PET - 3510 - Sessão: 20/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de requerimento, formulado pelo Procurador Regional Eleitoral, de imediata execução provisória dos apenamentos impostos a PAULO ANTÔNIO NOCCHI PARERA, ANA MARIA ALVES JORGE, IVETE DA SILVA, ADEVANIR LINDOMAR SANTANA PEREIRA e SIDENIR FERREIRA nos autos do RC n. 52-13.2013.6.21.0142 (fls. 02-03v.).

Foi determinada, em etapa anterior, pela juíza relatora, em respeito ao contraditório, a intimação dos requeridos para que, no prazo de três dias, querendo, apresentassem manifestação relacionada ao requerimento ministerial (fls. 04-07).

Em sua manifestação (fls. 08-25), os requeridos realizaram as seguintes afirmações: a) o exame da questão caberia ao Tribunal ad quem, não a este Regional; b) houve pedido de efeito suspensivo ao recurso especial; c) do descabimento de enclausuramento em relação a alguns dos condenados; d) a decisão do Pretório Excelso não possui caráter vinculante; e) deve ser considerado o art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, mencionando “Estado de Exceção” interpretativo e limites semânticos da Carta Magna;  f) o art. 283 do Código de Processo Penal não teve sua constitucionalidade questionada, estando em harmonia com o art. 5º, incs. LVII, LXI, LXV, LXVI, LXVIII, da Constituição Federal; g) o quadro fático da demanda tida por paradigmática não se coaduna com o caso dos autos, havendo “Estado de Exceção” interpretativo e moda do pragmatismo e do consequencialismo; h) não há texto sem contexto, distinguindo-se as hipóteses pela confirmação, em segunda instância, da condenação, ao contrário do presente feito, em que houve reforma da sentença; i) deve prevalecer o preceito do art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal; j) inexistem riscos à efetividade da jurisdição penal eleitoral. Ao final, rechaçam argumentos metajurídicos aventados pelo Ministério Público Eleitoral e requerem o indeferimento do pedido.

Em razão do ineditismo, na história recente da jurisprudência pátria, da possibilidade de imediato cumprimento da pretensão executória estatal, determinei o desentranhamento da petição protocolada nos autos da ação penal, a fim de que fosse autuada em apartado e, em nome da uniformidade de julgamento, tivesse a tramitação conjunta com a PET n. 27-33.2016.6.21.0000.

É o relato.

 

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator):

Primeiramente, saliento que o pedido é consequência do julgamento, pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal, do HC n. 126.292/SP, Relator Ministro Teori Zavascki, em que restou assentada, basicamente, a seguinte tese: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.”

O acórdão, que ainda não se encontra disponibilizado na internet, teve a seguinte decisão: “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, denegou a ordem, com a consequente revogação da liminar, vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República. Plenário, 17.02.2016.”.

Ainda que ausentes todos os subsídios jurídicos que fundamentaram a substancial quebra de paradigma em relação à, até então, vigente jurisprudência consolidada na Suprema Corte, consta de notícia publicada no seu sítio eletrônico o seguinte detalhamento adicional:

O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. "Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado", afirmou.

Como exemplo, o ministro lembrou que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. "A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado".

No tocante ao direito internacional, o ministro citou manifestação da ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando salientou que "em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte".

(Supremo Tribunal Federal, Pena pode ser cumprida após decisão de segunda instância, decide STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153>. Acesso em 02.3.2016.)

Passo, pois, ao exame das questões postas.

 

Preliminares

Pois bem: ao contrário da arguição dos condenados, caber-me-ia, segundo o Regimento Interno do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, aqui, ordenar a efetivação, ou não, das medidas necessárias ao cumprimento das sanções penais impostas, sejam aquelas que implicam privação de liberdade, sejam aquelas que implicam somente restrições de direitos. Veja-se:

Art. 16 Compete ao Presidente:

[...]

XXXI - executar ou fazer executar as decisões proferidas pelo Tribunal.

No entanto, em razão da relevância da questão jurídica colocada, decidi por autuar esta petição, com natureza de processo administrativo, a fim de que o Plenário desta Casa aprecie o cabimento da medida extrema de encarceramento, ou de cumprimento de pena restritiva de direito, conforme o caso de cada requerido, tal como o fez o c. Tribunal Superior Eleitoral ao decidir, com caráter de generalidade, pela aplicabilidade da Lei n. 12.322/2010 à Justiça Eleitoral (Processo Administrativo n. 144683, Acórdão de 20.10.2011, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 093, Data 18.5.2012, Páginas 379-380).

