RE - 73795 - Sessão: 27/04/2016 às 17:00

Voto-vista

A Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja trouxe a julgamento, na sessão do dia 31 de março de 2016, recurso em ação de investigação judicial eleitoral por abuso do poder de autoridade, cumulada com representação por condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio, na qual foi prolatada sentença que afastou as preliminares e julgou procedentes os pedidos, para o fim de condenar os representados, ora recorrentes, ao pagamento de multa individual no valor total de R$ 7.000,00, e declaração da inelegibilidade pelo prazo de 8 anos.

A ilustre relatora concluiu pela manutenção da sentença.

Pedi vista para melhor analisar os autos e, com redobradas vênias à compreensão contrária, trago em mesa voto divergente, pois concluí de modo diverso quanto à valoração da prova dos autos.

A ação foi ajuizada com base em gravação ambiental de áudio de uma reunião ocorrida no posto de saúde municipal de Cerro Largo, no dia 20 de agosto de 2012, da qual participaram agentes comunitárias de saúde, agentes do programa Primeira Infância Melhor - PIM, técnicas de enfermagem da SAMU, e os representados: Adair José Trott, prefeito de Cerro Largo à época, Renzo Thomas, presidente da Associação Hospitalar de Caridade Serro Azul, entidade responsável pela contratação das funcionárias de saúde, e Tânia Rosane Porsch, secretária municipal de saúde.

A conversa foi gravada pela agente de saúde Maria Beatris Boeno Lino Gallas, por meio de gravador digital emprestado por Zeno Aloísio Krindges, integrante da Coligação Cerro Largo Unido e Forte, que fazia oposição à coligação Pra Continuar Crescendo, pela qual concorriam os candidatos recorrentes Valter Hatwig Spies, então vice-prefeito de Cerro Largo e candidato à eleição como prefeito, e Ranieri Tonim, candidato a vice-prefeito na chapa de Valter.

Os candidatos não participaram do encontro.

Para comprovar que a reunião foi realizada com a finalidade de praticar abuso de poder, captação ilegal do sufrágio e condutas vedadas, a inicial foi acompanhada da mídia digital com o áudio das conversas lá travadas e a respectiva degravação (fl. 60), texto reproduzido na própria representação (fls. 04-11) e às fls. 51-55. Além disso, foi acostada a cópia do procedimento investigatório eleitoral que tramitou junto à Promotoria Eleitoral de Cerro Largo (fls. 36-144), no qual consta cópia de representação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra os recorrentes, por alegado assédio moral no ambiente de trabalho, termos de declarações prestadas perante a Promotoria Eleitoral de Cerro Largo, cópia de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra os recorrentes e a associação hospitalar municipal, e o respectivo termo de acordo firmado por Adair e Renzo naquele processo, no qual comprometeram-se a realizar concurso público para contratação de profissionais de saúde.

Os recorrentes foram condenados com base na acusação de que o evento foi realizado com a única e exclusiva finalidade de pressionar as servidoras para que fornecessem apoio eleitoral à candidatura de Valter Hawig Spies e Ranieri Tonim, sob ameaça de demissão, e de prometer-lhes a manutenção no emprego em caso de voto.

Importante mencionar que a reunião impugnada nestes autos foi realizada em um contexto de bastante apreensão.

As agentes presentes na reunião eram empregadas, mediante contratação por meio do regime celetista, em razão de convênio firmado entre o município e a Associação Hospitalar de Caridade Serro Azul. Os termos do convênio passaram a ser questionados pelo Ministério Público do Trabalho, o que gerou insegurança e apreensão nos contratados.

Pelo que se depreende dos autos, esse convênio foi iniciado na administração anterior (do partido opositor) e mantido na gestão do prefeito Adair. Embora não tenha encontrado nos autos documento que o comprovasse, isso justificaria que, dentre os contratados, apesar da aparente livre seleção, houvesse opositores da atual administração, filiados e até candidata ao cargo de vereador por partido oponente: Nilsa Cecília Rauber, agente de saúde que estava afastada para concorrer ao cargo de vereadora.

Em 21.9.2011 (fls. 128-141), cerca de um ano antes da data da reunião, o Ministério Público do Trabalho aforou contra os recorrentes uma ação civil pública, na qual afirmou que Adair e Renzo, na condição de gestores municipais, firmaram convênio irregular com a associação municipal para realizar contratação de funcionários que, embora terceirizados, exerciam atividade-fim do Executivo municipal, burlando os princípios que regem o direito do trabalho e a administração pública, dentre eles a ausência de prévia realização de concurso público.

A administração municipal vinha resistindo ao encerramento dos contratos de trabalho decorrentes do convênio, e só o fez diante do ajuizamento dessa ação civil pública na Vara do Trabalho de Santo Ângelo (fls. 128-141), onde a transação que ensejou a dispensa das empregadas, firmada após a reunião, em 10.11.2012, foi homologada (fls. 142-143).

Os assuntos tratados na reunião tinham relação direta com essas questões locais, ligadas aos processos judiciais que questionavam os contratos de trabalho das funcionárias que trabalhavam na área da saúde.

Na época, os recorrentes haviam sido notificados e alertados da necessidade de interrupção e extinção dos contratos de trabalho em execução, a fim de que fosse realizada nova contratação mediante concurso público.

Por isso, um dos assuntos da reunião foi a manutenção das agentes de saúde no emprego.

