RC - 891 - Sessão: 16/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

JOEL DA SILVA MONTEIRO interpõe o presente recurso criminal em face da sentença do Juízo Eleitoral da 11ª Zona – São Sebastião do Caí, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para o fim de condená-lo à pena de seis meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo, convertida em prestação de serviços à comunidade, pela prática do delito de “boca de urna” descrito no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97.

De acordo com a denúncia (fls. 2-3v.), “CHARLES ALEXANDER DA SILVA FLORES, JOEL DA SILVA MONTEIRO e SILVANO BASTIÃO DA SILVA realizaram propaganda de boca de urna, empunhando, cada um, uma bandeira de propaganda política do partido PMDB, conforme auto de apreensão incluso. Na ocasião, os denunciados foram abordados por policiais militares enquanto faziam 'bandeiraço' para o partido do candidato a prefeito Darci José Lauerman, no endereço acima mencionado. Restaram apreendidas sete bandeiras do partido PMDB, consoante auto de apreensão das fls. 09.”

A denúncia foi recebida em 14.02.2013 (fl. 35).

Os réus aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo oferecida em audiência (fls. 107-108).

Foi certificado que o ora recorrente, JOEL DA SILVA MONTEIRO, descumpriu os termos da proposta, pois deixou de comparecer bimestralmente em juízo (fl. 112).

O juízo a quo determinou a cisão do feito e a intimação do recorrente e de seu defensor para justificarem o descumprimento dos termos estabelecidos para a suspensão condicional do processo (fl. 126).

Réu e defesa técnica foram devidamente intimados e não se manifestaram, restando revogada a sursis processual (fl. 124), oportunidade em que o juízo aprazou audiência de instrução para oitiva das testemunhas.

Instruído o feito e interrogado o réu, foi aberta a fase de alegações finais, sobrevindo a juntada da manifestação da acusação (fls. 167-168v.).

Conforme certidão cartorária, a defesa deixou transcorrer in albis o prazo para razões finais (fl. 170).

Sobreveio sentença condenatória que consignou a procedência da denúncia, nos seguintes termos: “Com efeito, o relato do policial militar, servidor detentor de fé pública, mostrou-se firme e coerente no sentido da existência do 'boca de urna' através do 'bandeiraço' realizado. Importa referir que a expressão boca de urna, coloquialmente utilizada, foi introduzida pela Lei 11.300/06 e deve ser entendida como qualquer manifestação tendente a influenciar a vontade do eleitor no dia do pleito, não sendo necessário, para tanto, o resultado” (fl. 175v.).

Contra a decisão, o réu interpõe o presente recurso criminal sustentando a atipicidade delitiva ao argumento de que o ato de empunhar a bandeira de partido político não constitui crime eleitoral. Afirma que não pediu votos a candidato algum e que não realizou propaganda de boca de urna. Alega que, na data do fato, passou o dia todo caminhando pelas ruas da cidade de São Sebastião do Caí, empunhando a bandeira, e que não fez bandeiraço. Esclarece que, quando da abordagem policial, estava junto de amigos, com as bandeiras enroladas, defronte à Loja Colombo, distante do local de votação, reunido para dividir um refrigerante grande, comprado para acompanhar o almoço. Assinala não ter realizado arregimentação de eleitor, distribuição de material de propaganda, aliciamento, manifestação tendente a influir na vontade do eleitor ou boca de urna. Aponta que os policiais militares declararam, em juízo, que no momento da abordagem as pessoas detidas não estavam “chacoalhando as bandeiras”, pois apenas afirmaram que algumas estavam abertas. Além disso, em audiência, o policial militar responsável pelo patrulhamento da via negou que as pessoas detidas estivessem “balançando as bandeiras”, e reconheceu que todos estavam somente “se reunindo”. Pondera que o bem juridicamente protegido pelo tipo penal não restou violado, e que a prova é insuficiente para a condenação. Requer sua absolvição (fls. 181-187).

