Ag/Rg - 4202 - Sessão: 19/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de agravo regimental interposto por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. em face da decisão monocrática deste relator que não conheceu de agravo do instrumento interposto, por entender que o recurso inominado, previsto no art. 265 do Código Eleitoral, é o apelo cabível para atacar a decisão proferida pela juíza eleitoral da 74ª Zona que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória exarada em representação por propaganda eleitoral irregular, indeferiu pedido de fixação do valor devido a título de astreintes, e de intimação para abertura de prazo para pagamento voluntário.

Em suas razões, afirma que há dúvida objetiva quanto ao recurso cabível contra as decisões proferidas por juiz eleitoral, uma vez que haveria omissão no art. 265 do Código Eleitoral. Sustenta que este Tribunal conheceu do agravo de instrumento RE 2683-31, interposto pela agravante nos autos da mesma representação eleitoral que deu origem ao presente recurso. Entende que não se pode restringir as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento às previstas no Código Eleitoral, devendo ser adotado o Código de Processo Civil, nos termos da aplicação subsidiária prevista no art. 15 do novo CPC. Assevera ser possível a adoção do princípio da fungibilidade recursal ao caso concreto, em face da existência de dúvida objetiva, da observância do prazo de três dias previsto para o recurso inominado, e da efetiva comprovação da interposição do agravo de instrumento mediante petição apresentada ao juízo a quo. Colaciona jurisprudência. Requer a reforma da decisão para que o agravo de instrumento seja conhecido e, no mérito, provido (fls. 69-86). Junta documentos (fls. 87-130).

É o relatório.

 

VOTO

O agravo regimental é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, não merece reforma a decisão que não conheceu de agravo de instrumento interposto para atacar o despacho prolatado em sede de representação por propaganda irregular na internet, relativa à eleição de 2012.

Cumpre transcrever o dispositivo da sentença exarada na representação eleitoral, RP 69-93, que estabeleceu a multa por descumprimento da obrigação de fazer:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na representação para ratificar e tornar definitiva a decisão interlocutória de fls. 10/10v, determinando que a representada GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. promova a extração do “link” http://www.youtube.com/watch?v=bSzZbG4hqBU do seu “website”, na rede mundial de computadores, pena de multa diária de R$ 20.000,00 – vinte mil reais -, a teor do art. 461, par. 4º, CPC, (sem prejuízo das 'astreintes' já vencidas, pelo descumprimento da decisão de fls. 10/10v)”.

Após o trânsito em julgado, esta Corte enviou cópia dos autos à Advocacia-Geral da União, enquanto credora, e remeteu o processo ao juízo de primeiro grau, que o arquivou em 17 de março de 2016.

Em 29 de março, a Google Brasil Internet Ltda. requereu que o juízo a quo desarquivasse o feito, examinasse se houve descumprimento da ordem judicial e calculasse o valor das astreintes, restando prolatada a decisão agravada, a qual apenas informou que o processo está extinto e arquivado:

Não cabe mais revisão do valor, nem abertura de prazo para pagamento voluntário no presente feito, que já se encontra extinto e arquivado, tendo sido enviadas as cópias à AGU para as providências cabíveis referentes ao cumprimento de sentença.

Entendo que referido despacho sequer possui conteúdo decisório, e não causou gravame algum à parte. No caso de astreintes, não há inscrição do devedor em dívida ativa e a cobrança observa a sistemática do cumprimento de sentença disposto no Código de Processo Civil.

Conforme ressaltei na decisão recorrida, o processo no qual foi exarada a decisão atacada não está em fase de cumprimento de sentença, pois este Tribunal extinguiu, sem apreciação do mérito, a cobrança de astreintes promovida pela coligação partidária que havia ajuizado representação, por ilegitimidade ativa, em virtude de ser a União Federal a legitimada para a execução do débito.

