RE - 7050 - Sessão: 25/08/2016 às 16:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por CLAUDIR KNIPHOFF (fls. 13-25) em face da decisão que entendeu intempestiva a oposição de embargos à execução fiscal (fl. 11).

O recorrente alega que o valor de sua dívida foi reduzido, pois excluída parte do débito, circunstância que lhe garantiria a devolução do prazo para a oposição. Requer o recebimento e o provimento do recurso e a intimação da recorrida.

Nesta instância, a Fazenda Nacional apresentou contrarrazões alegando, preliminarmente, a não admissibilidade do recurso em razão de erro grosseiro e, no mérito, defendendo a decisão impugnada, pois o prazo legal teria transcorrido (fls. 39-42).

Vieram os autos conclusos, sendo desnecessário o envio dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral, em face do teor da Súmula n. 189, do Superior Tribunal de Justiça.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Adianto ser esta a questão mais tormentosa colocada em análise nestes autos, visto que a matéria de mérito é, de certo modo, pacífica.

Inicialmente, esclareço que os presentes embargos foram opostos à Execução Fiscal n. 113-21.2014.6.21.0017, aparelhada com certidão de inscrição em dívida ativa referente à cobrança de multa aplicada pela Justiça Eleitoral.

O juízo a quo deixou de receber os embargos, por considerá-los intempestivos (fl. 11).

Tal decisão foi desafiada mediante agravo de instrumento (fls. 13-25). No exame de admissibilidade do recurso, proferi despacho (fl. 33 e verso), no qual apliquei o princípio da fungibilidade, para fins de receber o recurso como apelação, abrindo-se vista ao exequente/embargado para o oferecimento de contrarrazões.

Em sua manifestação, a Fazenda Nacional alega a existência de erro grosseiro de parte do recorrente, fator que impediria a aplicação do princípio da fungibilidade.

Pois bem.

Como se sabe, os feitos que tramitam na Justiça Eleitoral com a finalidade de executar multa decorrente de infringência à legislação eleitoral são processados segundo a Lei de Execuções Fiscais, por disposição expressa do Código Eleitoral, art. 367, IV.

E a Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/80) não nomina o recurso cabível contra decisão interlocutória, mas indica, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Por seu turno, o princípio da fungibilidade recursal possibilitaria o recebimento de um recurso por outro, desde que haja dúvida objetiva, ausência de erro grosseiro e atendimento do prazo recursal do recurso correto.

No caso dos autos, entendo por superar o erro do recorrente.

A uma, não se desconsidera que, em outros ramos do Poder Judiciário, a apresentação de agravo de instrumento, em oportunidade que o cabimento correto seria o recurso de apelação, de fato, possa caracterizar erro grosseiro.

Contudo, a ausência de tratamento específico para a questão na legislação eleitoral, bem como os sucessivos deslocamentos entre textos normativos para alcançar a verdadeira norma aplicável permitem concluir, ao menos nos lindes da Justiça Eleitoral, ser razoável a dúvida do executado/embargante acerca do recurso cabível e, portanto, possível a aplicação do princípio da fungibilidade.

Em segundo lugar, o advento da novel legislação processual civil, ainda que subsidiária e aplicável somente a partir de 18.3.2016, trouxe novos ares à aplicação do princípio da fungibilidade recursal, como a propalada norma interpretativa da preponderância, ou da primazia, da análise do mérito recursal, prevista no art. 4º do NCPC, e que busca o máximo aproveitamento da atividade processual: “Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Daí, remetida a aplicação de tal princípio à seara recursal, é de se entender pela admissão do recurso tanto quando ele corresponde à resolução que se supõe desejar o recorrente, teoria subjetiva, como nos casos em que ele é o adequado ao que se pretende, conforme a teoria objetiva (por todos, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, t. VII, p. 54 e seguintes).

Nesse ponto, um argumento trazido pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional vem reforçar o juízo de admissibilidade: o fato de o recorrente ter apresentado o agravo de instrumento nos próprios autos indica, na realidade, o desejo de apelar da decisão.

Ainda sobre o tratamento dado ao agravo de instrumento no Novo Código de Processo Civil, vide a lição de Eduardo Talamini (Agravo de instrumento: hipóteses de cabimento no CPC/15), sobre a aproximação deste recurso com a apelação, mormente quando desafia decisões acerca do mérito:

[...] decisões sobre o mérito do processo (art. 1.015, II, 354, par. ún., e 356, par. ún.). Como visto em mais de um texto desta série, admitem-se decisões interlocutórias de mérito (art. 354, par. ún., no que concerne aos casos dos arts. 487, II e III, e art. 356). Nesses casos, até para se permitir o trânsito em julgado autônomo dessa decisão (art. 356, § 3º), e assim se conferir efetiva utilidade à resolução parcial do mérito, não se poderia atrelar a sua recorribilidade ao recurso contra a decisão final. Mas o agravo cabe não apenas quando a interlocutória de mérito desde logo resolve uma parte do objeto do processo. Há casos em que a decisão versa sobre o mérito, mas se limita a descartar a ocorrência de um fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, sem ainda definir nenhuma parcela da lide. É o que acontece, por exemplo, quando no saneamento do processo o juiz rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência e determina a produção de provas. O agravo, em todos os casos em que seu objeto é uma decisão sobre o mérito, reveste-se de peculiaridades. Como ele impugna uma decisão cujo conteúdo corresponde àquele que tipicamente se tem nas sentenças de mérito, ele “herda” algumas das características da apelação (p. ex., se a decisão não for unânime, é aplicável a técnica de extensão do julgamento prevista no art. 942; deve caber sustentação oral na sessão de seu julgamento etc.) [...].

Ademais, indico o Enunciado 104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “o princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de ofício”. Ainda que o verbete não possua eficácia normativa, é certo que espelha o atual estado das coisas no trato da fungibilidade recursal.

Em resumo, entendo que a interposição de agravo de instrumento, em situação que a decisão comporta irresignação via apelação, pode vir a ser considerada como prática de erro grosseiro em outras circunstâncias, mais claras.

No caso sob análise, não. A dúvida do recorrente, considerada as peculiaridades, era razoável.

Conheço, portanto, do recurso.

 

Mérito

No mérito, tenho que a irresignação do recorrente merece acolhimento.

Inicialmente, é preciso considerar que, aqui, trata-se de um processo de execução fiscal. Tal pressuposto é fundamental para que se estabeleçam os institutos jurídicos aplicáveis, e o momento a partir do qual passa a ser possível a apresentação de embargos à execução.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento que observou a sistemática dos recursos repetitivos, fixou que a penhora (garantia do juízo) é o marco condicionante à apresentação dos embargos, não se aplicando, nesse caso, as disposições do Código de Processo Civil:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL.

[...]

6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.

[...]

9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.

(REsp 1272827/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22.5.2013, DJe 31.5.2013.)

E, estabelecido que a penhora é pressupsoto para o oferecimento de embargos, cumpre examinar os dispositivos que regem a contagem de prazo na Lei n. 6.830/80:

Art. 12 – Na execução fiscal, far-se-á a intimação da penhora ao executado, mediante publicação, no órgão oficial, do ato de juntada do termo ou do auto de penhora.

 

Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:

[...]

III – da intimação da penhora.

[…]

§ 1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

[...]

 

Nos autos, consta à fl. 09 o Termo de Penhora, lavrado em 06.01.2016, que instrumentalizou o gravame ao bem indicado pelo executado, ora recorrente, e a certidão de sua intimação, que ocorreu em 13.01.2016.

Ocorre que os embargos já tinham sido apresentados em momento anterior (15.6.2015, conforme carimbo da fl. 02).

A decisão recorrida consignou que “a citação do executado ocorreu, em cartório, no dia 13.5.15 (fl. 29v.), iniciando-se o prazo para apresentação de embargos em 14.5.15” (fl. 11). A juíza eleitoral considerou a primeira citação do executado (13.5.2015) como marco para início do prazo, o que se mostra equivocado.

Como o executado foi intimado da penhora em 13.01.2016, é este o marco inicial da contagem de prazo indicado em lei, de maneira que deve ser reformada a decisão que considerou intempestivos os embargos à execução, apresentados em 15.6.2015 – em prazo anterior, portanto.

Corroborando esse entendimento, trago julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. GARANTIA DA EXECUÇÃO POR MEIO DE FIANÇA BANCÁRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO.

1. Não obstante o art. 16, I, da Lei 6.830/80 disponha que o executado oferecerá embargos no prazo de 30 (trinta) dias, contados do depósito, a Corte Especial, ao julgar os EREsp 1.062.537/RJ (Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 4.5.2009), entendeu que, efetivado o depósito em garantia pelo devedor, é aconselhável seja ele formalizado, reduzindo-se a termo, para dele tomar conhecimento o juiz e o exequente, iniciando-se o prazo para oposição de embargos a contar da data da intimação do termo, quando passa o devedor a ter segurança quanto à aceitação do depósito e a sua formalização.

[...]

5. Recurso especial provido.

(REsp 1254554/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18.8.2011, DJe 25.8.2011.)

Finalmente, para que não haja discussão acerca da tempestividade dos embargos em virtude de sua apresentação prematura, invoco o verbete n. 65 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral, recentemente editado: “Considera-se tempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida”.

Finalmente, julgo prejudicado o pedido de assistência judiciária gratuita, considerada a inexistência de custas na Justiça Eleitoral.

 

Diante do exposto, voto por dar provimento ao recurso, reconhecendo a tempestividade da oposição dos embargos à execução e determinando seu regular processamento.