Ausentes contrarrazões pelo Ministério Público Eleitoral com atribuição junto à origem (fl. 189), o feito foi remetido a este Tribunal e encaminhado com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 191-194).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Leonardo Tricot Saldanha (relator):

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

PRELIMINARMENTE e, de ofício, observo que o processo criminal encontra-se eivado de nulidade absoluta, desde a ausência das alegações finais defensivas.

A certidão da fl. 170 noticiou o transcurso in albis do prazo para apresentação de alegações finais, por parte do recorrente, não obstante a intimação do seu defensor constituído por meio da imprensa oficial.

Logo em seguida, mesmo diante da ausência das alegações defensivas, o Juízo Eleitoral da 11ª Zona Eleitoral prolatou sentença julgando procedente a pretensão punitiva estatal.

Porém, no processo penal, diferentemente do processo civil, a ausência de defesa não pode ser uma opção a ser exercida pela parte ré. Ao denunciado não resta outra alternativa a não ser defender-se cabal e especificadamente. Um ônus que, em verdade, consagra uma garantia para o acusado.

Dispõe o art. 5º, LV, da Constituição da República, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Previsão similar acerca da necessidade de observação ao contraditório e ampla defesa encontra-se estampada no art. 261 do Código de Processo Penal, ao propósito de que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor” e, ainda, “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação” (art. 263).

Além disso, o art. 396-A, § 2º, do CPP, propugnou pela imprescindibilidade da defesa técnica do acusado, mormente quando da apresentação da defesa escrita. O citado dispositivo adverte que “não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias”.

Assim, verifica-se que a defesa técnica trata-se de direito irrenunciável e indisponível. Decorre do próprio contraditório, da igualdade entre as partes e da paridade de armas que ao acusado seja assegurado um defensor habilitado, ou seja, um advogado.

O mesmo silogismo deve ser aplicado, com ainda mais propriedade, para as alegações finais, ato processual essencial ao exercício da ampla defesa do acusado processado criminalmente. É dizer: não apresentada as alegações derradeiras pelo causídico do réu, ainda que devidamente intimado para tanto, deverá o magistrado designar defensor dativo para o especial fim de redigir a peça processual.

A mais recente jurisprudência das cortes superiores é uníssona no sentido de que, em hipótese alguma, pode o processo ser julgado sem alegações finais, nem que seja preciso nomear um defensor ad hoc para aduzi-las.

Ausente apresentação de alegações finais, deve haver intimação específica e pessoal do acusado sobre a necessidade de constituir novo defensor para o ato ou solicitar nomeação de dativo. Permanecendo o réu silente, a providência deve ser determinada de ofício pelo juiz, na hipótese de não haver atuação da Defensoria Pública da União junto à Zona Eleitoral.

O fato é que predomina na jurisprudência o posicionamento de que a falta de alegações finais pelo acusado é causa de nulidade absoluta. Afirma-se que o oferecimento de razões finais é termo essencial do processo, já que a omissão causa o esvaziamento do princípio do contraditório, deixando de se expor as pretensões da defesa. Além disso, o Código sempre exige o oferecimento de defesa em diversos dispositivos.

E da análise detida dos autos, nota-se que a autoridade julgadora que presidiu a instrução criminal, diante da inércia do advogado constituído pelo acusado, e subscritor do recurso, em apresentar as alegações finais, deixou de tomar medidas a fim de trazer aos autos a peça processual faltante. Portanto, tendo havido afronta aos postulados do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, indiscutivelmente ocorreu nulidade absoluta da sentença guerreada.