Além disso, havia rumores de que as funcionárias presentes teriam falado mal do candidato a vice-prefeito Ranieri Tonim, que concorria pelo partido da situação e, portanto, era apoiado pelo prefeito Adair José, quando das visitações a residências familiares, realizadas para tratar de programas sociais (Primeira Infância Melhor, combate à dengue, etc).

Nesse contexto é que foi realizada a reunião do dia 20 de agosto de 2012, evento que, segundo afirmaram as agentes de saúde ouvidas em juízo, iniciou com a fala do prefeito Adair José solicitando que “parassem de falar mal de Ranieri nas casas”, seguida por Renzo Thomas, que explicou detalhes do processo promovido pelo Ministério Público do Trabalho e do pedido de realização de concurso público, e de Tânia Rosane Porsch, que encerrou reforçando o pedido de interrupção de comentários negativos em relação à Ranieri durante o horário de trabalho e prosseguiu tratando das visitações referentes ao programa Bolsa Família que seriam promovidas pelas funcionárias.

De acordo com a inicial, as falas, que teriam sido proferidas pelos recorrentes, estariam integralmente gravadas e reproduzidas na mídia da fl. 60 e degravadas nos autos.

Quanto ao áudio gravado, importa observar que, já no termo de declaração firmado junto ao Ministério Público, em 28 de setembro de 2012, cerca de um mês após a reunião, o recorrente Adair José Trott afirma que “devem ter feito uma montagem ou algum corte” (fls. 74-75).

Em sua defesa, os recorrentes novamente consignaram que a gravação seria “clandestina e incompleta, claramente editada, a qual produz diálogos absolutamente descontextualizados” (fls. 184-196 e 220-230).

Diante do indeferimento do pedido de realização de perícia técnica (fl. 235v.), foi manifestada irresignação (fl. 244), reprisada em sede de alegações finais (fls. 328-343) e no presente recurso (fls. 372-399).

Percebe-se, assim, que o pedido de perícia não foi lançado apenas como mais um item a ser examinado pelo juiz, em alegações finais, mas sim que os recorrentes vêm alegando, sempre que têm oportunidade, que a gravação foi realizada por seus opositores políticos e teria sido por eles manipulada antes da entrega ao Ministério Público Eleitoral.

Entretanto, em todas as ações eleitorais originadas dessa prova a pretensão de perícia foi negada com base em um único e exclusivo fundamento, no sentido de que tal providência iria de encontro à celeridade e economia processual, princípios norteadores dos feitos eleitorais, e não teria nenhuma utilidade prática.

Ressalto ser consabido que as decisões interlocutórias proferidas nas ações eleitorais não são recorríveis em apartado, não transitam em julgado e devem ser atacadas apenas quando da interposição de recurso da decisão final.

O feito seguiu tramitando normalmente, com produção de farta prova oral colhida nas audiências de instrução, conforme mídias das fls. 262 e 269.

Cumpre apontar que todas as funcionárias ouvidas em juízo afirmaram que, quando compareceram perante o Ministério Público Eleitoral, foi reproduzido o áudio da reunião e fornecido o texto com a respectiva degravação antes da coleta de suas declarações, e que elas relataram ter respondido às perguntas formuladas com base na transcrição das falas entregue pelo Parquet, devido à má qualidade da gravação.

Segui a sugestão contida na própria inicial da representação, no ponto em que se anuncia o início da transcrição “fiel” do áudio coletado na reunião, e informa-se que a má qualidade da mídia pode ser compensada com o acompanhamento das falas por meio da transcrição.

O texto fornecido pelo Parquet não guarda similitude com a gravação de áudio que consta nos autos, há supressão de frases pronunciadas pelos recorrentes e introdução de palavras que não foram proferidas.

A degravação é ilegítima.

Conforme já referido, a degravação, ao que tudo indica, foi realizada pela coligação “Cerro Largo Unido e Forte” - PMDB/PT – que a encaminhou ao Ministério Público Eleitoral juntamente com a "notícia-crime eleitoral”, documentos cujas cópias estão nas fls. 38-46.

Parágrafos inteiros, que podem ser perfeitamente compreendidos, não foram transcritos. Além disso, há falas que, na degravação, foram alteradas, com troca de palavras e de sentenças inteiras, e existem, ainda, supressões de frases que retiram o sentido do que foi dito pelos recorrentes.

A título exemplificativo, cito algumas falas que foram omitidas e podem ser ouvidas na mídia da fl. 60.

Na degravação consta transcrita a seguinte frase, atribuída a Adair: “Mas vocês não podem mais... gente falando... e eu gostaria de ganhar a eleição”. No entanto, a fala completa pode ser ouvida aos 4min55s da gravação e foi mencionada durante o pedido de que as agentes de saúde parassem de fazer propaganda negativa do candidato da situação: “Mas vocês não podem continuar indo em gente falando essas coisas, porque eu tô aqui porque a coisa foi comigo. Eu considero que é ruim porque o povo tá acreditando pelo jeito, e eu gostaria de ganhar a eleição”.

Também a seguinte fala, relativa à possibilidade de demissão das funcionárias que estivessem insatisfeitas, não está transcrita na degravação da forma como foi pronunciada: “agora se vocês acharem que não é bom, e vou dizer mais, se acharem 'eu não queria mais trabalhar', me fale que eu mando demitir, não tem problema nenhum, pagar vocês a gente tem dinheiro e a gente paga”. A fala foi referida aos 9min13s da seguinte forma “e tem mais, se tem alguém diz olha, eu não queria mais trabalhar, eu queria que me demitissem, me fala que eu mando demitir sem problema, não tem problema nenhum, pagar vocês a gente tem dinheiro e a gente paga”.

