HC - 2211 - Sessão: 02/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar, impetrado em favor de JAIRO ROBERTO COSTA KERSTING contra ato da Juíza Eleitoral da 133ª Zonal Eleitoral de Triunfo.

Sustenta o impetrante a ocorrência de litispendência entre a AP n. 8-50 e a AP 20-64, ambas em trâmite no Juízo da 133ª Zona Eleitoral, as quais tratariam do mesmo fato delituoso. Aduz, ainda, atipicidade da conduta, pois o tipo penal do art. 299 do Código Eleitoral não abrangeria a negociação visando à obtenção de apoio político. Requer a concessão de liminar para cancelar a audiência para oferta de suspensão condicional do processo, aprazada para o dia 15.03.2016, bem como a suspensão do andamento da AP 8-50 e, ao final, a concessão da ordem, determinado-se o trancamento da referida ação penal (fls. 02-17).

A liminar foi deferida (fls. 193/194).

As informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 200-201).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 229-232).

É o relatório.

VOTO

Não vislumbro, entre as ações penais, a identidade de imputações hábil a caracterizar a litispendência.

Com efeito, na AP 8-50 o impetrante foi denunciado por oferecer e dar para os eleitores Jeferson da Silva Souza, Paulo Rogério de Souza e Maria Celoi Ferreira de Souza, cargos em comissão, a fim de obter-lhes “apoio político” (fls. 19-22).

Por sua vez, a denúncia ofertada na AP 20-64 descreve cinco condutas imputadas ao impetrante, sempre visando à obtenção de votos, quais sejam: o 8º fato, consistente em prometer e dar para o eleitor João Carlos dos Santos Nobre o pagamento de uma conta de água; o 12º fato, consistente em prometer e dar para a eleitora Jeci da Silva materiais e serviços para construção de um muro; o 26º fato, consistente em oferecer ao eleitor Luiz Carlos Alves de Abreu vantagens indeterminadas; o 47º fato, consistente em prometer e dar à eleitora Luci Teresinha Silva Azeredo o valor de R$ 150,00 e, finalmente, o 62º fato, consistente em prometer um emprego e dar o valor de R$ 1.500,00 para o eleitor Adão Ricardo Lopes (fls. 53-158).

Dessa forma, conclui-se que não há identidade de imputações entre as ações penais. Os delitos descritos em cada denúncia, conquanto incidentes sobre o mesmo tipo penal (art. 299 do CE), guardam aspectos próprios de tempo, de meios e de modos de execução. Igualmente distintos são os eleitores envolvidos nas promessas ou dádivas utilizadas no pretenso comércio eleitoral.

Ainda nesse ponto, na estreita análise cabível em sede de habeas corpus, igualmente não se evidencia a ocorrência de qualquer das hipóteses de conexão (arts. 77, incs. I a III, do CPP), pois cada ação penal trata de delitos autônomos e independentes, realizados em contextos diferentes, com aspectos probatórios próprios a serem enfrentados no curso processual.

Em relação à alegada atipicidade da imputação formulada em desfavor do paciente, cinge-se a questão em determinar se as condutas de oferecer e dar cargos públicos à esposa e ao filho de candidato em troca do apoio político amoldam-se às elementares típicas reclamadas pelo art. 299 do CE.

Não se ignoram os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que a promessa de benesses em troca de apoio político não configura o crime de corrupção eleitoral, mas típica negociação política. A posição é bem ilustrada pelo HC 3160, de relatoria da Ministra Luciana Lóssio, julgado em 19.12.2013, concluindo, naquela hipótese, pela inexistência do dolo específico exigido pelo art. 299 do CE.

Contudo, entendo que tais fundamentos não são aplicáveis à espécie.

Nesse passo, a Superior Corte Eleitoral, reformando sua própria jurisprudência, embora no campo cível-eleitoral, já entendeu que a negociação de apoio político, com oferta de cargos públicos, constitui abuso de poder econômico, sendo passível de cassação do diploma e da aplicação da sanção inelegibilidade, consoante o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. APOIO POLÍTICO. NEGOCIAÇÃO. CANDIDATOS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. REGISTRO. CASSAÇÃO. INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A oferta de valores a candidato, com intuito de comprar-lhe a candidatura, configura a prática de abuso do poder econômico.

2. A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato.

3. A negociação de candidaturas envolvendo pecúnia, sobretudo quando já deflagradas as campanhas, consubstancia conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo, e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes.

