RC - 3951 - Sessão: 07/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por TIAGO LUCIANO KRIESEL e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 86ª Zona Eleitoral – sediada em Três Passos, a qual julgou procedente em parte a ação penal, condenando o réu TIAGO às sanções do art. 299 do Código Eleitoral, fls. 1300-1318, relativamente ao segundo fato narrado na denúncia.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ofereceu denúncia em desfavor de TIAGO LUCIANO KRIESEL com o relato dos seguintes fatos:

FATO 01:

No dia 20 de agosto de 2012, aproximadamente 17h50min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL prometeu à eleitora ANTONINA CORREA DOS SANTOS auxílio material para a realização de uma mudança, em troca de seu voto.

Na ocasião, por meio de uma ligação telefônica gravada com autorização judicial, a referida eleitora propôs ao denunciado que, em troca de seu voto, ele lhe fornecesse auxílio material para a realização de uma mudança, tendo o denunciado concordado.

FATO 02:

No dia 21 de agosto de 2012, aproximadamente às 9h08min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL deu 30 (trinta) litros de gasolina ao eleitor LUCÍDIO BARALDI, em troca de seu voto e do voto de sua companheira, MÁRCIA REGINA PADILHA DA ROSA.

Na ocasião, o denunciado, por meio de uma ligação telefônica gravada com autorização judicial, autorizou o responsável pelo posto de combustível conhecido por “Posto do Leonel” a fornecer 30 (trinta) litros de gasolina a LUCÍDIO BARALDI, sendo que, em troca, conforme previamente acordado, o denunciado receberia os votos de LUCÍDIO BARALDI e de sua companheira, MÁRCIA REGINA PADILHA DA ROSA.

FATO 03:

No dia 23 de agosto de 2012, aproximadamente às 11h10min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL prometeu dar ao eleitor HORÁCIO DORNELLES VIANA passagens de ônibus, em troca de seu voto e de seus familiares.

Na ocasião, por intermédio de uma ligação telefônica gravada com autorização judicial, o referido eleitor solicitou ao candidato passagens de ônibus para que ele, sua esposa e seus filhos viessem da região metropolitana de Porto Alegre até o Município de Bom Progresso/RS para votar, dando a entender que votariam no denunciado, tendo este anuído com a proposta.

FATO 04:

No dia 29 de agosto de 2012, aproximadamente às 12h32min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL prometeu fornecer auxílio para a eleitora HEDI MARIA HAUBRICH HENICKA consertar o forro de sua cozinha, em troca de seu voto.

Na ocasião, por meio de uma ligação telefônica gravada com autorização judicial, referida eleitora solicitou o reparo do forro de sua residência, em troca de seu voto, o que foi aceito pelo então candidato.

FATO 05;

No dia 05 de setembro de 2012, aproximadamente às 13h02min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL prometeu entregar à eleitora NELI TEREZINHA DE MELO a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) em troca de votos.

Na ocasião, por meio de contato telefônico, o qual foi gravado com autorização judicial, a referida eleitora solicitou ao denunciado auxílio financeiro, na quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) em troca do voto dela e de “FABIANO”, tendo o denunciado prometido a vantagem requerida.

FATO 06:

Em data e horários não esclarecidos, possivelmente em meados do ano de 2012, provavelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL ofereceu fazer um açude na propriedade do eleitor ORLANDO EULÁLIO DE MELLO, em troca do seu voto e do voto de seus familiares.

Na ocasião, o denunciado entrou em contato com o referido eleitor para pedir o seu voto e de seus familiares, dizendo que, em troca, faria um açude em sua propriedade.

Ao longo da peça inaugural, o Parquet sustentou que TIAGO incorreu no crime de corrupção eleitoral, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, por 6 (seis) vezes, na forma do art. 69, caput, do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 5 de setembro de 2014 (fl. 7).

Citado, o réu apresentou defesa.

Após a instrução do feito e a apresentação das alegações finais, o Juízo Eleitoral de origem entendeu comprovadas a materialidade e a autoria relativamente ao segundo fato, e a ação foi considerada parcialmente procedente. A pena privativa de liberdade foi fixada em 1 (um) ano de reclusão e substituída por restritiva de direitos – prestação de serviços à comunidade ou entidade pública -, na proporção de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, e também foi cominada a pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa, à razão de ½ (meio) salário mínimo ao dia.

