RE - 395 - Sessão: 16/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB de Santo Antônio da Patrulha contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referentes ao exercício financeiro de 2014 e aplicou a penalidade de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de seis meses, em virtude da ausência de conta bancária e de falta de autenticação do Livro Diário.

Em suas razões (fls. 91-93), o recorrente requer que as contas sejam julgadas com base nas novas regras introduzidas pela Lei n. 13.165/15, a qual suprimiu a sanção de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário. Sustenta que erros formais ou materiais que não comprometam o conhecimento da origem das receitas e a destinação das despesas não devem acarretar a desaprovação das contas.

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa, conforme prevê a Resolução TSE n. 23.464/15. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 97-104v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece ser conhecido.

Passo ao enfrentamento da preliminar de nulidade suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou preliminar de nulidade da sentença em face da ausência de observância das Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15, que preveem a citação dos dirigentes partidários em caso de parecer técnico ou ministerial pela desaprovação das contas.

Sobre a questão, há entendimento consolidado no âmbito deste Tribunal no sentido de que o litisconsórcio previsto na nova regulamentação de contas partidárias, por ser regra que interfere no exame do mérito do processo, é matéria que só deve ser aplicada nas prestações de contas dos exercícios financeiros do ano de 2015 em diante, nos termos do caput do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativas aos exercícios anteriores ao de 2015”.

A vedação de que as novas regras não interfiram no exame do mérito das contas também está disposta no art. 65 da Resolução TSE n. 23.464/15, que revogou a Resolução TSE n. 23.432/14.

A orientação é unânime nesta Corte, merecendo registro a ementa do seguinte precedente:

Agravo Regimental. Partido político. Omissão quanto a apresentação das contas com relação ao exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A alteração da natureza da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições com aplicação imediata. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS, AgReg 11508, deste relator, DEJERS de 8.9.2015).

A inteligência de que a Resolução TSE n. 23.432/14 trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores a sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Essa exegese de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito.

Além disso, a declaração de nulidade e a consequente baixa dos autos para reabertura da instrução sequer teria utilidade ao feito, pois as contas foram reprovadas unicamente em face da ausência de conta bancária e da falta de autenticação do Livro Diário, havendo registro de que o partido não movimentou recursos em espécie e apenas obteve recursos estimáveis em dinheiro durante o exercício.

Ou seja, sequer há determinação de restituição de valores ao Fundo Partidário ou de recolhimento de qualquer quantia ao Tesouro Nacional.

No processo eleitoral vige o princípio do prejuízo, máxima expressamente prevista no art. 219 do Código Eleitoral: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

No caso concreto, a citação dos responsáveis teria o condão de modificar o exame das contas caso houvesse apuração de falhas que pudessem ser esclarecidas pelos dirigentes partidários, ou de dívida que pudesse ser cobrada destes enquanto pessoas físicas.

Porém, considerando que a própria agremiação reconhece que não possui conta bancária (fl. 17), e que não foi apontada, no exame, a necessidade de recolhimento de valores, porquanto sequer houve movimentação financeira, eventual declaração de nulidade não aproveitaria o resultado útil do processo, razão pela qual rejeito a preliminar.

No mérito, o Partido Socialista Brasileiro - PSB de Santo Antônio da Patrulha demonstrou, documentalmente, que não movimentou recursos em espécie durante o exercício financeiro de 2014.

À fl. 17 o partido informou que não possui conta-corrente. Na declaração de imposto de renda, o PSB afirmou que não movimentou recursos durante o exercício (fl. 24). O advogado que prestou serviços à agremiação doou o trabalho, ao qual atribuiu a quantia estimável de R$ 600,00 (fl. 62). De igual modo e, em igual valor, procedeu o contador que realizou a prestação de contas (fl. 63). Desta forma, as despesas com advogado e contador totalizariam R$ 1.200,00. Além disso, o filiado André Luis de Oliveira Selistre cedeu uma sala para funcionamento do partido, incluindo as despesas de água e luz, doação estimável para a qual atribuiu o valor de R$ 1.200,00, conforme termo de cedência da fl. 74. O valor total das receitas estimáveis em dinheiro recebidas pelo partido é de R$ 2.400,00 e todos os registros estão perfeitamente efetuados nos autos.

Uma das causas para desaprovação das contas é a falta de autenticação no Livro Diário, impropriedade meramente formal que não é grave e pode ser sanada pela agremiação, razão pela qual não deve servir de fundamento para o desabono das contas.

A agremiação afirmou não possuir conta bancária, fato que não foi contestado pelo exame técnico ou pelo Ministério Público Eleitoral, não havendo notícia de qualquer indício de fraude ou má-fé.

Em relação à ausência de conta-corrente, é preciso esclarecer que a questão recebe tratamento diverso na resolução das prestações de contas de campanha, para a qual é exigida a abertura de conta bancária, e na resolução das prestações de contas de exercício financeiro, para a qual só deve haver abertura de conta bancária em caso de recebimento ou pagamento de recursos em espécie.