O despacho da juíza eleitoral, contra o qual foi interposto agravo de instrumento, é regido pela legislação processual eleitoral, e não pela legislação processual comum. Portanto, não se trata de aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil, pois referida decisão desafiava o recurso inominado eleitoral, e não o agravo de instrumento.

É certo que no processo eleitoral não é cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória de primeira instância. Na legislação vigente, apenas há previsão de tal instrumento nos casos previstos nos arts. 279 e 282 do Código Eleitoral, a saber: contra a decisão do presidente do Tribunal Regional Eleitoral, denegatória de seguimento de recurso especial; e contra a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, denegatória de recurso ordinário em habeas corpus ou mandado de segurança.

Além dos casos taxativamente previstos na legislação eleitoral, a jurisprudência passou a entender pela viabilidade do manejo de agravo de instrumento nos processos eleitorais em fase de cumprimento de sentença, e nas execuções fiscais de multa eleitoral. Tanto é assim que todos os precedentes colacionados na petição de agravo foram prolatados em sede de execução fiscal ou em fase de cumprimento de sentença.

Pelo princípio da unirrecorribilidade recursal, não se pode conhecer mais de um tipo de recurso para atacar a mesma decisão. E o art. 265 do Código Eleitoral prevê que dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso inominado para o Tribunal Regional, verbis:

Art. 265 - Dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso para o Tribunal Regional.

Parágrafo único. Os recursos das decisões das Juntas serão processados na forma estabelecida pelos artigos 169 e seguintes.

Consigno que não há dúvida alguma quanto às hipóteses de cabimento do recurso inominado previsto no art. 265 do Código Eleitoral em processos eleitorais. Esta Corte Regional, em reiteradas decisões sobre a matéria, consolidou posicionamento no sentido de que o agravo de instrumento previsto no Código de Processo Civil é incabível para atacar as decisões interlocutórias prolatadas pelos juízes eleitorais. Merecem transcrição os seguintes precedentes:

Agravo de instrumento. Decisão que não recebeu, por intempestiva, apelação de sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral irregular.

Impropriedade do agravo de instrumento para atacar decisões interlocutórias prolatadas por juízes eleitorais, as quais devem ser impugnadas pela via prevista no art. 265 do Código Eleitoral. Precedentes jurisprudenciais nesse sentido.

Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal, que reclama dúvida na doutrina ou jurisprudência acerca da inconformidade cabível, bem como obediência ao prazo para sua interposição – pressupostos que, na espécie, não se configuram.

Não-conhecimento.

(TRE-RS, Processo RE 24, rel. Dra. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, j. 27.8.2008.)

 

Recurso regimental. Decisão de relator que negou seguimento a agravo de instrumento interposto contra ato de juiz eleitoral.

É incabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias. A via adequada é o recurso previsto no art. 265 do Código Eleitoral.

Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade.

Provimento negado.

(TRE-RS, Processo Cl. 05, n. 102007, rel. Des. Fed. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, j. 8.5.2007.)

 

Agravo de instrumento. Divulgação de pesquisa eleitoral não registrada.

Descabimento de recurso contra decisão interlocutória no processo eleitoral.

Inviabilidade de enquadramento da decisão recorrida nas hipóteses previstas em lei para a interposição de agravo de instrumento.

Não conhecimento.

(TRE-RS, Processo Cl. 05, n. 252006, rel. Dr. Thiago Roberto Sarmento Leite, j. 15.9.2006.)

 

Agravo de instrumento. Ação de impugnação de mandato eletivo. Decisão que indeferiu pedido de requisição de nota fiscal.

Forma recursal admitida, em sede de Direito Eleitoral, somente nas hipóteses contidas nos arts. 279 e 282 do Código Eleitoral.

Feito não conhecido.

(TRE-RS, Processo Cl. 05, n. 332006, rel. Dra. Lizete Andreis Sebben, j. 9.11.2006.)

 

Recurso inominado. Decisão do juízo eleitoral que determinou desentranhamento de documentos.

Inexistência, na órbita da Justiça Eleitoral, de recurso para as decisões interlocutórias.