Ambas as partes recorreram: fls. 1321-1327 (TIAGO LUCIANO KRIESEL) e fls. 1329-1336v. (MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL).

Apenas o MPE apresentou contrarrazões, fls. 1343-1345, muito embora a defesa de TIAGO tenha sido devidamente intimada para tanto.

Na irresignação de TIAGO LUCIANO KRIESEL pleiteia-se a absolvição total. O condenado alega ter sido objeto de “investigação seletiva”, pois agentes da Polícia Civil teriam envidado esforços pessoais para prejudicar o mandato eletivo que exerce. Aponta que as testemunhas não mereceriam credibilidade e, relativamente ao segundo fato narrado, aduz que MÁRCIA REGINA, supostamente corrompida, não seria eleitora inscrita no município de Bom Progresso, o que ensejaria o reconhecimento de crime impossível.

Por seu turno, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL recorre para que o réu seja condenado pela prática de todos os fatos descritos na denúncia. Defende que os conteúdos das conversas telefônicas interceptadas demonstram um contexto de aceite, pelo então candidato, das propostas feitas pelos eleitores, ainda que TIAGO não tenha prometido os auxílios materiais.

A Procuradoria Regional Eleitoral aviou parecer (fls. 1352-1358) pela manutenção integral da sentença, sem provimento aos recursos.

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez (relatora):

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos.

Inexistentes preliminares.

Mérito

Do recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL

O réu foi condenado pelo segundo fato narrado na denúncia:

FATO 02:

No dia 21 de agosto de 2012, aproximadamente às 9h08min, possivelmente em Bom Progresso/RS, o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL deu 30 (trinta) litros de gasolina ao eleitor LUCÍDIO BARALDI, em troca de seu voto e do voto de sua companheira, MARCIA REGINA PADILHA DA ROSA.

Na ocasião, o denunciado, por meio de uma ligação telefônica gravada com autorização judicial, autorizou o responsável pelo posto de combustível conhecido por “Posto do Leonel” a fornecer 30 (trinta) litros de gasolina a LUCÍDIO BARALDI, sendo que, em troca, conforme previamente acordado, o denunciado receberia os votos de LUCÍDIO BARALDI e de sua companheira, MÁRCIA REGINA PADILHA DA ROSA.

A tipificação do art. 299 do Código Eleitoral vem assim descrita:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

E TIAGO sustenta, em resumo, não haver comprovação de que o repasse de combustível tenha se dado com o intuito de angariar votos. Aduz ter agido com a intenção de contratar LUCÍDIO e MÁRCIA REGINA como cabos eleitorais na campanha majoritária, para o cargo de prefeito de Bom Progresso ao qual sequer concorria.

Ainda, entende que o “testemunho dos policiais civis dever ser analisado com cautela”, pois, “desde o momento em que declarado eleito o réu, passaram a empreender esforços pessoais ilimitados para que fosse prejudicado em seu mandato eletivo”. Atribui pouco valor probatório aos depoimentos de Márcia Regina Padilha da Rosa, Nedi de Fátima Padilha da Rosa e Lucídio Baraldi, haja vista uma série de contradições e desencontros, e argui a ocorrência de crime impossível relativamente a MÁRCIA REGINA, eis que a eleitora não teria domicílio eleitoral em Bom Progresso, mas sim em Teutônia.

A alegada perseguição, por agentes policiais, a TIAGO.

Antes da análise dos recursos propriamente ditos, entendo pertinente manifestação, em apartado, relativamente a um argumento específico trazido pelo réu.

Denominada pelo réu de “investigação seletiva”, a perseguição teria consistido em “esforços pessoais ilimitados para que fosse prejudicado em seu mandato eletivo”. Aponta duas agentes policiais, de nomes Caroline e Luciana, que teriam agido de forma parcial, principalmente após a eleição de TIAGO ao cargo de vereador.

Em verdade, a alegação não foi minimamente demonstrada.

Não há sinal de que os depoimentos das agentes policiais devam ser recebidos com cautela, conforme pedido pelo réu.

Aliás, os argumentos trazidos, mesmo que considerados verdadeiros, não teriam o condão de tornar inválida, ou irregular, a persecução penal dirigida contra o réu TIAGO. Note-se o alegado: a integralidade dos áudios revelaria uma “série de ilícitos eleitorais expressos em prol de outros candidatos eleitos no pleito de 2012, acerca dos quais permaneceu omissa a polícia civil na adoção de quaisquer providências”.