As resoluções que regulamentam as prestações de contas relativas às eleições exigem a abertura de conta bancária para todos os candidatos, partidos políticos e comitês financeiros que participam do pleito e a ausência da respectiva abertura ou de apresentação dos extratos conduz ao inevitável juízo de desaprovação.

Entretanto, as normas que regem as prestações de contas partidárias não exigem a abertura de conta bancária em qualquer hipótese, mas apenas no caso de movimentação financeira de recursos em espécie.

A Resolução TSE n. 21.841/04, norma que foi observada pelo partido durante o exercício de 2014, posteriormente revogada pela Resolução TSE n. 23.432/14, que também está revogada em função da publicação da Resolução TSE n. 23.464/15, dispõe, em seu art. 10, que as despesas partidárias devem ser realizadas por cheques nominativos ou por crédito bancário identificado, observado, em qualquer caso, o trânsito prévio desses recursos em conta bancária. Seu art. 4º prevê que o partido político pode receber quotas do Fundo Partidário, doações e contribuições de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas e jurídicas, devendo manter contas bancárias para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza, nos termos do art. 39 da Lei n. 9.096/95.

Ou seja, apenas no caso de movimentação de recursos financeiros há exigência de manutenção de conta bancária para o respectivo trânsito.

Já assentou o TSE que a irregularidade referente à falta de abertura de conta bancária não revela a magnitude necessária a atrair a desaprovação das contas de partido político se não houve movimentação financeira no exercício. Com esse entendimento a seguinte decisão:

O TRE/MT consignou, ainda, que “o partido político não teve lucro nem prejuízo acumulado ao longo do exercício; não tem patrimônio próprio; não teve despesas; não tem obrigações a pagar [e] não distribuiu recursos de fundo partidário a nenhum candidato ou integrante da legenda” (fl. 75).

Em hipóteses como a dos autos, o Tribunal Superior Eleitoral tem mitigado a exigência de abertura da conta bancária. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional. [...]

(AgR-REspe 66-98/MT, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 23.5.2014) (sem destaque no original).

[...] - Ainda que se tenha averiguado a ausência de abertura de conta bancária específica por diretório municipal, tal fato, por si só, não enseja a desaprovação das contas do partido, consideradas as peculiaridades do caso, em que foi reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral a realização de uma única despesa, de valor diminuto, relativa ao exercício financeiro. [...]

(AgR-REspe 30-93/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 17.10.2012)

(TSE, RESPE 353620116110041, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 1.8.2014).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional.

2. Agravo regimental não provido

(TSE, AgR-REspe n. 66-98/MT, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 23.5.2014).

A Lei n. 13.165/15, que institui a reforma eleitoral, incorporou esse entendimento ao incluir o § 4º ao art. 32 da Lei n. 9.096/95, que dispõe: “os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral, exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período”.

No entanto, a jurisprudência deste Tribunal, há muito tempo, consolidou entendimento de que os partidos políticos devem, logo após seu estabelecimento no município, abrir conta bancária a fim de provar, por intermédio de extratos bancários zerados, a veracidade da afirmativa de que não movimentaram recursos em espécie durante o exercício:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2008. Aprovação com ressalvas no juízo originário. Ausência de abertura de conta bancária específica. Irresignação ministerial consignando a ocorrência de vício insanável.

Providência imprescindível para a aferição da movimentação financeira do partido e para comprovar, através dos extratos bancários, a alegada ausência de receitas e despesas. Circunstância que torna inviável o exame de regularidade das contas, impondo a sua desaprovação.

Aplicação da suspensão das cotas do Fundo Partidário, de acordo com o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 12.034/09. Dosimetria da sanção após consideração de critérios objetivos, consistentes na análise da gravidade das falhas, dos precedentes jurisprudenciais, do conjunto de irregularidades e do correspondente percentual impugnado em face do total movimentado pela agremiação. Razoabilidade e proporcionalidade para estipular em oito meses a perda das cotas do referido fundo.

Provimento.

(TRE-RS, Prestação de Contas n. 195243, Acórdão de 11.11.2011, Relatora DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 197, Data 16.11.2011, Página 9).

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Arts. 10 e 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 21.841/2004. Exercício financeiro de 2010.

Aprovação no juízo originário.

1. Contas zeradas. A apresentação de contas sem movimentação afronta a norma de regência.

2. A ausência de abertura de conta bancária inviabiliza a verificação da destinação dos recursos movimentados pelo partido, comprometendo a regularidade e a transparência da demonstração contábil.

Omissões que ensejam a desaprovação das contas.

Suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário por quatro meses.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4861, Acórdão de 26.11.2013, deste Relator, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 220, Data 28.11.2013, Página 4).

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral. Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 3350, Acórdão de 25.01.2016, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 29.01.2016, Página 4).

No caso dos autos, o PSB de Santo Antônio da Patrulha não logrou abrir conta corrente e, consequentemente, não tem como apresentar os respectivos extratos do ano sob exame, carecendo de prova fidedigna a alegação de que não recebeu valores no exercício.

Nestas circunstâncias, a desaprovação é medida impositiva, merecendo ser mantida a sentença recorrida.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.