Por isso, sendo a concessão de efeito suspensivo pela presidência do próprio tribunal de origem (Súmula n. 634/STF), medida excepcional dentro do ordenamento jurídico em geral (e mais ainda na esfera eleitoral), em que um juízo precário e perfunctório elide um juízo exauriente das instâncias penais da Justiça Eleitoral, e, em vista da posição legislativamente expressada (art. 257 do Código Eleitoral), bem como da jurisprudência renovada dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), resta-me, como convicção, que o caráter de colegialidade da decisão a ser tomada no presente feito sobrepor-se-á à individualidade do conteúdo decisório exarado no despacho de admissibilidade em recurso especial.

 

Mérito

Adianto, desde já, que meu voto seguirá os novos ditames do excelso Supremo Tribunal Federal e de diversos outros sodalícios do país.

De início, cabe-me expressar o óbvio: a última palavra, em matéria constitucional, é aquela proferida pelo excelso Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput, da Carta Magna). Ora, se há manifestação de seu Tribunal Pleno, apontando para a compatibilidade do imediato cumprimento da pena, após o julgamento pelo respectivo tribunal de apelação (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Superior Tribunal Militar), com o art. 5º, inc. LVII, da Carta da República (e, como decorrência lógica, com o art. 283 do Código de Processo Penal), a observância de tal decisão é o caminho que recomenda a lógica do sistema judicial.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil, em seus arts. 926 e 927, além de outras disposições, positivou, em nosso ordenamento, imperativo que caminha no sentido de instituto típico do direito anglo-saxão: o stare decisis. E, se queremos um Poder Judiciário mais efetivo, eficiente e dinâmico, que dê as respostas processuais com maior celeridade, o que se revela como anseio da sociedade civil, expressamente posto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. LXXVIII (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), este é o caminho a trilhar.

Por isso, adquire especial importância o magistério do hoje Ministro da Suprema Corte Teori Albino Zavascki, que, já há muitos anos, sustenta que a eficácia das decisões de declaração incidental de inconstitucionalidade se expandem para além das partes do processo:

Sabe-se, com efeito, que as sentenças na jurisdição dos casos concretos têm força vinculante limitada às partes. Nesses casos, a certificação judicial da existência ou inexistência do direito questionado tem eficácia subjetiva limitada aos figurantes da relação processual. Não beneficia nem prejudica os terceiros. Todavia, se, para chegar à conclusão a que chegou, o julgador tiver feito um juízo – positivo ou negativo – a respeito da validade de uma norma, essa decisão ganha contornos juridicamente diferenciados, em face dos princípios constitucionais que pode envolver. É que os preceitos normativos têm, por natureza, a característica da generalidade, isto é, não se destinam a regular específicos casos concretos, mas, sim, estabelecer um comando abstrato aplicável a um conjunto indefinido de situações. Quando, portanto, questiona-se a legitimidade desse preceito, ainda que no julgamento de um caso concreto, o que se faz é pôr em cheque também a sua aptidão para incidir em todas as demais situações semelhantes. Essa peculiaridade é especialmente relevante se considerada em face do princípio da igualdade perante a lei, de cuja variada densidade normativa se extrai primordialmente a da necessidade de conferir um tratamento jurisdicional igual para situações iguais. É também importante em face do principio da segurança jurídica, que estaria fatalmente comprometido se a mesma lei pudesse ser julgada constitucional num caso e inconstitucional em outro, dependendo do juiz que a aprecia.

Assim, põe-se em foco, objetivamente, a questão de como harmonizar a eficácia da decisão sobre a constitucionalidade da norma no caso concreto com as imposições dos princípios constitucionais da isonomia – que é absolutamente incompatível com eventuais tratamentos diferentes em face da mesma lei quando forem idênticas as situações -, e da segurança jurídica, que recomenda o grau mais elevado possível de certeza e estabilidade dos comandos normativos. Há, ademais, uma razão de ordem prática: se a norma é aplicável a um número indefinido de situações, não faz sentido repetir, para cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional já resolvida em oportunidade anterior. Essas são razões a demonstrar que as decisões a respeito da legitimidade das normas têm vocação natural para assumir uma projeção expansiva, para fora dos limites do caso concreto.