Com esse entendimento, os seguintes precedentes:


HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. NECESSIDADE DE DEFESA PRÉVIA. ART. 514 DO CPP. DENÚNCIA QUE IMPUTA À PACIENTE OS CRIMES DE ROUBO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PROCEDIMENTO RESTRITO AOS CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS. ALEGAÇÕES FINAIS APÓS O ADITAMENTO DA DENÚNCIA. NÃO APRESENTAÇÃO PELA ADVOGADA CONSTITUÍDA. INTIMAÇÃO REGULAR. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO OU PÚBLICO PARA SUPRIR A FALTA. PROVIDÊNCIA NÃO ADOTADA PELO JUÍZO PROCESSANTE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. ADITAMENTO QUE NÃO MODIFICOU SUBSTANCIALMENTE A DENÚNCIA PRIMITIVA. DESNECESSIDADE DE REPETIÇÃO DAS ALEGAÇÕES ANTERIORMENTE APRESENTADAS. ORDEM DENEGADA. I - O procedimento previsto nos arts. 513 e seguintes do CPP reservam-se aos casos em que são imputados ao réu apenas crimes funcionais típicos, o que não se tem na espécie. II - A paciente foi denunciada, com outros indivíduos, pela prática, em tese, dos crimes de roubo qualificado e formação de quadrilha. III - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que "padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta" (HC 92.680/SP, Rel. Min. Cezar Peluso). IV - A defesa apresentou alegações finais, momento em impugnou todos os termos da denúncia ofertada e negou participação da ora paciente nos fatos tidos como criminosos. V - Depois de apresentadas alegações finais pelo Ministério Público e por todos os denunciados até então, foi procedido novo aditamento à inicial acusatória, desta feita para incluir mais quatro acusados no polo passivo da ação penal. VI - Não ocorrendo, com os aditamentos posteriores, modificação factual que obrigasse a paciente reformular a sua defesa, torna-se desnecessária a apresentação de novas alegações finais. VII - Inexistindo nulidade ou ilegalidade flagrante a ser sanada, não se pode admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, ante a verificação do trânsito em julgado do acórdão que tornou definitiva a condenação. VIII - Ordem denegada.
(STF - HC 95667 AM, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 16.6.2010,  Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-120 DIVULG 30.6.2010 PUBLIC 01.7.2010 EMENT VOL-02408-04 PP-01117).

 

AÇÃO PENAL. Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído. Intimação prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta. Medida não providenciada pelo juízo. Julgamento subsequente da causa. Condenação do réu. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido processo legal. Nulidade processual absoluta. Pronúncia. HC concedido, em parte, para esse fim. Precedentes. Interpretação dos arts. 5º, LIVLV, da CF, e 261, 499, 500 e 564 do CPP. Padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta.

(STF, HC 92680, Rel. Min. Cezar Peluso, DJE de 25.4.2008).

 

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES MILITARES. ROUBO QUALIFICADO E EXTORSÃO SIMPLES. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE. PRECEDENTES. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. RAZÕES MINISTERIAIS QUE NÃO VINCULAM O ÓRGÃO JULGADOR. PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA. NULIDADE DA SENTENÇA E DEMAIS ASPECTOS RELATIVOS À CONDENAÇÃO. INVALIDADE ANTERIOR QUE FULMINOU OS ATOS PROCESSUAIS SUBSEQUENTES. PREJUDICIALlDADE DE TAIS ALEGAÇÕES. INSUBSISTÊNCIA DOS MOTIVOS QUE ENSEJARAM A EXECUÇÃO DA PENA. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA. ORDEM PARCIALMENTE PREJUDICADA E, NO RESTANTE, CONCEDIDA.

A apresentação das alegações finais é imprescindível ao término da ação penal, sendo que [...] o não oferecimento compromete a ampla defesa e o próprio contraditório. Precedentes.

1. Ordem parcialmente prejudicada e, no restante, concedida para, tão-somente em relação ao Paciente, anular a instrução criminal, a partir das alegações finais, oportunizando-se à defesa a apresentação da peça processual e, caso assim não proceda, seja nomeado defensor dativo, com determinação, ainda, de imediata expedição de alvará de soltura em prol do Paciente.

(STJ, HC 191619/RN, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 01.3.2012).

 

HABEAS CORPUS. PENAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DAS ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A falta das alegações finais defensivas torna nula a sentença proferida ante ausência de defesa, conforme preceituam os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.

