RE - 1968 - Sessão: 21/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por NOAL E BERTONCINI ADVOGADOS, pessoa jurídica de direito privado, contra decisão do Juízo da 169ª Zona Eleitoral – Caxias do Sul, que julgou procedente a representação por doação para campanha eleitoral acima do limite legal, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-a ao pagamento de multa estipulada no valor mínimo de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), correspondente a cinco vezes o excesso de doação (R$ 700,00), e à proibição de participar de licitações ou de celebrar contratos com o poder público, pelo prazo de cinco anos (fls. 187-190v.).

Em suas razões, suscita as preliminares de inépcia da petição inicial, a qual não apontaria o valor doado, impedindo o exercício pleno da defesa, e de cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal, pois foi realizada audiência para oitiva do candidato beneficiado, na condição de testemunha arrolada pelo Ministério Público Eleitoral, sem divulgação da data em que o ato ocorreria, seja pelo juízo deprecante ou pelo deprecado. No mérito, afirma que a sentença tomou o depoimento da testemunha e a prestação de contas do candidato como verdade absoluta, mas que, em momento algum, foi emitido pelo candidato um recibo de doação eleitoral, tendo a ré apenas participado de um jantar, desconhecendo que o valor de R$ 700,00, pago mediante cheque, em contrapartida a três convites para o jantar, seria tomado como uma doação para campanha eleitoral. Sustenta que o valor serviu para pagamento da alimentação oferecida no evento, além dos serviços de garçons e de organização, despesas que devem ser abatidas do valor da doação. Assevera que o convite não fazia referência a doação eleitoral, circunstância que era ignorada pela recorrente. Quanto às penalidades aplicadas, aponta que há orientação jurisprudencial no sentido de ser incabível a dupla penalização, devendo ser aplicada ou a pena de multa ou a pena de proibição de licitar. Requer o provimento do recurso, com a reforma da decisão e, sucessivamente, requer que a condenação seja limitada a uma única penalidade, de multa, com abatimento dos custos do jantar do valor da doação (fls. 196-203).

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões pelo afastamento das preliminares suscitadas, conforme já decidido pelo julgador monocrático em decisão interlocutória. No mérito, sustenta que o escritório jurídico recorrente estava impedido de realizar doações para campanha eleitoral porque, no ano anterior ao do pleito, apresentou declaração de imposto de renda sem quaisquer rendimentos, razão pela qual postulou o desprovimento do recurso (fls. 208-211).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo afastamento da preliminar de cerceamento de defesa, por ausência de prejuízo e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso para o fim de ser mantida a condenação, mas afastada a penalidade de proibição de participar de licitações e de contratações com o poder público (fls. 221-226v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, analiso as preliminares suscitadas pela recorrente Noal e Bertoncini Advogados, relativas às alegações de inépcia da inicial e de cerceamento de defesa.

 

a) Inépcia da petição inicial

O escritório Noal e Bertoncini Advogados alega que a petição inicial da representação é inepta porque não aponta o valor da doação e da respectiva quantia excedente ao limite legal, circunstância que teria impedido o pleno exercício da defesa.

Contudo, examinada a peça, verifica-se que a petição inicial não é inepta.

O representante informa todos os dados necessários ao ajuizamento da representação e demonstra que a Receita Federal, com base em convênio firmado pela Justiça Eleitoral e nos dados públicos dos doadores de campanha, comunicou a ocorrência de excesso de doação.

A petição está acompanhada do documento da fl. 8 dos autos, que contém o extrato dos dados públicos da prestação de contas do candidato a deputado federal Ivar Pavan, que concorreu nas eleições de 2014 e foi o beneficiado, com o valor da doação, R$ 700,00, recurso fornecido mediante cheque da Noal e Bertoncini Advogados. Além disso, o extrato apresenta, inclusive, a numeração do recibo eleitoral a que se refere a doação.

Após o ajuizamento da representação, houve decisão judicial determinando a quebra do sigilo bancário do escritório de advocacia representado e aportaram aos autos a sua declaração de imposto de renda relativa ao exercício 2013, ano anterior ao do pleito, na qual foi informada a ausência de rendimentos.