Verifica-se, pelo tom da conversa, que os recorrentes não se dirigiram às presentes com ameaças ou com coação, deixando claro que nada poderiam oferecer em troca do trabalho e ressaltando a possibilidade de demissão das funcionárias que não estivessem satisfeitas com o trabalho.

Além disso, também em relação ao recorrente Renzo a degravação não é literal ao que foi dito, merecendo registro que o seguinte trecho da degravação: “Ninguém vai ser demitido, não é esse o meu objetivo…. Eu só quero que vocês reflitam e tomem a melhor decisão para todos pensando na coletividade”, efetivamente refere-se ao discurso que consta aos 16min19s da mídia: “Ninguém vai ser demitido, ninguém vai ser demitido, não é esse meu objetivo, se fosse pra fazer isso eu não era o presidente da associação hospitalar, eu já tinha também me exonerado ou pedido pra sair, porque eu acho que não é assim que vai resolver o problema”.

Considero que a degravação, por se tratar de transcrição parcial em que apenas trechos que eram pertinentes para a configuração dos ilícitos foram escolhidos e transcritos, com supressão de parte das falas, deve inclusive ser suprimida dos autos.

Não tenho dúvidas de que a degravação é tendenciosa, mas o arquivo de áudio da fl. 60 permite que partes e julgadores tenham conhecimento dos desdobramentos da reunião, salvo uma ou outra ocasião em que trechos são inaudíveis.

Evidentemente, apenas a prova pericial poderia definir se houve ou não edição do áudio para supressão de falas, hipótese que não descarto, uma vez que há assuntos referidos pelas agentes de saúde, os quais teriam sido tratados na reunião, que estão ausentes na gravação.

Naquilo que pode ser aferido por este juiz, que diz com a mera correlação entre o que se pode escutar e o que foi transcrito e submetido ao crivo judicial, assento que não há confiabilidade e fidedignidade. Para além, verifica-se que o áudio termina no meio da fala de Tânia, justamente quando ela começa a tratar de questões relativas ao trabalho e ao programa Bolsa Família. Antes disso, Tânia havia mencionado que trataria das agendas de visitações e do programa Bolsa Família. O áudio termina antes do final da reunião, na parte em que Tânia reforça o pedido de interrupção de comentários políticos e eleitorais durante o horário de trabalho.

Assisti à prova oral colhida durante a instrução e, das oitivas realizadas em juízo, depreende-se que algumas funcionárias, embora reconhecendo que os recorrentes não tenham proferido um discurso com ameaças, afirmam terem se sentido ameaçadas pelos assuntos tratados na reunião.

Maria Beatris Boeno Lino Gallas, que à época era agente de saúde e gravou o áudio da conversa, negou, em juízo, ter vinculação a partido político e iniciou seu depoimento afirmando que os recorrentes não se dirigiram às agentes de saúde com ameaças, no dia da reunião. No encontro, estariam presentes todas as agentes de saúde, duas ou três visitadoras do PIM e duas técnicas de enfermagem da SAMU. Disse que o prefeito sabia que elas estavam trabalhando nas casas difamando o candidato Ranieri, e que Adair pediu para pararem de falar mal do Ranieri nas casas, pois eles eram colegas e Ranieri era candidato a vice-prefeito, e que, com isso, sentiu-se ameaçada. Disse que outras reuniões com o prefeito, Ranieri e Renzo já haviam acontecido na Secretaria Municipal de Saúde, na Câmara de Vereadores ou no anexo da prefeitura, “sempre para xingar as agentes de saúde”. Afirmou que Adair pediu para votarem no Valter e no Ranieri para garantirem seus empregos e que se sentiu coagida e ameaçada. Disse que fez perguntas e intervenções durante a reunião e gravou o áudio da conversa com a ajuda de Zeno Aloísio Krindges, pessoa que emprestou o equipamento. Durante a reunião, pelo conteúdo da fala do prefeito, entendeu que ele estava pedindo votos.

Claudia Eleanai Machado, visitadora do programa Primeira Infância Melhor – PIM - à época, negou que os representados tenham realizado pedido de votos durante a reunião ou oferecido vantagem para conseguirem o voto. Eles teriam deixado claro que as agentes eram livres para votar em quem quisessem. Afirmou ser normal a realização de reuniões de trabalho, tal como a ocorrida naquele dia, e que foram instadas a parar de falar mal do candidato da situação, Ranieri. Disse que a interpretação da reunião varia de acordo com a consciência de cada um, mas que não entendeu ter sido ameaçada, ter de utilizar o cargo para fazer campanha ou estar obrigada a votar nos representados.

Juliana da Silva Vieira, à época técnica de enfermagem, disse que os representados não pediram votos e que a reunião tratou de assuntos relacionados ao trabalho. Afirmou ter participado de outras reuniões e que na de agosto não foi ameaçada a votar nos representados sob pena de demissão.

Raquel Wilhelm, agente de saúde à época, afirmou que os representados pediram ajuda, apoio e voto e que, além disso, trataram de assuntos de serviço na reunião. Afirmou não terem sido ameaçadas de demissão, mas que estavam por serem demitidas. Negou tenham oferecido qualquer tipo de vantagem no evento e afirmou que o encontro não era obrigatório, tendo havido anteriormente outras reuniões. Disse que os representados não deram a entender que era para usar o cargo para fazer campanha, nem ofereceram estrutura melhor de trabalho ou qualquer vantagem.

