RE - 6088 - Sessão: 30/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores, Guaporé, em face de sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes ao exercício financeiro de 2014.

Em suas razões (fls. 81-84), o partido alega que doações apontadas como irregulares não podem ser consideradas como oriundas de fontes vedadas. Sustenta que os recursos foram necessários para a manutenção da agremiação. Requer o reconhecimento da legalidade das contribuições glosadas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que arguiu nulidade em face da determinação de exclusão dos dirigentes do partido, pelo magistrado, e, no mérito, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 90-102).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 02.3.16 (fl. 79) e o recurso interposto no mesmo dia (fl. 81), dentro do prazo previsto pelo art. 258 do CE.

 

Preliminar de nulidade. Ausência de citação dos dirigentes partidários

O d. Procurador Regional Eleitoral suscita questão relativa à exclusão, pelo magistrado a quo (fl. 50), dos dirigentes partidários como partes da presente ação. Fundamentalmente, o Parquet sustenta, fls. 96 e verso, que:

“No caso vertente, sendo as contas partidárias referentes ao exercício de 2014, face ao que dizia o art. 67 da Resolução TSE nº 23.432/14 e ao que ora prevê o art. 65 da Resolução TSE nº 23.432/14, o mérito continuará a ser examinado frente à ótica da Resolução TSE nº 21.841/2004, que regula aquele exercício, inclusive no aspecto da responsabilidade dos dirigentes partidários, mas as regras instrumentais devem seguir a Resolução TSE nº 23.464/15 .

Em outras palavras, de acordo com a seguinte conclusão, direito processual e direito material revelam-se na mais perfeita compatibilidade: (a) os dirigentes partidários devem ser citados e incluídos como partes no processo, interpretação cristalina que se depreende do art. 38 da resolução de regência e das teorias da aplicação imediata e do isolamento das regras processuais; (b) eventual responsabilidade que lhes seja atribuída permanece sendo de natureza subsidiária, no caso concreto, por refletir a norma de direito material vigente para as contas partidárias do exercício de 2012; (c) porém, a satisfação da obrigação, seja em relação ao partido, seja em relação aos responsáveis legais, não mais necessitará da instauração de tomada de contas especial, devendo dar-se via cumprimento de sentença, nos próprios autos da prestação de contas, o que pressupõe a regular citação.

Além disso, a intimação ou a citação da agremiação e de seus dirigentes não caracterizam uma sanção, pelo contrário, traduzem o direito à ampla defesa e ao contraditório constitucionalmente protegidos. Direito que deve ser assegurado, inclusive, sob pena de eventual futura alegação de nulidade.

Por fim, vale ressaltar que a nova Resolução apenas criou a possibilidade dos dirigentes defenderem-se. Não há falar em alteração do julgamento de mérito pela adoção das novas disposições atinentes à intimação do presidente e do tesoureiro do partido, haja vista que, conforme já analisado acima, a Lei nº 9.096/95 já previa, em seus artigos 34, II e 37, a possibilidade de responsabilização dos dirigentes pela falta de prestação de contas ou pelas irregularidades constatadas na escrituração e na prestação de contas. (Grifos do original)

Muito embora as consideráveis razões, é correta a decisão do juízo singular. Com efeito, não há como admitir que a vinda ao processo, para responsabilização inédita dos dirigentes partidários, seja caracterizada como norma de cunho instrumental.

À evidência, a formação do litisconsórcio necessário interferiria no mérito das contas, conforme já decidido por esta Corte no acórdão da PC n. 64-65, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgado em 23.6.2015, em que foi determinada a exclusão dos dirigentes partidários do feito.

Após, no julgamento de Agravo Regimental na PC n. 79-63, referente ao exercício do ano de 2015, também de relatoria do Dr. Leonardo e ocorrido na sessão de 06.8.2015, esta Corte assentou que a Resolução TSE n. 23.432/14 alterou a forma de responsabilização dos dirigentes partidários, circunstância que dispõe sobre o mérito:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos diz respeito ao direito material, e não ao direito processual.

Cabe aos responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido responder, na esfera cível, por improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário. São passíveis, igualmente, de responder na seara criminal por ofensa à fé pública eleitoral.

Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado. (Ag. Reg. na PC n. 79-63, DJE de 10.8.15, p. 3.)

Afasto a preliminar.

 

Mérito

A prestação de contas do Diretório do Partido dos Trabalhadores de Guaporé, referente ao exercício financeiro de 2014, foi desaprovada em virtude do recebimento de doações oriundas de fonte vedada, sendo determinados (1) o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 816,21 (oitocentos e dezesseis reais e vinte e um centavos) e (2) a suspensão da distribuição de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 12 (doze) meses, a contar do trânsito em julgado.

As doações tidas por irregulares são as realizadas por Ademir Antonio Toledo dos Santos (ocupante do cargo comissionado de assessor de secretaria na câmara municipal), no valor de R$ 126,21, e por Ronaldo Jair Donida e Valter Luis Mann (vereadores), nos valores de R$ 490,00 e R$ 200,00, respectivamente, totalizando a quantia de R$ 816,21, que representa 57,45 % da receita da agremiação no período (fl. 66).

