AP - 3425 - Sessão: 13/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra GILMAR SOSSELLA, deputado estadual, imputando-lhe a prática, em tese, dos delitos tipificados no art. 312, caput, segunda figura, e art. 316 do Código Penal; art. 346 c/c art. 377, e art. 350 do Código Eleitoral; art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, e art. 1º da Lei n. 9.613/98; e contra ARTUR ALEXANDRE SOUTO, assessor parlamentar, apontando-o como incurso nas sanções do art. 316 do Código Penal (fls. 02-19).

De acordo com a denúncia, Gilmar Sossella, por conta do cargo de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul que então ocupava, decidiu, juntamente com Artur Alexandre Souto, seu coordenador da campanha e Superintendente-Geral da Casa Legislativa, coagir os servidores do Parlamento a comprarem os convites do jantar de campanha para sua reeleição como deputado estadual no pleito de 2014, no valor de R$ 2.500,00 cada, sob pena de perderem suas funções gratificadas, de coordenação e direção. A ameaça teria sido reforçada com a dispensa do servidor Nelson Delavald Júnior da função gratificada até então por ele ocupada, conformando-se ao delito de concussão previsto no art. 316 do Código Penal. A compra dos convites teria sido realizada mediante entrega de um recibo de doação eleitoral, o qual o adquirente deveria assinar a fim de garantir a entrada lícita do recurso na campanha. Por não se tratar de transmissão espontânea, o recibo guardaria em si o vício da falsidade ideológica, atraindo a incidência do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral. A entrega da prestação de contas de campanha com declaração dos recursos auferidos com a venda dos convites na forma de doação, também caracterizaria prática do tipo penal previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/98, referente à lavagem de capitais.

Por fim, narra-se que Gilmar Sossella utilizou seu celular funcional, aparelho e linha telefônica pagos pelo Poder Legislativo, para expedição de mais de 60 mil mensagens de texto (“torpedos sms”) com propaganda eleitoral na qual pedia o voto do eleitor. Em face do envio de aproximadamente 11 mil mensagens de texto a eleitores na véspera da eleição e no domingo, data do pleito, Gilmar Sossella teria praticado o delito eleitoral de propaganda no dia da eleição – art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Além disso, o fato caracterizaria o crime de peculato previsto no art. 312 do Código Penal, e também o delito de utilização de serviço ou prédio público para fins políticos, disposto no art. 346 c/c o art. 377 do Código Eleitoral.

Notificados (fls. 515 e 516), os denunciados apresentaram respostas preliminares (fls. 518-529 e 542-571), nas quais sustentaram a inépcia da denúncia, a atipicidade delitiva e a ausência de justa causa. No mérito, negaram a autoria e a materialidade delitivas.

A denúncia foi parcialmente recebida em 17.3.2016 (fls. 634-652).

Relativamente a Artur Alexandre Souto, a acusação foi recebida quanto ao delito tipificado no art. 316 do Código Penal. No tocante a Gilmar Sossella, a denúncia foi recebida no concernente aos crimes tipificados no art. 316 do Código Penal, art. 350 do Código Eleitoral e art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Além disso, foi declinada a competência para o Tribunal de Justiça do RS quanto à imputação do crime previsto no art. 312 do Código Penal. Na mesma oportunidade, a Corte deliberou pela rejeição da denúncia em relação aos demais delitos atribuídos a Gilmar Sossella e pelo acolhimento da promoção de arquivamento com referência a outros indiciados. Transcrevo a ementa do acórdão:

Inquérito Policial. Recebimento de denúncia. Abertura de persecução penal. Servidor público e deputado estadual. Ação penal originária com rito da Lei n. 8.038/90. Entendimento do STF no sentido de possibilitar a contagem em dobro do prazo estabelecido para a resposta preliminar, previsto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 8.038/90, que trata do rito das ações penais originárias, na hipótese de processo com mais de um investigado, com diferentes advogados, mediante a aplicação analógica do art. 191 do CPC.

1. Rejeitada a denúncia com referência à imputação de lavagem de capitais descrita no art. 1º da Lei n. 9.613/98. A narrativa fática não contempla a presença dos elementos do tipo. A aplicação de recursos na campanha eleitoral, supostamente obtidos mediante a prática da concussão, com o decorrente registro na prestação de contas como doação, não caracteriza o delito autônomo de lavagem de dinheiro. Ausentes os elementos essenciais à caracterização do crime, há de se reconhecer a atipicidade da conduta. No mesmo sentido, improcedente a peça inicial ao subsumir a conduta atinente ao uso de telefone celular funcional, com fins de divulgação de propaganda eleitoral, à norma incriminadora disposta no art. 346, c/c art. 377, do Código Eleitoral. A dicção da lei expressamente protege as estruturas prediais e os serviços prestados por órgãos públicos, restando inviável, em matéria penal, a interpretação extensiva da norma a fim de alargar as hipóteses de sua incidência. Declínio da competência ao Tribunal de Justiça do Estado com relação ao julgamento do crime previsto no art. 312 do Código Penal – peculato – , nos termos do art. 95, XI, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

2. Por outro lado, a denúncia encontra-se lastreada em provas que recomendam a apuração dos fatos narrados quanto ao cometimento dos delitos de concussão (art. 316 do Código Penal), falsidade ideológica com finalidade eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral) e propaganda ilegal no dia da eleição (art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97), supostamente perpetrados pelos envolvidos, ocupantes, à época dos fatos, dos cargos de Presidente e Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa do Estado. Acervo probatório com indícios suficientes de autoria e materialidade a autorizar a regular instrução e o prosseguimento da ação. Competência da Justiça Eleitoral para o processamento do feito, diante da relação de conexão de crime comum com o delito de falsidade ideológica eleitoral, conforme interpretação sistemática do art. 31, I, “d”, do Regimento Interno deste Tribunal, c/c arts. 35, II, e 364, ambos do Código Eleitoral. Reconhecida a continência por concurso de agentes, circunstância que determina a reunião dos processos e seu julgamento no foro privilegiado por prerrogativa de função.

Recebimento parcial da denúncia.

Citados, os réus apresentaram defesa, postulando a improcedência da ação penal e arrolando testemunhas.

Gilmar Sossella (fls. 658-667) afirma que não estão presentes os elementos típicos caracterizadores do delito de concussão, principalmente porque não configurado o tipo subjetivo. Sustenta a inaplicabilidade da teoria do domínio do fato às situações narradas, pois as ações de comando da sua campanha à reeleição, relativas ao planejamento, execução e administração, foram tomadas pelo comitê de campanha, sem sua participação nas decisões atinentes à venda de ingressos para o jantar. Alega que apenas concordou com o preço dos convites, e que não conversou com nenhum servidor sobre a sua venda. Quanto ao crime de falsidade ideológica eleitoral, assinala que o acórdão aprovando suas contas de campanha não apontou qualquer ilegalidade na arrecadação de recursos financeiros. Assevera ser atípico o fato pertinente à realização de propaganda no dia do pleito, uma vez que o envio de mensagens de texto por telefone celular assemelha-se ao uso do Twitter, cuja legalidade já foi atestada pelo TSE.

Artur Alexandre Souto ofereceu defesa, limitando-se ao arrolamento de testemunhas (fls. 681-683 e complementação às fls. 732-733).

Durante a instrução, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes, à exceção de César Victória da Silva, testemunha defensiva, que teve seu pedido de desistência (fl. 1.056) homologado; ao final, os réus foram interrogados (fls. 845-847, 868, 966-967, 1.016-1.019, 1.034-1.036, 1.056-1.057, 1.068, 1.080-1.082 e 1.148).

Na fase do art. 10 da Lei n. 8.038/90, a defesa acostou documentos (fls. 1.086-1.144) e a acusação nada requereu.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL apresentou alegações finais, sustentando que a autoria e a materialidade delitivas restaram devidamente demonstradas por meio da prova documental e oral constante dos autos. Alega que a teoria do domínio do fato aplica-se perfeitamente aos fatos analisados, reconhecendo-se a figura do autor mediato, controlador do executor, quando a realização do delito apresenta-se como obra de sua vontade. Postula a procedência da acusação e a determinação da execução provisória da pena, na forma decidida pelo STF no julgamento do HC 126.292/SP e no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964246, que teve repercussão geral reconhecida (fls. 1150-1195v.).

Artur Alexandre Souto apresentou alegações finais, renovando as prefaciais suscitadas na resposta preliminar para sustentar que a denúncia é genérica e não preenche os requisitos legais, circunstância que teria limitado o exercício da defesa, bem como a ausência de justa causa para a ação penal. Relativamente ao crime de concussão, afirma que não estão presentes os elementos típicos caracterizadores do delito, mormente porque inocorrente qualquer prova quanto ao dolo específico de obter vantagem indevida. Sustenta que a oferta dos convites do jantar, com fito arrecadatório de campanha, deixou margem a interpretações errôneas quanto a sua real postura, pois sua intenção foi arrecadar valores sem efetuar exigências. Refere que os convites foram oferecidos em função do seu trabalho como coordenador de campanha, e não devido ao cargo público que exercia, circunstância que descaracteriza a tipicidade delitiva. Alega que não ofereceu diretamente os convites aos servidores da Assembleia e que jamais fez referência à perda de funções gratificadas nem, tampouco, fez uso da função pública que ocupava para exigir, coagir ou ameaçar funcionários públicos. Aponta que não há provas de que tenha determinado a dispensa de funções gratificadas, e que a exoneração de Nelson Delavald Júnior não tem relação com o delito de concussão, não podendo ser responsabilizado objetivamente pelos fatos. Invoca o princípio in dubio pro reo e postula a absolvição delitiva (fls. 1209-1239).

Gilmar Sossella ofereceu alegações finais, sustentando a ausência de provas quanto à prática do crime de concussão e a atipicidade delitiva quanto ao delito de divulgação de propaganda na data do pleito. Afirma que a prova testemunhal foi uníssona em negar sua participação nos fatos narrados na denúncia, demonstrando que não houve coação e que Artur Alexandre Souto, enquanto seu coordenador de campanha, tinha poder decisório e total autonomia no pertinente aos atos eleitorais. Assevera que a realização de jantares de campanha é prática comum de arrecadação de recursos, não importando ilegalidade, conforme pode-se concluir do interrogatório dos acusados. Salienta que, em sede cautelar, o TSE atribuiu efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão de cassação do seu diploma justamente em virtude da prova oral colhida nas ações cíveis eleitorais. Assinala que os documentos coletados na fase inquisitorial são insuficientes para amparar o juízo condenatório. Aponta que fez diversas viagens durante o período eleitoral, situação que tornou impossível se ocupar da campanha. Defende que, na Assembleia Legislativa, havia 189 servidores ocupantes de função gratificada, sendo que o convite foi oferecido a 150 servidores, e que apenas 19 compraram o total de 23 convites, sem que isso importasse perda de funções ou ameaças, conforme reconhecido pelos servidores ouvidos em juízo que admitiram a compra de convites. Salienta que a exoneração de Nelson Delavald Júnior nada tem a ver com os fatos imputados. Aponta que a teoria do domínio funcional do fato é inaplicável ao feito, pois não pode ser enquadrado na condição de autor ou partícipe, uma vez que não tomou decisões relativas aos atos de campanha. Quanto ao envio de “torpedos sms”, alega que apenas o proprietário da linha telefônica tomou ciência do conteúdo das mensagens, restando, portanto, ausente o requisito da publicidade do ato, o que torna o fato atípico, conforme jurisprudência que colaciona. Por fim, assevera que o crime de falsidade ideológica documental não restou comprovado, e que todos os recursos arrecadados durante a campanha foram devidamente declarados à Justiça Eleitoral na prestação de contas de campanha. Invoca o enunciado da Súmula n. 337 do STJ, relativa à aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, requer o prequestionamento da matéria ventilada e postula a improcedência da acusação (fls. 1243-1287).

É o relatório.

 

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

1. Preliminares

Antes de adentrar o exame de mérito das condutas denunciadas, passa-se à análise das questões preliminares arguidas pelos réus em sede de alegações finais, relativas às supostas inépcia da denúncia, ausência de tipicidade delitiva e de justa causa aptas a autorizar a deflagração da ação penal.

Verifica-se que, da forma como suscitadas pelos réus, as alegações confundem-se com o próprio mérito da ação penal, dado que, sob o argumento de inépcia da denúncia e de atipicidade, afirmam não haver prova a demonstrar sua participação nas condutas criminosas a eles imputadas.

As preliminares devem ser afastadas, pois a apreciação de provas quanto a sua validade e eficácia deve ser feita no momento do julgamento de mérito, e não alegada como preliminar.

Na hipótese dos autos, conforme assentado no acórdão que recebeu em parte a denúncia, restaram plenamente atendidos os pressupostos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Ademais, conforme ressaltado por Eugênio Pacelli e Douglas Fischer (in Comentários ao Código de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2014, p. 108): "O essencial, em qualquer peça acusatória, seja ela denúncia, seja queixa, seja imputação, é a precisa atribuição a alguém do cometimento ou da prática de um fato bem especificado. Esse, ou esses, os fatos, deve ser descritos com rigor de detalhes, para que sobre eles se desenvolva a atividade probatória".

No mesmo sentido:

CONCUSSÃO. EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA, CONSUBSTANCIADA EM PARCELA DO VENCIMENTO PAGO A SERVIDORES COMISSIONADOS, POR PARTE DE DESEMBARGADOR. DENÚNCIA QUE ATENDE ÀS PRESCRIÇÕES DO ARTIGO 41 DO CPP. INÉPCIA QUE SÓ PODE SER RECONHECIDA QUANDO DEMONSTRADA INEQUÍVOCA DEFICIÊNCIA, A IMPEDIR A COMPREENSÃO DA ACUSAÇÃO QUE SE IMPUTA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. CRIME QUE SE TIPIFICA COM EXIGÊNCIA DIRETA OU INDIRETA DA VANTAGEM E QUE PRESCINDE DE PROMESSA DE MAL DETERMINADO. TEMOR GENÉRICO DE PERDA DE CARGO QUE TONALIZA A CONDUTA TÍPICA. PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA. DENÚNCIA RECEBIDA. AFASTAMENTO CAUTELAR DO CARGO MANTIDO.

1. Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência, a impedir a compreensão da acusação que se imputa, em flagrante prejuízo à defesa, ou na ocorrência de qualquer das situações apontadas no artigo 395 do CPP. Não é o caso dos autos, onde a denúncia, embora sucinta, demonstrou com acuidade o fato indigitado.

[...]

5. Denúncia recebida e afastamento cautelar do cargo mantido.

(STJ, APn 825/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe 2/2/16.) - Grifei.

No caso em apreço, é inegável que os réus desenvolveram ampla atividade probatória acerca dos fatos imputados e não demonstraram dificuldade em exercer de forma ampla a sua defesa.

Além disso, o acórdão que recebeu parcialmente a denúncia apreciou fundamentadamente todas as imputações, analisando individualmente a situação de cada um dos réus, tendo como parâmetro a verificação de justa causa a autorizar a persecução penal.

Isso posto, rejeito as preliminares de ausência de justa causa e de inépcia da denúncia, relegando para o exame do mérito a verificação da tipicidade delitiva.

 

3. Mérito

Os delitos imputados aos réus estão tipificados no art. 316 do Código Penal, art. 350 do Código Eleitoral e art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Embora a concussão seja crime comum, sua apuração deve ser realizada no âmbito desta Justiça Especializada, em virtude da conexão teleológica e probatória com o crime de uso de documento falso para fins eleitorais.

De fato, caracterizado o ilícito, na hipótese, o previsto no art. 350 do Código Eleitoral, e o comum, art. 316 do Código Penal, e havendo entre eles relação de conexão ou continência, há evidente competência desta Justiça para o processamento do feito, na interpretação sistemática do art. 31, inc. I, al. “d”, do Regimento Interno deste Tribunal c/c art. 35, inc. II, e art. 364, ambos do Código Eleitoral.

Trata-se de modalidade de atração da competência por conexão objetiva ou teleológica, prevista no art. 76 do Código de Processo Penal, de modo que a competência para o processamento e julgamento de todos os delitos é da Justiça Eleitoral, conforme prescreve o art. 78, inc. IV, do Código de Processo Penal (no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá essa última).

Da mesma forma, no pertinente ao foro por prerrogativa de função, tenho por correto o entendimento no sentido de que há continência por concurso de agentes, situação determinante para o julgamento das condutas praticadas por Artur Alexandre Souto no órgão competente para julgamento dos fatos atribuídos ao Deputado Estadual Gilmar Sossella.

Quanto ao tema, merece registro o enunciado da Súmula n. 704 do STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Feitas tais considerações, passa-se à análise da acusação, ressaltando-se que os fatos relatados na denúncia foram examinados por este Colegiado na sessão de 24.02.2015, quando do julgamento conjunto das ações cíveis ajuizadas pela Procuradoria Regional em desfavor dos denunciados, ação de investigação judicial eleitoral AIJE n. 2650-41 e representações eleitorais RP n. 2651-26 e RP n.2649-56.