Cirlei Follmann, agente de saúde à época, contou que a reunião era de rotina e de trabalho, tendo os representados esclarecido que cada uma era livre para votar em quem quisesse. Disse que fizeram várias perguntas durante a reunião e que as funcionárias tinham dúvidas quanto à sua situação de trabalho e à remuneração, pois em outros municípios as agentes de saúde ganhariam mais. Narrou que as agentes de saúde tinham dúvidas se poderiam trabalhar na campanha porque uma delas, Nilsa, era candidata ao cargo de vereadora, e que na reunião informaram que, após o expediente, cada uma era livre para fazer o que quisesse. Afirmou que, quando reclamaram do salário, o prefeito disse que quem não quisesse trabalhar como agente de saúde poderia pedir demissão. A agente Raquel teria feito perguntas sobre o processo que tramitava na Justiça do Trabalho, razão pela qual teriam entrado nesse assunto.

Cláudia Winter, visitadora do PIM à época, afirmou que os representados não pediram votos na reunião e disseram que as agentes eram livres para votar em quem quisessem, podendo fazer campanha, desde que evitassem fazê-lo no horário de trabalho. Disse que os representados foram questionados sobre os salários, e aí eles afirmaram que quem não estivesse contente com o seu salário poderia pedir as contas, pois o prefeito não iria demitir porque precisava do serviço. Por essa razão, o prefeito teria explicado o que fazia com o dinheiro público. Em nenhum momento foi dito que se não votassem, seriam demitidas. Afirmou que as agentes Maria Beatris e Raquel estavam exaltadas, fazendo perguntas a Adair e Renzo sobre política a fim de que eles confessassem que preferiam que elas votassem neles, e que Tânia pediu para elas se acalmarem. O encontro era de rotina, participou de outras reuniões para tratar de assuntos de trabalho no anexo da prefeitura ou no posto de saúde, e na reunião de agosto trataram de diversas questões como o fornecimento de protetores solares.

Nerci Ana Schutz Roos, à época agente de saúde, relatou ter participado de outras reuniões em que os representados se diziam os pilares das agentes de saúde, afirmando que "se caíssem todos cairiam", e que entendeu com esse exemplo que seriam demitidas se não votassem neles. Disse que eles prometeram a manutenção das agentes de saúde no cargo, caso fossem eleitos, que pediram votos e que usassem o cargo a fim de promover a candidatura dos representados. Afirmou que se sentiu coagida e ameaçada “pelo que estava nas entrelinhas” e que mandaram não usar o cargo para falar mal do Ranieri. Não lembrou terem falado que eram livres para votar em quem quisessem.

Daiane Vieira, técnica de enfermagem à época, afirmou que as reuniões aconteciam a cada dois meses, e que não participou da reunião tratada nos autos. Disse que os representados nunca pediram votos nem ameaçaram as agentes de saúde e que essas se consideravam inimigas do prefeito.

Geni Uroda, visitadora do PIM à época, narrou que não participou da reunião, mas que não foi coagida a votar nos candidatos representados, tendo sido apenas deixado claro, por eles, que as visitadoras não podiam fazer campanha no horário de trabalho.

Deonise Maria Krein, agente de saúde na época, afirmou que às vezes eram realizadas reuniões, e que na de agosto os representados colocaram como pilar de sustentação das agentes, pois tal como ocorre num jogo de dominó, todos cairiam juntos. Havia comentários de que as agentes estariam irregulares e eles teriam afirmado que todas estavam legalizadas, e que, se votassem neles, continuariam com o emprego. Disse ter se sentido coagida e ameaçada, entendendo que era para fazer campanha para Valter e Ranieri, e que a reunião tratou também de aumento de salário. Negou tenham solicitado que fizessem campanha e contou que eles pediram para pararem de criticar o Ranieri.

Zeno Aloísio Krindges também foi ouvido em juízo, disse que é amigo do marido de Maria Beatris, que trabalhou na candidatura da oposição, e que o gravador por ele emprestado pertencia à coligação adversária da candidatura dos representados. Afirmou que viu Maria Beatris em uma reunião de campanha, e que não sabia que a gravação seria utilizada para fins políticos.

Segundo a certidão da fl. 250, Maria Beatris Boeno Lino Gallas é eleitora filiada ao PMDB desde 28.11.2005, partido adversário dos representados.

Concluída a instrução e apresentadas as alegações finais, o processo foi sentenciado com conclusão pela condenação dos recorrentes.

Conforme já referido, o pedido de perícia e a alegação de ilicitude da prova foram renovados no presente recurso, a preliminar foi suscitada na sessão de julgamento pelo defensor dos recorrentes, em sede de sustentação oral, e o requerimento foi indeferido pelo mesmo motivo invocado pelo juiz sentenciante, no sentido de que a realização da perícia seria incompatível com o processo eleitoral.

Analisei detidamente os autos a fim de verificar a plausibilidade jurídica do pedido, a existência de fundados indícios que levassem à conclusão pela necessidade da prova, e concluí que há justo motivo para que o pedido seja deferido.

É possível que a gravação tenha sido editada, com supressão de falas, circunstância que lhe retiraria o sentido, ou melhor, incorporaria sentidos diferentes àquilo que teria sido realmente dito, a fim de prejudicá-los.

Além disso, a degravação fornecida pela acusação não é literal, porque, da mesma forma, traz transcrição apenas parcial dos discursos proferidos na reunião, descontextualizando e alterando a compreensão do que realmente teria sido dito.