2. Ordem concedida para, declarada a nulidade da sentença, anular o processo n. 2008.028.005087-7 desde a decisão proferida, devendo ser reaberto o prazo para efetivar a apresentação de alegações finais pela Defensoria Pública, ou, se assim não o fizer, o Juízo a quo deverá nomear defensor dativo.

(STJ, HC 120231/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE de 4.5.2009).

 

RECURSO CRIMINAL Nº 60.39.2013.6.25.0025. CLASSE 31 1 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE DEFESA PRÉVIA E DE ALEGAÇÕES FINAIS DEFENSIVAS. VÍCIO CARACTERIZADO. RÉU INDEFESO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA ANULAR O PROCESSO DESDE A DEFESA PRÉVIA. COM RECOMENDAÇÃO. PREJUDICADOS OS DEMAIS PEDIDOS.

[...]

2. As alegações finais consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão pela qual a sua ausência implica em vício insanável que requer a sua declaração de nulidade, por ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.

3. Habeas corpus concedido de ofício para anular o processo desde a defesa prévia, com recomendação. Prejudicados os demais pedidos.

(STJ, 6 1 T, HC 120231/RJ, Rel. Min. Jane Silva, DJE de 25.8.2008).

 

CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que o Juízo de primeiro grau proferiu sentença condenatória, não obstante a ausência de alegações finais pela defesa do paciente.

II. A não apresentação das derradeiras alegações configura nulidade absoluta da sentença, por traduzirem ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

III. Ordem concedida, prejudicadas as demais alegações da impetração.

(STJ, HC 54814/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJE de 19.6.2006).

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. PENA REDUZIDA. REGIME SEMI-ABERTO, ADEQUAÇÃO DO REGIME. REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PREJUDICADA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE.

1. Alegações finais constituem peça imprescindível ao processo, sendo que o não oferecimento compromete a ampla defesa e o próprio contraditório.

2. Ordem concedida a fim de que, anulado o feito, sejam apresentadas as alegações finais, ficando prejudicadas as questões referentes à demora no julgamento da Revisão Criminal e fixação de regime mais brando para o cumprimento da pena.

(STJ, HC 40961/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJE de 6.3.2006).

Entretanto, por aplicação do § 2º do art. 282 do CPC, em vez de pronunciar a declaração de nulidade, que decorreria da constatação da existência de cerceamento de defesa, cumpre, desde já, proferir voto pela improcedência do pedido condenatório, pois o fato apurado nos autos é atípico.

De acordo com o STF, “Em se tratando de nulidade, cabe observar subsidiariamente o Código de Processo Civil. Podendo o órgão julgador decidir a matéria de fundo a favor da parte a quem aproveitaria a declaração de nulidade, deve fazê-lo deixando de implementar esta última” (STF, HC 98664 SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 23.02.2010, Primeira Turma, DJe-055 26.3.2010).

Com esse fundamento, passo ao exame do mérito.

A denúncia afirma que o recorrente praticou o delito de boca de urna, previsto no art. 39, § 5º, inc. II, segunda figura, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

Alega-se que, no dia da eleição, o recorrente realizou “bandeiraço” e “propaganda de boca de urna”, pois estava “empunhando bandeira de propaganda política do partido PMDB” em conjunto com outras pessoas que também portavam bandeiras.

O termo de ocorrência da fl. 6 aponta que, no local da abordagem policial, havia “aglomeração de pessoas”, o recorrente e mais seis, realizando “bandeiraço”.

Durante a instrução, foram ouvidas três testemunhas.

O policial militar que realizou a prisão em flagrante, Anderson Gomes Trindade, na audiência de instrução (fl. 141), afirmou que o recorrente estava em uma aglomeração de pessoas, reunido, fazendo “bandeiraço”. Questionado se, no momento da abordagem, o recorrente estava “balançando a bandeira”, o policial respondeu “Não, eles estavam se reunindo”. Indagado sobre estarem chacoalhando as bandeiras, a testemunha referiu “Não, estavam algumas abertas”.

Pedro Pegoraro disse, em juízo, que na data do fato serviu lanche ao recorrente e a outras três ou quatro pessoas que estavam realizando bandeiraço, e negou que eles tenham realizado boca de urna (fls. 143-145).

