraí, em um micro-ônibus, placas IKM 7627, com saída no dia 03.10.2008 e retorno no dia 05.10.2008, no valor de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) (fls. 47 e 50 do IP).

No dia da eleição, a Brigada Militar, a pedido da Promotora Carolina, abordou o motorista do ônibus contratado pelo denunciado, em frente ao Hotel Barra Hotel. Na ocasião os policiais militares tiraram cópia do contrato de prestação de serviço, apreenderam o ônibus e o levaram para Delegacia. Durante a viagem, segundo relatado pelas testemunhas Elisandro Carvalho Rodrigues (fl. 223 do IP) e Dieison Marciano Ferreira Palhares (fls. 208/209 do IP), foram distribuídos “santinhos” do candidato JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, pai do contratante, aos tripulantes, que estavam indo votar em Barra do Quaraí e não pagaram pelo transporte.

Ainda havia constado na denúncia um 3º fato, imputado ao filho do candidato José Nery Corrêa Pereira, José Nery Corrêa Pereira Júnior, por ter inutilizado, em duas oportunidades, documento de valor probatório que recebera na qualidade de advogado. Entretanto, esse último foi beneficiado com a suspensão condicional do processo.

Foram condenados Sandro e José Nery, ora recorrentes, pela prática de transporte ilegal de eleitores no dia das eleições, da Cidade de Bento Gonçalves para o Município de Barra do Quaraí, delito previsto no art. 11, inc. III, c/c arts. 5º e 10, da Lei n. 6.091/74.

Pois bem.

Por ocasião da prolação do voto do relator e da divergência lançada pela Dra. Gisele, tive dúvidas em relação à participação do candidato José Nery, pai de Sandro, quanto ao 2º fato, daí o pedido de vista.

Conforme a análise do caderno probatório realizada pelo relator, o transporte de eleitores descrito no 2º fato ficou caracterizado à exaustão.

A responsabilidade de Sandro pela contratação do transporte ilegal restou evidenciada por robusta prova material e testemunhal, que dão conta que esse réu se utilizou de um verdadeiro aparato organizacional para transportar eleitores em um micro-ônibus de Bento Gonçalves para Barra do Quaraí, contratando inclusive uma empresa de transporte especializada, cuja cópia do contrato foi objeto de subtração por José Nery Júnior, rendendo-lhe prisão em flagrante naquela ocasião.

De igual forma, restou caracterizado o dolo específico de aliciamento desses eleitores para angariar votos, tendo sido encontrado santinhos no interior do veículo que transportou eleitores.

Assim, não merece qualquer reparo a sentença condenatória que reconheceu o crime de transporte de eleitores realizado por Sandro. A questão é averiguar a participação de seu pai, José Nery, candidato beneficiado com a conduta delitiva na realização desse 2º fato.

Ocorre que, ao ler e reler a denúncia, peça que deve conter TODAS as imputações aos autores do crime, verifiquei que não há qualquer menção à participação do candidato nesse 2º fato.

Portanto, há um óbice intransponível imposto pela peça acusatória, que impede a verificação dos termos em que José Nery teria contribuído para a conduta, ou seja, como autor mediato, beneficiário ou “homem de trás”, expressão empregada para alcançar aquele que tem o domínio finalístico da vontade na teoria do domínio da organização, vertente derivada da teoria do domínio do fato, amplamente acolhida pelo sistema penal pátrio.

Como muito bem observado pelo douto relator, em momento algum José Nery é mencionado nesse 2º fato, ou seja, no transporte de vários eleitores mediante contratação de micro-ônibus apreendido pela polícia.

Tenho que a denúncia poderia ter descrito a participação de José Nery nesse fato (2º), mas não o fez. Em não o fazendo, não há como reconhecer responsabilidade penal para além dos termos da peça acusatória, diante da inequívoca e necessária congruência entre o que foi imputado e sobre o que se ofereceu defesa.

Anoto, inclusive, o que constou no interrogatório de José Nery (fl. 19), quando a juíza eleitoral esclareceu que: “Bem, ao senhor é só o primeiro fato está sendo imputado. Certo?”.

José Nery foi condenado pelo juízo a quo pelo 1º fato (único a ele imputado na denúncia), a saber: transporte de um casal de idosos de Barra do Quaraí ao Uruguai.

Todavia, esse 1º fato não restou consumado, pois o candidato José Nery foi preso em flagrante quando o mencionado casal, Sra. Maria de Fátima Vargas e Sr. Aristóteles Dias Ribeiro aguardavam o transporte.

Provavelmente, o candidato José Nery tenha sido responsável pelo transporte de outros eleitores, mas não os que foram descritos na denúncia, aliás, a Sra. Maria de Fátima nem eleitora era.

Dessa forma, como não se admite condenação criminal por presunção ou probabilidade, acertada a absolvição de José Nery em relação a esse fato.

Compartilho integralmente do que foi dito pela Dra. Gisele no seu voto divergente, no sentido de que há uma contradição em se condenar o filho e inocentar o pai, quando justamente este último foi o único beneficiário da conduta, como candidato à vereança no Município de Barra do Quaraí.

Entretanto, como já disse, há óbice imposto pelo requisito da acusação, pois ao atribuir a José Nery apenas o transporte do casal de idosos, transporte esse que não ocorreu, e deixando de imputar-lhe qualquer participação no 2º fato, nem mesmo como mero beneficiário, não há como deixar de seguir as conclusões do eminente relator, no sentido de absolver José Nery do 1º fato e manter a condenação de Sandro quanto ao 2º.

Em relação ao pedido de Sandro Godoy Pereira, que requereu a substituição da pena restritiva de limitação de fim de semana por prestação de serviços à comunidade, penso ser possível a readequação da sanção, nos termos do voto do relator.

Ante o exposto, encaminho meu voto na mesma linha de intelecção do nobre relator, com as vênias da divergência.