A prova oral, por sua vez, converge em muitos pontos, sendo manifesta a existência de descontentamento por parte das agentes de saúde com a administração de Adair, não apenas em razão do não atendimento da reivindicação de aumento salarial, mas devido à iminente possibilidade de que perdessem o emprego diante das ações que impugnavam a forma de sua contratação.

Sobre a realização de perícia em mídia, entendo que seu deferimento requeira muita parcimônia por parte do julgador.

Gravações efetuadas ou supervisionadas por órgãos policiais certamente tendem a gozar de maior prestígio, tendo em vista que os servidores públicos envolvidos nesta coleta de provas normalmente não têm envolvimento com a questão de fundo e, portanto, não seriam contaminados pelo interesse em fazer com que a prova refletisse este ou aquele fato.

Já em relação às gravações efetuadas por particulares, deve ter-se a necessária parcimônia para evitar que se crie situação próxima ao flagrante preparado.

A questão principal que deveria ter sido considerada é que a prova foi produzida com o auxílio da coligação adversária dos recorrentes, conforme reconhece a agente de saúde que gravou a conversa, Maria Beatris, em seu depoimento judicial (mídia à fl. 262), oportunidade em que afirmou ter solicitado a Zeno Aloísio, militante da coligação adversária, o empréstimo de um gravador para registrar a reunião. Zeno confirmou, também em juízo (mídia à fl. 269), ter fornecido o gravador a Maria Beatris e pessoalmente tê-lo devolvido à direção partidária juntamente com o áudio gravado por Maria Beatris.

Conforme ambos reconheceram, a gravação foi levada a conhecimento do Ministério Público Eleitoral cerca de duas semanas depois de realizada.

Importa registrar que Zeno confirmou a participação de Maria Beatris em reunião partidária promovida pela coligação adversária, naquele pleito, e que ela era filiada ao partido da oposição.

Essa situação bem demonstra que não é crível a alegação de Maria Beatris e de Zeno no sentido de que não sabiam que a gravação seria utilizada para fins políticos.

A fragilidade da gravação efetuada por adversário político foi ressaltada em julgado do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, no qual constou ser a perícia indispensável para o deslinde da questão:

RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA APRESENTADA ANTES DO DIA 6 DE JULHO. DISCURSOS EM FAVOR DE POSSÍVEIS CANDIDATOS. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. PERÍCIA NÃO REALIZADA. INDISPENSÁVEL PARA O DESLINDE DA QUESTÃO. RECURSOS RPOVIDOS. SENTENÇA REFORMADA. MULTA INSUBSISTENTE.

I- Sentença prolatada após o prazo legal. O termo inicial do prazo para recorrer começa a partir da intimação do advogado da parte, e não da publicação da sentença, conforme entendimento desta Corte.

II- Consigna o art. 145, do CPC que, quando a prova depender de conhecimento técnico, o juiz será assistido por perito. Não há registro de relaização de perícia no CD anexado aos autos, indispensável para o deslinde da questão.

III- Recursos conhecidos e providos. Sentença reformada. Multa insubsistente.

(Recurso Ordinário Eleitoral n. 12957, Acórdão n. 12957 de 03.11.2004, Relator JORGE ALOÍSIO PIRES, Publicação: SES - Publicado em Sessão, Data 03.11.2004.)

Em relação à impugnação da autenticidade de prova, transcrevo decisão do Tribunal Superior Eleitoral na qual foi assentado que o indeferimento da prova pericial caracteriza cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal:

Representação - Propaganda eleitoral antecipada - Prefeita - Pronunciamento em inauguração de escola - Gravação em fita cassete - Impugnação de sua autenticidade - Perícia - Necessidade - Art. 383 do Código de Processo Civil - Cerceamento de defesa - Art. 5º, LV da Constituição Federal. Recurso conhecido e provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 19243, Acórdão n. 19243 de 19.4.2001, Relator Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 25.5.2001, Página 50.)

No caso dos autos, sobretudo considerando que os recorrentes não foram eleitos e que o primeiro indeferimento da perícia se deu após a eleição (em janeiro de 2013), tenho que a celeridade e economia processuais não são justificativas suficientes para cercear o direito de produção de provas.

Caso os recorrentes tivessem sido eleitos, a utilização de artifícios como produção de provas irrelevantes poderia levar ao prolongamento da demanda, de modo que o mandato ilicitamente conquistado pudesse ser usufruído pelo maior tempo possível. Não é o caso.

Em verdade, em casos como o presente, normalmente a perícia é deferida de plano na origem, com a determinação de realização pela Polícia Federal ou pelo Instituto Geral de Perícias da Polícia Civil, a fim de evitar a permanência da discussão sobre a validade da prova e dirimir quaisquer dúvidas que possam surgir em relação à sua autenticidade.

De fato, na ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra os recorrentes com base na mesma prova, Processo n. 043/1.13.0000178-5, que tramita perante a 1ª Vara Judicial de Cerro Largo, o pedido de perícia foi desde logo deferido pelo magistrado responsável, conforme comprova a ata da audiência acostada aos autos pelos recorrentes.

Por conta disso, e com a finalidade de votar pelo aproveitamento daquela prova, solicitei informação àquele juízo, tendo a assessoria informado, por e-mail que nesta assentada junto aos autos, ter sido frustrada a realização de perícia, pois o cartório eleitoral não forneceu a mídia para análise, sob o argumento de que este processo eleitoral ainda está em tramitação.