Esses dados serviram de base para a citação e o estabelecimento do contraditório durante o feito, tendo sido oportunizado o oferecimento de defesa, a produção de provas e a apresentação de alegações finais, tudo com o fim de infirmar a narrativa inicial.

Assim, foi assegurada a mais ampla defesa, não havendo prejuízo algum ou inépcia a ser declarada.

 

b) Cerceamento de defesa

A segunda preliminar refere-se ao alegado cerceamento de defesa em função da falta de publicação do despacho prolatado pelo juízo deprecado à fl. 133 dos autos, no qual constou a data da designação da audiência para oitiva da testemunha arrolada pelo representante.

A primeira questão observada é a relativa ao momento em que foi pedida a prova testemunhal pelo Ministério Público Eleitoral, pois o pedido de prova oral e o arrolamento da testemunha não constou na petição inicial.

Conforme observa-se dos autos, após a notificação de Noal e Bertoncini Advogados (fls. 19-21) e a apresentação da defesa (fls. 22-25), a juíza de primeiro grau abriu vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral para manifestação quanto à peça defensiva, e então o Parquet juntou aos autos a petição das fls. 34-35v., na qual, inovando nos pedidos probatórios, postulou a oitiva do candidato beneficiado com a doação na condição de testemunha.

Esse procedimento não está previsto no rito estabelecido no art. 22 da LC n. 64/90, pois o dispositivo determina que, depois da apresentação da defesa, seja realizada a instrução processual, com a oitiva das testemunhas eventualmente arroladas na inicial e na defesa e, após, o juiz proceda ao atendimento de diligências requeridas, abrindo-se, a seguir, prazo para alegações finais.

O devido processo legal é máxima da qual derivam diversos princípios processuais, dentre eles o da igualdade e da paridade de armas, os quais estabelecem que as partes devem ter tratamento isonômico e dispor dos mesmos mecanismos para o exercício funcional.

No caso dos autos, o Ministério Público Eleitoral é parte e deve ter as mesmas oportunidades de falar nos autos que o escritório de advocacia representado, aplicando-se, inclusive, os termos e prazos processuais que devem ser obedecidos pela parte ré.

De notar-se que até mesmo o deferimento da prova milita em desfavor da observância da isonomia entre as partes, pois a iterativa jurisprudência sobre a matéria orienta-se pelo indeferimento de prova oral em processos de doação acima do limite legal, uma vez que predomina o entendimento de que a prova documental, consistente na declaração do imposto de renda e na prestação de contas de campanha eleitoral, é suficiente para a aferição matemática da existência ou não de excesso de doação.

Em verdade, é possível que o Ministério Público Eleitoral tenha se apercebido da inobservância da igualdade entre as partes, pois ao pedir a prova requereu que ao representado também fosse oportunizado o arrolamento de testemunhas (fl. 35v.).

Contudo, ao receber o pedido, a magistrada eleitoral deferiu a prova (fl. 37), não abriu prazo algum à defesa e determinou, tão somente, a intimação sobre a expedição de precatória ao Juízo da 169ª Zona Eleitoral de Erechim (fl. 44).

No juízo deprecado, por sua vez, houve outra impropriedade. O magistrado eleitoral de Erechim despachou marcando a data da audiência e determinou: “Intimem-se as partes e a testemunha” (fl. 120). Porém, o despacho não foi disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico, não sendo cumprida, por completo, a ordem de intimação das partes, pois a intimação da defesa é realizada por meio da publicação da nota de expediente. O cartório eleitoral realizou apenas a intimação do órgão representante sobre a data da audiência, conforme consta à fl. 125, na qual observa-se o termo de vista ao Ministério Público Eleitoral.

Ainda que acompanhasse a tramitação processual, era impossível à defesa saber da data da audiência, não sendo razoável exigir que os advogados efetuem telefonemas aos cartórios eleitorais durante a expedição de carta precatória em função do dever do chefe de cartório, no exercício da escrivania, de publicar os atos judiciais.