Nos referidos processos foram reconhecidas práticas de abuso de poder político e de autoridade, captação e gastos ilícitos de recursos e condutas vedadas a agentes públicos, no agir dos acusados, tendo sido determinada inclusive a cassação do diploma de deputado estadual conferido a Gilmar Sossella nas eleições de 2014. Contra o acórdão, cuja ementa transcrevo, foi interposto recurso ordinário:

Ação de investigação judicial eleitoral. Representações. Abuso de poder. Art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90. Captação ilícita de recursos. Art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Condutas vedadas. Art. 73, caput, inc. II e §§ 4º, 8º e 9º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Julgamento conjunto diante da conexão entre os feitos, na forma do art. 103 do Código de Processo Civil. Destacada, de ofício, a ilegitimidade passiva de representados na demanda por captação irregular de recursos. Legitimidade que decorre da aptidão para ser diplomado em cargo eletivo. Carência de objeto. Extinção do processo, sem resolução do mérito, com relação a estes, exclusivamente quanto à ação lastreada no art. 30-A da Lei das Eleições. Demais preliminares afastadas ou relegadas para análise conjunta ao mérito.

1. Abuso de poder político e de autoridade. Utilização da ascendência hierárquica para pressionar servidores públicos, detentores de função gratificada, em período extenso e próximo à eleição, a adquirir convites de valor expressivo para evento, a título de doação, sob ameaça de perda de benefícios. Conjunto probatório evidenciando a ocorrência de atos repetidos e continuados de coação e intimidação, em benefício da campanha eleitoral de candidato à reeleição ao cargo de deputado estadual, na época dos fatos exercendo a Presidência da Assembleia Legislativa do Estado. Demonstrada a prática do abuso de poder de autoridade, em ofensa à normalidade do pleito. Reconhecida a gravidade das circunstâncias a legitimar as sanções advindas do art. 22, XIV, da Lei das Inelegibilidades.

2. Captação ilícita de recursos. Ainda que aparente a legalidade no trâmite das doações, há, no caso, vício de origem, à medida que demonstrada a arrecadação através do uso da coação e ameaça dos doadores, afastando o pressuposto da voluntariedade de um contrato de doação. Relevância jurídica do ilícito praticado, diante do caráter altamente reprovável da conduta, restando adequada e proporcional a penalidade impingida pela norma.

3. Condutas Vedadas. Utilização de telefone funcional em benefício da campanha eleitoral, caracterizando indevida vantagem sobre os demais concorrentes ao pleito. Lesividade moderada da conduta, restando suficiente a reprimenda de multa ao candidato e à coligação.

4. Captação ilícita de sufrágio. Inexistência de prova robusta a corroborar a tese da compra de votos. Improcedência. Comprovada a ocorrência de práticas ofensivas ao princípio constitucional da moralidade e aos ditames que pregam a legitimidade do pleito, impõe-se a cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade do candidato eleito e do representado coordenador da campanha. Cômputo dos votos obtidos em favor da coligação pela qual o representado candidato disputou o pleito.

Procedência parcial da AIJE 2650-41. Procedência parcial da RP 2651-26. Improcedência da RP 2649-56.

(TRE-RS - AIJE: 2650-41 RS, Relator: DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, red. acórdão Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Data de Julgamento: 24.02.2015, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 34, Data 27.02.2015, Página 5.)

 

Contudo, ao apreciar recentemente o recurso, o Tribunal Superior Eleitoral, ponderando que a cassação do diploma por conduta vedada exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta, entendeu que a sanção aplicada não se revelou razoável ao caso concreto. A Corte Superior reverteu a cassação e majorou de R$ 10 mil para R$ 20 mil a multa aplicada ao deputado por conduta vedada a agente público. Transcrevo a ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO ESTADUAL. ABUSO DE PODER. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. INOCORRÊNCIA. CONDUTA VEDADA. MAJORAÇÃO DA MULTA.

1. Para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas admitidas em direito, a existência de grave ilícito eleitoral suficiente para ensejar as severas e excepcionais sanções de cassação de diploma e de declaração de inelegibilidade.

2. O abuso do poder político qualifica-se quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura ou como forma de prejudicar a campanha de eventuais adversários, incluindo neste conceito quando a própria relação de hierarquia na estrutura da administração pública é colocada como forma de coagir servidores a aderir a esta ou aquela candidatura, pois, nos termos do art. 3º, alínea j, da Lei nº 4.898/1965, configura abuso de autoridade qualquer atentado "aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional". 2.1. Da leitura da vasta prova testemunhal e documental, verifica-se, com bastante clareza e coerência, que o deputado não ofereceu nenhum convite para os servidores da Assembleia, tampouco há referência à participação em reunião ou em encontros para tratar do tema com servidores com ou sem função gratificada, mas simplesmente concordou com a realização do jantar e com o preço fixado por convite, devidamente comprovado no processo de prestação de contas. Além disso, a realização de jantares de adesão pelos deputados é uma prática comum na Assembleia e sua realização foi devidamente comunicada à Justiça Eleitoral. 2.2. Suposta coação no oferecimento dos convites a servidores (eventual perda da função em caso de recusa na aquisição de convite do jantar). A prova testemunhal dos autos, produzida em juízo, indica uma situação de desconforto ou, quando muito, um temor reverencial. Nesse ponto, nos termos do art. 153 do Código Civil, não se qualifica como coação "a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial". O próprio servidor que teria sido demitido porque não comprou o convite esclarece que foi informado de que não seria obrigatória a compra do convite, o que se mostra coerente com as outras provas dos autos, inclusive com a baixa adesão ao jantar, pois, de 2.500 servidores da Assembleia Legislativa, apenas 19 com função compraram o convite do jantar (de um montante de 189 servidores com FG). 2.3. Realização de auditoria no Departamento de Gestão de Pessoas. É inegável que o segundo representado (Superintendente-Geral da Assembleia) falou sobre o tema na reunião sobre os convites para o jantar, mas pessoas participantes da referida reunião já sabiam que essa auditoria estava programada em momento anterior, como se verifica dos depoimentos das testemunhas. A lembrança inoportuna sobre a auditoria não ganha a qualificação de coação sobre os servidores presentes na reunião, muito menos de grave abuso de poder político, suficiente para se chegar à severa sanção de cassação de diploma de um deputado estadual. Some-se a isso a circunstância de que outras auditorias foram realizadas na Assembleia na gestão do representado, o que reforça a conclusão de que não se tratava de uma fiscalização pontual, mas apenas de um procedimento programado anteriormente com o fim de evitar gastos públicos desnecessários. 2.4. Demissão de servidor supostamente em razão da recusa em comprar o convite. O próprio servidor esclarece que foi informado de que não seria obrigatória a compra do convite, o que se mostra coerente com as outras provas dos autos e afasta a alegação de coação. E ainda: a prova dos autos não demonstra de forma robusta que a exoneração decorreu apenas do fato de o servidor não ter adquirido o convite, pois, além de outros servidores não terem comprado o convite e não terem perdido a função gratificada, o depoente enfatizou que a conclusão sobre sua demissão decorreria de "achismo".

3. Art. 30-A da Lei nº 9.504/1997. 3.1. Além de inexistir prova contundente e cabal de que todos ou alguns (e quais) convites foram adquiridos mediante grave coação, não há nos autos a tentativa de impedir a fiscalização da Justiça Eleitoral, a má-fé portanto, requisito indispensável para a incidência do art. 30-A da Lei das Eleições. 3.2. Ainda que se considere que um ou outro convite foi adquirido mediante grave coação (apenas como argumentação, reitere-se), a incidência da referida norma exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta, o que, no caso concreto, afastaria a incidência de cassação de diploma, considerando o pequeno valor do convite no contexto de uma campanha para deputado estadual (cf. o REspe nº 28.448/AM, redatora para o acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 22.3.2012).

4. Condutas vedadas. 4.1. A cassação por conduta vedada, à semelhança do art. 30-A da Lei das Eleições, exige um juízo de proporcionalidade entre o ilícito praticado e a sanção a ser imposta. A cassação do diploma com fundamento nos incisos I (utilização de uma sala para reunião para tratar da questão dos convites) e V (suposta exoneração do servidor em período vedado) não se revela razoável ao concreto, mormente quando um dos fatos é absolutamente controverso nas provas dos autos (inciso V). 4.2. Art. 73, inciso III, da Lei das Eleições. A referida proibição alcança somente os servidores do Poder Executivo e não os do Legislativo (cf. o AgR-REspe nº 137472/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 1º.3.2016). 4.3. Majoração da multa com fundamento no inciso II. O Regional desconsiderou que o representado não era apenas deputado, mas presidente da Assembleia Legislativa, exigindo-se um cuidado maior no trato da coisa pública. E ainda: o valor da conduta vedada é representativo, levando-se em conta a própria remuneração do representado, razão pela qual a multa merece ser majorada.

5. Recursos ordinários dos representados providos. Recurso do MPE conhecido como ordinário e provido em parte. Recurso da Coligação desprovido. Prejudicada a AC nº 203-31/RS.

(Recurso Ordinário n. 265041, Acórdão, Relator Min. GILMAR MENDES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 88, Data 08.05.2017, Página 124.)

 

Passo, assim, ao exame das condutas imputadas aos réus.

a) Acusação de prática de concussão – art. 316 do Código Penal

Concussão

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

O delito possui natureza formal e se consuma com a simples exigência da vantagem indevida, sendo o recebimento, se houver, mero exaurimento da conduta.

Embora o esgotamento do iter criminis seja relevante para a verificação da prática do crime de falsidade ideológica, mediante inserção de dado falso na prestação de contas de campanha eleitoral, pela natureza formal do tipo, a prova da prática de concussão prescinde da apuração desse resultado naturalístico.

Portanto, a efetiva entrega da quantia de R$ 2.500,00 em troca do ingresso para o jantar, e respectiva declaração do valor na forma de recibo de doação para campanha eleitoral, é etapa desenvolvida após a consumação do crime de concussão.

Também é preciso considerar que a concussão, enquanto conduta criminosa que costuma ocorrer na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, é tipo penal que confere relevo à palavra da vítima, quando esta se mostra coerente com os demais elementos de prova existentes.

Além disso, diferentemente do delito de extorsão (art. 158 do CP), o qual pode ser praticado por qualquer pessoa e se configura pelo emprego de violência ou grave ameaça, a concussão é delito que tem como sujeito ativo o funcionário público, bastando, para sua caracterização, a exigência de indevida vantagem sem o uso da violência ou de grave ameaça.

O art. 316 do Código Penal somente usa a expressão vantagem indevida, podendo essa ser de qualquer natureza. Segundo Rogério Grecco, embora possamos entender, mesmo que implicitamente, uma ameaça por parte do funcionário que exige a vantagem indevida, para efeitos de reconhecimento do delito de concussão, essa ameaça deve estar ligada, de alguma forma, à função do agente. Assim, a vítima se intimida com a exigência porque teme algum tipo de retaliação em razão da função do agente. "Contudo, se a ameaça praticada por funcionário não disser respeito às suas funções, o fato não se amoldará ao delito de concussão, mas, sim, ao de extorsão." (GRECCO, Rogério. Atividade policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. 2. ed. Niterói: Impetus, 2010.)

Estabelecidas essas premissas, passo ao exame dos fatos e provas.

Conforme consta dos autos, no ano de 2014, o deputado estadual Gilmar Sossella passou a exercer o cargo de Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e nomeou, como Superintendente-Geral da Casa, Artur Alexandre Souto, seu assessor parlamentar e chefe de gabinete.

Concomitantemente, Artur desempenhava a função de coordenador-geral da campanha para a reeleição de Gilmar Sossella como deputado estadual.

De acordo com os acusados, na condição de coordenador-geral da campanha eleitoral de 2014, Artur propôs a Gilmar a realização de um jantar para arrecadação de fundos, marcado para 3 de setembro de 2014, cujo ingresso custaria o valor individual de R$ 2.500,00, com o que Gilmar anuiu.

Na fl. 24 dos autos consta a cópia do convite para o referido jantar, evento no qual foi servido churrasco.

Anoto que, em princípio, essa forma de angariamento de recursos, comumente verificada nos pleitos gerais e municipais, é permitida pela legislação eleitoral. A quantia paga pelos interessados em comparecer ao evento recebe o tratamento de doação eleitoral, e eventual refeição representa o agradecimento do candidato pelo valor doado para sua campanha.

Ocorre que, em agosto de 2014, servidores concursados da Assembleia Legislativa, pertencentes ao quadro efetivo e detentores de funções gratificadas (FG) para desempenho de chefias de departamento, noticiaram à Polícia Federal que diretores e superintendentes da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul estariam exigindo que coordenadores e outros detentores de funções gratificadas adquirissem os convites para o jantar de campanha de Sossella, mediante coação pela ameaça de dispensa das FGs que ocupavam.

Em 25.8.2014, ao representar pelo pedido de abertura de investigação criminal, a autoridade policial narrou que a prática de atos de concussão contra os servidores estaria sendo realizada por Gilmar mediante interposta pessoa, o corréu Artur Alexandre Souto, nos seguintes termos (fls. 22-23):

ARTUR convoca o servidor com cargo de direção (cargos superiores, superintendentes e diretores) e entrega um convite para ele e mais outros para serem entregues a outros detentores de gratificações subordinados a eles. Ou seja, ARTUR chama Superintendentes e Diretores para que entreguem os convites e cobrem a 'compra' de seus subordinados também.

Desse modo, quem se recusa a participar de tal esquema, acaba sendo dispensado da gratificação. As ameaças são gerais e prévias. Um dos exemplos é NELSON DELAVALD JÚNIOR, o qual ocupava a função de Coordenador de Divisão dentro da Assembleia Legislativa e que, ao se negar a fazer o pagamento, foi dispensado conforme consta da publicação do Diário Oficial de 22/08/2014.

Quando receberam o convite, os servidores acabaram questionando o valor do mesmo. Nesse momento, ARTUR diz: “VOCÊ GANHA MAIS DE CEM MIL POR ANO, O QUE SÃO DOIS MIL E QUINHENTOS REAIS?”. Assim, todos acabam se sentindo coagidos e estão pagando os valores exigidos. Os convites estão sendo feitos a mais ou menos, UNS CENTO E CINQUENTA servidores efetivos, sendo que a tiragem dos convites é de trezentas unidades.

Também foi levantado que SOSSELLA e ARTUR vêm tentando dar ares de legalidade a tal extorsão ao assinarem recibos da Justiça Eleitoral aos 'colaboradores' no ato da contribuição, devendo ser lembrado que tais valores estão sendo encarados como 'doações de campanha'.

 

Autorizada a abertura de investigação criminal por esta Justiça Eleitoral (fls. 36 e v.), foi noticiado que, em 28.8.2014, servidores da Assembleia Legislativa do Estado retornaram à Polícia Federal para reforçar a notícia de prática de atos de coação nos seguintes termos: "GILMAR, através de ARTUR ALEXANDRE SOUTO, seu 'braço-direito' na condição de Superintendente-Geral, vem convocando Diretores e Superintendentes (chefias superiores da AL), para que esses repassem para seus subordinados, detentores de FGs, os referidos convites no valor de R$ 2.500,00" (fl. 42).

No curso das investigações, a autoridade policial requereu a expedição de mandado de busca e apreensão junto ao Poder Legislativo Estadual (fls. 48-50), medida que a Procuradoria Regional Eleitoral solicitou fosse substituída por coleta de depoimentos (fls. 57-58).

Deferida a coleta de depoimentos, a Polícia Federal passou a enviar ofícios à Presidência da Assembleia Legislativa, requisitando o comparecimento de servidores, os quais prestaram declarações à autoridade policial.

Em 09.09.2014, a partir de representações apresentadas pela Polícia Federal (fls. 133-141) e pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 144-152), foram decretadas a Artur Alexandre Souto as medidas cautelares de afastamento da função pública de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, com proibição de acesso ou frequência às dependências do Poder Legislativo Estadual, tendo em conta a notícia de que o investigado estaria intimidando os servidores na condução/orientação de depoimentos a serem prestados perante a Polícia Federal, com prejuízo à investigação dos fatos (fls. 154-157, 387 e 406).

A prática do delito restou cabalmente comprovada pelos elementos de prova colhidos durante a fase policial, os quais foram corroborados pela prova oral produzida durante a instrução processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

As testemunhas arroladas prestaram os seguintes depoimentos sobre os fatos:

- Depoimento de Nelson Delavald Júnior

O servidor para o qual a ameaça de dispensa de função foi efetivamente cumprida, Nelson Delavald Júnior, detentor de cargo efetivo na Assembleia desde 2005, sem filiação partidária, foi ouvido em juízo na condição de testemunha, e confirmou o depoimento prestado à Polícia Federal. Relatou que exercia a função gratificada de coordenador de departamento e que, em 20.8.2014, durante uma reunião de trabalho, realizada junto com outra servidora, Cíntia, seu diretor imediato, Ivan Ferreira Leite, o informou que havia um convite para o jantar de campanha de Gilmar Sossella, Presidente da Casa, para cada um dos coordenadores do seu setor. No mesmo dia, Nelson procurou Ivan e disse que não compraria o ingresso. No dia seguinte, em 21.8.2014, o Chefe de Gabinete do Presidente Gilmar Sossella, Jair Luís Muller, chamou Nelson em sua sala para reapresentar o convite, e Nelson novamente recusou.