Portanto, mesmo uma suposta omissão da polícia civil relativamente a outros ilícitos eleitorais não poderia obstaculizar a condenação do réu no tocante aos delitos que eventualmente ele, TIAGO, tenha praticado.

Ademais, repete-se, não há verossimilhança no alegado.

Da prova dos autos, relativamente ao segundo fato.

De início, é de se entender comprovada a entrega, por TIAGO, de 30 (trinta) litros de combustível ao eleitor LUCÍDIO BARALDI, devido ao lastro probatório presente nos autos.

Senão, vejamos.

O próprio recorrente admite ter repassado o combustível, ainda que sob circunstâncias diversas daquelas pelas quais foi acusado. Indicou ter realizado a entrega para que LUCÍDIO e MÁRCIA REGINA atuassem como cabos eleitorais da campanha majoritária, sendo que ele, TIAGO, concorreu a vereador na eleição proporcional.

Merece reprodução trecho da sentença em que o magistrado resume os depoimentos, como segue:

Em seu interrogatório (fl. 1272 e CD da contracapa), o denunciado TIAGO LUCIANO KRIESEL negou os fatos, alegando que Márcia ligou pedindo um favor, mas não prometeu nada, inclusive nunca foram seus eleitores. Afirmou que ficaram de conversar depois, mas nada ocorreu; não prometeu, nem entregou nada. Informou que é praxe entregar gasolina para cabos eleitorais, e com essa finalidade é que o combustível foi entregue. Ressalvou que o eleitor em questão não era integrante da equipe de sua campanha para a vereança, mas sim da equipe do “majoritário”, ou seja, candidato a prefeito. Aduziu que negar, de imediato, o pedido do eleitor gera antipatia, por isso não negava e deixava em aberto, mas nada seria entregue ou prometido. Disse que estava negociando para que Lucídio fizesse a campanha para o “majoritário”. Declarou ter autorizou a entrega do combustível. Não condicionou ao voto a entrega da gasolina. Disse que muitas pessoas ainda não sabiam que tinha deixado a Assistência Social, e por isso pediam auxílios dessa natureza diretamente ao acusado.

No entanto, a prova testemunhal é idônea e traz elementos probatórios suficientes da conduta ilícita do acusado, que ofereceu e entregou combustível aos eleitores MÁRCIA e LUCÍDIO em troca de seus votos, consoante se passa a expor.

A testemunha CAROLINE VIRGÍNIA BAMBERG MACHADO (fls. 1112-1114), Delegada de Polícia, declarou em relação ao segundo fato que, em 21/08, em Bom Progresso, o denunciado entregou trinta litros de gasolina ao eleitor LUCÍDIO BARALDI, em troca de seu voto e de sua companheira Márcia Regina Padilha da Rosa, sendo constatado por meio de ligação telefônica, que o acusado teria autorizado o posto de combustíveis, “Posto do Leonel”, a fornecer esse combustível. Referiu que esse fato foi constatado em virtude de escuta telefônica da chamada Operação Babilônia, ficando demonstrado que houve acerto entre os eleitores, além do receio do réu em falar do assunto por telefone, mas não negava o pedido. Disse que restou clara a negociação entre os eleitores, o que foi confirmado por uma das testemunhas.

LUCIANA ROLIM, Escrivã de Polícia (fls. 1115-1118), afirmou que, no dia 21/08, o denunciado teria doado trinta litros de gasolina ao eleitor LUCÍDIO BARALDI, em troca de seu voto e de sua companheira MÁRCIA REGINA PADILHA DA ROSA, autorizando o “Posto do Leonel”, a fazer a entrega desse combustível. Segundo se apurou com a inquirição de testemunhas, o denunciado teria oferecido para o cunhado e irmã de uma das testemunhas trinta litros de gasolina para que viessem até Bom Progresso votar, bem como para carregar eleitores. Afirmou que uma das testemunhas confirmou que, primeiramente, ele teria oferecido dinheiro; depois, ofereceu o combustível. Informou que o denunciado demonstrava certo receio em falar ao telefone e aparentava se tratar de compra e venda de votos. Aduziu que das ligações recebidas pelos eleitores, o denunciado não negava o atendimento do pedido, mas também não dizia que sim. Disse que era reiterada a frase: “a gente conversa mais tarde, eu vou aí”. Asseverou que ficou acertado o voto com Lucídio Baraldi, e foi confirmado, posteriormente.