Possibilidade de interposição do agravo de instrumento somente nas hipóteses contidas nos arts. 279 e 282 do Código Eleitoral.

Feito não conhecido.

(TRE-RS, Processo Cl. 19, n. 462005, rel. Dr. Thiago Roberto Sarmento Leite, j. 22.11.2005.)

 

RECURSO INOMINADO - DESPACHO INTERLOCUTÓRIO - POSSIBILIDADE - INTERPOSIÇÃO DE DOIS RECURSOS CONTRA A MESMA DECISÃO - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE - NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO RECURSO POR MOTIVOS DIVERSOS - CONHECIMENTO DO INOMINADO - AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - SUSPENSÃO POR UM ANO EM RAZÃO DE SE ENCONTRAREM EM GRAU DE RECURSO INVESTIGAÇÕES JUDICIAIS ELEITORAIS - AÇÃO AUTÔNOMA - PROVIMENTO.

(TRE-SC, RECURSO EM IMPUGNACAO DE MANDATO ELETIVO nº 159, Acórdão nº 20545 de 29.5.2006, Relator OSNI CARDOSO FILHO, Publicação: DJESC - Diário da Justiça do Estado de Santa Catarina, Data 02.6.2006, Página 198.)

 

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO LIMINAR PROFERIDA EM REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL. CABIMENTO DO RECURSO INOMINADO - ART. 265 DO CÓDIGO ELEITORAL. INICIAL INDEFERIDA. AGRAVO REGIMENTAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

(TRE-SP, AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANCA nº 2641, Acórdão nº 164460 de 30.9.2008, Relator PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 07.10.2008, Página 6.)

Conforme prevê o art. 266 do Código Eleitoral, o recurso inominado deve ser interposto perante o juiz eleitoral, que mandará intimar o recorrido para ciência do recurso, abrindo-se-lhe vista dos autos a fim de, em prazo igual ao estabelecido para a sua interposição, oferecer razões, acompanhadas ou não de novos documentos.

A utilização de agravo de instrumento diretamente perante este Tribunal caracteriza impropriedade que não o admite, acarretando a impossibilidade insuperável de adoção da fungibilidade recursal.

Do exame dos autos, observa-se que, quando a coligação representante requereu o cumprimento de sentença, apresentando petição e memória de cálculo, o juízo de primeiro grau entendeu por iniciada a fase executiva, na forma prevista no Código de Processo Civil, e intimou a Google Brasil Internet Ltda. a pagar o débito.

Contra a referida decisão, a Google interpôs agravo de instrumento (RE 2683-31), suscitando a ilegitimidade da coligação exequente para a cobrança.

Ao julgar o apelo, este Tribunal considerou que, excepcionalmente, diante do início da fase de cumprimento de sentença prevista no CPC, o agravo de instrumento seria conhecido, pois “os tribunais pátrios admitem a interposição de agravo da decisão que determina o pagamento de multa cominatória”, e extinguiu o pedido, acolhendo a preliminar de ilegitimidade da coligação partidária.

Considerando que o acórdão transitou em julgado, a pretensão da Google, de estabelecer e adimplir com o valor da condenação só poderá ser alcançada mediante cumprimento de sentença, fase que tanto pode ser promovida pela União, quanto pela própria devedora, na forma do art. 526 do CPC:

Art. 526. É lícito ao réu, antes de ser intimado para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo.

Ou seja, a agravante não está, de modo algum, desamparada no seu direito de discutir o valor a que restou condenada, razão pela qual reitero os fundamentos exarados na decisão recorrida, na qual assinalei a possibilidade de a própria agravante dar início à fase de cumprimento de sentença, ocasião em que poderá informar o valor correto das astreintes junto ao juízo a quo:

Inicialmente, observo que o acórdão relativo ao julgamento do agravo de instrumento RE nº 2683-31.2014.6.21.0000 conheceu do recurso interposto tão somente porque, a partir da petição e memória de cálculo juntadas pelos representados, que se julgavam credores das astreintes, e da respectiva intimação da representada, ora agravante, para pagamento, havia iniciado a fase de cumprimento de sentença para cobrança do débito, a qual segue o procedimento previsto no Código de Processo Civil em razão da ausência de previsão específica na legislação eleitoral.