Em seguida, Nelson procurou Ivan e reiterou que não compraria o convite, ocasião em que questionou se, por conta disso, deveria abrir mão da função gratificada que ocupava (pôr a sua função à disposição, porque não tinha interesse no convite), momento em que foi informado de que sua dispensa já havia sido determinada (Ivan disse que isso já tinha sido feito, ou seja, a burocracia estava toda organizada). A testemunha revelou que os convites foram oferecidos para cada coordenador, e que não aceitou a compra porque sempre trabalhou para os 55 deputados de forma técnica, sem preferências políticas. O convite representaria o apoio explícito à candidatura de um parlamentar, o que nunca foi sua intenção. Disse que, embora Ivan e Jair tenham oferecido o convite sem falar expressamente que sua compra era obrigatória, tinha certeza que a recusa à aquisição o sujeitaria à perda da função gratificada.

 

- Depoimento de Ivan Ferreira Leite

A testemunha Ivan Ferreira Leite, que exercia o cargo de diretor e é filiado ao PT, disse que recebeu da Superintendente Fernanda Paglioli os convites para o jantar, e que convocou uma reunião para distribuir cinco convites, negando a imposição de compra. Vendeu quatro convites e prestou contas do seu valor a Artur, informando que o convite não vendido era o destinado a Nelson. Afirmou que Vanessa Aparecida Canciam estava sendo preparada há muito tempo para o cargo de coordenador ocupado por Nelson. Revelou que todos os superintendentes da Casa haviam sido nomeados pelo presidente Gilmar Sossella.

A partir do depoimento do Diretor Ivan Ferreira Leite, percebe-se que o dinheiro da venda dos ingressos tinha de ser entregue diretamente ao Superintendente Artur, e que, quando foi prestar contas dos convites que havia recebido da Superintendente Fernanda Paglioli, Ivan informou a Artur que o convite não vendido era o destinado a Nelson.

Para preencher a função gratificada até então ocupada por Nelson foi nomeada a servidora Vanessa Canciam, em ato publicado no mesmo dia 22.8.2014 e assinado pelos mesmos superiores (fls. 83-85).

- Depoimento de Vanessa Aparecida Canciam

A servidora Vanessa Aparecida Canciam, que ocupou o cargo de coordenadora após a dispensa de Nelson, afirmou não possuir filiação partidária e disse ter acompanhado os fatos pela mídia, pois na época estava de licença gala e em seguida usufruiu licença por férias. Disse ser formada em Direito e não saber a formação acadêmica de Nelson. Que foi o Diretor Ivan Ferreira Leite quem a convidou para assumir o cargo, e sabia que a dispensa de Nelson se relacionava aos convites. Afirmou que os convites não lhe foram oferecidos, pois na época não estava no Brasil, e que a sua chefia, desde o mês de fevereiro, sabia dos períodos em que tiraria licença. Narrou que, atualmente, não ocupa função gratificada, mas que Nelson exerce uma chefia.

Vanessa contou que Nelson foi dispensado numa sexta-feira (dia 22.8.2014), e que estava de licença gala desde terça-feira, tendo ficado fora do trabalho por cerca de um mês, período em que ninguém exerceu a função de coordenador até então ocupada por Nelson.

 

- Depoimento de Patrícia Kohlmann Amato

A testemunha Patrícia Kohlmann Amato, servidora concursada e sem filiação partidária, também foi ouvida em juízo e confirmou as declarações prestadas perante a Polícia Federal (fls. 107-109). Disse que, na época, era coordenadora da divisão de ingresso de servidores e tratava de questões funcionais. Tomou conhecimento dos convites de Sossella por intermédio de seu diretor substituto, Alexandre Heck, que disse ter recebido os convites de Artur em mãos, porque "sua compra era uma contrapartida às funções gratificadas ocupadas pelos servidores". Alexandre estava assustado após a conversa com Artur e narrou que ele havia feito uma comparação entre o valor do jantar, R$ 2.500, e a remuneração das funções gratificadas indicadas pela gestão Sossella, pois "as FGs rendiam cerca de 100 mil ao ano".

Alexandre conversou sobre os fatos muito nervoso, dizendo que a compra era obrigatória, porque "Artur foi contundente ao vincular o ingresso e as funções gratificadas" e lembrou que Gilmar era responsável pela designação de toda a equipe da Assembleia Legislativa. Na ocasião, a testemunha já sabia que Nelson tinha sido dispensado porque recusara o convite, pois esse fato confirmou-se quando aportou, no Departamento de Gestão de Pessoas, o documento relativo à dispensa de Nelson no qual constava o “de acordo” do Diretor Ivan Ferreira Leite, da Superintendente Fernanda Paglioli e do Superintendente-Geral Artur. Disse que, somente durante a gestão de Sossella, todas as designações e dispensas de função gratificada tinham que ter o “de acordo” do Superintendente-Geral. Assim, Artur era quem dava a última palavra em se tratando de funções gratificadas.

A testemunha referiu que a dispensa da FG ocupada por Nelson era uma comprovação de que a compra era obrigatória, sendo que a data final de pagamento dos ingressos era a última sexta-feira do mês de agosto, dia 29.8.2014, pois o jantar estava marcado para o dia 3 de setembro.

Afirmou que a imprensa divulgou o nome dos departamentos que estavam sendo ameaçados com a compra do convite e dispensa das funções gratificadas, e que, com base nessa matéria, divulgada no Jornal Zero Hora, próximo à data final do pagamento, sob o título “Churrasco Salgado”, o seu departamento foi chamado para uma reunião com o Superintendente-Geral Artur. A reunião foi convocada pelo Superintendente Administrativo Financeiro Ricieri. Artur chegou à reunião "jogando a Zero Hora em cima da mesa" e dizendo que "o assunto da reunião era o churrasco salgado". Na ocasião, Artur indagou quem havia feito denúncias à polícia e à imprensa e travou com os servidores detentores de FG discussão sobre a imposição de compra dos convites.

Nessa reunião, Artur reiterou o que foi divulgado na imprensa e disse "que em época de campanha quem tem FG é chamado a colaborar".

A testemunha Patrícia Kohlmann Amato e demais servidores tentaram argumentar que seu trabalho era técnico e não partidário, pois o desempenho da função gratificada devia-se à confiança no trabalho técnico dos servidores, e não à colaboração com a campanha. Artur, então, disse que os servidores poderiam ser dispensados por falta de confiança no trabalho, o que representou mais uma forma de ameaça e de coação. Artur textualmente disse que a compra do ingresso era uma contrapartida às FGs concedidas, porque "a campanha é cara e as pessoas que têm FG têm que contribuir". Na reunião, Artur ameaçou os servidores dizendo que sem a compra de convites não haveria confiança, e que então faria auditorias que poderiam culminar em dispensas pela falta de confiança no trabalho.

Na oportunidade, estavam todos os coordenadores do Departamento de Gestão de Pessoas, e todos os servidores presentes foram contra a imposição de Artur. Alegaram que as funções gratificadas são concedidas pela responsabilidade e tomada de decisões, e que jamais imaginaram que a designação seria cobrada de forma financeira, pois, do contrário, sequer assumiriam as chefias. Os servidores questionaram o motivo da dispensa de Nelson, e Artur não soube explicar a razão, dizendo que o servidor "não estava rendendo", motivo no qual ninguém acreditou, pois Nelson era muito competente e seu bom trabalho era conhecido dos demais.

De acordo com Patrícia, esse contexto gerou um clima de medo e preocupação, pois da forma como realizada, a reunião teve o único propósito de constranger e ameaçar os servidores, que haviam decidido não comprar o ingresso para não fazer parte de prática que entendiam ser ilícita.

A matéria referida pela testemunha, e que deu motivo à reunião convocada por Artur, consta à fl. 62 dos autos, a qual traz a coluna da jornalista Rosane de Oliveira no Jornal Zero Hora, de 29.08.2014, com o título “Churrasco Salgado”. A notícia veicula a seguinte nota com a explicação dos fatos prestada por Artur Alexandre Souto à jornalista: "O funcionário concursado que ganha uma FG tem de saber que em ano de campanha será chamado a colaborar".

O clima ficou tenso na Assembleia por conta da pressão para que detentores de função gratificada comprem convite para um jantar de arrecadação de fundos do deputado Gilmar Sossella, presidente da Casa. O problema é o valor do churrasco: R$ 2,5mil por cabeça. Coordenadores de departamento foram instados a responder hoje, dia do pagamento, quantos convites conseguirão vender.

Coordenador da campanha de Gilmar Sossella, Artur Souto diz que ninguém está sendo obrigado a comprar o convite, mas que é natural pedir a colaboração de quem tem função gratificada: O funcionário concursado que ganha uma FG tem de saber que em ano de campanha será chamado a colaborar.

Sossella resolveu fazer o jantar para compensar a escassez de doadores, queixa de 10 entre 10 candidatos. Até agora, só conseguiu três doações – uma de R$ 20mil, uma de R$ 7 mil e a terceira de R$ 5 mil.

 

Em relação a essa prova, no interrogatório prestado na fase de inquérito policial, Artur Alexandre Souto afirmou que "não disse o que a jornalista publicou na forma que foi publicado" (fls. 75-76), idêntica justificativa apresentada quando do seu interrogatório judicial.

Porém, as testemunhas ouvidas em juízo, mediante compromisso de dizer a verdade, foram uníssonas em afirmar que, na reunião realizada em 29.08.2014, Artur reafirmou, com idênticas palavras, exatamente o que dissera ao Jornal Zero Hora, sustentando que os servidores detentores de função gratificada eram obrigados a comprar o convite para o jantar de campanha de Gilmar Sossella.

Essa notícia jornalística, aliada à prova testemunhal, demonstra que os atos de concussão, por meio de exigência da compra dos ingressos pelos servidores que ocupavam funções gratificadas, foram realizados premeditadamente, com a convicção de que estavam obrigados a alcançar valores à campanha, pois Artur detinha o poder de destituí-los das funções de chefia.

A vinculação do ingresso à função gratificada ocupada pelos servidores, bem como a obrigatoriedade de compra sob pena da perda da função, ficou bem delineada pelo depoimento prestado pelo servidor efetivo Abramo Lui de Barros.

 

- Depoimento de Abramo Lui de Barros

Em juízo, e devidamente compromissado, Abramo declarou não ter filiação partidária e afirmou que na época dos fatos exercia o cargo de coordenador. Em razão disso, seu diretor, Cristiano Piola da Luz, ofereceu-lhe o convite do jantar de Sossella, perguntando se gostaria de participar. Devido ao elevado valor do convite, Cristiano sugeriu que Abramo dividisse o pagamento com outros colegas, e Abramo assim procedeu, rateando o ingresso com Henrique Shigehisa Miyai, tendo pago 60% do valor "porque tinha uma função maior". Abramo contou que os convites eram oferecidos apenas para quem tinha função, "somente para filiados ao PDT ou sem filiação", e que o recibo eleitoral do ingresso que comprou com Henrique foi emitido no seu nome. A testemunha disse que tinha conhecimento de que Nelson perdera a função por não ter comprado o convite, e que se sentiu obrigado a comprá-lo "como uma obrigação moral porque recebeu uma função como um favor, e isso dobrava o seu salário". Entendeu que a compra era a contrapartida para a remuneração que percebia em razão da função para qual foi designado, e então sentiu-se obrigado a comprar o convite.

Conforme se verifica, o servidor Abramo Lui de Barros comprou o ingresso para o jantar dividindo seu valor com outro servidor, Henrique Shigehisa Miyai, não por um ato de liberalidade, mas unicamente em razão do temor de perder a função gratificada que ocupava, uma vez que a sua compra era obrigatória.

 

- Depoimento de Cristiano Piola da Luz

Cristiano Piola da Luz, filiado ao PDT, disse que, devido ao valor, ofereceu o convite apenas a quem tinha função gratificada e a militantes do PDT. Disse que comprou um, e que ligou para o servidor Abramo Lui de Barros, que estava de férias, para oferecer o ingresso, o qual ficou surpreendido pelo valor. Contou que Henrique Shigehisa Miyai conversou com Abramo e "decidiram rachar", sendo que "o recibo saiu no nome de um deles e nenhum dos dois foi no jantar". Afirmou que o Chefe de Gabinete do Presidente Sossella, Jair Muler, disse que o Superintendente-Geral Artur queria tratar com ele sobre os convites do jantar, ocasião em que Artur entregou-lhe os convites, sem imposição, e que vendeu cinco. Referiu que a implementação do ponto foi realizada porque havia "funcionários fantasmas" que trabalhavam 4 horas por dia e recebiam por 8 horas.

O cotejo do depoimento de Cristiano Piola da Luz com o de Abramo Lui de Barros evidencia que, de fato, o convite foi oferecido a Abramo por imposição. Cristiano, chefe de Abramo, ligou para o servidor, que estava de férias, para falar sobre a compra do convite, inclusive sugerindo que ele dividisse o valor com outro colega, Henrique. Ambos compraram um convite e sequer foram ao evento.

 

- Depoimento de Alexandre Heck

A testemunha Alexandre Heck, que também não possui filiação partidária, e na época exercia o cargo de diretor substituto do Departamento de Gestão de Pessoas, na licença da diretora titular, Carla Poeta, foi ouvido em juízo e confirmou o depoimento prestado à Polícia Federal (fls. 114-116). Disse que, durante as vendas dos ingressos, foi chamado para uma reunião com o Superintendente-Geral, Artur Alexandre Souto. Na oportunidade, Artur informou que, em função da crise, estava havendo dificuldade de captar recursos para campanha, e que o jantar de Sossella serviria pra fazer frente a essas despesas, argumentando que o valor das funções gratificadas dos servidores "fazia com que o convite não tivesse preço significativo". Em seguida, Artur incumbiu Alexandre de "distribuir os convites para os coordenadores de divisão". Alexandre disse que, embora fosse comum a realização de jantares de campanha, os servidores efetivos nunca haviam recebido convites assim, e sentiu-se constrangido ao ter de repassar a cobrança de compra aos demais colegas, que não receberam bem a imposição.

Os coordenadores para os quais Alexandre apresentou os convites, que já sabiam dos fatos e da dispensa de Nelson, entendiam que a função gratificada não deveria obriga-los à compra, e se recusaram a adquirir os ingressos, entendendo que o valor pecuniário da FG era pelo compromisso no trabalho e não para doar para a campanha. Na época, era fato público e notório que a dispensa de Nelson se devia à recusa em comprar o convite, e o caso foi parar na imprensa. No dia em que os fatos foram divulgados no jornal, Alexandre, por ordem do Superintendente Administrativo Financeiro Ricieri, foi chamado, com outros servidores, para uma reunião convocada por Artur, da qual deveriam participar os coordenadores de divisão de departamento. Na oportunidade, Artur novamente relacionou a compra dos convites com o valor de função gratificada, "atrelando o preço do convite", raciocínio com o qual os servidores não concordaram. Disse que, na reunião, Artur constrangeu os servidores a realizarem a compra dos convites para o jantar "fazendo essa correlação da FG com o preço", pois os servidores deviam sentir-se designados para as FGs pela administração de Sossella. Ao final da reunião, Artur ameaçou os servidores com auditorias.

 

- Depoimento de Fábio Augusto Bitencourt Ranquetat

Fábio Augusto Bitencourt Ranquetat, servidor concursado, sem filiação, narrou em juízo que, na ocasião dos fatos, exercia a função gratificada de coordenador e que os ingressos foram oferecidos pelo seu diretor, Elton Levi Schroder Fenner. Elton disse que Artur mandou oferecer e que se tratava de uma doação para campanha. Os convites foram apresentados para os diretores e coordenadores concursados. Após, reuniu-se com sua equipe e decidiram não participar. Com a divulgação dos fatos na imprensa, a testemunha disse que foi chamado com urgência para uma reunião, na qual Artur puxou o Jornal Zero Hora e perguntou quem tinha vazado a informação para a imprensa e para um blog da internet. No evento, em tom de ameaça, Artur disse que o vazamento da informação para a mídia representava uma falta de confiança. Fabio também afirmou que, após a destituição de Nelson, todos ficaram tensos, mas que a repercussão dada pela mídia fez com que nenhum outro servidor fosse dispensado de eventual função gratificada.

 

-Depoimento de Cesar Ricardo Molina

A testemunha Cesar Molina, servidor concursado, sem filiação partidária, contou que exercia o cargo de coordenador e que, na época, todos os outros coordenadores comentavam que Nelson tinha sido dispensado da função gratificada por recusar o convite do jantar de Sossella. Disse que foi surpreendido ao ler no Jornal Zero Hora a declaração do Superintendente-Geral Artur, "que confundia quem tem cargo de confiança com quem tem função gratificada", declarando esse pensamento na grande mídia. No dia em que a notícia foi publicada no jornal, o diretor Alexandre Heck informou que os coordenadores haviam sido convocados para uma reunião, por ordem do Superintendente Ricieri, marcada para às 10h.