A realização de perícia técnica é medida impositiva, pois há justo motivo para o questionamento quanto à confiabilidade da prova desde o início da tramitação, nos exatos termos em que argumentado pelos recorrentes.

O postulado da ampla defesa impõe que aos acusados seja oferecida a possibilidade de uso de todos os mecanismos de defesa legalmente permitidos, a fim de que possam, com plenitude, contestar o pedido, mormente tratando-se de feitos eleitorais que podem culminar com cassação de registro de candidatura ou de diploma, ou o afastamento do demandado da vida política pelo prazo de oito anos, exatamente a hipótese dos autos.

Dessa forma, e diante das circunstâncias do caso concreto, considerando que a gravação foi efetuada por pessoa filiada ao partido de oposição e que os demandados, desde o primeiro momento em que foram ouvidos, ainda pelo Ministério Público Eleitoral, levantaram a manipulação da gravação, tenho que o indeferimento da realização de perícia na mídia apresentada ao Parquet configurou cerceamento de defesa.

Além disso, uma vez reconhecida a ilicitude dessa prova, entendo que deveria ser analisada a questão da ilicitude por derivação das demais provas colhidas durante a instrução, dela decorrentes.

No entanto, o § 2º do art. 282 do CPC determina que, quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

Com base no citado dispositivo, em vez de pronunciar a declaração de nulidade, que decorreria da acolhida da preliminar de cerceamento de defesa devido ao indeferimento da prova técnica, cumpre, desde já, proferir voto pela improcedência dos pedidos condenatórios, uma vez que a proposição é mais benéfica aos recorrentes e, na minha compreensão, muito mais justa para com os fatos analisados.

O exame do áudio permite concluir ter o evento que deu origem à ação se tratado de uma reunião de trabalho. Naquela ocasião, em nenhum momento os recorrentes se apresentaram com a postura de candidatos, mas sim como colegas que, a despeito de ocuparem posição hierárquica superior, respondem perguntas, tentam explicar a repercussão jurídica das contratações das celetistas e a intervenção do Ministério Público do Trabalho, orientam sobre a postura que deve ser assumida pelas agentes em relação à eleição, e pedem, encarecidamente, o fim da propaganda negativa em relação aos candidatos da situação.

No pertinente ao abuso do poder de autoridade, o prefeito Adair era, em última instância, o superior hierárquico de todos os participantes da reunião, e sua fala concentrou-se em três questões objetivas: solicitar que as agentes de saúde parassem de falar mal do candidato da situação durante as visitações à comunidade, explicar a impossibilidade de fornecer aumento salarial, e prestar informações sobre o processo instaurado pelo Ministério Público do Trabalho, no qual foi solicitada a extinção das contratações de trabalho realizadas sem prévio concurso público.

Conforme prova oral e documental que consta dos autos, a reunião ocorreu no auge da tramitação da referida ação civil pública e todos estavam inseguros com a iminência de perda do emprego. Além disso, havia constantes reclamações de baixo salário e questionamentos quanto à gestão de verba pública realizada pelo prefeito.

Ademais, a agente de saúde Maria Beatris, que realizou a gravação de áudio, confirmou que a reunião foi convocada porque o prefeito sabia que elas estavam difamando o candidato Ranieri, apoiado pela prefeitura, nas visitações às famílias.

Não vejo abuso de poder de autoridade no fato de o prefeito e os demais superiores convocarem reunião com as agentes no seu local de trabalho – o posto de saúde municipal – e solicitarem que parassem de falar mal do candidato Ranieri. Havia manifesta propaganda negativa do candidato por parte das funcionárias, que lhe eram subordinadas.

A propaganda negativa revertia em prejuízo da atual administração, que pretendia, logicamente, ganhar a eleição, conforme Adair, honestamente, reconhece.

Portanto, com respeito à opinião contrária, considero que não houve atuação com abuso de poder apta à atração de qualquer penalidade. Análise de situação idêntica à dos autos já foi realizada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, em julgado que concluiu a impossibilidade de uma reunião de trabalho, isolada, configurar abuso do poder de autoridade:

 

ELEIÇÕES 2008 - RECURSOS - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990, ART. 22, E LEI N. 9.504/1997, ART. 41-A - ABUSO DE PODER POLÍTICO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - COAÇÃO ELEITORAL DE SERVIDORES PÚBLICOS COMISSIONADOS MEDIANTE AMEAÇA DE EXONERAÇÃO - RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO EM FACE DE CARÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO - ACUSAÇÃO FUNDAMENTADA EM GRAVAÇÃO AMBIENTAL - LEGALIDADE DO MEIO PROBATÓRIO - ATO COAGENTE SEM POTENCIALIDADE PARA DESVIRTUAR O RESULTADO ELEITORAL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO OU CONSENTIMENTO DOS CANDIDATOS BENEFICIÁRIOS - RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO.

1. A orientação jurisprudencial contemporânea empresta licitude à prova que decorre de gravação ambiental efetivada por um dos interlocutores, ainda que não conhecida e consentida pelo outro. A elucidação de fatos que possam ter interferido na regularidade e legitimidade do pleito eleitoral constitui garantia constitucional não somente de caráter individual, mas também de interesse coletivo, pelo que não pode ser suplantada pelo direito à privacidade, devendo, sim, com ele coexistir em obediência ao princípio interpretativo constitucional da harmonização ou da concordância prática, amplamente difundido na doutrina constitucionalista.

