PET - 19909 - Sessão: 14/07/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra MARCOS ADRIANO LERNER, eleito vereador de Fazenda Vilanova pelo Partido Social Democrático – PSD, nas eleições de 2012.

Narra que o requerido desfiliou-se do PSD em 30 de setembro de 2015 e que o partido não postulou judicialmente a perda do cargo.

Afirma que a fidelidade partidária tem por objetivo a manutenção da representatividade de um partido político em relação aos seus eleitores. Sustenta que o requerido deve perder o cargo eletivo.

Citado, o demandado respondeu (fls. 30-41) afirmando ser o pedido juridicamente impossível em virtude de não ocupar cargo eletivo, visto que desempenha a função de Secretário Municipal. Alegou a concordância tácita da agremiação com a desfiliação e que fora alvo de duras críticas e boicotes por parte do PSD. Arguiu a justa causa para sua retirada e o desrespeito às regras do estatuto pelo partido, uma vez que não tivera respeitados seus direitos e garantias enquanto filiado.

Requereu a expedição de ofícios para obtenção de provas e, por fim, a improcedência do pedido, apresentando documentos (fls. 43-58).

Foi deferido o pedido de produção de prova testemunhal (fls. 63-64). Na mesma ocasião, MARCOS juntou documentos (fls. 76-77).

Nas alegações finais, o requerente rebate o argumento de impossibilidade jurídica do pedido, invocando a teoria da asserção e destacando que a qualidade de detentor de mandato eletivo é suficiente para a incidência da hipótese de perda da cadeira que ocupa. Argumenta estar configurada a desfiliação imotivada e que inexiste justa causa para o ato. Por fim, afirma que “eventual consentimento não tem efeitos para justa causa”, pois o mandato eletivo consistiria em um direito indisponível. Requer a procedência do pedido de perda do mandato eletivo (fls. 84-90).

Já MARCOS ADRIANO LERNER reitera pedido de expedição de ofícios para produção de provas e reforça a afirmação de carência de ação. No mérito, afirma a concordância tácita do partido com a desfiliação e requer o reconhecimento da justa causa (fls. 94-108).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

A ação é tempestiva. A desfiliação de MARCOS ocorreu no dia 30 de setembro de 2015 (fls. 11 e 18) e o Ministério Público apresentou a inicial em 27 de novembro de 2015, dentro dos 30 dias subsequentes ao prazo que teria o Partido Social Democrático - PSD para formular o pedido.

 

2. Preliminares

2.1 Exercício do cargo de secretário do executivo municipal

MARCOS LERNER foi eleito vereador em Fazenda Vilanova na eleição de 2012 e, em 10 de abril de 2015, nomeado para o exercício do cargo de Secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente (fls. 47-48).

E, com base no exercício de uma secretaria no executivo municipal, afirma que o pedido seria juridicamente impossível em virtude de não ocupar cargo eletivo no momento da desfiliação.

A fim de analisar a questão, é pertinente o exame do art. 55 da Constituição da República, que define as hipóteses de perda de mandato de deputados e senadores, o qual transcrevo:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Como se nota, algumas das hipóteses de perda do cargo eletivo estão ligadas ao exercício da atividade parlamentar (incisos I, II e III), enquanto as demais relacionam-se a fatos estranhos ao desempenho do mandato (incisos IV, V e VI).

Ao observar-se que situações independentes do exercício do mandato podem ocasionar a sua perda, nota-se que o desempenho do mandato não é crucial para a aplicação de hipóteses de perda. Do mesmo modo, o § 3º do art. 56 da CF, ao permitir que o deputado ou senador opte pela remuneração do mandato ao ser investido em determinados cargos (secretário de município, dentre eles), avaliza interpretação no sentido de que o licenciamento do membro do legislativo não o desvincula do cargo eletivo.

O diplomado que se licencia passa da condição de titular do mandato para mero detentor, mas continua a ele vinculado, de maneira que é cabível, em tese, decretação da perda do cargo eletivo.

Desse modo, deve ser rejeitada a preliminar de ausência de condição da ação.

 

2.2. Expedição de ofícios diversos

O demandado reitera, em suas alegações finais, o pedido de expedição de ofícios.

Ressalto a possibilidade de outras vias de obtenção das provas pretendidas, de molde que, na esteira de precedentes desta Corte, é inadmissível que a parte queira se desincumbir de um ônus a ela atribuído, sem prova inequívoca da necessidade de intervenção do Juízo.

Além, ao contrário do que o requerido afirma, fl. 94, não há prova da negativa das empresas de rádio, ou do PSD de Fazenda Vilanova, no fornecimento de gravações e documentos. Há, sim, solicitações protocoladas (fls. 49 e 50) e sequer reiteradas.

Afasto, igualmente, a preliminar.