A prefacial foi invocada pela defesa tão logo foi publicada a informação do cumprimento da precatória com a realização da audiência, e foi renovada em todas as oportunidades em que o escritório representado se manifestou no feito.

O juízo a quo, o Ministério Público Eleitoral junto à origem e, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral, de forma uníssona, afastaram a alegação de cerceamento de defesa e de ofensa ao devido processo legal com base no enunciado da Súmula n. 273 do STJ, o qual prevê: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado”.

No entanto, esta Súmula, publicada no ano de 2002, tem sua origem e aplicação na seara eminentemente penal, conforme se denota da leitura dos 10 acórdãos criminais apresentados pelo STJ como precedentes do verbete (Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf>. Acesso em 6.6.2016). Referido enunciado decorre da Súmula n. 155 do STF, segundo a qual: “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha”.

Sobre o tema, há elucidativo acórdão do TRE-MA com as razões pela não aplicação da Súmula n. 273 do STJ aos processos cíveis eleitorais:

Vale notar que, no processo penal, em que o bem jurídico tutelado é a própria liberdade do acusado (mais relevante, portanto, do que a finalidade do processo civil), diante da eventual ausência do defensor do acusado na audiência de instrução, deve-se requerer um defensor ad hoc para acompanhar o ato. Desta forma, pelo menos em tese, os princípios da ampla defesa e do contraditório restam preservados.

Contudo, no processo civil, diante da ausência do advogado da parte, a audiência de instrução é realizada normalmente pelo Juiz, sem que, para tanto, seja conferido à parte ausente um defensor ad hoc.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

MANDADO DE SEGURANÇA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS SEM INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DO IMPETRANTE, PELO JUÍZO DEPRECADO. LIMINAR INDEFERIDA. AÇÃO DE NATUREZA CÍVEL. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 273 DO STJ. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA PLEITEADA.

 - A Súmula 273 do STJ tem aplicação somente na seara processual penal, pois diante da eventual ausência de defensor do acusado na audiência, deve-se requerer um defensor ad hoc para acompanhar o ato.

- No âmbito do processo civil, deve ser providenciada a intimação da parte, por meio de seu defensor, no Juízo deprecado, sob pena de ofensa ao devido processo legal.

 - Segurança deferida.

(TRE-MA, MANDADO DE SEGURANÇA n. 368, Acórdão n. 4997 de 16.12.2003, Relator JOSÉ BERNARDO SILVA RODRIGUES, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 18.02.2004, Página 59).

De fato, a aplicação do enunciado da Súmula n. 273 do STJ tem sido mitigada até pelo Supremo Tribunal Federal, pois o STF firmou orientação no sentido de que, em se tratando de réu assistido por defensor público, é obrigatória a intimação da Defensoria Pública acerca do dia do ato processual designado, se no juízo deprecado, houver sede instalada e estruturada, sob pena de nulidade (STF. 1ª Turma. RHC 106394/MG, rel. Min. Rosa Weber, 30.10.2012).

Em verdade, à época da edição da Súmula n. 273 do STJ, os instrumentos de comunicação colocados à disposição da Justiça eram demasiadamente precários e não havia previsão normativa que regulasse a possibilidade de ciência eletrônica dos atos processuais.

Atualmente, as normas que regulamentam os processos eleitorais preveem expressamente a publicação eletrônica de notas de expediente, havendo cogente disposição, na Consolidação Normativa Judicial Eleitoral, em seus arts. 190 e 215, de que os despachos judiciais são públicos, devendo as partes tomar ciência dos atos e termos do processo mediante publicação no DEJERS, quando estiverem representadas por advogado.

A lealdade e a boa-fé processual militam em favor da espera razoável de publicação eletrônica da nota de expediente, dando publicidade e conhecimento sobre o despacho judicial, nos termos determinados pelas normas e orientações repassadas por este Tribunal aos cartórios eleitorais.