A informante MÁRCIA REGINA PADILHA DA ROSA (fls. 1122-1126) declarou que não pegou dinheiro para votar no denunciado, apenas ele ofertou uma ajuda, porém não foi em troca de voto. Disse que o denunciado ofereceu uma quantia de gasolina para que, com o marido, fizessem campanha para ele, porém sequer residiam em Bom Progresso. Afirmou que o réu deu a quantia em combustível, porém não tinham o compromisso de votar nele. Aduziu desconhecer a mensagem que foi enviada ao denunciado em seu nome. Alegou que aceitou a gasolina por que estavam precisando, mas não votaram no acusado.

Por sua vez, o informante LUCÍDIO BARALDI (fls. 1127-1131) afirmou ter recebido um cheque do denunciado, no valor de R$ 90,00, em frente ao Mercado Avenida, em Bom Progresso. Referiu que quem combinou a entrega do cheque foi sua esposa, MÁRCIA, e seria para que pudessem viajar, em troca de "uma mão". Declarou que o denunciado não pediu diretamente o voto, mas sim, para que colocasse o carro à disposição no dia da eleição.

A informante NEDI DE FÁTIMA PADILHA DA ROSA (fls. 1142-1146) relatou que sua irmã MÁRCIA se encontrou com o denunciado em sua casa, tendo tomado conhecimento de que ela receberia trinta litros de gasolina, para que ela e o marido votassem nele. Disse, contudo, que sua irmã não teria o título para votar em Bom Progresso, pois moravam em Teutônia. Afirmou que o casal saiu para se encontrar com o denunciado em frente ao “Fela”, onde o réu teria dado um cheque para Lucídio, porém este momento não presenciou. Aduziu que a mensagem que consta em seu celular foi por ela escrita, porém a pedido de Márcia. Asseverou que o casal veio de seu município, como vários outros vieram de seus municípios para obter vantagem dos políticos que estavam comprando voto.

As demais testemunhas inquiridas nada souberam sobre o presente fato, sendo testemunhas arroladas em relação aos demais fatos descritos na denúncia.

Observa-se dos depoimentos colhidos, principalmente da informante NEDI, que houve a entrega de vantagem aos eleitores MÁRCIA e LUCÍDIO, em troca de votos, o que foi confirmado por eles na esfera policial (fls. 1075-1076), assim como verificado em escuta telefônica, devidamente autorizada pelo Magistrado competente.

A alegação do denunciado de que não prometeu e não entregou nada aos eleitores não merece credibilidade, pois todas as pessoas inquiridas, inclusive MÁRCIA e LUCÍDIO, confirmam que, tanto a promessa foi feita, quanto a conduta encontrou exaurimento na efetiva entrega da promessa. Embora se atrapalhem e contradigam, totalmente, quanto à efetiva finalidade da promessa realizada. Ora, soa tão sem sentido supor que o acusado seria um benemérito doador de combustível a pessoas necessitadas, sem nada exigir em troca, como imaginar que estaria necessitado deslocar pessoas por centenas de quilômetros, desde Teutônia até Bom Progresso, unicamente para fazer campanha, e isso nem mesmo para si, mas para o “majoritário”. Aliás, há evidente contradição nos relatos, pois as testemunhas alegam que a suposta campanha seria feita em favor do acusado, e não do então candidato a prefeito. Essas inconsistências indicam, portanto, a tentativa de alinhamento dos depoimentos com a tese da defesa, que falhou, contudo, no ajuste dos detalhes.

Além disso, o fato de exercer o acusado, anteriormente à candidatura, cargo na Secretaria de Assistência Municipal de Bom Progresso, não convence como motivo para que eleitores solicitassem benefícios ao denunciado. Tanto porque o fornecimento de combustível seja uma demanda um tanto estranha para a Assistência Social “transporte é algo muito diferente” quanto pelo fato de não se colocar, em momento algum, que as finalidades sejam outras que não o interesse político do acusado.

Frise-se, por fim, que a mensagem enviada, segundo a testemunha a pedido da própria eleitora, dando conta de que o sinalagma em favor do acusado viria com o resultado das eleições, é a prova cabal e irrefutável de que o fornecimento se deu em troca do voto. Isto porque, se fosse o combinado, apenas, a realização de campanha em favor do acusado, por que razão não houve mais mensagens ou comunicados entre as partes, combinando as atividades que seriam realizadas pelos cabos eleitorais? Evidente, portanto, que essa mensagem foi uma espécie de “ciente, muito obrigado” passado pelos eleitores, assegurando que seriam gratos ao denunciado no dia da eleição. Impossível, mesmo com algum esforço ou ingenuidade, não concluir pela finalidade eleitoral espúria dessa conduta.