 

3. Mérito

MARCOS alega três pontos principais para a desfiliação. Entende ter sofrido grave discriminação pessoal, bem como que o partido mudou substancialmente ou desviou-se reiteradamente do programa partidário. Ainda, aduz que o partido concordou tacitamente com sua saída.

Do conjunto probatório, não ressai a ocorrência de grave discriminação pessoal ou desvio/mudança da agremiação. Nem mesmo de forma mínima.

Note-se, como bem apontado nas alegações finais da Procuradoria Regional Eleitoral, que os testemunhos indicam pequenos desentendimentos, desacordos entre MARCOS e o Presidente do PSD em Fazenda Vilanova, o também vereador Léo Mota. Todavia, os fatos indicados – ausência de convites para reuniões do partido – não caracterizam, por si só, perseguição ou desprestígio pessoal, até mesmo porque, ao que tudo indica, as reuniões sequer aconteciam de maneira planejada e sistematizada. Ausente qualquer indício de discriminação pessoal, mormente nos contornos dados pela jurisprudência deste Tribunal Regional: desavenças e posicionamentos internos divergentes que efetivamente venham a tolher e impedir a atuação do vereador no âmbito partidário (Pet. n. 113-43, Rel. Dr. JORGE ALBERTO ZUGNO, DEJERS de 29.10.2012).

Nos mesmos termos a alegação de mudança substancial do programa partidário, trazida sem suporte de prova. O tópico é tema de jurisprudência absolutamente firme: por definição constitucional, o programa partidário tem âmbito nacional e, para a caracterização da hipótese de justa causa ora versada, torna-se fundamental que o desvio, a mudança, se dê relativamente à diretriz ou postura tomada pelo partido historicamente, em caráter nacional, em tema político-social relevante, como indicado pelo Ministro HENRIQUE NEVES por ocasião do julgamento do RO n. 2-63, do qual foi relator, em 13.03.2014, também citado pelo d. Procurador Regional Eleitoral em suas alegações finais.

No que concerne à terceira alegação de MARCOS ADRIANO LERNER, a anuência do PSD de Fazenda Vilanova em relação à sua desfiliação, é de salientar que a presente ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária tem peculiaridades, simbolizadas por duas circunstâncias principais:

1) ter sido ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, e não pela agremiação da qual o requerido se desfiliou;

2) haver manifestação pública do partido ao qual pertencia o desfiliado MARCOS, o PSD, no sentido de que não reivindicaria a cadeira ocupada.

Tais contornos são fundamentais. Senão, vejamos.

É certo que a Resolução TSE n. 22.610/07, normativo que regulamenta o rito da ação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária, faculta também ao Ministério Público Eleitoral (ou a quem tenha interesse jurídico), subsidiariamente, o ajuizamento da demanda nos 30 dias subsequentes ao encerramento do prazo concedido ao partido do qual se desfiliou  o ocupante do cargo eletivo (art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07).

Todavia, há o segundo ingrediente, já citado: a anuência da agremiação partidária relativamente à desfiliação ocorrida.

E, com a manifestação do presidente do PSD, adiante esmiuçada, foi criada uma expectativa legítima, um encorajamento verdadeiro, para que MARCOS ADRIANO LERNER seguisse ocupando o cargo de vereador, ainda que tenha se desgarrado do quadro de filiados da agremiação pela qual se elegeu, o PSD de Fazenda Vilanova.

Se o PSD assim decidiu, é porque entendeu (talvez até por cálculo político, não importa, no caso) mais benéfico que a questão não fosse judicializada. Entendeu pela permanência de MARCOS LERNER na Câmara Municipal, em um sopesamento com a questão da representatividade partidária perante o eleitorado – argumento trazido pelo Ministério Público Eleitoral para o ajuizamento da ação.

Nessa linha, destaco que o próprio parquet afirmou, na inicial, que o PSD não postulou judicialmente a perda do cargo eletivo.

Daí, fundamental a reportagem juntada na fl. 12, onde consta declaração do Presidente do PSD, Léo Motta, afirmando que “poderia reivindicar a cadeira do Marcos Lerner na Câmara. Porém, não vou fazer isso. Entendo que ele foi eleito pelo povo e não tenho direito de destituí-lo”.

Note-se que a manifestação é pública e peremptória. Não deixa dúvidas, de forma que configurada, com sobras, a concordância tácita do partido com a desfiliação do vereador.

Em verdade, tal declaração, confirmada pelo teor das oitivas, é de ser mesmo tomada como autorização da agremiação partidária, de forma a constituir justa causa para a desfiliação.

Lembro que o TSE, ao responder às consultas n. 1398 (27 de março de 2007) e n. 1407 (16 de outubro de 2007), definiu que os mandatos pertencem aos partidos políticos e que estes têm o direito de preservar a representação obtida nas urnas, reivindicando os mandatos dos seus filiados que deixarem seus quadros sem justa causa.