4. Recurso desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 19847, Acórdão de 03.02.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data 04.03.2015, Páginas 219/220.)

A percepção contida na evolução jurisprudencial também deve alcançar a seara penal.

Com efeito, a situação narrada é distinta daquelas comuns e lícitas, embora frequentemente censuráveis, negociações políticas entabuladas para formação de coligações ou de futura estrutura governamental, com distribuição de cargos de alto escalão geralmente ocupados por agentes políticos.

No caso em tela, imputa-se o oferecimento e a nomeação para cargos comissionados de assessoria (assessor administrativo e assessor de vereador) a familiares de político local, em troca de seu apoio.

Cumpre observar que, no contexto narrado, o referido apoio político não guarda conotação de construção de uma equipe de governo ou base de sustentação. O aparente propósito da conduta é granjear votos em favor do denunciado.

Nesse tocante, as cortes eleitorais sedimentaram posição no sentido de que o crime do art. 299 do CE não exige como elementar típica o pedido explícito de votos. Nessa toada, é lídimo fixar a compreensão de que a compra de apoio político em troca de cargos carrega implícita a compra de votos.

No mesmo sentido, cumpre transcrever a dicção doutrinária de Rodrigo López Zilio (Crimes eleitorais: comentários à nova lei sobre os crimes eleitorais. Salvador: Juspodium, 2014), também referido no parecer da doutra Procuradoria Regional Eleitoral:

[…] o apoio político é gênero do qual a obtenção do voto é espécie, ou seja, quem compra o apoio político de outrem recebe, em contrapartida, não apenas o engajamento na campanha eleitoral como, também, a vinculação no momento do exercício do sufrágio. Na verdade, a compra de apoio político traz em seu bojo a associação intrínseca com o pedido de voto, até mesmo porque, em regra, a compra de votos sempre ocorre às ocultas, e, assim a compra de apoio político consiste em um modo dissimulado de também negociar o voto.

Aludido posicionamento foi recentemente agasalhado por esta Corte Regional por ocasião do julgamento do RC 5-79, em 05.05.2016, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, cujo excerto colaciono:

Em razão da entrega de dinheiro e da promessa de cargo público à eleitora Maria Altair Pretto, benesses dirigidas não apenas ao apoiamento, mas também ao angariamento do seu voto, o fato consubstancia, ao menos em tese, também a prática de corrupção descrita no art. 299 do Código Eleitoral: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.

Além disso, referidos votos, pela lógica do que ordinariamente acontece na realidade dessas tratativas, consubstanciam-se tanto naqueles obtidos diretamente do próprio político e de seus familiares – então perfeitamente especificados - quanto naqueles alcançados pelo poder dessas mesmas pessoas de interferir na vontade de outros eleitores.

Quanto a esses últimos, a maneira de exercer tal poder de influência e a individualização dos eleitores a ela submetidos devem ser averiguadas ao final do procedimento instrutório para se concluir se houve ou não a adequação típica do art. 299 do CE.

Deveras, é consabido que as condutas e negociações imbuídas de conteúdo criminoso eleitoral são, normalmente, feitas de forma dissimulada ou sub-reptícia, encobrindo-se seus reais objetivos por outros aparentemente não delituosos.

Assim, somente a devida instrução processual permitirá aferir com fidedignidade se os fatos sob análise representaram uma negociação normal da esfera político-eleitoral ou transmudaram-se no tipo penal do art. 299 do CE, cooptando votos, com interferência indevida na vontade do eleitor, por decorrência direta e imediata da mercancia eleitoral.

Dessa forma, o fato narrado constitui em tese o crime eleitoral do art. 299 do Código Eleitoral e a inaugural preenche os requisitos do art. 41 do CPP.

Ademais, na linha da jurisprudência das cortes superiores, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus só é admitida em hipóteses excepcionais, quando patente a atipicidade da conduta, ausentes indícios mínimos de autoria ou presente causa extintiva da punibilidade, o que não se vislumbra no presente caso.

Assim, o feito deve seguir seu regular processamento.

Diante do exposto, VOTO pela denegação da ordem, tornando sem efeito a liminar anteriormente deferida.

Comunique-se a presente decisão ao Juiz da 133ª Zona Eleitoral de Triunfo para as providências necessárias ao seu fiel cumprimento.