Além disso, o princípio da publicidade, como integrante do devido processo legal, determina que os atos processuais sejam publicados, não havendo motivo que justifique a falta de publicação do despacho exarado pelo juízo deprecado no órgão oficial de imprensa da Justiça Eleitoral.

Estabelecidas essas questões em relação à prova oral produzida durante a instrução, não resta outro caminho que não o de declarar a nulidade da prova testemunhal, situação que não repercute no julgamento do processo, uma vez que a sentença não se baseou na prova testemunhal para a condenação do escritório representado.

De fato, não há, na sentença, menção alguma à contribuição do depoimento da testemunha para o convencimento da julgadora, estando a decisão isenta de qualquer motivação afeta à prova oral, não sendo verdadeira a afirmação recursal de que a prova testemunhal é “a base da condenação”.

A base da condenação é a prestação de contas de campanha do candidato, demonstrando o recebimento de R$ 700,00 oriundos de Noal e Bertoncini Advogados, para pagamento de despesas de campanha, o reconhecimento do fato pelo próprio escritório representado, que assumiu ter passado um cheque ao candidato a deputado federal Ivar Pavan, e a sua declaração de imposto de renda do ano anterior ao do pleito, na qual consta a afirmação de que não obteve rendimentos no exercício de 2013.

Assim, a nulidade da prova testemunhal não deve ser entendida como a nulidade do processo, uma vez que não há demonstração de prejuízo algum para a defesa decorrente da inquirição da testemunha. Como já referido, há jurisprudência consolidada no sentido de que a prova oral, em processos de doação acima do limite legal, é desnecessária ao julgamento da causa, pois a verificação de existência de excesso de doação é facilmente demonstrada pela via documental.

Deve prevalecer, no caso concreto, o disposto no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

Com esses fundamentos, acolho a preliminar de cerceamento de defesa, declarando nula a prova oral colhida durante a instrução processual, consignando que o fato não se reflete no julgamento do feito uma vez que não há prejuízo à defesa, pois basta ao julgamento a prova documental existente nos autos.

No mérito, constata-se a existência de doação acima do limite legal previsto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, dispositivo atualmente revogado pela Lei n. 13.165/15, mas que estava vigente à época da doação:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Segundo os dados da declaração de imposto de renda de pessoa jurídica do exercício 2013, ano anterior ao da eleição de 2014, o escritório recorrente declarou ter permanecido inativo e sem rendimentos (fls. 15 e 79 do anexo dos autos).

Conforme documento da fl. 08, a empresa efetuou doação de R$ 700,00 para a campanha do candidato a deputado federal Ivar Pavan, recurso fornecido mediante cheque, para o qual foi emitido o respectivo recibo eleitoral.

Se não obteve faturamento bruto no ano anterior à eleição – 2014 – o escritório recorrente não poderia efetuar doação alguma, sob pena de multa sobre o valor doado, na linha da jurisprudência sobre o tema:

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81 da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Ausente o faturamento bruto no ano anterior ao pleito, conclui-se pela proibição da doação, caracterizando como excesso o próprio valor doado.

Confirmada a ilicitude, há incidência objetiva de sanção eleitoral. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela lei. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público.

Provimento parcial.

(TRE-RS - Recurso Eleitoral n. 1446, Acórdão de 28.4.2016, Relator DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 02.5.2016, Página 5). (Grifei.)

 

REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. FATURAMENTO BRUTO, RECEITA BRUTA E OUTRAS RECEITAS OPERACIONAIS. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 279/STF e 7/STJ. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. ART. 23, § 7º, DA LEI Nº 9.504/97. INAPLICÁVEL ÀS PESSOAS JURÍDICAS. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE FATURAMENTO BRUTO NO ANO ANTERIOR AO DA ELEIÇÃO. DOAÇÃO ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE. MULTA. BASE DE CÁLCULO. VALOR DO EXCESSO QUE, NESSE CASO, É O MONTANTE INTEGRAL DA DOAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Verificar se o montante relativo à rubrica "outras receitas operacionais", no exercício de 2009, é apto e suficiente a conferir legalidade à doação eleitoral, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que encontra óbice nas Súmulas 279/STF e 7/STJ.