No evento, Artur apontou para o jornal e disse: "vocês já sabem porque foram chamados aqui, e começou a explicar que é preciso dinheiro pra fazer campanha, e que as pessoas que ocupavam os cargos de confiança eram chamadas a colaborar", confirmando a declaração que havia dado ao Jornal ZH. Todos estavam temerosos na reunião, e a testemunha, sentindo-se constrangida, "disse que podia sair da sala sem o cargo, mas que sua formação moral e ética impedia a colaboração". Afirmou que um detentor de cargo em comissão (CC) sujeita-se a esse tipo de subserviência devido à ausência de conhecimento técnico, o que não ocorre com os servidores concursados, e que dentro das regras do jogo era previsível que Nelson fosse dispensado por recusar o convite. Na reunião, Artur ameaçou os servidores com sindicâncias e auditorias.

 

- Depoimento de Maria Cristiane Bortolini

A testemunha Maria Cristiane Bortolini, servidora efetiva que na época exercia a função de diretora do Departamento de Taquigrafia, sem filiação partidária, disse que a superintendente Fernanda Paglioli chamou-a para tratar dos convites do jantar do deputado Sossella, dizendo que "a taquigrafia tinha de comprar quatro convites, pois a cota da taquigrafia era mil reais, equivalentes a quatro convites", e mandou que tratasse da venda da forma que entendesse melhor. A testemunha sabia que no departamento de informática e de gestão de pessoas estava havendo muita pressão para que comprassem os convites e, depois de muita discussão, o grupo decidiu que compraria um convite em conjunto, dividindo o valor. Após esse fato, numa quinta-feira, teve de tratar pessoalmente com Artur Alexandre Souto sobre assuntos de trabalho, ocasião em que revelou que a taquigrafia compraria em conjunto apenas um convite. "Artur ficou insatisfeito" e a testemunha tentou argumentar que o quadro era técnico, sem indicação política, e não estava acostumado a ser cobrado. Artur então disse que detentores de cargo em comissão e função de confiança "têm obrigação de contribuir", e que as funções poderiam ser "destituídas a qualquer momento", pois "no departamento de tecnologia da informação ele tinha destituído três coordenadores de uma vez só e que sequer tinha nomeado pessoas para assumir as funções, sendo indiferente ao fato de que as funções poderiam ficar vagas".

Artur fez uma comparação entre os salários dos servidores e o preço do ingresso, dizendo que a servidora "ganha 200 mil por ano", e que ele mesmo contribui muito com o PDT. No final da conversa, Artur disse-lhe que "alguém ia perder a FG no dia seguinte". A testemunha foi conversar com a Superintendente Fernanda Paglioli para contar que, segundo Artur, alguém perderia a função devido à recusa em comprar o convite, e Fernanda revelou que Nelson Delavald Júnior era o servidor que perderia a função. Quando a dispensa de Nelson foi publicada todos ficaram preocupados e em pânico, e sabiam do risco de perderem a FG caso não comprassem o ingresso para o jantar, pois havia pressão psicológica para que comprassem, "uma pressão muito grande no seu departamento e no de gestão de pessoas". Quando o fato foi noticiado no jornal, os servidores sentiram-se aliviados, pois estavam livres da cobrança, uma vez que a situação veio a público. Disse, por fim, que os servidores eram favoráveis à implementação do "ponto eletrônico", dispositivo que serviu para a marcação eletrônica do horário de trabalho.

 

- Depoimento de Mariana Gonzales Abascal

Mariana Gonzales Abascal, servidora efetiva, na época detentora da função gratificada de coordenadora de divisão, disse que o diretor substituto Alexandre Heck, após uma reunião com Artur Alexandre Souto, contou aos coordenadores que fora incumbido de vender convites para o jantar de Sossella aos servidores detentores de FG, sob pena de perderem a função. Alexandre teria dito que um dos coordenadores foi dispensado da compra por ter outra filiação partidária, mas que como os outros coordenadores não tinham filiação, deviam comprar o ingresso. Alexandre falou que Artur comparou o valor anual que os servidores percebiam, a título da função gratificada, com o valor nominal do convite, utilizando-se desse raciocínio para que fossem convencidos a comprá-lo. A testemunha disse que Nelson havia revelado que perdeu a função porque se recusou a comprar o ingresso, pois haviam proposto a compra a ele com insistência mais de uma vez.

A partir disso, "todos sabiam que quem não comprasse o ingresso perderia a FG". Depois da publicação dos fatos no jornal, foi chamada para uma reunião, por ordem do Superintendente Ricieri, da qual participaram todos os detentores de função gratificada do departamento de gestão de pessoas. Na ocasião, Artur apareceu e fez cobranças pelo que foi divulgado na imprensa, dizendo que "aquilo era uma coisa natural, que tinham de colaborar, pois era natural que em época de campanha eles fossem chamados a colaborar".

Os servidores argumentaram que a confiança era no trabalho, e que sua responsabilidade era maior do que a relativa ao cargo de origem, pois eram mais cobrados. Artur então falou que, como os servidores queriam ser cobrados pelo trabalho, faria uma sindicância no departamento. Segundo Mariana, Nelson é referência como bom servidor, pois os funcionários efetivos, concursados, são muito poucos e se conhecem há mais de dez anos, uma vez que a maioria dos servidores da Casa é detentora de cargos em comissão. Após serem noticiadas na imprensa as ameaças sofridas e a dispensa de Nelson, ninguém mais perdeu a função gratificada até o final da gestão Sossella. Quanto à posição de Artur frente a Sossella, disse que, em discursos, Sossella dizia que Artur "era ele na Assembleia Legislativa", pois "era seu homem de confiança".

 

- Depoimento de Thaís Marina Bitencourt Dalcol

A testemunha Thaís Marina Bitencourt Dalcol, servidora concursada, desempenhava a função de coordenadora junto à superintendência legislativa e relatou comentário da Superintendente Fernanda Paglioli de que Artur havia retirado de um cofre 12 convites do jantar de Sossela para serem distribuídos a coordenadores e a quem tivesse FG, fato que a testemunha e demais colegas acharam um absurdo. Após, o diretor Leonel Sica da Rocha chamou-a em sua sala, juntamente com a servidora Luciane Picada, e disse: "vamos colaborar, afinal eles nos dão uma FG por 12 meses e não nos custa contribuir". A testemunha não pensou que deveria contribuir com essa forma de gratidão, pois prestava serviços para outros partidos, mas foi interpelada por Leonel a comprar o ingresso. Após essa recusa, a testemunha foi novamente chamada pela superintendente Fernanda, a qual questionou se ela e demais servidoras iriam comprar, opinando "que é do jogo, é assim que funciona, sempre numa relação de hierarquia, falando-lhe que tinha de comprar, porque Artur tem o poder da caneta, é a regra do jogo, a gente tem FG e tem que dar uma contrapartida, senão não se sabe o que vai acontecer".

Narrou ter sido interpelada a comprar o ingresso em quatro oportunidades, sendo que Fernanda afirmou que Artur a obrigou a vender 12 ingressos, porque havia 12 servidores com FG na Superintendência Legislativa. Toda a pressão para compra era realizada "em nome do Artur". Disse que o temor de perda de funções fez com que o "pessoal fizesse vaquinha", da qual participava até quem não tinha FG, "e que as pessoas compravam os ingressos com medo de perder a função, porque a Superintendente Fernanda Paglioli e o Diretor Leonel Sica da Rocha estavam desesperados, pois tinham que vender a cota deles". Quanto a Nelson, relatou que o servidor estava num dos primeiros setores em que ofereceram os convites, sabendo que foi chamado pelo Chefe de Gabinete da Presidência, Jair Luis Muller, o qual disse que se ele não comprasse perderia a FG, fato que realmente aconteceu. Em uma reunião, o Diretor Ivan revelou que "Nelson perdeu porque não comprou".

 

- Depoimento de Leonel Sica da Rocha

A testemunha Leonel Sica da Rocha, jornalista, servidor efetivo filiado ao PDT e Presidente do Diretório Municipal do PDT em Viamão, era diretor de departamento, e contou que a Superintendente Fernanda Pagliogi lhe ofereceu convite, o qual comprou, tendo comparecido ao jantar. Disse ter ficado com quatro convites, sendo três para oferecer a seus colegas, pois havia três pessoas com FG no seu departamento, mas que ninguém foi ameaçado. Confirmou ter oferecido os ingressos a Thaís Marina Bitencourt Dalcol e a Luciane Picada, que recusaram, sendo que, em outra oportunidade, novamente chamou as duas servidoras para oferecer o convite. Revelou que então fez "uma vaquinha" com outros colegas e comprou em seu nome mais dois convites, entregando o dinheiro para Artur. Na noite do jantar, o recibo eleitoral foi-lhe entregue pela tesoureira da campanha, a esposa do Deputado Sossella, Melania. Afirmou que Nelson é um servidor excelente, competente, e que todos comentavam que Nelson perdeu a função por causa da recusa, fato que entende ser possível, mas sobre o qual não tem certeza.

O depoimento do servidor Leonel Sica é bastante duvidoso. Iniciou o seu testemunho dizendo que os convites não eram obrigatórios, mas que recebeu um para cada detentor de chefia do seu departamento. Reconheceu que, em duas oportunidades, tentou convencer as coordenadoras Thaís Marina Bitencourt Dalcol e Luciane Picada a comprá-los. Como elas recusaram, além do convite que lhe fora destinado, comprou outros dois, fazendo uma “vaquinha” com outros colegas. Admitiu que, na época, sabia que Nelson havia perdido a chefia em face da recusa em comprar os convites.

Não há como concluir, com certeza, que a compra desses ingressos, na forma como narrada pelo servidor, foi espontânea, merecendo relevo o fato de que o valor dos convites foi entregue diretamente ao Superintendente-Geral Artur. De qualquer sorte, considerando que se trata de servidor filiado ao PDT, o qual inclusive desempenha a função de presidente de diretório municipal, tem-se que, apesar das dúvidas, a compra deve ser considerada como legítima.

 

- Depoimento de Carlos Eduardo Prates Cogo

A testemunha Carlos Eduardo Prates Cogo, servidor da Assembleia que ocupava o cargo de diretor, disse que Artur lhe ofereceu o convite, explicando que o jantar era para arrecadação de fundos, e que era para oferecer a seus coordenadores. Após, começaram conversas da “rádio corredor”, pois o valor chamava a atenção. Afirmou não ter sido ameaçado, mas que se dizia que aqueles que não comprassem o convite iriam perder a função gratificada, até que o fato foi parar na Polícia Federal. Contou ter devolvido todos os convites a Artur, e que o ponto eletrônico agregou positivamente ao trabalho, sendo que sua implementação iniciou em 2012 com o Deputado Postal. Disse que não sabia que Artur era o coordenador de campanha, e que, na época, seus coordenadores perguntavam se ele tinha recebido convites para distribuir, pois estavam todos apreensivos. Disse que, no pleito de 2014, recebeu convite apenas da campanha de Gilmar Sossella, e que os ingressos não eram oferecidos para quem não tinha FG.

 

- Depoimento de Jacqueline Sieg

A testemunha Jacqueline Sieg (fl. 1017) narrou em juízo que era detentora de uma função gratificada equivalente a de coordenador, e que o Diretor Substituto Alexandre Heck trouxe um envelope com seis convites entregues diretamente por Artur, "um para cada uma das funções de maior valor do setor, coordenadores e diretor, pois era uma contrapartida para se manter na FG". Heck explicou que Artur fez uma comparação entre o valor do convite e o das funções gratificadas, pelo total que “os servidores ganhavam em um ano em relação ao preço do convite”. Se não comprasse o convite “cabeças iriam rolar”. Juntamente com seus colegas, decidiu não comprar o ingresso, mesma posição tomada por outros departamentos. A situação gerou um clima de pavor, diretores pagaram o ingresso para seus coordenadores, outros departamentos ratearam o ingresso entre todos os detentores de FG, e o prazo para dar a resposta era a sexta-feira anterior ao jantar.

Com a publicação do fato na imprensa a polícia iniciou a investigação e as ameaças pararam. Além disso, após a publicação da matéria Churrasco Salgado no Jornal Zero Hora, os servidores detentores de FG foram chamados para uma reunião pelo Superintendente Ricieri, que chamou Artur por telefone após todos estarem presentes. Artur entrou na sala com o Jornal Zero Hora na mão, querendo saber da história do churrasco salgado, criando um clima de terror e de ameaças, pois a última palavra para designar funções gratificadas era a dele, enquanto Superintendente-Geral, e porque Nelson havia sido dispensado da função gratificada por não ter comprado o convite.

 

- Depoimento de Fernanda Schnorr Paglioli

A Superintendente Fernanda Schnorr Paglioli prestou depoimento e relatou, quanto à dispensa do servidor Nelson, que o Diretor Ivan Ferreira Leite tinha autonomia para escolher seus coordenadores, tendo apenas aposto o de acordo no ato de dispensa. Referiu que o oferecimento de convites é prática muito comum e que foi ao jantar com seu marido, tendo adquirido dois convites.

 

- Depoimento de Leandro Andrade Geraldi

A testemunha Leandro Andrade Geraldi, servidor efetivo, sem filiação, detentor de função gratificada, disse que, quando tomou ciência do evento, fez questão de participar, "como representante da secretaria da mesa, pois tem muito carinho pelo deputado Sossella". Disse que, na época, houve um período de muita insegurança na Casa, "havia muito constrangimento nos corredores da casa, o pessoal estava receoso". Conversou com suas duas assessoras a portas fechadas, ocasião em que lhes ofereceu os convites e se dispôs a comprar um segundo convite para alguma delas, se quisesse comparecer, mas a conversa não foi adiante. Perguntado se, quando Artur Alexandre Souto lhe fez o convite, entendeu que o fez na qualidade de Superintendente-Geral da Assembleia ou como coordenador de campanha, respondeu "eu entendi como um evento do deputado Sossella".

 

- Depoimento de Márcio Almeida Espíndola

A testemunha Márcio Almeida Espíndola, servidor efetivo, disse que era diretor, comprou um convite e não foi ao jantar. Afirmou que o Chefe de Gabinete da Presidência, Jair Luis Muller, ofereceu os ingressos, repassando-lhe também os destinados aos coordenadores do seu departamento. Foi a assessora parlamentar Marciana, do gabinete de Gilmar Sossella, quem lhe entregou o recibo eleitoral. Afirmou ter conhecimento de que Nelson foi dispensado por questões pessoais.

 

- Depoimento de Fernando Guimarães Ferreira

Fernando Guimarães Ferreira, Procurador-Geral da Assembleia Legislativa, disse que a realização de jantares é muito comum, e que foi Artur quem lhe ofereceu o ingresso. Afirmou que, normalmente, o convite é apresentado por um assessor parlamentar, e que nunca lhe havia sido entregue por um Superintendente-Geral. Após as notícias divulgadas na imprensa, falou com o Chefe de Gabinete da Presidência, Jair Luis Muller, para que tomasse cautela. Também referiu que havia um descontentamento dos servidores com a implantação do ponto eletrônico.

 

- Depoimento de Flávio Pancote Dall´Agnoll

A testemunha Flávio Pancote Dall´Agnoll, servidor da Assembleia Legislativa filiado ao PDT e presidente do sindicato dos servidores, em nada contribuiu para esclarecer os fatos.

 

- Depoimento de Márcio José Sawarys

A testemunha Marcio José Sawarys, na época estagiário, apenas negou a existência de ameaças e afirmou que os servidores não queriam a implantação do ponto eletrônico, apontando que a servidora Patricia Amato reclamava que perdia "horas de sono".

- Depoimento de Sandra Maria de Jesus

A servidora aposentada Sandra Maria de Jesus, ouvida na qualidade de informante (fl. 1036), disse que na época exercia a função de diretora substituta e que foi designada para a função gratificada por Artur. Disse que não foi ameaçada e que comprou um convite para ajudar a campanha de Sossella. Acatando sugestão de Artur, ofereceu o ingresso a três coordenadoras, que recusaram. Pagou o valor devido diretamente para Artur e contou que o recibo eleitoral foi emitido por Melania Sossella.

O depoimento da informante Sandra Maria de Jesus, de igual modo, reafirma que o valor do ingresso deveria ser entregue diretamente a Artur, evidenciando o controle da compra que o Superintendente-Geral exercia sobre os servidores que ocupavam função gratificada.