Sandro Teixeira Branco, por sua vez, afirmou que estava no local em que o recorrente foi abordado pela polícia e afirmou que, na ocasião, ele estava parado, sem sacudir a bandeira (fls. 159-161).

Da prova dos autos, conclui-se que, no dia da eleição, o recorrente estava, ao lado de outras seis pessoas, portanto uma bandeira partidária no centro da cidade de São Sebastião do Caí.

A definição do tipo penal eleitoral denominado boca de urna, não está na Lei das Eleições. De acordo com o TSE, o crime de ‘boca de urna’ caracteriza-se pela “distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos” (Ac. n. 45, de 13.5.2003, rel. Min. Carlos Velloso).

Confiram-se os precedentes que consignam a definição do tipo:

Consulta. ‘Boca-de-urna’ e ‘captação de sufrágio’. Distinção. 1. A ‘boca-de-urna’ é caracterizada pela coação, que inibe a livre escolha do eleitor (Lei nº 9.504/97, art. 39, § 5º). 2. A ‘captação de sufrágio’ constitui oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto (Lei nº 9.504/97, art. 41-A, acrescido pela Lei nº 9.840/99). Consulta respondida negativamente.

(Resolução n. 20.531, de 14.12.99, rel. Min. Maurício Corrêa).

 

Habeas corpus. Trancamento da ação penal. Crime. Art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97. Distribuição de propaganda política no dia da eleição. Boca-de-urna. Inexistência. Atipicidade. 1. A entrega de material de campanha a cabos eleitorais, no interior de residência, não se enquadra no crime capitulado no art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97, delito que pune a distribuição de propaganda a eleitor, no dia da votação, com o intuito de influir na formação de sua vontade. 2. Na Res.-TSE nº 21.235, este Tribunal Superior esclareceu que a proibição constante do art. 6º da Res.-TSE nº 21.224 não se aplica à entrega ou à distribuição, a quem o solicite, de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos políticos e dos comitês eleitorais. Concessão da ordem.

(Ac. n. 474, de 20.11.2003, rel. Min. Fernando Neves).

 

[...]. Penal. Crime eleitoral. Art. 39, § 5º, III, da Lei nº 9.504/97. Propaganda no dia da eleição. Dolo específico. [...]. Tipicidade material. Bem jurídico tutelado. Livre exercício do voto. [...] 1. A matéria referente à suposta atipicidade por ausência do dolo específico de influenciar eleitores na conduta de arremessar santinhos em via pública não foi examinada pela Corte a quo, carecendo, assim, do indispensável prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF. 2. O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao crime do art. 39, § 5º, III, da Lei nº 9.504/97, porque o bem tutelado é o livre exercício do voto e a lisura do processo de obtenção do voto. Precedente. 3. Ademais, o Tribunal de origem asseverou que ‘no presente caso, considerado o local em que foi praticada a conduta delituosa; a quantidade de material lançado em via pública; bem como o material que ainda se encontrava em poder do recorrente [...], restam evidentes a gravidade e o inegável dano à sociedade’ [...], o que corrobora para o reconhecimento da tipicidade material da conduta. [...]

(Ac. de 3.9.2014 no AgR-AI nº 498122, rel. Min. Luciana Lóssio).

A Corte Superior Eleitoral defende que a proibição “não se aplica à entrega ou à distribuição, a quem o solicite, de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos políticos e comitês eleitorais” (Resolução n. 21.235, de 5.10.2002, rel. Min. Fernando Neves).

Com base nesses elementos, tem-se que o fato imputado ao recorrente “portar bandeira partidária juntamente com outras pessoas, na data da eleição, na forma de aglomeração” não caracteriza o delito de boca de urna.

Além disso, nem toda manifestação político-eleitoral, na data da eleição, é vedada pelo art. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97, o qual, por tratar de crime, deve ser interpretado estritamente.