Ora, se têm o direito de reivindicar, por óbvio têm o direito, igualmente, de permitir que o candidato eleito permaneça ocupando a cadeira obtida – daí a justa causa.

Transcrevo trecho do voto do relator, Min. Cesar Asfor Rocha, na Consulta n. 1398:

[…]

Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor.

Todavia, parece-me incogitável que alguém possa obter para si – e exercer como coisa sua – um mandato eletivo, que se configura essencialmente como uma função política e pública, de todo avessa e inconciliável com pretensão de cunho privado.

Resgato: tal fundamentação se deu para sustentar a manutenção, pelos partidos políticos, dos cargos obtidos nas urnas. Isso porque, desde a redemocratização do país, a migração de ocupantes de cargos eletivos girava em torno de 30% (trinta por cento) do total de cargos de cada legislatura (v., nessa linha, o percuciente estudo de Vitor F. Marchetti Júnior, Poder Judiciário e Competição Política no Brasil: uma Análise das Decisões do TSE e do STF sobre as Regras Eleitorais, Tese de Doutorado defendida na PUC-SP, no ano de 2008).

Registro, ainda, que o ápice desse posicionamento – de que o cargo eletivo pertence ao partido e não ao candidato - deu-se no julgamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal, em 2007, em uma série de Mandados de Segurança (n. 26.602, n. 26.603 e n. 26.604) impetrados perante a Corte Suprema e conhecidos como "os casos de infidelidade partidária".

Daí, a partir de 2007 – ano da edição da Resolução TSE n. 22.610, frise-se, restou assentado que os cargos eletivos pertencem aos partidos políticos, e não aos candidatos eleitos.

Ora, esse movimento de fortalecimento das agremiações é de ser entendido, também, como uma sinalização de autonomia conferida a tais entidades. O contrário não seria lógico: afirmar que os cargos pertencem aos partidos políticos e, ao mesmo tempo, desconsiderar os posicionamentos da agremiação relativamente a este mesmo cargo eletivo.

Portanto, se um partido autoriza a saída do filiado e, por seu presidente, manifesta que não postulará o mandato judicialmente, entendo que, salvo existência de desvio de finalidade que autorize a intervenção do Ministério Público, não demonstrada no caso sob exame, é legítima a expectativa do filiado de manter o mandato. O ajuizamento da ação de perda de cargo por infidelidade partidária pelo Ministério Público Eleitoral só seria possível se não houvesse manifestação da agremiação afetada pela saída do ocupante de mandato, em caso de inércia do partido.

Repito: na espécie, não houve inércia e sim manifesta intenção de não recuperar judicialmente o cargo de vereador, situação bem diversa.

Ainda, indico o posicionamento da Ministra Laurita Vaz, que decidiu monocraticamente pedido em ação cautelar proposta no TSE: o efeito da concordância do partido político é a manutenção do cargo pelo desfiliado. No referido precedente, há ilustrativo apanhado da jurisprudência daquela Corte, sempre de decisões posteriores ao advento da Resolução TSE n. 22.610/07:

"[...] Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral ter assentado no julgamento da Consulta n. 1720, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJe 16.10.2009, que acordos ou deliberações de qualquer esfera partidária não tem o condão de afastar as consequências impostas pela Resolução-TSE nº 22.610/2007, considerando a pluralidade de interessados habilitados a ingressar com o pedido de decretação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária", a análise de casos concretos nos revela que este Tribunal Superior tem concluído que a anuência da agremiação partidária com a desfiliação impede a declaração de perda de mandato por suposta infidelidade.

Nesse sentido, confiram-se:

Petição. Justificação de desfiliação partidária. Resolução-TSE nº 22.610. Declaração de existência de justa causa. Concordância da agremiação. Provimento do pedido.

Havendo consonância do Partido quanto à existência de fatos que justifiquem a desfiliação partidária, não há razão para não declarar a existência de justa causa.

Pedido julgado procedente, para declarar a existência de justa causa para a desfiliação do Partido.

(Grifei - Pet n. 2797, Rel. Min. Gerardo Grossi, DJ 18.3.2008.)

 

Agravo regimental. Ação cautelar. Processo. Perda. Cargo eletivo. Vereador.

[...]

2. No julgamento da Petição n. 2.797, relator Ministro Gerardo Grossi, de 21.2.2008, o Tribunal entendeu que, `havendo consonância do Partido quanto à existência de fatos que justifiquem a desfiliação partidária, não há razão para não declarar a existência de justa causa'.

3. Assim, demonstra-se relevante a questão averiguada no caso em exame, pois, autorizada a desfiliação pelo próprio partido político, não há falar em ato de infidelidade partidária a ensejar a pretendida perda de cargo eletivo.