(Grifei.)

Contudo, e com a devida vênia do juízo a quo, entendo que o caderno probatório não reuniu força suficiente para a construção de uma condenação. As contradições e desalinhos dos depoimentos não podem conduzir à inversão do ônus da prova, pertencente, no caso, ao Ministério Público Eleitoral. E há dúvidas relevantes acerca da intenção de TIAGO ao repassar o combustível e, portanto, sobre a própria tipificação da conduta.

Tais incertezas a respeito do acervo probatório não são exclusivas desta ação penal, no que tange às circunstâncias do contato de TIAGO com LUCÍDIO e MÁRCIA REGINA. Em demanda precedente, de cunho cível, houve situação assemelhada.

É cediço que o ato de compra de votos pode ensejar responsabilização na seara cível eleitoral (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) e, também, na penal eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral).

Na espécie, TIAGO também foi demandado pelo Ministério Público Eleitoral na esfera cível (Recurso Eleitoral n. 547-65.2012.6.21.0086, julgado em 17.12.13) e recorreu contra a sentença condenatória, por captação ilícita de sufrágio, que cassou o diploma, declarou a inelegibilidade por oito anos e aplicou multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 41-A, da Lei n. 9.504/97 e art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90.

Aquela representação cível eleitoral, friso, igualmente foi desencadeada a partir de remessa, pelo juízo criminal de Três Passos à Justiça Eleitoral, de cópias do inquérito policial n. 03/2012/152405-A (a denominada Operação Babilônia), instaurado para apurar a prática de crimes contra a administração pública por diversas pessoas.

E, por ocasião do julgamento daquele recurso, esta Corte seguiu, unanimemente, o voto do relator, Dr. Jorge Alberto Zugno, no sentido de dar provimento à irresignação de TIAGO, exatamente porque a análise da prova demonstrou que pairavam dúvidas sobre a intenção do réu ao repassar o combustível: tanto as circunstâncias do ocorrido não eram claras, que o fato foi narrado, naquela ação, como se a entrega tivesse se dado para Nedi de Fátima Padilha da Rosa, irmã de MÁRCIA REGINA e cunhada de LUCÍDIO:

FATO 02: No dia 21 de agosto de 2012, possivelmente em Bom Progresso/RS, já com o registro de sua candidatura devidamente homologado, o representado TIAGO LUCIANO KRIESEL concordou em ceder à eleitora Nedi de Fátima Padilha da Rosa 30 (trinta) litros de gasolina, em troca de voto. Na ocasião, o candidato recebeu uma ligação telefônica do comércio de combustíveis conhecido vulgarmente por Posto do Leonel, a qual foi gravada com autorização judicial (DOCUMENTO 03), e autorizou o responsável pelo posto fornecer gasolina a respectiva eleitora, a qual lá estava aguardando para abastecer. Na sequência, minutos após, o representado recebe um torpedo SMS, também interceptado com autorização judicial, provindo do prefixo celular pertencente à referida eleitora (55-96549750), com os seguintes dizeres “Obrigado e o resultado terá dia 07 de outubro” (DOCUMENTO 03). Portanto, o ato praticado pelo representado teve por objetivo claro e evidente de beneficiá-lo com a promessa de entrega de vantagem pessoal em troca de voto. A referida eleitora compareceu para votar no dia 07 de setembro de 2012, junto à seção 127, da 86ª Zona Eleitoral, onde o candidato, ora eleito, Tiago Luciano Kriesel contabilizou 26 votos (conforme certidão anexa fornecida pela Justiça Eleitoral – DOCUMENTO 02).