 

- Depoimento de Ricieri Dalla Valentina

Ricieri Dalla Valentina, filiado ao PT, à época Superintendente Administrativo Financeiro, disse que Artur ofereceu os convites sem pedir que levasse a seus subordinados e sem ameaças, e que comprou um. Relatou que, a pedido de Artur, fez uma reunião com os departamentos de informática e de gestão de pessoas, em razão da notícia no jornal, pois não conversou com os coordenadores desses departamentos, mas apenas com os diretores, e queria esclarecer os fatos. Quanto à reunião em que Artur mencionou a realização de auditoria no departamento de gestão de pessoas, disse que era uma questão discutida há tempos, pois alguns servidores haviam recebido valores significativos indevidamente.

 

- Interrogatório dos acusados (mídia à fl. 1068):

Artur Alexandre Souto

No interrogatório judicial, Artur Alexandre Souto revelou ser primo de Gilmar Sossella, com quem trabalha em campanhas políticas desde 2006, tendo coordenado diversas de suas campanhas. Disse que antes de assumir a função de Superintendente-Geral, exercia a função de assessor parlamentar e chefe de gabinete de Sossella, sempre paralelamente ao trabalho de coordenador de campanha. Entende que as denúncias foram motivadas pela implantação do ponto eletrônico para controle do horário de trabalho dos servidores, realizada em agosto, e afirmou que nenhum dos servidores que fez a denúncia à Polícia Federal efetivamente comprou o convite.

Referiu que as pessoas que compraram os ingressos não foram pressionadas e que a venda de convites é comum. Afirmou que a matéria publicada no jornal não retratou o teor de sua fala pelo telefone com a jornalista. Disse que, por conta da amizade consolidada e de seu parentesco com Gilmar Sossella, "sempre teve alçada para decisões, tanto quando trabalhou na prefeitura quanto como chefe de gabinete". Na gestão de Sossella como Presidente do Poder Legislativo, afirmou que "tocava a Casa e que tinha total autonomia para as questões de campanha e administrativas".

Também revelou que, após a determinação de afastamento cautelar da função de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa, continuou trabalhando como coordenador da campanha de Gilmar Sossella. Afirmou ofereceu o convite apenas a conhecidos e a quem tinha salário maior e poderia comprá-lo, sem condicionar a FG à aquisição. Quanto à dispensa da função gratificada ocupada por Nelson Delavald Júnior, explicou que o Diretor Ivan Ferreira Leite quis nomear a servidora Vanessa Aparecida Canciam porque ela tinha formação em Direito, enquanto Nelson é formado em Psicologia, tendo apenas concordado com o fato e dado o "de acordo". Defendeu que Nelson "admitiu forçadamente que perdeu a função por causa do convite", e lembrou que "quem deu a primeira oportunidade para Nelson fomos nós", referindo-se à primeira vez em que Nelson foi designado para assumir uma função gratificada.

Quanto aos recibos eleitorais, revelou que a maioria foi entregue no dia do jantar, pois os participantes apresentavam o convite e então assinavam o recibo eleitoral e o canhoto do convite. Contou que Melania Sossella, esposa de Gilmar Sossella, era a responsável financeira da campanha e, junto com Artur, tinha autorização para assinar os recibos eleitorais e os cheques de campanha. No tocante à idealização do evento, disse que em 2010 arrependeu-se de não ter feito um jantar de arrecadação e que, em 2014, foi sua a ideia de realizá-lo, afirmando que definiu a arte do convite e reconhecendo que ofereceu a seus subordinados. Referiu ter vendido 75 convites, sendo que 23 foram comprados por 19 servidores da Assembleia. Relativamente à reunião que teria realizado, disse que, na oportunidade, perguntou se os servidores foram coagidos e que eles disseram que não, "e que então reforçou a colaboração, dando seu exemplo, pois era CC e sempre contribuiu em campanhas". Confirmou ter tratado de auditorias na reunião, as quais seriam realizadas na folha de pagamento de pessoas que recebiam a mais.

 

Gilmar Sossella

Gilmar Sossella, no interrogatório judicial, também referiu que há muito tempo exerce suas campanhas com o auxílio do trabalho de Artur na coordenação. Afirmou ter feito modificações significativas na Assembleia Legislativa durante sua gestão como presidente, tais como a implantação do ponto eletrônico, fato que não agradou a todos, e o plano de carreira dos servidores. Disse que Artur apresentou-lhe as formas legais de arrecadar recursos e que apenas concordou com a realização do jantar e confecção de um ingresso no valor de R$ 2.500,00. Não sabia para quem os ingressos tinham sido oferecidos, sua agenda como presidente e candidato tomava-lhe muito tempo, e Artur, na condição de coordenador, fazia todo o trabalho de angariar fundos. Contou que, mesmo afastado da função de Superintendente-Geral, Artur continuou coordenando sua campanha, tomando decisões em seu nome, pois tinha total autonomia. Explicou que a dispensa de Nelson foi uma coincidência, pois o Diretor Ivan Ferreira Leite queria que a função fosse ocupada por Vanessa Aparecida Canciam, por ser formada em direito, e que "Ivan sempre insistiu que Vanessa ocupasse aquele cargo".

Contou que, além de Nelson, 219 pessoas perderam cargos, pois "é muito rotativo", e que sua dispensa foi realizada por vontade do Diretor Ivan Ferreira Leite, pois "Artur foi o último a dar o aval". Disse que conhecia o trabalho de Nelson, que ele trabalhava na parte burocrática, e que sabia da sua formação em Psicologia, assim como do fato de que quando Nelson foi dispensado, a servidora Vanessa Canciam, que veio a substituí-lo, estava de licença.

Relatou que Artur guardava os ingressos do jantar, os canhotos com os nomes dos compradores e os recibos eleitorais; quando Artur não recebia pessoalmente os recibos, estes eram repassados para Melania, esposa de Gilmar. Ao final, confessou ter pensado em cancelar o jantar e devolver o dinheiro da venda dos ingressos, tendo sido dissuadido de tal atitude, que poderia aparentar estivesse errado seu proceder.

Conforme se verifica, há harmoniosa prova oral, corroborada com documentos juntados aos autos, no sentido de que Artur Alexandre Souto, na condição de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa do Estado e de detentor da última palavra no trato de designações e dispensas de funções gratificadas de chefia e liderança, ameaçou os servidores da Assembleia Legislativa, direta e indiretamente, por intermédio de seus subordinados, chefe de gabinete da presidência, diretores e demais superintendentes da Casa, a comprarem os ingressos para o jantar de angariamento de fundos para a reeleição de seu primo, o deputado estadual e então Presidente da Assembleia Gilmar Sossella, sob pena de serem dispensados das funções gratificadas que ocupavam, tal como sucedeu com o servidor Nelson Delavald Júnior, que após recusar a compra do ingresso oferecida em duas oportunidades, primeiro pelo Diretor Ivan Ferreira Leite e, depois, pelo Chefe de Gabinete do Presidente Gilmar Sossella, foi dispensado da FG que ocupava.

Ressalto que a versão dos réus, no sentido de que não houve ameaças para a compra de convites, de que os servidores realizaram denúncias por estarem descontentes com a implantação do ponto eletrônico, bem como que Nelson foi dispensado porque é formado em Psicologia, não convence.

No ponto, merece calorosos elogios o trabalho da zelosa Procuradoria Regional Eleitoral, representada nesta Corte pelo Ilustre Dr. Marcelo Beckhausen, que durante a instrução realizou incansável trabalho de produção probatória a fim de melhor elucidar os fatos ora analisados.

A dispensa de Nelson Delavald Júnior da função gratificada que ocupava é, sem sombra de dúvidas, o ato que mais representa a efetiva prática de concussão, pois serviu como prova cabal de que a compra dos ingressos, longe de ser uma liberalidade espontânea, era uma imposição da administração.

Importa considerar que Nelson passou a assumir funções gratificadas desde 2007, sendo que sua primeira nomeação para cargo de chefia ocorreu quando Gilmar foi nomeado Primeiro Secretário, ocasião em que Sossella foi presidente de uma CPI. De acordo com os depoimentos prestados por Nelson e Gilmar, tem-se que, graças a Gilmar, Nelson foi nomeado pela primeira vez para uma função de liderança, sendo que, em 2014, na gestão de Sossella como Presidente, Nelson foi nomeado para a função gratificada de coordenador.

Apesar das tentativas da defesa em desqualificar o servidor, por ser graduado em Psicologia e não em Direito, a prova produzida demonstra que a formação acadêmica de Nelson em nada o prejudicou para ocupar funções de chefia ao longo dos anos, sendo que as testemunhas ouvidas em juízo, mesmo as de acusação, são uníssonas em afirmar que Nelson era competente, exemplar, sem nada que o desprestigiasse ou depusesse contra o seu trabalho.

Além disso, embora Nelson tenha sido dispensado da função gratificada em agosto de 2014, tão logo findada a gestão de Sossella, o novo Superintendente-Geral que assumiu o cargo de Artur nomeou-o para assumir uma FG em sua equipe, conforme relevou a testemunha, que atribuiu a designação à confiança que todos depositavam em seu trabalho sabedores de sua competência.

A prova de que a dispensa serviu como exaurimento do crime de concussão relativamente a Nelson, e de alerta aos demais servidores para os quais os convites foram oferecidos, está bem demonstrada pela cronologia dos fatos. Após ter sido interpelado a comprar o ingresso por duas vezes, nos dias 20 e 21.08.2014, primeiro pelo Diretor Ivan Ferreira Leite, seu superior imediato e, depois, pelo Chefe de Gabinete do Presidente Sossella, que detinha ascendência hierárquica por trabalhar na Presidência da Casa, Nelson procurou Ivan e questionou se, por conta da recusa, deveria abrir mão da função gratificada "porque sabia que o convite era obrigatório". Ivan, que já tinha entregado os valores da venda dos convites a Artur, informando-o de que o único que restara não vendido era o destinado a Nelson, contou que o ato de dispensa de Nelson já havia sido encaminhado para publicação no Diário Oficial de 22.8.2014 (fl. 82), um dia depois. A dispensa da função gratificada foi assinada pelos Superintendentes Ricieri Dalla Valentina e Fernanda Schnorr Paglioli, por Artur, enquanto Superintendente-Geral, e pelo Diretor Ivan Ferreira Leite (fl. 87).

Todos esses superiores que assinaram a dispensa vendiam os ingressos, a mando de Artur e, certamente, também tinham o temor de perder as altas funções gratificadas que ocupavam.

Essas circunstâncias bem demonstram que a dispensa de Nelson Delavald Júnior não teve nenhum outro motivo que não a recusa da compra do convite, uma represália por ato de ingratidão ao Presidente e ao Superintendente-Geral da Casa, que inicialmente o nomearam para assumir função gratificada.

Apesar dos argumentos defensivos, o caderno probatório não estabelece uma relação de causalidade entre a implementação do ponto eletrônico, para controle do horário de trabalho dos servidores, e a ameaça de perda de funções gratificadas, com a recusa de compra dos convites para o jantar. Ao contrário disso, a prova demonstra que os depoimentos das testemunhas reiteram as declarações prestadas perante a Polícia Federal, no sentido de que os ingressos foram oferecidos por diretores e superintendentes diretamente subordinados a Artur, assim como pelo chefe de gabinete da Presidência da Casa, exercida na época por Gilmar Sossella.

As declarações prestadas pelos servidores que narraram a exigência indevida de valores merecem total credibilidade, uma vez que são uníssonas, harmônicas e sem contradições nos pontos essenciais, confortadas pelo restante da prova.

Nos termos já referidos, é inverossímil a tese de que Nelson Delavald foi dispensado da função gratificada de coordenador por não possuir graduação em Direito. A prova testemunhal foi uníssona em afirmar que Nelson é um excelente servidor, com boa reputação reconhecida por todos os colegas, sendo que desde 2007 desempenhava funções de chefia ininterruptamente. Essas circunstâncias demonstram que a ausência de formação jurídica não foi empecilho para o exercício de posições de liderança assumidas pelo servidor. Para dirimir qualquer dúvida, leva-se em conta as declarações de Vanessa Canciam, que substituiu Nelson na função gratificada de coordenador, a qual declarou que não sabia qual a formação acadêmica de Nelson e que sabia que sua dispensa se relacionava à venda dos ingressos.

Não pode ser tomado como mera coincidência o fato de que o convite para o jantar foi oferecido a Nelson por duas vezes, primeiro pelo Diretor Ivan Ferreira Leite, e depois pelo Chefe de Gabinete de Sossella, Jair Luis Muller, pessoas em relação às quais Nelson era subordinado, única e exclusivamente em razão do cargo de coordenador que ocupava, e que, no dia seguinte a essas recusas, foi publicada a portaria de dispensa da função gratificada de Nelson, com designação de uma servidora que nem sequer se encontrava no Brasil e permaneceria afastada do trabalho por no mínimo um mês.

Ademais, ao entregar os valores da venda dos convites que recebeu, Ivan Ferreira Leite disse a Artur que o único convite não vendido era o destinado a Nelson, que a seguir foi dispensado da função gratificada.

Em verdade, todo o contexto dos autos demonstra que o único critério para o oferecimento dos convites era o desempenho de uma função gratificada, especificamente a de coordenador, ou equivalente, conforme plano previamente arquitetado por Artur, que inclusive distribuiu "cotas" de ingressos por departamentos. Como estratégia de convencimento da compra, montou-se um engenhoso estratagema: Artur, na condição de Superintendente-Geral, repassava os ingressos aos demais Superintendentes e Diretores, em razão de sua ascendência hierárquica, e esses incumbiam-se de vendê-los aos coordenadores. O pagamento do ingresso, entretanto, deveria ser pessoalmente entregue a Artur, que com isso controlava quem se recusava a comprar.

Confiava-se que a relação de hierarquia entre superiores e subordinados, e o inegável temor reverencial presente na relação funcional entre os servidores e o Presidente da Casa, aliados ao poder de Artur sobre a designação e dispensa de funções, enquanto Superintendente-Geral, serviriam de fator invencível para eventual recusa de compra do convite. Com esse entendimento, as valorosas lições doutrinárias trazidas nas alegações finais da acusação:

O crime de concussão tem por verbo típico o exigir uma vantagem indevida, em razão de uma função pública. A exigência como elemento caracterizador do delito em comento, nas lições de Hungria, citado por Rogério Greco, pode ser:

“formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob ameaça explícita ou implícita de represálias (imediatas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de interposta pessoa, ou velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infligir um mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira. Segundo advertia Carrara, sempre concorre a influir sobre a vítima o metus publicae potestatis.

Para que o receio seja incutido, não é necessário que o agente se ache na atualidade de exercício da função: não deixará de ocorrer ainda quando o agente se encontre licenciado ou até mesmo quando, embora já nomeado, ainda não haja assumido a função ou tomado posse do cargo.

O que se faz indispensável é que a exigência se formule em razão da função. Cumpre que o agente proceda, fraca ou tacitamente, em função de autoridade, invocando ou insinuando a sua qualidade”. (GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Especial, Volume IV. 9ª ed. Niterói, RJ: Impetus. 2013, p. 432.)

 

Essa ameaça foi concretizada com a dispensa de Nelson Delavald Júnior, em ato contínuo à negativa de compra dos ingressos, servindo de alavanca para o convencimento dos demais servidores.

Com idêntica conclusão, o seguinte excerto do acórdão deste Tribunal, que analisou as condutas no julgamento conjunto dos processos AIJE 2650-41, RP 2649-56 e RP 2651-26:

A exoneração de Nelson manteve “ares” de legalidade, observando os parâmetros atinentes a esse tipo de ato. No contexto amplo da venda de convites orquestrada por ARTUR, a mando de SOSSELLA, os elementos constantes dos autos permitem concluir que dita exoneração foi efetivamente usada para punir o servidor dada sua recusa em comprar o convite, e, via de consequência, intimidar os demais servidores, tendo em conta que ocorreu em momento estratégico, próximo ao ápice do esquema de venda forçada de ingressos para o “churrasco salgado”.

(...)

Descarto, desde logo, a alegação de que tudo não passou de perseguição de alguns servidores, por conta de suposta insatisfação com a implantação, pela administração de então, de medidas austeras, como ponto eletrônico para controle de frequência. Do caderno probatório não transparece essa tese, havendo de se perscrutar se há comprovação sobeja dos fatos narrados na inicial, mormente da alegação de coação, independentemente do número de ingressos vendidos.

Tenho que há provas suficientes da coação.

A estrutura da Assembleia é assim organizada: situada hierarquicamente abaixo da Mesa do Plenário está a Superintendência Geral. A seguir, a ela subordinadas, estão as Superintendências: a Administrativa e Financeira, a de Comunicação Social e de Relações Institucionais e a Legislativa. A estas, respondem Departamentos (como o de Gestão de Pessoas e o de Tecnologia da Informação, que respondem, por sua vez, à instância administrativofinanceira), os quais são titularizados por diretores, seguindo-se Divisões e coordenadores.

Assim é que o Superintendente Geral, ARTUR, com o aval de SOSSELLA, efetivamente exigiu que os demais superintendentes e diretores adquirissem os ingressos, e que também assim o fizessem em relação aos seus comandados, detentores de funções gratificadas, sob a ameaça de sua perda.