À análise.

As contas foram desaprovadas em virtude da apresentação intempestiva, ausência de conta bancária e recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas.

A apresentação intempestiva, por si só, não levaria à desaprovação da contabilidade, por se tratar de irregularidade formal.

No que se refere à conta bancária, por sua vez, indico que ela se encontra relacionada à fl. 18 dos autos. Os extratos da conta, por seu turno, constam às fls. 23-34.

Tal apontamento, portanto, não procede.

Passo à análise do recebimento de doação de cidadãos que detenham a condição de autoridade e de servidor ocupante do cargo de assessor, demissível ad nutum da administração pública.

A matéria é disciplinada no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 (reproduzida no art. 25, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04):

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No conceito de autoridade pública inserem-se os detentores de cargos comissionados que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Ressalto que este Tribunal, na Consulta n. 109-98, sessão de 23.9.15, tendo como relator o Dr. Leonardo Tricot Saldanha, sedimentou o entendimento de que os agentes políticos estão inseridos no conceito de autoridade:

A doutrina refere que agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. [...] São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed., 2004, p. 230). Do que se depreende, além dos detentores de cargo eletivo, são considerados agentes políticos os ministros e secretários estaduais e municipais, pois todos detém funções com poder de autoridade. Da leitura de suas decisões mais recentes, o TSE consolidou entendimento no sentido de que os agentes políticos estão abrangidos pela vedação prevista no art. 12, inciso XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. A questão foi diretamente enfrentada pelo TSE no Agravo de Instrumento n. 8239, de 25.8.2015, no qual o PSDB de Santa Catarina invocou o art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, e requereu que fosse considerado autoridade somente aqueles que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta, autorizando os que detenham mandato eletivo ou que exerçam cargo de assessoramento. Na decisão, o Relator, Ministro Henrique Neves, asseverou: ressalto que, conforme assinalei no julgamento do REspe n. 49-30, da minha relatoria, o conceito de autoridade pública deve abranger os agentes políticos e servidores públicos, filiados ou não a partidos políticos, investidos de funções de direção ou chefia (DJE de 28.8.2015). (Grifei.)

Irregulares, portanto, as doações realizadas pelos Vereadores Ronaldo Jair Donida e Valter Luis Mann. Ainda que a agremiação sustente que os vereadores nominados “exercem atividades em suas vidas privadas, sendo estas as origens de tais recursos”, fl. 83, é certo que a vedação atinge o ocupante do cargo eletivo em qualquer situação, enquanto durar o respectivo mandato, sendo que a circunstância de auferimento de outras rendas não pode, mesmo em tese, prestar-se como argumento a validar as doações realizadas.

Entretanto, em relação à doação realizada por Ademir Antonio Toledo dos Santos, assessor na Câmara Municipal, no valor de R$ 126,21, tenho que, conforme o apontado nas razões recursais, o cargo ocupado não pode ser considerado como autoridade pública:

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Exercício de 2011. Doação de fonte vedada. Conceito de autoridade. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Controvérsia quanto à interpretação do conceito de autoridade.

É possível afirmar que o conceito atual de autoridade abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham função exclusiva de assessoramento.

Enquadra-se nesse conceito o detentor de cargo de coordenação, por configurar o exercício de chefia ou direção para fins de enquadramento na hipótese de fonte vedada prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Redução do período de suspensão do recebimento de novas cotas do Fundo Partidário em função do valor diminuto do montante envolvido.

Correção de erro material na sentença relativo ao valor da doação.

Deram parcial provimento ao recurso, mantendo a desaprovação das contas, reduzindo o período de suspensão das quotas para 6 (seis) meses e determinando o recolhimento ao Fundo Partidário de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais).

(RE - Recurso Eleitoral n. 3650 – Alvorada/RS. Acórdão de 23.9.2014. Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA. Relator designado DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 172, Data 25.9.2014, Página 2.) (Grifei.)

 

Ainda, o recolhimento dos valores recebidos de fonte vedada é corolário lógico do ilícito. Nesse passo, e considerando-se o acerto da sentença no que concerne às doações efetuadas pelos vereadores, deve ser realizado o recolhimento dos respectivos valores em favor do Tesouro Nacional.

Aliás, no que refere ao recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme previsão das novas resoluções sobre contas partidárias (Resolução TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15), saliento que idêntica conclusão foi alcançada por este Tribunal no acórdão da prestação de contas PC n. 72-42, de minha relatoria, julgada na sessão de 04.5.2016.

A condenação, assim, deve se dar no montante de R$ 690,00, excluída a quantia de R$ 126,21, proveniente do mencionado assessor de secretaria.

Finalmente, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixada pelo Juízo de 1º grau em 12 (doze) meses, entendo por diminuir o prazo para 3 (três) meses, adotando-se os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, em razão dos valores irregulares.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, DETERMINANDO:

a) a exclusão da condenação do valor de R$ 126,21, doado por Ademir Antonio Toledo dos Santos, Assessor do Poder Legislativo Municipal, reduzindo o montante da condenação para R$ 690,00, mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional; e

b) a redução do período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para o prazo de 3 (três) meses.