(A Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pp. 25-26.) (Grifei.)

Saliento, adicionalmente, que tal entendimento se encontra avalizado pelo Pretório Excelso em sua jurisprudência:

Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente.

(STF, Reclamação n. 4335, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20.3.2014, DJe-208 DIVULG 21.10.2014 PUBLIC 22.10.2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001.)

Desse modo, dentro de uma nova ótica, em que a jurisdição deve primar pela segurança jurídica, resta inevitável reconhecer, e aplicar, pois, o que o Ministro Teori Zavascki já vislumbrava corretamente: “É de alta significação prática, ademais, a força das decisões do STF em matéria constitucional, como precedente, especialmente para o efeito de julgamento de recursos e ações rescisórias, em casos análogos, pelos demais tribunais.” (ZAVASCKI, 2001, p. 37).

Assim, em vista da arquitetura das competências jurisdicionais estabelecidas no sistema constitucional brasileiro, seja antes, seja depois, da realização do julgamento do recurso especial eleitoral criminal interposto pelas partes, não mais haverá revisão judicial exauriente, cujo conhecimento se esgota nos graus ordinário de jurisdição, conforme preconizam os renomados processualistas Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes: “Deve-se observar, porém, que o princípio do duplo grau se esgota nos recursos cabíveis no âmbito da revisão, por uma única vez. Os recursos de terceiro grau das Justiças trabalhista e eleitoral, o recurso especial para o STJ e o extraordinário, para o STF, não se enquadram na garantia do duplo grau.” (Recursos no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 23.).

Assim, a execução imediatamente posterior ao julgamento condenatório por tribunal de apelação, seja em grau recursal, confirmando ou reformando a sentença, seja em instância originária, está constitucional e legalmente amparada, em vista de que há, no arcabouço legislativo, normas que expressamente contemplam a possibilidade de imediata execução das sentenças emanadas pelas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

Vejam-se, respectivamente, o Código de Processo Penal e o Código Eleitoral:

CPP, art. 637: O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.

 

CE, art. 257: Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

§ 1.º A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Ademais, também o c. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete a interpretação e a uniformização da legislação ordinária (art. 105, inc. III, da Constituição) possui enunciado, agora revigorado, que está em consonância com o imediato cumprimento do decreto penal condenatório: Súmula n. 267/STJ: "A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.".

Por fim, devo salientar que, sob os auspícios desse novo entendimento, o c. Superior Tribunal de Justiça já deliberou em idêntico sentido, em recente acórdão, afastando os relevantes argumentos levantados pela parte, cuja ementa adoto como parte das razões de decidir:

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO E CORRUPÇÃO PASSIVA. ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. OBJETIVO DE PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INÍCIO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. MARCO DEFINIDOR. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. RECURSO ESPECIAL JÁ ANALISADO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. NOVAS DIRETRIZES DO STF. POSSIBILIDADE.

1. É firme entendimento jurisprudencial de que não cabe a esta Corte se manifestar, ainda que para fins de prequestionamento, sobre suposta afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

2. A jurisprudência dos tribunais superiores não reconhece incidência do direito ao duplo grau de jurisdição em julgamentos proferidos em ações penais de competência originária dos Tribunais. Tal compreensão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes. Assim, como diz um velho brocardo jurídico, "aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus". Precedentes.

3. Na linha do que havia decidido o Tribunal a quo, esta Corte entendeu devidamente caracterizado o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado delituoso, notadamente pela utilização da condição de prestígio parlamentar que o embargante possuía no cenário político local, condição esta que engendrou, segundo o acórdão condenatório – por meio de informações privilegiadas e de conchavos ("conluio e ajuste prévio") –, que a empresa de seu filho se sagrasse vencedora em diversas licitações, ilidindo o caráter competitivo dos procedimentos licitatórios.