Mas, ao que importa para o presente recurso: note-se a percuciente análise do julgado cível sobre o teor das escutas telefônicas, de conteúdo idêntico ao constante nesta demanda criminal:

Em todos os fatos narrados, é de se notar que a iniciativa de realizar uma negociação com o recorrente é tomada pelo próprio eleitor interessado nas benesses, não se evidenciando tenha o então candidato Tiago Kriesel tomado qualquer atitude inicial na busca de doação de favores, vantagens ou dinheiro em troca de votos. A par disso, verifica-se que em nenhuma das ligações interceptadas há a confirmação da negociata que, repriso, é proposta pelos eleitores, e não pelo candidato. Claro que não desconsidero a fala do recorrente, que dizia que não podia falar ao telefone, que depois ele daria um jeito. Esta situação de não prosseguir a conversa, esclarecendo ao eleitor solicitante sobre a impossibilidade de troca de favores, colore a situação com toda a suspeita de uma consumação posterior da infração relativa à captação ilícita de sufrágio. Mas, indícios e evidências não são suficientes para a caracterização da compra de votos, mormente considerando que nenhum eleitor referiu a finalidade eleitoral, sendo o único indício de prova a mensagem de texto que a irmã de Nedi de Fátima Padilha da Rosa teria enviado ao celular de Tiago. Todos os demais elementos de prova não se afiguram robustos nem fornecem a certeza estreme de dúvidas da ocorrência da captação ilícita de sufrágio. O artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 estabelece que constitui captação ilegal de sufrágio, vedada por este diploma legal: “o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil UFIR, e cassação do registro ou diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da LC n. 64, de 18 de maio de 1990”. Para a configuração da captação é indispensável que a vantagem ou benefício, de qualquer espécie, seja específica, concreta, e se destine a eleitor individualizado; é necessário que a doação, o oferecimento ou a promessa de bens ou outros benefícios particularizados seja feita pelo candidato ou por terceiros em seu nome; que o oferecimento ou a promessa de vantagem ao eleitor seja praticado com o fim de obter-lhe o voto.

E tal raciocínio, que expressamente adoto como razões de decidir, é perfeitamente aplicável na análise deste art. 299 do Código Eleitoral pois, a par da identidade de conteúdo das conversas interceptadas, há que se ressaltar que o direito penal – e o direito penal eleitoral, na espécie – constitui a ultima ratio, a fronteira derradeira do Estado de Direito sancionador. É nos lindes do direito penal que se reprimem mais fortemente as condutas – as sanções são aprioristicamente endereçadas aos comportamentos mais graves.

Não se olvida da autonomia entre as esferas e da independência que os magistrados eleitorais possuem para, por exemplo, inocentar o agente na esfera do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e, nos limites criminais, condenar pela prática do art. 299 do Código Eleitoral, relativamente aos mesmos fatos.

Todavia, a prova é insuficiente tanto lá quanto cá, até porque muito semelhante, colhida majoritariamente na mesma operação policial, a “Babilônia”. O conjunto probatório não demonstra cabalmente o dolo específico de TIAGO em obter o voto de LUCÍDIO e MÁRCIA REGINA mediante a entrega de combustível.

E o dolo específico é, no caso, elementar do tipo, conforme o magistério de Suzana de Camargo Gomes (Crimes Eleitorais. Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed. São Paulo, 2010, pp. 198-199):

(…) O caráter negocial é indispensável para a caracterização do delito, ou seja, a vantagem, a promessa, o benefício dever visar à obtenção do voto. (…) para a caracterização do crime de corrupção eleitoral, é indispensável que a conduta de dar, oferecer, prometer, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem seja realizada para obter ou dar voto. (...)

Lembro, igualmente, que esta Corte já decidiu por condenar com base no conjunto de indícios, em caso de transporte irregular de eleitores (crime previsto nos arts. 5º e 11 da Lei n. 6.091/74), inclusive para a caracterização do dolo específico. Todavia, indico para distinguir as situações: não ficou clara, aqui, a intenção de TIAGO ao repassar o combustível.

Novamente, valho-me da análise de prova exarada no julgamento do RE n. 547-65, por esclarecedora:

Assim, considerando que sequer a atitude inicial, consubstanciada nas ligações telefônicas, foi realizada pelo próprio candidato, e que a instrução não logrou comprovar a finalidade eleitoral das conversas, não parece suficiente para amparar o juízo condenatório a conclusão de que o candidato concordava tacitamente com os pedidos feitos pelos eleitores porque não encerrava a conversa e apenas dizia que não podia falar no assunto pelo celular. Não se está aqui a dizer que este julgador é ingênuo o suficiente para desconsiderar que se tratava de candidato à vereança e que os telefonemas foram realizados em pleno período eleitoral. Mas estes indícios não são assaz numerosos ou consideráveis para amparar o pedido condenatório. É preciso atentar-se ao fato de que o juiz decide os casos concretos com as provas existentes nos autos, não podendo julgar apenas levando em conta aquilo que seria moralmente aceito ou o ideal de atitudes que deveriam ser tomadas. Pesa ainda mais esta conclusão diante da grave acusação analisada nestes autos.