2. O princípio da insignificância não se aplica às representações propostas com fulcro em doação eleitoral acima do limite legalmente estabelecido.

3. Não é aplicável às pessoas jurídicas o disposto no art. 23, § 7º, da Lei nº 9.504/97, que permite, sem caracterizar excesso, a doação para campanhas de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em recursos estimáveis em dinheiro.

4. Não havendo faturamento bruto no exercício de 2009, ano anterior ao da eleição, a pessoa jurídica não poderia ter realizado doação para escrutínio de 2010. Assim, o excesso sobre o qual deve ser calculada a multa é o próprio valor doado.

5. Agravo regimental desprovido.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 36485, Acórdão de 19.8.2014, Relatora Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 163, Data 02.9.2014, Página 99). (Grifei.)

Inequívoca, portanto, a ofensa ao referido dispositivo legal.

O juízo de origem, sob esse mesmo fundamento, entendeu ultrapassado o permissivo legal para doação, pois o escritório recorrente estava impedido de doar para campanha eleitoral por ausência de faturamento no ano de 2013, que antecedeu às eleições. Comprovada a doação, evidenciada está a ilicitude, pois o parâmetro para aplicação da multa prevista no § 2º do art. 81 da Lei n. 9.504/97 é o próprio valor despendido.

Nas razões recursais o escritório Noal e Bertoncini Advogados reconhece que adquiriu três convites para um jantar, para os quais pagou o valor total de R$ 700,00, mediante cheque da conta bancária da pessoa jurídica, mas afirma desconhecer o fato de que a quantia seria considerada como uma doação para campanha eleitoral, pois esta circunstância não estava descrita no convite do evento.

Afirma que sequer tinha intenção de realizar doação quando participou da cerimônia, e que o valor despendido não pode ser considerado integralmente uma doação, pois parte do montante foi utilizado para pagar as despesas geradas com o jantar.

Embora as razões invocadas pelo escritório recorrente, as normas que regulamentam as eleições determinam ser lícito aos candidatos, durante as campanhas eleitorais, realizar eventos de arrecadação de recursos para a sua eleição, sendo essa a situação dos autos. A arrecadação de recursos de campanha por meio de promoção de eventos está disciplinada no art. 27 da Resolução TSE n. 23.406/14:

Art. 27 - Para a comercialização de bens e/ou serviços e/ou a promoção de eventos que se destinem a arrecadar recursos para campanha eleitoral, o candidato, o partido político ou o comitê financeiro deverão:

I – comunicar a sua realização, formalmente e com antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis, à Justiça Eleitoral, que poderá determinar a sua fiscalização;

II – manter, à disposição da Justiça Eleitoral, a documentação necessária à comprovação de sua realização.

§ 1º Os valores arrecadados constituem doação e estão sujeitos aos limites legais e à emissão de recibos eleitorais.

§ 2º O montante bruto dos recursos arrecadados deverá, antes de sua utilização, ser depositado na conta bancária específica.

§ 3º Para a fiscalização de eventos, prevista no inciso I do caput, a Justiça Eleitoral poderá nomear, entre seus servidores, fiscais ad hoc, devidamente credenciados para a sua atuação.

§ 4º As despesas e gastos relativos à realização do evento deverão ser comprovadas por documentação idônea e pelos respectivos recibos eleitorais, mesmo quando provenientes de doações de terceiros, em espécie, bens ou serviços estimados em dinheiro.

Apesar de o recorrente afirmar que não possuía a intenção de doar, até as eleições de 2014, não há outra forma de interpretar o repasse de dinheiro de uma pessoa jurídica a um candidato a não ser a doação para campanha eleitoral.