2. O "uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social" (LC n. 64, art. 22) são condutas qualificadas pela potencialidade de macular a legitimidade e a regularidade do pleito. O comportamento desmedido ou desvirtuado somente será punível se apurado sua capacidade de alterar o resultado eleitoral. Não há nisso proporção objetiva, quantificável, mas conclusão resultante de análise detida, realizada caso a caso, na qual é necessário ponderar a gravidade do fato e os efeitos nocivos que causou à normalidade do processo eletivo.

Em que pese ser manifestamente ilegal e reprovável o uso de cargo público para constranger servidores a votarem em determinado candidato, não há como tipificar a conduta como abuso de poder político (Lei Complementar n. 64/1990, art. 22) quando constituir ato isolado - reunião restrita a um pequeno número de servidores -, sem provas de que tenha repercutido decisivamente no convencimento de parte considerável do eleitorado.

O comportamento não se conforma, de igual modo, à hipótese legal da captação ilícita de votos (Lei n. 9.504/1997, art. 41-A), quando comprovado que o candidato não participou, nem consentiu com a ação, seja na qualidade de mentor intelectual, seja como partícipe.

(Recurso Contra Decisoes de Juizes Eleitorais n. 1709, Acórdão n. 24306 de 25.01.2010, Relator SÉRGIO TORRES PALADINO, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 16, Data 29.01.2010, Páginas 6-7.)

 

Relativamente à conclusão de que os fatos caracterizam a prática das condutas vedadas previstas nos incs. I e II do art. 73 da Lei das Eleições, que tratam das espécies de abuso de poder ao vedar o uso, em benefício de candidatos, de bens, serviços e servidores, a prova demonstra, à saciedade, que a reunião contestada foi rotineira, tratou de assuntos de trabalho afetos aos serviços prestados pelos participantes, e não causou, de forma alguma, benefício ou proveito eleitoral capaz de quebrar o princípio da igualdade de candidatos.

Especificamente no pertinente ao uso de bens públicos, a reunião ocorreu no posto de saúde municipal porque as funcionárias que deveriam dela participar trabalhavam na Secretária de Saúde do município. Relativamente ao uso de servidor público, Tânia compareceu porque era a Secretária Municipal de Saúde, chefe mediata das agentes de saúde e visitadoras presentes, assim como Renzo, que ostentava a condição de tomador do serviço, pois era o presidente da associação hospitalar que contratou as funcionárias.

Ou seja, presentes as empregadas convocadas para o encontro, foram prestados esclarecimentos sobre a situação do convênio e foram permitidas intervenções por parte das agentes comunitárias de saúde e do programa Primeira Infância Melhor. Os temas abordados na reunião não se ativeram exclusivamente à questão da eleição vindoura.

Tanto Adair quanto Renzo passam boa parte do tempo da gravação tentando justificar a legalidade do convênio e manifestando sua intenção de manutenção do posto de trabalho das ouvintes. Aos 30 minutos da gravação, TANIA retoma a fala e a qualidade do áudio fica bastante prejudicada, sendo em seguida pausada a gravação. É bastante razoável acreditar que, nesse momento, a recorrente passou a tratar de temas técnicos atinentes às funções dos presentes na reunião e, mesmo que se suponha que o tenha feito por apenas 10 minutos, isso já justificaria a convocação para a reunião.

Quanto à alegação de compra de votos, em momento algum há pedido de voto em troca de qualquer vantagem, por menor que seja. Toda a prova não deixa dúvidas de que nada foi prometido, tendo Adair enfatizado que não tinha condições de oferecer nada às funcionárias e que aquelas que não estivessem satisfeitas estavam autorizadas a pedir demissão.

Não houve ameaça ou coação. As próprias agentes que fizeram essa referência assumiram que “se sentiram ameaçadas”, “estava nas entrelinhas”, mas negaram que tenha sido realizada qualquer imposição. Essa é a conclusão a que se chega, inclusive, do depoimento de Maria Beatris, que começa sua declaração judicial afirmando que os recorrentes não se dirigiram com ameaças na reunião.

A captação ilícita de sufrágio exige uma relação de mercancia, a formação de um negócio, o toma lá, dá cá. Essa hipótese não ocorreu, não houve oferta alguma em troca de votos.

Os recorrentes, de fato, defendem e manutenção do convênio que possibilita a contratação das agentes, mas o fazem justificando o atendimento da população e a manutenção dos serviços de saúde, e não como "cabide de empregos" ou favor que beneficiaria as contratadas. Da mesma maneira, não vislumbro hipótese de grave ameaça e, menos ainda, existência de prova cabal de sua ocorrência, o que se faz necessário para a aplicação das pesadas sanções da captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder.

Nesse sentido, pela necessidade de prova cabal da conduta ilícita, transcrevo o seguinte precedente:

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ACERVO PROBATÓRIO. INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. A configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 requisita: (a) realização de uma das condutas típicas, quais sejam, doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal a eleitor, bem como contra ele praticar violência ou grave ameaça; (b) fim especial de agir, consistente na obtenção do voto do eleitor; (c) ocorrência do fato durante o período eleitoral.

2. Conforme consta no voto do Min. Marcelo Ribeiro, relator do Recurso Ordinário nº 441916/DF, com decisão publicada no DJE de 24/05/2012: "É firme o posicionamento desta Corte de que, para a configuração da captação de sufrágio, malgrado não se exija a comprovação da potencialidade lesiva, é necessário que exista prova cabal da conduta ilícita (Precedentes: REspe n° 21.390113F, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.9.2006; RO n° 1.484/SP, DJe de 11.12.2009, de minha relatoria; e RO n° 47191 571MT, Rel. designado Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 4.2.2011)."