4. Em juízo preliminar, reconhecida a plausibilidade do direito postulado, deve ser dada prevalência ao exercício do mandato pelo eleito até que este Tribunal julgue o recurso.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Grifei - AgR-AC n. 2556, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ 8.9.2008).

 

12. Decisões singulares têm concluído que a concordância do partido com a desfiliação partidária obsta a declaração de perda de mandato eletivo por suposta infidelidade.

Transcrevo trechos das decisões proferidas pelos Ministros Henrique Neves e Arnaldo Versiani, respectivamente:

[...]

Por fim, também parece relevante a constatação de que o partido não pretendeu o afastamento do recorrente do cargo de deputado estadual e que desejava, sim, a sua exclusão de seus quadros. Esta concordância, em princípio, tem aparente semelhança ao quanto já decido por este Tribunal.

(Respe n. 28.854, rel. min. Felix Fischer, DJ de 20.2.2009; AC n. 2.556, rel. min. Caputo Bastos, DJ de 8.9.2008; Petição n. 2.797, rel. min. Gerardo Grossi, DJ de 18.3.2008.)

[...]" (AC n. 105276, DJe 14.5.2010).

 

"[...]

Além disso, no que tange à questão relativa à anuência do partido para a saída do requerente, este Tribunal também já decidiu:

`Agravo regimental. Ação cautelar. Processo. Perda. Cargo eletivo. Vereador. Decisão regional. Procedência. Recurso especial. Pendência. Juízo de admissibilidade. Liminar. Concessão. Possibilidade. Precedentes. Matéria de fundo. Questão. Relevância.

[...]

2. No julgamento da Petição nº 2.797, relator Ministro Gerardo Grossi, de 21.2.2008, o Tribunal entendeu que, `havendo consonância do Partido quanto à existência de fatos que justifiquem a desfiliação partidária, não há razão para não declarar a existência de justa causa'.

3. Assim, demonstra-se relevante a questão averiguada no caso em exame, pois, autorizada a desfiliação pelo próprio partido político, não há falar em ato de infidelidade partidária a ensejar a pretendida perda de cargo eletivo.

4. Em juízo preliminar, reconhecida a plausibilidade do direito postulado, deve ser dada prevalência ao exercício do mandato pelo eleito até que este Tribunal julgue o recurso.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo regimental em Ação Cautelar n. 2.556, rel. Min. Caputo Bastos, de 5.8.2008)”.

[...]" (AC n. 2994, DJe 27.10.2008).

 

13. O histórico de julgados do Tribunal Superior Eleitoral e a complexidade da controvérsia posta em juízo recomendam, neste momento, manter-se no cargo aquele que se sagrou vitorioso nas urnas.”

(TSE, AC - Ação Cautelar n. 55069, Decisão monocrática de 10.7.2012, Relatora: Min. Laurita Hilário Vaz, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 06.08.2012 - Página 32-34, grifos meus.)

A título de desfecho, ressalto recente julgado do Supremo Tribunal Federal (maio de 2015) que reforça as razões até agora expostas. Trata-se da ADI n. 5.081/DF, o denominado “caso Marta Suplicy”. Na ocasião, o Plenário da Corte Suprema seguiu por unanimidade o voto do relator, Ministro Barroso, no sentido de que a perda do cargo eletivo por infidelidade partidária só se dá nos casos de cargo cuja eleição se desenha via sistema proporcional, excluindo-se os casos em que a obtenção ocorreu via sistema majoritário.

Mas, o que importa ao caso posto: houve minudente diferenciação dos sistemas, de maneira a restar claro que o sistema proporcional é permeado por uma relação muito mais intensa entre candidato e partido político, pois a eleição do vereador ou deputado depende, na maior parte dos casos, do quociente eleitoral. Trata-se de uma relação umbilical, originária, de dependência mútua para a consecução do objetivo eleitoral, a vitória.

E também por essas características não é recomendável deferir a perda de mandato por desfiliação partidária quando a própria agremiação política, maior responsável pela obtenção do cargo, maior interessada em reaver o que lhe pertence, abre mão dessa busca, via manifestação pública de seu presidente.

Finalmente, não entendo ser possível analisar a questão apenas sob a ótica da disponibilidade ou da indisponibilidade do direito, porque a relação jurídica da representação política não diz respeito a um direito, a uma obrigação. Basta exemplificar que, aplicado o raciocínio indicado pelo parquet nas alegações finais, sequer a renúncia ao cargo por um candidato eleito seria possível, pois o mandato eletivo teria como titular “o povo”.

Portanto, entendo não configurada desfiliação partidária por infidelidade, visto que houve anuência da agremiação à qual o demandado encontrava-se vinculado, devendo ser afastada a pretensão do Ministério Público de decretação de perda do cargo eletivo.

ANTE O EXPOSTO, VOTO para afastar as preliminares e pela improcedência do pedido.