Os arts. 23 e 81 da Lei n. 9.504/97 (em sua redação original) possibilitam aos partidos políticos arrecadar recursos para aplicação na campanha eleitoral. Regulamentando os referidos dispositivos legais, a Resolução TSE n. 23.406/14 estabeleceu, para as eleições de 2014, que candidatos, partidos políticos e comitês financeiros poderiam arrecadar recursos para custear as despesas de campanhas, nos termos do seu art. 22:

Seção III – Das Doações

Art. 22 – As doações, inclusive pela internet, feitas por pessoas físicas e jurídicas somente poderão ser realizadas mediante:

I – cheques cruzados e nominais, transferência bancária, boleto de cobrança com registro, cartão de crédito ou cartão de débito;

II – depósitos em espécie, devidamente identificados com o CPF ou CNPJ do doador;

III – doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro.

Toda a arrecadação lícita é compreendida como uma doação de campanha. No caso dos R$ 700,00 reais pagos pelo escritório jurídico recorrente, são considerados gastos eleitorais (os quais devem ser extraídos do total da doação) tanto os valores destinados para o custeio das despesas do jantar, quanto os eventualmente repassados para pagamento de publicidade eleitoral, conforme art. 20 da Resolução TSE n. 23.406/14:

Seção II – Da Aplicação dos Recursos

Art. 20 – As doações recebidas pelos partidos políticos, inclusive aquelas auferidas em anos anteriores ao da eleição, poderão ser aplicadas nas campanhas eleitorais de 2014, desde que observados os seguintes requisitos:

I – identificação da sua origem e escrituração contábil individualizada das doações recebidas;

II – observância das normas estatutárias e dos critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção nacional, os quais devem ser fixados e encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral até 5 de julho de 2014.

III – transferência para a conta específica de campanha do partido político, antes de sua destinação ou utilização, respeitados os limites legais impostos a tais doações, tendo por base o ano anterior ao da eleição, ressalvados os recursos do Fundo Partidário, cuja utilização deverá observar o disposto no § 2º do art. 15;

IV – identificação do beneficiário.

§ 1º Os critérios definidos no inciso II deverão ser endereçados à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, que fará ampla divulgação das informações.

§ 2º Os recursos auferidos nos anos anteriores deverão estar contabilizados e identificados nas prestações de contas anuais da agremiação, apresentadas à Justiça Eleitoral, nos termos do art. 32 da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Redação alterada pelo art. 1º da Resolução TSE n. 23.413. de 2014.

§ 3º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente em suas contas pela irregularidade, cujas consequências serão aferidas por ocasião do julgamento de suas próprias contas.

Assim, embora a irresignação recursal, a Justiça Eleitoral considera como doação para campanha o valor repassado pelo escritório de advocacia ao candidato.

Nestes termos, considerando que a pessoa jurídica doadora não auferiu rendimentos no ano de 2013, anterior ao do pleito, estava impossibilitada de realizar doações para campanha eleitoral, configurando-se excesso de doação apto a atrair a incidência da pena de multa prevista no art. 81 da Lei das Eleições.

Considerando que a sentença fixou a sanção no patamar mínimo de cinco vezes o excedente doado, R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), deve ser mantido o valor da condenação.

Além disso, merece provimento o pedido recursal de afastamento da penalidade de proibição de contratar e participar de licitações públicas, haja vista o entendimento firmado de que essa penalidade não decorre automaticamente do ilícito, mas depende, para a sua incidência, da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade a ser realizado sobre o caso.

Nos autos, não há evidência de má-fé por parte da representada. Ademais, o montante da doação não se mostra grave o suficiente para justificar tão elevada penalidade de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público, sendo a multa suficiente para sancionar o excesso da doação.

 

Diante do exposto, afasto a preliminar de inépcia da petição inicial, acolho a prefacial de cerceamento de defesa, para o fim declarar nula a prova oral colhida durante a instrução, consignando a ausência de prejuízo à defesa e, no mérito, VOTO pelo parcial provimento do recurso para o fim de manter a condenação à pena de multa e afastar a penalidade de proibição de participar de licitações ou a celebrar contratos com o poder público, reformando parcialmente a sentença, nos termos da fundamentação.