A estratégia utilizada por ARTUR consistiu em frisar aos destinatários que, se comparado com o valor anual das gratificações recebidas, o valor nominal do convite era irrisório, dando a entender que suas designações pertenciam à alta administração e, logo, uma vez nomeados e comprometidos com SOSSELLA, deveriam ajudá-lo na arrecadação de fundos – como verdadeira contraprestação às funções ocupadas.

 

A declaração prestada por Artur ao Jornal Zero Hora, por ele confirmada nas reuniões com os servidores que ocupavam funções gratificadas, conforme a uníssona prova testemunhal relatou, só veio a corroborar que a imposição de compra de ingressos e a ameaça de perda de funções gratificadas obedeciam às suas ordens diretas e ao seu controle.

Essa conduta representa, sem dúvida, a exigência de vantagem indevida no exercício da função pública e em razão dela, atraindo o tipo descrito no art. 316 do Código Penal. Na hipótese, Artur Alexandre Souto valeu-se do cargo de Superintendente-Geral do Poder Legislativo para exigir de seus servidores subordinados a compra de um ingresso para a campanha que coordenava, ameaçando-os de que a recusa da compra seria punida com a dispensa da função gratificada que ocupavam.

Assim, embora o louvável esforço defensivo desempenhado pelos advogados durante a instrução processual, com destaque às atuações do Dr. Felipe Antoniazzi e do Dr. Thiago de Goes, concluo pela presença de robustas provas de autoria e de materialidade delitiva relativamente ao réu Artur Alexandre Souto.

De acordo com os autos, à época, a Assembleia Legislativa contava com 189 servidores no exercício de funções gratificadas, sendo que os ingressos estavam sendo oferecidos a cerca de 150 servidores, os quais não possuíam filiação partidária e não eram filiados ao PDT.

A partir dos depoimentos prestados nos autos da presente ação penal, tem-se que a instrução logrou confirmar que Artur cometeu o crime de concussão, ao exigir dos seguintes servidores a compra do convite, mediante ameaça de perda da função gratificada de liderança que ocupavam: Nelson Delavald Júnior, Maria Cristiane Bortolini, Thaís Marina Bitencourt Dalcol, Luciane Picada, Fábio Augusto Bitencourt Ranquetat, Alexandre Heck, Mariana Gonzalez Abascal, Jaqueline Sieg, Patrícia Kolmann Amato e César Ricardo Molina.

Relativamente à autoria do corréu Gilmar Sossella, a acusação invoca a teoria do domínio funcional do fato para afirmar que Gilmar ordenou a Artur a realização dos atos que levaram à prática delitiva, "dando o seu imprescindível consentimento".

Entretanto, o órgão ministerial não logrou produzir prova de que os atos de concussão foram praticados por ordem de Gilmar Sossella.

Em seu interrogatório, Artur revelou ser primo de Gilmar "pois suas mães são irmãs", e disse que trabalham juntos na atividade política há muitos anos. Artur, que é formado em Direito, elegeu-se vereador de Tapejara no mesmo ano em que Sossella tornou-se prefeito, ocasião em que foi seu Secretário Municipal de Administração. Quando da reeleição de Sossella como prefeito, exerceu o cargo de Secretário Municipal da Fazenda.

Artur trabalhou na qualidade de coordenador de campanha à reeleição de Gilmar como prefeito de Tapejara e, a partir de então, coordenou suas campanhas eleitorais ao cargo de deputado estadual em 2006, 2010 e 2014.

Muito embora plenamente estabelecida a relação de confiança e os estreitos laços de parentesco e amizade entre os corréus, considera-se que a mera relação de subordinação existente entre Artur e Sossella, pertinentes às posições de deputado estadual e Presidente do Poder Legislativo, e de coordenador de campanha e Superintendente-Geral do Parlamento, não torna certo que Sossella tenha comandado ou aderido à prática delitiva perpetrada por Artur e agido, portanto, em coautoria.

No caso concreto, o domínio do fato delitivo é elemento de culpabilidade cuja presença deve ser aferida tendo em vista a prova produzida, levando-se em conta o conhecimento dos fatos e a unidade de desígnios e vontades entre os atos praticados por Sossella e Artur.

Mas, no contexto retratado nos autos, apenas pode-se estabelecer que Gilmar Sossella tinha ciência da realização do jantar e da confecção e venda dos convites a servidores. Não há indício algum a apontar que a exigência de compra e as ameaças de perda de funções gratificadas tenham sido efetuadas por Artur a partir de ordem e imprescindível consentimento de Gilmar. Até porque, conforme a prova oral de forma uníssona revelou, a realização de jantares de campanha para eleição de deputados era prática comum na Assembleia Legislativa, mas apenas a Artur foi atribuído o emprego de ameaças de perda de funções gratificadas caso os ingressos não fossem comprados.

Do exame do caderno probatório sobressai, sem sombra de dúvidas, que Gilmar Sossella tinha conhecimento da realização do jantar e venda dos ingressos. Também é inegável que tomara ciência da prática dos atos de concussão realizados por Artur, se não antes e durante a oferta dos convites sob ameaça de perda de funções gratificadas, ao menos após os fatos terem sido divulgados ao público por meio da imprensa, uma vez que a matéria veiculada no Jornal Zero Hora com o título Churrasco Salgado foi publicada com nota explicativa de Artur.

Além do conhecimento inequívoco dos fatos através da mídia, a partir da coleta de depoimentos dos servidores realizada pela Polícia Federal a ciência de Sossella sobre a investigação criminal dos atos praticados por Artur tornou-se inconteste, pois a autoridade policial remetia à Presidência da Assembleia Legislativa do Estado os ofícios requisitando o comparecimento dos servidores para prestarem depoimento.

Também foi enviada à Presidência do Parlamento e, portanto, a Gilmar Sossella, a decisão desta Justiça Eleitoral que determinou o afastamento cautelar de Artur da função de Superintendente-Geral da Assembleia Legislativa devido às notícias de que estaria coagindo testemunhas.

Todo o contexto subjacente aos atos de concussão evidencia que, em algum momento da prática delitiva realizada por Artur, seja antes ou depois de os fatos virem à lume, Gilmar Sossella, ao menos tacitamente, consentiu com as ações realizadas pelo seu Superintendente-Geral e coordenador de campanha, dado que nenhuma providência tomou em direção contrária.

Conforme os réus reconheceram, mesmo estando afastado por ser alvo de investigação policial, e a par das notícias de que teria coagido os servidores a comprarem os ingresso para o jantar, Artur continuou coordenando a campanha para reeleição de Gilmar Sossella.

Além disso, apesar das acusações de que os convites estariam sendo comprados pelos servidores detentores de funções gratificadas devido às ameaças de que seriam dispensados de suas chefias, tal qual o ocorrido com Nelson Delavald Júnior, Gilmar decidiu manter a realização do evento e consentiu com a entrada dos valores arrecadados com o jantar em sua campanha e, por consequência, em sua prestação de contas eleitoral.

Esse manifesto consentimento com os atos criminosos praticados por Artur, na forma de explícita anuência com a forma de arrecadação implementada por seu coordenador de campanha, embora suficiente para a condenação de Gilmar Sossella nas ações cíveis eleitorais, não é o bastante para a comprovação de que detinha o domínio funcional dos fatos na forma proposta pelo órgão acusatório.

A prova dos autos não trouxe elementos a demonstrar que, fora o assentimento de Gilmar, tenha havido ordem sua e, ou, cooperação com os atos de concussão (exigências e ameaças), tudo levando a crer que o sucesso de Artur em realizar o esquema ilícito de venda de ingressos não dependia da vontade ou atuação de Gilmar, dada a autonomia que Gilmar Sossella conferia ao agir de Artur, tanto na administração da Assembleia Legislativa quanto na coordenação de sua campanha eleitoral.

De acordo com a prova produzida, Artur tinha plenos poderes para tomada de decisões de autoridade no desempenho da função de coordenador de campanha e de Superintendente-Geral da Assembleia. Seus atos de liderança não dependiam do aval de Gilmar, pois ambos tinham um objetivo comum, que era o de administrar a Casa Legislativa e alcançar a reeleição ao cargo de deputado estadual.

Esse objetivo comum dos corréus, de obter sucesso no trabalho que desempenhavam em âmbito político, relativo à gestão do Poder Legislativo, e eleitoral, pertinente à vitória da campanha, não torna Gilmar Sossella coautor de eventuais crimes praticados por Artur Alexandre Souto.

A sopesar essa conclusão, anoto que, de acordo com os autos, as dispensas e designações de funções não eram levadas à Presidência da Casa, e sim à Superintendência-Geral. O fato de que Artur falava e atuava em nome de Sossella, e o inegável benefício eleitoral auferido pelo candidato com a venda dos convites, sem elementos a indicar de forma segura a atuação de Sossella na prática delitiva, não conduzem à certeza de coautoria.

Ademais, considerando que o crime de concussão exige prova inequívoca do dolo específico, não é possível concluir, com a segurança necessária a uma condenação criminal, que Sossella tenha agido com dolo direto ou eventual, especificamente no que tange à ciência de que Artur ameaçaria os servidores da Assembleia Legislativa com a perda das funções gratificadas por eles exercidas.

A teoria do domínio funcional do fato, originariamente concebida pelo alemão Hans Welzel, em 1939, e que veio a se tornar internacionalmente conhecida após a publicação da obra Autoria e Domínio do Fato no Direito Penal, pelo jurista Claux Roxin, em 1963, entende como coautores aqueles que, possuindo domínio funcional do fato, desempenham uma participação importante e necessária ao cometimento do ilícito penal.

No entanto, em momento algum referida teoria afasta a necessidade de ser provada a culpabilidade do mandante ou autor mediato. Sua mera posição hierárquica não motiva a condenação, o que seria admitir a responsabilidade objetiva indiscriminada, vedada no Direito Penal.

Na hipótese dos autos, a prova não logrou demonstrar que eventual aval de Sossella tenha sido determinante para que os convites fossem oferecidos aos servidores na forma de ameaças. Sua participação, na qualidade de coautor do delito, enquanto colaborador e titular no intento comum para a prática de concussão, não restou devidamente comprovada para além da mera existência de hierarquia que detinha em relação a Artur.

Ademais, todos os servidores foram uníssonos em atribuir os atos de oferecimento dos convites, exigência de compra, entrega do dinheiro e ameaça de perda da função gratificada a Artur, direta ou indiretamente, por meio dos superintendentes, diretores e Chefe de Gabinete de Gilmar.

Com a reunião convocada por Artur, logo após as declarações prestadas à imprensa dando conta da exigência de entrega, ficou claro que os ingressos distribuídos aos servidores estavam sendo oferecidos por Artur, na forma de imposição e mediante ameaça de perda das funções.

Embora o jantar servisse ao propósito de angariamento de recursos para a reeleição de Gilmar Sossella, nada há a apontar que tenha o réu, de alguma forma, praticado a conduta típica ou contribuído de forma determinante para o sucesso da empreitada criminosa.

Portanto, assiste razão à defesa ao afirmar que a prova dos autos não logrou demonstrar de forma suficiente a autoria imputada a Gilmar Sossella. Conforme entende o STF, não há óbice a que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal. Contudo, para a condenação, é necessário que, além disso, a acusação aponte indícios convergentes no sentido de que o réu não só teve conhecimento do crime, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados.

Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior (STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6.12.2016 - Info 850).

Mesmo considerando que a omissão de Gilmar em demonstrar discordância com os atos praticados por Artur após ser deflagrada a investigação policial tenha, de certo modo, chancelado o consentimento com os crimes praticados, ainda assim essa circunstância não revela a fração indispensável de eventual ato executório praticado por Gilmar, mormente porque, tratando-se de crime formal, a anuência de Gilmar após a prática do crime não representa forma de coautoria nem de adesão ao ato delituoso enquanto participação.

Considero que os indícios aproveitados pelo Ministério Público Eleitoral são inconsistentes e insuficientes para compor conjunto probatório de que o acusado tivesse conhecimento da prática ilícita ou deferido ordens para que o crime de concussão fosse perpetrado.

Na visão garantista do Direito Penal, tenho que a condenação de réu pela prática de um delito exige certeza processual do ocorrido, cabendo à acusação a prova, para além de dúvida razoável, das acusações formuladas na denúncia, não se admitindo a condenação por presunção ou suspeita.

Com esse entendimento o elucidativo precedente do Supremo Tribunal Federal:

"HABEAS CORPUS" - CRIME DE DESCAMINHO NA SUA FORMA TENTADA (CP, ART. 334, “CAPUT”, C/C O ART. 14, II) - RESPONSABILIDADE PENAL DOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI, AO PACIENTE (SÓCIO), COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO QUE O VINCULE, COM APOIO EM DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO, ESTENDENDO-SE, DE OFÍCIO, POR IDENTIDADE DE SITUAÇÕES, OS EFEITOS DA DECISÃO CONCESSIVA DE “HABEAS CORPUS” AOS DEMAIS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS. PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado “reato societario”, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do “due process of law” (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA. - A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se, ao acusador, como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes. CRIME DE DESCAMINHO - PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AO PACIENTE, SÓCIO-ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS DELITUOSOS - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da condição de sócio ou de administrador de sociedade empresária, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. - A circunstância objetiva de alguém ser meramente sócio ou de exercer cargo de direção ou de administração em sociedade empresária não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. - Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (“nullum crimen sine culpa”), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do “versari in re illicita”, banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes. - Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (“essentialia delicti”) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.

(HC 88875, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07.12.2010, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 09.03.2012 PUBLIC 12.03.2012.)

 

Nesses termos, destacando o profícuo e judicioso trabalho desempenhado pela defesa encampada pelo ilustre Dr. Joel Cândido e pela Dra. Caroline Ferreira, concluo, à míngua de demais elementos de convicção, que, em relação a Gilmar Sossella, a prova da autoria é inconclusiva e insuficiente para sustentar eventual decreto condenatório, impondo-se a sua absolvição por falta de provas, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Dessa forma, relativamente ao réu Artur Alexandre Souto, estão caracterizados os elementos constitutivos do tipo penal previstos no art. 316, caput, do Código Penal, quais sejam, a exigência, pelo acusado, de vantagem indevida em razão da função ocupada.

 

 

b) Acusação da prática de falsidade ideológica documental (art. 350 do Código Eleitoral)

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

 

Conforme leciona Suzana de Camargo Gomes no pertinente às classificações relativas ao tipo, trata-se de crime comum, doloso, omissivo ou comissivo, de maior potencial ofensivo (não sujeito aos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95) e gerador de inelegibilidade. Ainda, é crime formal, pois não exige, tanto na forma comissiva como omissiva, resultado ulterior para sua consumação (Crimes Eleitorais. São Paulo: RT, 3.ed., 2008, p. 341-343).

O bem jurídico tutelado é a fé pública eleitoral, que deve ser abalada de forma relevante, ou seja, a potencialidade lesiva da conduta praticada - deduzida dos fatos descritos à luz das provas carreadas - deve ser aferida no caso concreto.

Segundo a Procuradoria Regional Eleitoral, os recibos eleitorais referentes à venda de convites para o jantar de campanha à reeleição de Gilmar Sossella como deputado estadual teriam sido assinados pelos servidores sob ameaça de perda das funções gratificadas.

Alega-se que, em razão disso, tais documentos guardariam em si o vício da falsidade ideológica, uma vez que simulariam a prática de doação em dinheiro de pessoas físicas à campanha eleitoral. O principal argumento é o de que os doadores não teriam praticado transmissão espontânea de recursos, tendo o réu inserido informações falsas em sua prestação de contas da campanha eleitoral de 2014, consistente na juntada de recibos eleitorais que simulam a prática de doação em dinheiro, pois teriam sido firmados com vício de vontade do doador, caracterizando-se o fato como uma inserção de dado falso na prestação de contas de campanha. Com esse sentido o seguinte excerto da denúncia (fl. 491v.):

GILMAR SOSSELLA, na condição de responsável pelos dados apresentados em sua prestação de contas, fez inserir informações falsas em sua prestação de contas eleitorais referente à sua campanha eleitoral do ano de 2014, para o cargo de Deputado Estadual do Rio Grande do Sul, consistente na apresentação de recibos eleitorais que simulam a prática de doação em dinheiro. Assim agindo o denunciado, de forma livre e consciente, fez incidir o tipo penal do artigo 350 do Código Eleitoral em sua conduta.

A par da conclusão de que o delito formal de concussão foi efetivamente praticado pelo réu Artur, circunstância que torna duvidosa a espontaneidade das aquisições dos 23 convites, pelos 19 servidores que efetivamente os compraram, não há como considerar, de plano, que a motivação foram as ameaças de perda da função.

A cópia dos respectivos recibos eleitorais apresentados na prestação de contas de campanha foi juntada no volume 11 do apenso destes autos.

Para verificar a ocorrência de falsidade ideológica documental na simulação de doação eleitoral que o réu Gilmar Sossella teria praticado, é imprescindível que seja examinada a declaração de vontade dos servidores que compraram os ingressos e assinaram os recibos eleitorais de doação para a campanha.