No entanto, no julgamento do RE 2683-31, este Tribunal extinguiu, sem apreciação do mérito, o pedido de cumprimento de sentença, pondo fim àquela fase processual.

Assim, o recurso hábil à desconstituição de despacho de juiz eleitoral é o inominado, previsto no art. 265 do Código Eleitoral, no prazo de três dias disposto no art. 258 do mesmo Código, e não o agravo de instrumento, cujo cabimento, no processo eleitoral, resume-se às hipóteses dos arts. 279 e 282 do CE e, por exceção, às execuções fiscais de multas eleitorais que seguem o rito da Lei 6.830/80, e aos processos que se encontram em fase de cumprimento de sentença e adotam o procedimento da legislação processual civil comum.

A interposição de agravo de instrumento constitui erro grosseiro que impede a fungibilidade recursal, não apenas em face da utilização do recurso diverso daquele expressamente previsto em lei para o caso concreto, mas porque o recurso inominado é interposto nos próprios autos e possibilita ao juiz eleitoral a faculdade da retratação.

Portanto, o presente agravo não comporta conhecimento.

Contudo, mostra-se possível expressar algumas considerações sobre a questão posta em debate, sendo a primeira, a de que o acórdão no RE 2683-31, o qual assentou ser a Advocacia Geral da União o órgão responsável pelo ajuizamento do cumprimento de sentença, transitou em julgado.

Não obstante, observa-se que a credora da obrigação não compôs a lide, situação que ocorre em muitos feitos eleitorais que culminam com a existência de valores a serem recolhidos ao Fundo Partidário, sendo essa a hipótese dos autos.

Para essas situações, a Procuradoria Regional da União da 4ª Região no Estado do Rio Grande do Sul informou a este TRE-RS ter firmado entendimento no sentido de que a decisão, por constituir título executivo judicial, prescinde de inscrição em dívida ativa, uma vez não tratar de hipótese de cabimento de execução fiscal, a teor do art. 516, I, do CPC.

Por essa razão, este Tribunal orientou as zonas eleitorais (Ofício-Circular SCRE nº 020/14) no sentido de remeterem os autos à Secretaria Judiciária desta Corte, que comunica à AGU sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória, descabendo a adoção do rito previsto no art. 367 do Código Eleitoral, que trata da inscrição do débito no Livro Registro de Multas Eleitorais e da elaboração do Termo de Inscrição de Multa Eleitoral, para posterior cobrança mediante executivo fiscal.

Com efeito, conforme consta do acórdão no RE 2683-31, tanto a Procuradoria da Fazenda Nacional quanto a Advocacia-Geral da União entendem ser esta última a responsável pelo ajuizamento do cumprimento de sentença relativo à cobrança da multa de astreintes, dívida que não possui caráter eleitoral stricto sensu, devendo ser observado o procedimento estabelecido no Código de Processo Civil.

Cumpre registrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhada pelo Tribunal Superior Eleitoral, admite a possibilidade de revisão até mesmo de ofício do valor da multa arbitrada, a qualquer tempo e inclusive após o trânsito em julgado.

Por fim, diante da manifesta intenção de discutir a obrigação, anoto que a agravante pode valer-se de meios específicos para impugnação da quantia devida quando e se o credor da multa requerer a sua execução, sendo-lhe facultado, antes da intimação para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo (art. 526 do CPC), podendo, também, reportar-se diretamente à Advocacia-Geral da União para tratar sobre o débito.

Com essas considerações, não conheço do agravo de instrumento, nos termos do art. 39, inc. XX, do Regimento Interno deste Tribunal, pois manifestamente incabível.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do agravo regimental.