3. A prova a fundamentar uma condenação tão grave como a de captação ilícita de sufrágio, que não só retira o mandato conferido nas urnas ao seu titular, mas também o afasta da disputa política pelo período de oito anos, não pode ser uma prova que deixe um rastro sequer de dúvida. Deve ser sim firme, robusta, baseada em afirmações seguras. E não foi isto que se viu no presente feito.

4. Recurso Eleitoral provido, com extinção por perda de objeto da Ação Cautelar nº 53-25.2013.6.25.0000, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

(TRE-SE, Recurso Eleitoral n. 58676, Acórdão n. 7/2014 de 04.02.2014, Relator JORGE LUÍS ALMEIDA FRAGA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 30, Data 17.02.2014, Páginas 02/03.)

 

A fala de Renzo pode ser considerada a mais pesada, porque ele trata da ação que tramitava na Vara do Trabalho e confessa que, com o término do convênio, todos seriam demitidos. Essas palavras, por mais duras e difíceis de ouvir, eram a mais pura verdade do que estava acontecendo no município, pois Renzo, assim como as agentes de saúde, trabalhava para a associação hospitalar, e o processo tinha, justamente, o objetivo de interromper os seus contratos de trabalho.

Por isso, bem se vê que a degravação imprimiu ao tema da conversa um sentido que ela não possuía, pois o tempo todo os recorrentes explicaram que todos estavam ameaçados de perder o emprego em face da ação civil pública. A temática sobre demissão não tinha relação alguma com a eleição, e sim com o processo que tramitava na Justiça do Trabalho, e a degravação, na forma como apresentada, desvirtua essa circunstância.

De fato, por ser período eleitoral, por conta da pauta incluir a questão da realização de campanha durante o horário de trabalho, e em razão da inquietude das servidoras em relação à intervenção do Ministério Público do Trabalho e demandas salariais, os recorrentes acabaram por tentar justificar suas ações e enaltecer seus feitos na administração do município, sobretudo em relação aos esforços empreendidos na área da saúde.

E porque o discurso de Adair, Tânia e Renzo foi sempre no sentido de pedir encarecidamente que as funcionárias parassem de fazer campanha durante o horário de trabalho, explicar que não tinham condições de fornecer aumento salarial, a efetiva possibilidade de demissões em face da ação civil pública que estava em tramitação e, acima de tudo, assentar a liberdade que as agentes de saúde, do PIM e da SAMU, tinham para votar em quem bem entendessem, tenho que a ação não traz mínima prova de abuso de poder capaz de atrair o juízo condenatório.

Ademais, as contratadas presentes na reunião não representam um grupo acuado ou temeroso. As explanações que são ouvidas ao longo do áudio permitem concluir que Tânia, Adair e Renzo tentam justificar a situação na qual se encontra o município, ponderam sobre a falta de recursos (e nesse ponto surge a colocação do prefeito sobre a demissão – voluntária - daquelas que não estivessem satisfeitas com o salário) e lamentam a possibilidade de vir a se realizar concurso público e as vagas serem preenchidas por pessoas que não residem em Cerro Largo.

É certo que os representados também pedem apoio ao seu projeto político, mas deixam claro que respeitam a posição ideológica das servidoras. Também reiteradamente solicitam que não se faça campanha durante o horário de trabalho.

Assim, por considerar que se tratou de reunião de trabalho e perceber que não houve solicitação de que fizessem campanha em favor dos recorrentes, não vejo como fazer incidir as hipóteses de infração requeridas na inicial.

Pedindo vênia à ilustre relatora, concluo que a reunião realizada no dia 20 de agosto de 2012 não desbordou da rotina administrativa de uma Secretaria de Saúde municipal, e que a acusação e o caderno probatório, de modo algum, confirmam a versão do Ministério Público Eleitoral, passando longe de acarretar a condenação dos recorrentes.

 

Nesses termos, VOTO no sentido de:

a) declarar que a degravação inserida nas folhas 04-11, 51-55, e no arquivo de mídia juntado aos autos, é ilegítima, determinando a supressão, de modo a tornar impossível a leitura, do texto contido na fl. 04, a partir de onde se lê “Tânea Porsch”, íntegra do verso da fl. 04, e fl. 11 dos autos;

b) deixar de pronunciar a nulidade decorrente do cerceamento de defesa causado pelo indeferimento da prova pericial, por aplicação do § 2º do art. 282 do CPC, restando, por consequência, prejudicada a preliminar de ilicitude das provas colhidas por derivação;

c) acompanhar a relatora quanto ao afastamento das demais preliminares;

d) no mérito, dar provimento ao recurso interposto e julgar improcedentes os pedidos condenatórios;

Por fim, relativamente ao pedido de juntada de cópias de documentos requerido na peça recursal à fl. 426, consigno que a providência compete à parte interessada e independe de intervenção judicial.

 

(Após votar o Dr. Leonardo Tricot Saldanha pediu vista o Dr. Silvio Ronaldo. Julgamento suspenso.)

 

Participaram do julgamento os eminentes Des. Luiz Felipe Brasil Santos – presidente -, Dr. Leonardo Tricot Saldanha, Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz e Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, bem como o douto representante da Procuradoria Regional Eleitoral.