Conforme referido, a instrução logrou demonstrar terem sido vendidos 23 convites a 19 servidores com função gratificada, na Assembleia Legislativa do RS, no valor total de R$ 57.500,00.

Relativamente a essa acusação, a defesa produziu prova sólida de que diversos servidores adquiriram voluntariamente os ingressos para contribuir com a campanha de Sossella, sendo que a maior parte das testemunhas de acusação reconheceu não ter efetuado a compra na convicção de que a exigência de aquisição e a ameaça de perda de funções gratificada se tratava de uma prática ilícita.

Em verdade, embora a existência de fortes indícios de que o número seja maior, a instrução logrou demonstrar que, dos servidores que reconheceram terem sido coagidos, apenas um seguramente comprou o convite do jantar devido à ameaça de perda da função gratificada: Abramo Lui de Barros.

Abramo admitiu, em juízo, ter comprado o ingresso por receio de perder a função gratificada que ocupava, merecendo transcrição o seguinte excerto de seu depoimento, extraído das alegações finais ministeriais (fl. 1180):

Abramo Lui de Barros, servidor da Assembleia Legislativa, arrolado como testemunha pela acusação, disse na época era coordenador em substituição, detentor de função gratificada cujo valor girava em torno de R$ 5.000,00. Afirmou que seu diretor, Cristiano disse que havia recebido uns convites do ARTUR e perguntou se queria participar do jantar e, ao saber que o valor seria de R$ 2.500,00, respondeu negativamente. Passado alguns dias, Cristiano lhe perguntou se não gostaria de dividir o valor de uma entrada com seus colegas Henrique e Paulo, detentores de função comissionada, tendo então concordado em contribuir dessa forma, sendo que o convite foi preenchido em seu nome. Asseverou que os convites só foram oferecidos aos detentores de função gratificada que eram filiados ao PDT ou que não possuíam filiação alguma. Disse que se sentiu moralmente obrigado a contribuir “pois estavam lhe fazendo um favor dando a função, já que não era filiado ao PDT e a função dobrava o salário”. Disse que esse tipo de convite para jantar era comum no âmbito da Assembleia, mas que os valores giravam em torno de R$ 500,00.

 

Embora o servidor Henrique não tenha sido ouvido em juízo, no volume 11 do apenso a estes autos consta o recibo eleitoral assinado por Abramo, no valor de R$ 2.500,00, referente à aquisição de um ingresso do jantar para a eleição de Gilmar Sossella (fl. 8).

O ingresso foi adquirido por Abramo devido à imposição realizada por Artur, por meio das ameaças de perda da função gratificada, conforme reconheceu o servidor em seu testemunho.

Tem-se, portanto, que o recibo de doação para campanha eleitoral, firmado por Abramo, representa o resultado naturalístico do ato de concussão praticado pelo Superintendente-Geral Artur Alexandre Souto, uma vez que o doador não realizou a transferência do seu valor de forma espontânea, mas devido à consumação do crime anterior.

Conforme referido alhures, embora a incerteza de que Sossella tenha praticado os atos de concussão em coautoria com Artur, é certo que, no curso das investigações, teve pleno conhecimento sobre a forma com que alguns dos convites para o jantar de sua campanha estavam sendo adquiridos.

Antes da realização do jantar, foi pública e notória a notícia de que os servidores da Assembleia Legislativa do Estado estavam sendo coagidos a comprar o ingresso, e que a Polícia Federal passou a requisitar, diretamente à Presidência do Legislativo Estadual, o comparecimento dos envolvidos para prestarem depoimentos nos autos do inquérito policial instaurado com vistas a apurar as práticas delitivas.

Não há dúvidas de que o réu manteve a realização do evento e a posse dos valores arrecadados com a venda dos ingressos, tendo pleno conhecimento de que ao menos parte dos servidores tinham sido compelidos a comprá-los. Assim agindo, tudo leva a crer que Gilmar Sossella consentiu que os recibos eleitorais referentes ao evento integrassem a prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral.

No entanto, no que tange ao delito de falsidade ideológica eleitoral, o elemento subjetivo do tipo, relativo ao dolo específico concernente à vontade consciente dirigida à falsificação de documento para obter vantagens eleitorais, não restou comprovado.

Na hipótese, a acusação não demonstrou de forma suficientemente segura que o réu tinha consciência de que o valor relativo ao recibo de doação eleitoral firmado por Abramo Lui de Barros, devido à compra do convite de R$ 2.500 para o jantar, o qual foi declarado como doação na prestação de contas de campanha, foi desembolsado pelo servidor de forma não espontânea.

De acordo com a instrução, alguns servidores compraram o convite voluntariamente, enquanto outros o compraram, individual ou coletivamente, por temor de perda da função gratificada, havendo ainda aqueles que recusaram a compra, sujeitando-se à perda da FG, tal como ocorrido com o servidor Nelson Delavald Júnior.

Para obter sucesso no pleito acusatório, deveria o órgão ministerial demonstrar que, em relação aos servidores que compraram os convites devido às ameaças, houve dolo do candidato em inserir a doação como um dado falso na sua prestação de contas de campanha a fim de atingir o bem jurídico tutelado pela norma, que é a fé pública eleitoral.

Conforme entende o Tribunal Superior Eleitoral, para a caracterização do delito é preciso estar demonstrada a consciência da falsidade ideológica, a qual não se pode presumir:

 

RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. CONSCIÊNCIA DA FALSIDADE IDEOLÓGICA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não se pode presumir a consciência da falsidade e sem esta consciência não há falsidade ideológica.

2. Recurso especial a que se nega provimento.

(TSE, REspe n. 25.918, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJE 01.02.2010.)

O dolo exigido para a caracterização do tipo penal previsto no art. 350 do Código Eleitoral consubstancia-se na vontade e na consciência de inserir informação falsa em documento público para fins eleitorais.

Para a caracterização do delito, além da configuração do elemento cognitivo do dolo, que é a consciência da ilicitude, faz-se necessária também a demonstração do elemento volitivo, que diz respeito à vontade de agir para alterar a veracidade do documento, com fins eleitorais, o que não se afigura presente na prova carreada aos autos.

Com esse entendimento os seguintes precedentes:

 

EMENTA INQUÉRITO. DENÚNCIA. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. DENUNCIADO QUE SUBSCREVEU NOVA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM SUBSTITUIÇÃO A DOCUMENTO ANTERIORMENTE APRESENTADO PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, AO INVÉS DE PROVIDENCIAR SUA RETIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ERRO DE PROIBIÇÃO IGUALMENTE VERIFICADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA REJEITADA. 1. Para que ocorra o crime, o sujeito ativo deve estar consciente de que está praticando o falso ideológico, segundo a descrição da norma. O elemento subjetivo está na intenção livre de falsificar, com perfeita noção da reprovabilidade do ato. 2. Interpretou o denunciado a norma proibitiva que concerne diretamente ao fato, tomando seu comportamento como permitido e aprovado pelo Direito, em evidente ocorrência de erro de proibição (CP, art. 21). 3. Denúncia rejeitada.

(STF, Inq 2559, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 18.08.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10.02.2012 PUBLIC 13.02.2012.)

 

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO E INSERÇÃO DE DECLARAÇÃO FALSA PARA FINS ELEITORAIS. ARTS. 348 E 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. VOTO MINORITÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Para se estabelecer a condenação penal por afronta aos arts. 348 e 350 do Código Eleitoral, exige-se que a acusação comprove que o réu falsificou ou usou documentos falsos, conscientes da existência de tal falsidade, com propósito eleitoral.

2. Acaso não haja a prova da falsificação ou do uso pelo próprio recorrido, caberia aos acusadores demonstrarem que tal pessoa detinha consciência da falsidade e auxiliou, instigou ou determinou que outras pessoas utilizassem tais documentos.

3. Quando a Corte Regional assenta a inexistência de provas que conectem o acusado às falsificações perpetradas perante o cartório eleitoral, a modificação desse entendimento demanda nova incursão na matéria fático-probatória, o que é inadmissível em sede de recurso especial, consoante Súmulas nº 24/TSE e nº 279/STF.

4. As transcrições contidas no voto vencido são aptas para se reconhecer o prequestionamento. Contudo, a conclusão sobre as provas havidas pela minoria não representa o posicionamento do Tribunal Regional e somente poderá ser utilizada se não colidir com o voto vencedor.

5. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 160773, Acórdão de 07.02.2017, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 40, Data 24.02.2017, Página 58.)

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO QUE TORNOU SEM EFEITO PRONUNCIAMENTO ANTERIOR - REVELIA DECRETADA SEM QUE TIVESSE SIDO OPORTUNIZADO O BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - IMPROVIMENTO DO RECURSO.

O recurso ataca decisão que tornou sem efeito pronunciamento anterior que havia decretado a revelia do acusado, apesar de constarem certidões denotando que possui bons antecedentes e não ter sido realizada audiência para a proposta de suspensão condicional do processo, embora constasse requerimento neste sentido na denúncia.

O acusado não poderia ter tido decretada a sua revelia, haja vista não lhe ter sido oportunizada a suspensão condicional do processo oferecida pelo Ministério Público Eleitoral, benefício que constitui verdadeiro direito subjetivo do acusado que preenche os requisitos legais.

Ademais, a falta de intimação para se manifestar sobre a proposta de suspensão condicional do processo caracteriza nulidade absoluta, e não apenas relativa, podendo, pois, ser argüida a qualquer tempo, prescindindo da demonstração do prejuízo, conforme precedentes das Cortes Superiores.

Recurso improvido.

(TRE-RJ, RECURSO ELEITORAL n. 7024, Acórdão n. 7024 de 10.01.2008, Relator MAGNUS AUGUSTO COSTA DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 24.01.2008, Página 01/02.)

 

Embora a instrução tenha demonstrado que Gilmar Sossella conhecia os atos de coação, anteriores ou posteriores à prática de concussão, não há elementos suficientes para comprovar que o réu tinha a consciência de qual ou quais servidores adquiriram ingressos sem a liberalidade necessária ao ato de doação.

Da prova oral produzida, tem-se que diversos servidores recusaram o ingresso, os quais foram devolvidos diretamente a Artur Alexandre Souto. Além disso, as testemunhas foram uníssonas ao referir que, após a divulgação dos atos na imprensa, e início das investigações pela Polícia Federal, ocorrida antes da realização do jantar, a pressão para a compra de ingressos foi interrompida.

Assim, não há como presumir que o réu conhecia quem exatamente realizou a compra dos ingressos de forma não espontânea, e muito menos que intencionalmente declarou eventual doação na prestação de contas com o intuito de inserir dados falsos para atentar contra a fé pública eleitoral.

Com essas considerações, devido à ausência de provas do elemento subjetivo necessário à caracterização do delito, impõe-se a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

c) Acusação de prática de propaganda eleitoral no dia da eleição – art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

O delito de propaganda no dia do pleito fundamenta-se na acusação de que Gilmar Sossella teria enviado aproximadamente 11 mil mensagens de texto a eleitores, na véspera, e no próprio dia da eleição. Transcrevo o seguinte excerto da denúncia:

GILMAR SOSSELLA, no dia 05/09/2014 (domingo, data do pleito eleitoral) enviou 4.989 (quatro mil novecentos e oitenta e nove) torpedos do celular funcional de prefixo 51- 9864-0485, o qual tinha/tem a posse em razão de seu cargo de Deputado Estadual, sendo que 4.987 foram enviados até às 15h54min. Logo, GILMAR SOSSELLA, candidato à reeleição ao cargo de Deputado Estadual do Rio Grande do Sul, utilizou o seu celular funcional (51-9864-0485) para divulgar propaganda eleitoral, em benefício próprio e da coligação partidária pela qual concorria. Assim agindo, o denunciado, de forma livre e consciente, fez incidir, em concurso formal, referente apenas ao dia da eleição, com o crime descrito no artigo 346 c/c o artigo 377 do Código Eleitoral, em sua conduta, o crime descrito no artigo 39, § 5º, inciso III, da Lei 9.504/97.

O conteúdo dos torpedos restou demonstrado pelo Ofício (Of. MPC/TCE nº 119/2014) encaminhado pelo Procurador Geral do Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul a esta Procuradoria Regional Eleitoral (informações que estão colacionadas no Procedimento Preparatório Eleitoral nº 1.04.100.000226/2014-91 ). O inteiro teor da mensagem eleitoral restou transcrito no ofício: “Gente Amiga do RS. Nestes 08 anos trabalhamos com muita determinacao em varias acoes que resultaram muitas conquistas em favor dos(as) Gauchos(as). Sabemos que muito ha por fazer. Neste sentido solicitamos seu apoio e seu voto nas eleicoes de 05 de Outubro a mais conquistas para você e ao RGS. Grande abraco e contem sempre conosco. Sossella. 12333”

A defesa argumenta que o fato é atípico, sustentando que a mensagem "se restringiu e se circunscreveu, exclusivamente, ao conhecimento dos destinatários da 'SMS', e a ninguém mais. Falta-lhe, portanto, o elemento principal que integra o conceito de propaganda eleitoral, que é a 'publicidade' ou 'universalidade' de que deve se revestir o pedido de voto".

Além disso, alega que a mensagem não foi divulgada de forma geral, e compara o fato com os textos veiculados pelo Twitter, Whatsapp e Facebook.

A alegação de atipicidade delitiva foi afastada pelo acórdão que recebeu parcialmente a denúncia, nos seguintes termos:

Com relação ao tipo penal e à alegação de que o fato seria análogo à publicação de propaganda eleitoral em rede social, sobreleva referir o entendimento do TSE no sentido de que é típico, para fins de apuração do delito previsto no art. 39, § 5º, III, da Lei das Eleições, o envio de mensagens de texto, em aparelhos telefônicos, via SMS, no dia do pleito:

Habeas corpus. Ação Penal. Art. 39, § 5º, III, da Lei nº 9.504/97. Trancamento. Atipicidade. Indícios. Impossibilidade. 1. É intempestivo o recurso ordinário em habeas corpus interposto após o tríduo legal. Todavia, é possível a análise das questões expostas no apelo, em face da possibilidade de concessão de ofício do habeas corpus, por flagrante ilegalidade ou abuso de poder. Precedentes do TSE e do STJ. 2. A aceitação da transação penal não prejudica a impetração de habeas corpus que pretende o trancamento de ação penal, por atipicidade. Precedentes do STJ e do STF. 3. O trancamento de ação penal na via do habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando se constata, de plano, a imputação de fato atípico, a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade. 4. Não constitui fato evidentemente atípico, para fins de apuração do delito previsto no art. 39, § 5º, III, da Lei das Eleições, o envio de mensagens de texto, em aparelhos telefônicos, via SMS, no dia da eleição. Recurso não conhecido.

(TSE - RHC: 2797 SP, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 17.09.2013.)

Acrescento que a alegação de atipicidade delitiva do crime de realização de propaganda eleitoral no dia da eleição, mediante uso de aparelho de telefone celular e mensagens SMS, foi expressamente afastada pelo TSE quando do julgamento do RESPE n. 699-59:

No caso concreto, o suposto crime cometido teria sido perpetrado, no dia das eleições de 2012, através de envio de propaganda eleitoral através de mensagens de texto via telefone celular ("SMS" ). Não cabe neste recurso especial examinar a fundo se os fatos narrados caracterizam ou não algum crime em concreto. O âmbito de cognição se restringe a verificar se a conduta narrada pode, ao menos em tese, ser considerada típica.

De plano já se verifica que a conduta não pode ser enquadrada no inciso II do artigo 39, §5º. Arregimentação não houve.

De acordo com o dicionário Houaiss, arregimentar significa "organizar em regimento militar; ordenar, formar (um corpo de tropas)" ou "reunir(-se) em partido, associação ou grupo; alinhar(-se)" . O verbo, portanto, não comporta a ação de enviar mensagens, ainda que voltadas a atrair eleitores. Tampouco houve " de " .

De acordo com o Houaiss, "boca de urna" é a "área próxima de local de votação" ou a "propaganda eleitoral realizada no dia da eleição, junto aos locais de votação" . O inciso III do artigo 39, § 5º, porém, veicula previsão bem mais ampla, criminalizando "a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos" .

Conforme José Jairo Gomes, "devido à amplitude, esse dispositivo torna irrelevante o inciso I e a parte final do inciso II (de), já que a previsão neles contidas são formas de propaganda, portanto mera especificação do gênero" (Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. fl. 226).

 

É bem verdade que, desde o advento da Lei n° 12.034/2009, está prevista a possibilidade de veiculação de propaganda eleitoral durante a campanha eleitoral pela internet. Com efeito, essa lei incluiu o artigo 57-B na Lei n° 9.504/97, que restou assim redigido:

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas: (Incluído pela Lei n° 12.034 de 2009)

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado a Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País (Incluído pela Lei n° 12.034. de 2009)

II - em sitio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País; (Incluído pela Lei n° 12.034 de 2009)

III - por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação; (Incluído pela Lei n° 12.034. de 2009) IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural.