De fato, as policiais civis CAROLINE e LUCIANA afirmam a prática do crime por parte de TIAGO. Contudo, quando tais depoimentos são vislumbrados em conjunto com o restante de elementos, perdem força. Isso porque elas, as agentes policiais, não presenciaram, pessoalmente, circunstâncias extraordinárias que fizessem os respectivos depoimentos ganharem relevo. Atuaram na Operação Babilônia, é verdade, mas depuseram baseadas nos conteúdos das conversas interceptadas, no material probatório que está, todo ele, à disposição no presente processo.

E, além disso, os demais depoimentos são contraditórios, confusos; as conversas telefônicas interceptadas têm conteúdo dúbio, evasivo.

Lembro que, para a procedência da acusação, é necessária a "congruência entre a ação concreta e o paradigma legal" […] e para se reconhecer a tipicidade reclama-se a "confluência dos tipos concretos (fato do mundo real) e abstrato (fato do mundo abstrato)" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 180.). Nessa linha, o acervo probatório não permite conferir a existência dessa sintonia entre norma e fatos.

Finalmente, e no que toca à questão de caracterização da ocorrência de crime impossível com relação a MÁRCIA REGINA, pois conforme as razões de recurso de TIAGO o domicílio eleitoral da cidadã seria Teutônia, e não Bom Progresso, indico que MÁRCIA declarou em seu depoimento (11.12.2014, fl. 1.123) votar em Bom Progresso. Tal circunstância, contudo, não tem influência na análise dos segundo fato, haja vista a fundamentação acima exposta.

Entendo, portanto, pelo provimento do recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL.

 

Do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

O Parquet de origem se insurge contra a absolvição de TIAGO das práticas descritas no primeiro, terceiro, quarto, quinto e sexto fatos.

Em relação a esses, andou bem a sentença, que deve ser mantida.

Isso porque a ausência de provas aptas à condução de um juízo condenatório é ainda mais marcada.

Mesmo considerada a linha argumentativa da acusação, no sentido de que a perfectibilização do tipo do art. 299 do CE ocorre já com a adesão do concorrente eleitoral ao pedido feito pelo eleitor, é inviável atribuir culpabilidade a TIAGO, pois não resta provado que ele tenha aderido às propostas dos eleitores. É certo que foi evasivo, que omitiu-se de negar os pedidos peremptoriamente. Esquivou-se e foi lacônico.

Mas tais circunstâncias são insuficientes para a condenação.

Nessa linha, trago a manifestação do d. Procurador Regional Eleitoral, fl. 1.357v., as quais adoto, expressamente, como razões de decidir, por muito bem espelharem a prova colhida relativamente aos fatos objeto da denúncia:

Importante consignar a singularidade do caso concreto. Veja-se que não partiram do réu as ofertas de favores e/ou valores para obtenção de votos, mas de eleitores que, em período de campanha eleitoral, buscavam obter benefícios dos candidatos. Tal praxe restou confirmada pela oitiva de testemunhas inquiridas no feito (fls. 1.112-1.114; 1115-1.118; 1.122-1.126; 1.127-1.131; 1.142-1.146).

É bem verdade que, no caso concreto e, conforme se observa dos depoimentos colhidos em juízo, o réu não se negou a “prestar auxílio” àqueles que o solicitavam – o que deveria ter feito, se agisse de acordo com os ditames éticos e morais, inclusive esclarecendo os eleitores sobre a ilicitude das condutas que praticavam -, utilizando-se de expressões vagas, tais como “por telefone é ruim” (fato 01 – fls. 18-19); “venha aí que a gente dá um jeito” (fato 02 – fls. 1.166-1.167); “eu vou aí na sua casa para nós conversar pessoalmente” (fato 3 – fl. 20); “eu vejo aqui e nós conversamos pessoalmente” (fato 05 – fl. 22), demonstrativas de possível interesse na prestação dos auxílios solicitados.

Todavia, não se pode olvidar que, conforme muito bem sopesado pelo magistrado a quo, as expressões utilizadas pelo réu, à míngua de outras provas, não prestam para confirmar a materialidade do crime, na medida em que colocam em dúvida a efetiva anuência com a prática delitiva.

Assim, não comporta reforma a sentença condenatória, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos.