Nessa linha de raciocínio, a verificação da tipicidade delitiva deve ser realizada com a interpretação sistemática da Lei das Eleições, merecendo serem consideradas as disposições contidas no seu art. 39-A, dispositivo que expressamente permite o uso de bandeiras no dia do pleito.

O § 1º do art. 39-A da Lei n. 9.504/97, por sua vez, proíbe aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.

Transcrevo o artigo em questão:

Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º No recinto das seções eleitorais e juntas apuradoras, é proibido aos servidores da Justiça Eleitoral, aos mesários e aos escrutinadores o uso de vestuário ou objeto que contenha qualquer propaganda de partido político, de coligação ou de candidato. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o Aos fiscais partidários, nos trabalhos de votação, só é permitido que, em seus crachás, constem o nome e a sigla do partido político ou coligação a que sirvam, vedada a padronização do vestuário. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º No dia do pleito, serão afixadas cópias deste artigo em lugares visíveis nas partes interna e externa das seções eleitorais.

Da leitura conjunta do caput e do § 1º do art. 39-A da Lei das Eleições, conclui-se que a aglomeração de pessoas, portando bandeiras, no dia da votação, é prática vedada. Porém, a lei não prevê o fato como infração criminal, nem determina sancionamento penal em caso de descumprimento da proibição.

Assim, o fato, além de não caracterizar boca de urna, não configura crime eleitoral.

É caso de atipicidade delitiva.

Nesse sentido, os seguintes precedentes deste TRE e de outros regionais:

Habeas corpus com pedido de liminar. Alegada divulgação ilegal de propaganda política efetuada por eleitores na data do pleito, mediante uso de bandeira. Impetração objetivando trancamento de procedimento investigatório por ausência de justa causa. Liminar deferida, suspendendo o processamento do feito e a realização de audiência designada para proposta de transação penal.

Existência de permissivo legal para a prática da conduta impugnada, a teor do disposto no artigo 39-A, caput, da Lei n. 9.504/97. Atipicidade dos fatos narrados. Reconhecimento da falta de justa causa para a persecução criminal.

Ordem concedida.

(TRE-RS, Habeas Corpus n. 6181, Acórdão de 24.5.2011, Relator DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 090, Data 31.5.2011, Página 2).

 

Recurso criminal. Crime eleitoral. Propaganda eleitoral. Dia das eleições. Necessidade de divulgação da candidatura. Circulação do candidato e duas pessoas com vestimentas parecidas. Aglomeração. Não configuração. Cumprimento a eleitores. Irrelevante penal.

(TRE-RO, RECURSO CRIMINAL n. 7539, Acórdão n. 363/2013 de 27.11.2013, Relator SANSÃO SALDANHA, Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 224, Data 4.12.2013, Página 16-17).

 

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA OCORRIDO NO DIA DIA DA ELEIÇÃO. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AGLOMERAÇÃO DE PESSOAS. FATO ATÍPICO. CONCESSÃO DA ORDEM.

A consumação do crime de desobediência previsto no artigo 347 do CE exige que o agente recuse cumprimento a diligências, ordens ou instruções emanadas pela Justiça Eleitoral, as quais, sequer, a denúncia fez referência.

Ademais, o simples fato de o impetrante ter participado de aglomerado de pessoas no dia do pleito não constitui crime eleitoral, a teor do artigo 39-A, §1º da Lei n. 9.504/97.

Consoante a jurisprudência do TSE, o trancamento da ação penal na via de habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando constatada, de plano, a imputação de fato atípico, a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito e a extinção da punibilidade. Ordem concedida ante a atipicidade da conduta.

(TRE-PB, HABEAS CORPUS n. 69625, Acórdão n. 1185 de 25.9.2014, Relator EDUARDO JOSÉ DE CARVALHO SOARES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 29.9.2014).

Nesses termos, VOTO no sentido de deixar de pronunciar a nulidade decorrente do cerceamento de defesa causado pela ausência de apresentação de alegações finais defensivas, por aplicação do § 2º do art. 282 do CPC, para, no mérito, dar provimento ao recurso interposto e ABSOLVER o acusado, com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.