Ademais, não se aplica à propaganda eleitoral na internet a limitação temporal geral prevista no art. 240 do Código Eleitoral, que suspende os atos de propaganda nas 48 horas anteriores ao pleito, nos termos do art. 7º da Lei 12.034/2009:

Art. 7º Não se aplica a vedação constante do parágrafo único do art. 240 da Lei n° 4.737, de 15 de iulho de 1965 - Código Eleitoral, à propaganda eleitoral veiculada gratuitamente na internet, no sitio eleitoral, blog, sítio interativo ou social, ou outros meios eletrônicos de comunicação do candidato, ou no sitio do partido ou coligação, nas formas previstas no art. 57-B da Lei n° 9.504. de 30 de setembro de 1997. 
Essas regras, entretanto, não tratam da divulgação de propaganda pela internet, mas de envio de mensagens de texto entre aparelhos telefônicos. Significa dizer que, não havendo uma regra excepcional que autorize - como ocorre com a internet - o envio de mensagens de texto via telefone celular, a conduta, em princípio, mostra-se abrangida pela proibição do artigo 39 , § 5º, III, da Lei das Eleições.

Aliás, o artigo 57-G da mesma Lei das Eleições parece indicar o contrário, quando estatui que "as mensagens eletrônicas enviadas por candidato, partido ou coligação, por qualquer meio, deverão dispor de mecanismo que permita seu descadastramento pelo destinatário, obrigado o remetente a providenciá-lo no prazo de quarenta e oito horas"

A propósito, destaco, por fim, que este Tribunal Superior Eleitoral já considerou possível, teoricamente, que o envio de mensagens de texto por telefones celulares (SMS), no dia da eleição, caracterize o delito do artigo 39, § 5º, III, da Lei das Eleições. Confira-se a ementa do julgado:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ART. 39, § 5º, III, DA LEI Nº 9.504/97. TRANCAMENTO. ATIPICIDADE. INDÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É intempestivo o recurso ordinário em habeas corpus interposto após o tríduo legal. Todavia, é possível a análise das questões expostas no apelo, em face da possibilidade de concessão de ofício do habeas corpus, por flagrante ilegalidade ou abuso de poder. Precedentes do TSE e do STJ. 2. A aceitação da transação penal não prejudica a impetração de habeas corpus que pretende o trancamento de ação penal, por atipicidade. Precedentes do STJ e do STF.
3. O trancamento de ação penal na via do habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando se constata, de plano, a imputação de fato atípico, a ausência de indícios de autoria e de materialidade do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade.

4. Não constitui fato evidentemente atípico, para fins de apuração do delito previsto no art. 39, § 5º, III, da Lei das Eleições, o envio de mensagens de texto, em aparelhos telefônicos, via SMS, no dia da eleição.

Recurso não conhecido.

(RHC n. 2797, Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE 17.09.2013; sem grifos no original.)

Assim sendo, é viável, ao menos em tese, considerar que o envio de mensagens de texto via celular ("sms" ) no dia das eleições configure o crime de divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, previsto no artigo 39, §5º, III, da Lei nº 9.504/97.

(TSE, AI - Agravo de Instrumento n. 69959, Decisão monocrática de 13.4.2015,Relatora: Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 17.04.2015 - Página 22-26.)

Igualmente, colaciono o seguinte acórdão de Tribunal Regional Eleitoral, que negou habeas corpus com pedido de trancamento de ação penal, devido ao afastamento da alegação de que o envio, via telefone, de mensagem de propaganda eleitoral, no dia da eleição, seria conduta atípica:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. IMPUTAÇÃO À PACIENTE DA PRÁTICA DOS CRIMES ELEITORAIS DESCRITOS NO ART. 39, § 5º, INCISOS II E III, DA LEI 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRETENSÃO À INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. Paciente denunciada pela prática, em tese, dos crimes descritos no Art. 39, § 5º, incisos II e III, da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei 9.504, Lei Eleitoral ou Lei das Eleições), em concurso formal. Código Penal (CP), Art. 70. Hipótese em que a Paciente enviou, no dia do pleito, por meio do aplicativo WhatsApp Messenger, propaganda eleitoral (nomes dos candidatos e respectivos números) com pedido expresso de votos.

2. Habeas corpus cujo pedido visa ao trancamento de ação penal sob o fundamento da incidência do princípio da consunção e da atipicidade da conduta.

3. Somente é possível a análise da consunção, em habeas corpus, quando "a discussão seja eminentemente jurídica, prescindindo do exame aprofundado de provas." (STF, HC 84702.) Hipótese em que o exame da ocorrência, ou não, da consunção, demanda o "exame aprofundado de provas" (STF, HC 84702), dado que é necessário apreciar não apenas a mensagem enviada pela Paciente, mas, também, o depoimento das testemunhas arroladas pelo Ministério Público Eleitoral (MPE).

4. O TSE, em caso virtualmente idêntico ao presente, no qual "o paciente, vereador do Município de Palmital/SP, enviou, 'no dia da eleição, 112 mensagens - SMS, com os seguintes dizeres: 'Bom dia, hoje é dia de 13.123 Confirma Abraço''", decidiu que "não constitui fato evidentemente atípico, para fins de apuração do delito previsto no art. 39, § 5º, III, da Lei das Eleições, o envio de mensagens de texto, em aparelhos telefônicos, via SMS, no dia da eleição." (TSE, RHC nº 2797.)

5. Ordem de habeas corpus denegada.

(HABEAS CORPUS n. 391696, Acórdão n. 15431/2014 de 01.12.2014, Relator LEÃO APARECIDO ALVES, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 269, Data 3.12.2014, Página 2/3.)

Anoto que os precedentes trazidos pela defesa em suas alegações finais não se prestam a amparar a alegação de atipicidade, pois não tratam do delito tipificado no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Assentada, portanto, a tipicidade delitiva, assinalo que a alegação de ausência de publicidade ou universalidade do conteúdo da mensagem, e seu valor enquanto propaganda eleitoral, é matéria atinente à materialidade delitiva, que exige análise de mérito das provas produzidas.

No entanto, conforme invocado pela defesa, aplica-se ao caso o enunciado da Súmula 337 do STJ, pois a pena aplicada ao delito prevê o oferecimento de transação ou suspensão condicional do processo em caso de procedência parcial da pretensão punitiva: "É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva".

Assim, considerando a pena imputada ao delito, pode o réu beneficiar-se dos institutos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95.

Nesses termos, o julgamento da prática do delito tipificado no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, atribuído ao réu Gilmar Sossella, deve ser convertido em diligência, e os autos remetidos ao Ministério Público Eleitoral para verificação da viabilidade de aplicação dos institutos previstos nos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95, com designação da audiência após a vista ministerial.

 

DOSIMETRIA DA PENA FIXADA AO RÉU ARTUR ALEXANDRE SOUTO

Passo à dosimetria da pena fixada ao réu Artur Alexandre Souto, considerando que o preceito secundário do tipo previsto no art. 316 do Código Penal prevê 02 a 08 anos de reclusão e multa, cuja escala penal varia de 10 a 360 dias-multa:

Relativamente às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a culpabilidade do acusado merece maior reprovabilidade, tendo em conta que, bacharel em Direito, realizou o delito premeditadamente e reiterou a atuação criminosa por meio de reuniões realizadas com os servidores, na firme posição de violar a lei, havendo a comprovação de exaurimento do delito ao menos quanto a um servidor, que forneceu a vantagem indevida em razão da prática de concussão, merecendo, portanto, maior grau de censurabilidade, acima do mínimo.

O réu não regista antecedentes criminais e, da mesma forma, não há nada em desabono à personalidade e conduta social. Os motivos do crime são inerentes à espécie e não apresentam quaisquer elementos a ensejar uma maior censura penal.

As circunstâncias do crime também são desfavoráveis ao réu, pois valeu-se da superioridade hierárquica do alto cargo que ocupava, de Superintendente-Geral, para praticar o crime em relação aos subordinados, tendo inclusive exonerado um servidor da função gratificada que ocupava, com o único propósito de reforçar a prática delitiva por meio do temor generalizado de perda de funções gratificadas, pois detinha o poder de designá-las e dispensá-las, ficando os servidores à mercê de agente público praticando ilegalidades.

As consequências do crime igualmente merecem maior reprimenda, ressaltando-se o grave prejuízo para a imagem do Poder Legislativo Estadual e para a Administração Pública como um todo, especialmente devido à declaração prestada pelo acusado à imprensa reputando legítima a exigência de valores de servidores públicos pelo simples fato de ocuparem funções gratificadas, tendo realizado o delito dentro das dependências do Parlamento. O descrédito que esse tipo de ato gera nos servidores e cidadãos de um modo geral não pode ser mensurado, dada a atuação do acusado com menosprezo ao cargo público que ocupava, sendo em tudo contrária à missão institucional do órgão a que servia, com evidente desrespeito e descaso pela Administração Pública.

Por fim, o comportamento da vítima não interferiu na conduta delitiva.

Tendo em conta a existência de três circunstâncias desfavoráveis, aplico a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesta etapa da dosimetria, seja realizado um termo médio de culpabilidade, a partir da metade da soma das penas máxima e mínima abstratamente cominadas para o tipo penal, com posterior diminuição, desse termo médio, da pena mínima abstratamente prevista, a fim de que, pela divisão do resultado pelo número de circunstâncias judiciais, que são oito, em partes iguais, "seja alcançado o peso idêntico para cada uma das vetoriais" (cf. ACR n. 2007, da Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rel. Des. Néfi Cordeiro, publicado em 22.06.2005).

Nesse sentido, e considerando as penas cominadas abstratamente para o tipo de concussão, 02 (dois) a 08 (oito) anos, acha-se o peso de 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias para cada circunstância judicial. Como foram encontradas três circunstâncias judiciais desfavoráveis, a PENA-BASE resta fixada em 03 (anos) anos, 01 (mês) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, que torno definitiva em face da ausência de agravantes, atenuantes, bem como de causas de aumento ou diminuição.

Guardando a proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade, e tendo em vista a condição econômica do acusado, que atualmente exerce a função de chefe do gabinete do corréu, Deputado Sossella, fixo a pena de multa em 15 (quinze) dias-multa, ao valor unitário de 1 (um) salário mínimo vigente ao tempo do fato, corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento.

FIXO A PENA DEFINITIVA em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

A multa deverá ser recolhida em favor do Fundo Penitenciário, dentro dos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da condenação, conforme o art. 50 do Código Penal.

Não havendo pagamento voluntário, após a intimação para tal, no prazo de que trata o art. 50, extraia-se certidão, encaminhando-se para adoção das medidas cabíveis quanto à cobrança, nos termos do art. 51 do Código Penal.

Na imposição do regime prisional "devem ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrarem a gravidade concreta do crime, poderão ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena" (STJ, HC 266.114/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24.03.2015, DJe 06.04.2015).

Nesse contexto, demonstradas as peculiaridades específicas do delito praticado, admissível a aplicação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum da reprimenda imposta ao réu, razão pela qual fixo o regime inicial de cumprimento semiaberto, tendo em conta o disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal, dado que a pena-base restou estabelecida acima do mínimo legal, e porque consideradas, no caso concreto, três circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu. Nesse sentido os precedentes do STJ: HC 350.518/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17.05.2016, DJe 24.05.2016, e HC 354.470/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02.06.2016, DJe 16.06.2016.

Deixo de determinar a substituição da pena, nos termos do art. 44, inc. III, do Código Penal, uma vez que a culpabilidade e as circunstâncias demonstram que tal benefício não é indicado e não se mostra suficiente para a repreensão e prevenção do presente delito, na esteira do entendimento contido no seguinte precedente:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

CRIME DE CONCUSSÃO (ART. 316 DO CP). SUBSTITUIÇÃO DA PENA.

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Esta Corte Superior posicionou-se de forma clara, adequada e suficiente ao concluir que, em razão da presença de circunstância judicial desfavorável (culpabilidade), não há o requisito subjetivo exigido pelo art. 44 do CP, de modo que não pode ser concedida a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que tal benefício não é indicado e não se mostra suficiente para a repressão e prevenção do presente delito, nos termos do art. 44, inciso III, do Código Penal.

2. Não há qualquer contrariedade dos artigos 33 e 44 do CP ao se fixar o regime aberto e negar a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Precedentes.

3. Por meio dos aclaratórios, é nítida a pretensão da parte embargante em provocar o rejulgamento da causa, situação que, na inexistência das hipóteses previstas no art. 619 do CPP, não é compatível com o recurso protocolado.

4. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ, EDcl no AgInt no REsp 1566371/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23.08.2016, DJe 29.08.2016.)

 

PROMOÇÃO MINISTERIAL PELA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Relativamente à promoção ministerial pela execução imediata da pena, consigno minha convicção no sentido de que o princípio da inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal impede a antecipação do juízo condenatório, com o reconhecimento da culpabilidade do réu antes do trânsito em julgado da condenação.

Todavia, recentemente, em regime de repercussão geral reconhecida pelas duas Turmas, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a decisão proferida no HC 126292/SP (Info 814), no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete a presunção de inocência (Plenário virtual. ARE 964246 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10.11.2016).

Pela sistemática da repercussão geral, fixada a tese pelo Supremo, as instâncias anteriores aplicam o entendimento do Tribunal aos demais casos que tratem sobre tema com repercussão geral reconhecida.

Além disso, no julgamento das medidas cautelares requeridas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, que visam definir o alcance e o âmbito de incidência dos princípios da presunção de inocência e da ampla defesa, realizado em 5.10.2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu que o art. 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após a condenação em segunda instância e indeferiu as liminares pleiteadas.

O principal argumento a favor dessa orientação jurisprudencial é a busca da garantia de efetividade do Direito Penal e dos bens jurídicos por ele tutelados.

Quanto às ações penais originárias, decididas em primeira instância pelos tribunais, o STF, em recente decisão prolatada pelo Ministro Luiz Fux no Habeas Corpus 140213, assentou que o argumento da ausência de duplo grau de jurisdição não impede o cumprimento imediato da pena aplicada, pois “a garantia do foro por prerrogativa de função não pode se converter em uma dupla garantia – o julgamento perante tribunal e, concomitantemente, a inviabilidade de execução provisória da pena imposta ao detentor do foro” (HC 140213, DJ n. 52, 17.3.2017).

No julgado citado, o Ministro Fux ressaltou que o fundamento das recentes decisões proferidas pelo STF quanto a este tema reside no caráter soberano da decisão do órgão local, à luz dos fatos e provas levados ao seu conhecimento, bem como na inviabilidade do exame de fatos e provas nos mecanismos de impugnação dirigidos aos Tribunais Superiores. Dessa forma, o que legitima a execução provisória da pena é a decisão colegiada do tribunal local que examina, em toda a sua amplitude, a pretensão do órgão acusador, e não a necessidade de confirmação da sentença condenatória por mais de um órgão jurisdicional.

Acompanhando essa posição, o STJ assentou ser possível a execução provisória da pena mesmo que ainda esteja pendente o trânsito em julgado do acórdão condenatório (Corte Especial. QO na APn 675-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6.4.2016 - Info 582), e ainda que se trate de acórdão condenatório proferido em ação penal de competência originária de tribunal (STJ. 6ª Turma. EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3.3.2016 - Info 581).

Segundo o STJ, o único óbice ao cumprimento imediato da pena imposta é a pendência de julgamento de embargos de declaração (STJ. 6ª Turma. HC 366.907-PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 6.12.2016 - Info 595).

Portanto, com a ressalva da minha convicção pessoal, tenho que deve ser acolhida a promoção pelo cumprimento imediato da pena, ainda que provisoriamente.

Saliento que, em execução provisória de pena fixada em ação penal originária, a expedição de guia de recolhimento do réu cabe ao tribunal competente para processá-la e julgá-la (STJ. 6ª Turma. EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3.3.2016 - Info 581).

Destaco.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto as preliminares suscitadas e VOTO pela procedência parcial da denúncia para condenar o réu ARTUR ALEXANDRE SOUTO pela prática do delito tipificado no art. 316, caput, do Código Penal, e determinar a execução provisória da pena; em relação ao réu GILMAR SOSSELLA, pela conversão do julgamento em diligência quanto ao delito tipificado no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 para que os autos sejam remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de que analise a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/95, com posterior designação de audiência, absolvendo-o relativamente aos demais crimes, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, nos termos da fundamentação.

Preclusa essa decisão, determino a cisão do feito e autuação apartada em relação à imputação do crime previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, com extração de cópia integral deste processo, tendo em vista o prosseguimento da ação em ritos distintos.

Expeça-se a guia de recolhimento do réu condenado e demais consectários legais relativos à execução provisória da pena.

 

(Após votar o relator, afastando a matéria preliminar e julgando parcialmente procedente a denúncia,  pediu vista dos autos o Des. Federal Paulo Afonso. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)

(Participaram do julgamento os eminentes Des. Carlos Cini Marchionatti - presidente -, Des. Jorge Luís Dall'Agnol,  Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, Dr. Luciano André Losekann, Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes  e Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, bem como o douto representante da Procuradoria Regional Eleitoral.)