4. A decisão proferida pela composição plena do STF, no Habeas Corpus nº 122.292-MG (ainda não publicado), indica que a mais elevada Corte do país, a quem a Lex Legis incumbe a nobre missão de “guarda da Constituição” (art. 102, caput, da CF), sufragou pensamento afinado ao de Gustavo Zagrebelsky – juiz que já presidiu a Corte Constitucional da Itália –, para quem o direito é disciplina prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos pontos dos votos dos eminentes juízes que participaram da sessão ocorrida em 17 de fevereiro próximo passado, assinalou-se a gravidade do quadro de “desarrumação” do sistema punitivo brasileiro, máxime por permitir a perene postergação do juízo definitivo de condenação, mercê do manejo de inúmeros recursos previstos na legislação processual penal.

5. Sob tal perspectiva é possível assimilar o novo posicionamento da Suprema Corte, forte na necessidade de se empreender, na interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica que interfira com a liberdade, uma visão também objetiva dos direitos fundamentais, a qual não somente legitima eventuais e necessárias restrições às liberdades públicas do indivíduo, em nome de um interesse comunitário prevalente, mas também a própria limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais – preservando-se, evidentemente, o núcleo essencial de cada direito – que passam a ter, como contraponto, correspondentes deveres fundamentais.

6. O aresto proferido pelo STF sinaliza que o recurso especial, tal como o recurso extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o início da execução provisória da pena, sem que isso importe em malferimento ao princípio da não culpabilidade. Trata-se de importante precedente que realinha a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com o entendimento prevalecente até fevereiro de 2009, momento em que, por sete votos a quatro, aquela Corte havia decidiu que um acusado só poderia ser preso depois de sentença condenatória transitada em julgado (HC n. 84.078/MG, DJ 26/2/2010). Em verdade, a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com praticamente todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos.

7. Isso não significa afastar do julgador, dentro de seu inerente poder geral de cautela, a possibilidade de excepcionalmente atribuir, no exercício da jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE e, com isso, obstar o início da execução provisória da pena. Tal seria possível, por exemplo, em situações nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol d'oiseau, a manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação.

8. Todavia, no caso dos autos, o embargante foi condenado, por fatos ocorridos há quase dez anos, pelo crime de fraude ao caráter competitivo da licitação e por corrupção passiva. O recurso especial interposto pela defesa foi analisado com profundidade e, ao fim e ao cabo, manteve o decisum proferido pelo Tribunal de origem. Os embargos de declaração em nada integraram o acórdão, impondo ressaltar que a demora na tramitação de todo o processo, desde a origem até o julgamento por esta Corte, já resultou em benefício para o embargante, dado o reconhecimento de causa extintiva da punibilidade (prescrição da pretensão punitiva apenas com relação ao crime de quadrilha).

9. Nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários, com base na qual cabe ao Superior Tribunal de Justiça a interpretação do direito federal e ao Supremo Tribunal Federal a interpretação da Constituição da República.

10. Embargos de declaração rejeitados. Acolhido o pedido do Ministério Público Federal e determinando a expedição de mandado de prisão, com envio de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – juízo da condenação – para que encaminhe guia de recolhimento provisória ao juízo da VEC, para efetivo início da execução provisória das penas impostas ao recorrente.

(STJ, Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1484415/DF, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 03.3.2016. Disponível em <http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/RESp1484415.pdf>. Acesso em 04.4.2016.) (Grifei.)

Ante o exposto, voto no sentido de acolher a pretensão do Ministério Público Eleitoral, a fim de que haja a imediata execução do decreto condenatório deste Regional, ainda que os autos principais estejam pendentes de análise, em sede de recurso extraordinário lato sensu, pelo c. Tribunal Superior Eleitoral.

 

Determino, pois:

a) a imediata baixa, pela Secretaria Judiciária deste TRE/RS, do presente expediente à primeira instância, a fim de que seja iniciado o cumprimento das sanções penais impostas, nos termos do acórdão condenatório de fls. 54-86v., funcionando o presente como Processo de Execução Criminal (PEC) provisório;

b) autue-se, em primeira instância, na classe processual EP – Execução Penal;

c) aprecie, concretamente, o Juízo da 142ª Zona Eleitoral – Bagé –, a necessidade de remessa dos autos à Vara local de Execuções Penais da Justiça Estadual, observando-se o teor da Súmula n. 192/STJ.

 

(Após votar o relator, Des. Luiz Felipe, acolhendo o requerimento ministerial, pediu vista dos autos a Dra. Gisele. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)