Nessa linha, note-se que, em relação ao primeiro fato, a par do conteúdo inconclusivo das interceptações telefônicas, o falecimento da eleitora ANTONINA CORREA DOS SANTOS, que solicitou auxílio material a TIAGO, inviabilizou a elucidação do ocorrido, uma vez que a filha de ANTONINA, ELIZETE CORREA DOS SANTOS (fls. 1.119-1.121), relatou que a mãe não comentou, à época, sobre qualquer promessa de TIAGO em realizar a mudança solicitada. Afirmou, ainda, que o Sr. Ernani Günther foi quem realizou a mudança da família da zona rural para a cidade de Bom Progresso. Sustentou, finalmente, que não recebeu nada em troca do voto.

E, da mesma forma, no tocante ao terceiro fato. Efetivamente, houve ligação telefônica entre HORÁCIO DORNELLES VIANA e TIAGO, e o eleitor solicitou passagens de ônibus. Todavia, o réu respondeu que “daria um jeito”, de forma nitidamente neutra em relação à demanda realizada. Não houve promessa de entrega ou, ainda menos, manifestação no sentido de que as passagens fossem entregues em troca de voto.

No que diz respeito ao pedido da eleitora Hedi Maria Haubrich Hennicka, que solicitou ao denunciado a colocação de um forro de cozinha em troca de voto (quarto fato), é possível perceber uma preferência política pelo réu, já existente: “daí se tu me ajuda, daí, nós semos só de você, daí”. Como asseverado pelo juízo de origem, foi clara a intenção da eleitora de se beneficiar em troca do voto, mas a promessa de pagamento não restou demonstrada na prova produzida, pois na interceptação telefônica, “[...] o acusado apenas responde que passará na residência da eleitora para conversarem, não se comprometendo em atendê-la, tampouco restando demonstrada a entrega de que a promessa seria pressuposto”.

A prova relacionada com o quinto fato não tem melhor destino. Os elementos dão conta de que a eleitora NELI solicitou a TIAGO o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para pagamento de suas dívidas, em troca de seu voto e de seu companheiro. Todavia, também aqui resta ausente a promessa de vantagem por parte do acusado, não confirmada durante o desenrolar da ação.

A título de desfecho, o sexto fato. O único, aliás, que não compôs a já citada demanda cível (RE n. 547-65.2012.6.21.086). O acusado TIAGO LUCIANO KRIESEL teria oferecido uma obra (construção de um açude), na propriedade do eleitor ORLANDO EULALIO DE MELLO, em troca de seus votos e de seus familiares.

No entanto, aqui também inexistem provas para condenação, como bem analisado pelo juízo de 1º grau. No depoimento de ORLANDO MÁXIMO DE MELLO (fls. 1132-1134), houve a referência de que TIAGO ofereceu auxílio para construção de um açude – mas não em troca de votos. Afirmou que seria um favor, creditado à amizade que possuem. As circunstâncias são, também aqui, absolutamente nebulosas, de forma que a dúvida permanece em favor do réu.

Conclusão

- Relativamente ao segundo fato, a prova não é coerente e segura, de forma que não restou demonstrado o dolo específico de TIAGO LUCIANO KRIESEL. Deve ser provido o recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL para reformar a sentença proferida e absolver o acusado;

- relativamente ao primeiro, terceiro, quarto, quinto e sexto fatos, a prova colhida é bastante frágil, de maneira que, a exemplo do asseverado em sentença, a absolvição de TIAGO LUCIANO KRIESEL é medida que deve ser mantida, desprovendo-se o recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Diante do exposto, afastadas as preliminares, VOTO pelo provimento do recurso de TIAGO LUCIANO KRIESEL para absolvê-lo da acusação de prática do delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, e pelo desprovimento do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

 

 

 

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura:

Acompanho integralmente o voto da relatora, destacando, ao final, que neste caso não seria examinado - mantido o voto da relatora - a respeito da execução provisória. Tivemos recentemente no Habeas Corpus n. 13-5100 deferida a liminar pelo Min. Celso de Mello no sentido da inexecução da pena, ainda que fosse uma pena de multa. Registro apenas para contrapor as razões do nobre Procurador Eleitoral.

 

(Após votar a relatora, Dra. Maria de Lourdes, negando provimento ao recurso ministerial e dando provimento ao apelo do réu, acompanhada pelo Dr. Jamil, pediu vista dos autos a Dra. Gisele Azambuja. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)