PET - 2733 - Sessão: 20/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de requerimento, formulado pelo Procurador Regional Eleitoral, de imediata execução provisória dos apenamentos impostos a ADÃO ALMEIDA DE BARROS e a OILSON DE MATOS ALBRING nos autos da AP n. 450-70.2012.6.21.0052 (fl. 02).

Em razão do ineditismo, na história recente da jurisprudência pátria, da possibilidade de imediato cumprimento da pretensão executória estatal, determinei o desentranhamento da petição protocolada nos autos da ação penal, a fim de que fosse autuada em apartado. Determinei, ainda, diante da eventual repercussão extraprocessual da decisão da Suprema Corte, nos presentes autos, no sentido de acolher a pretensão do Ministério Público Eleitoral, a intimação dos requeridos para que, no prazo de três dias, querendo, apresentassem contrarrazões ao requerimento, em respeito ao art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal e ao art. 196 da Lei de Execução Penal (fls. 03-06).

Em sua manifestação, por via de contrarrazões, ADÃO ALMEIDA DE BARROS faz as seguintes afirmações: a) o pedido ministerial viola o direito do acusado ao duplo grau de jurisdição (introduzido expressamente no ordenamento jurídico pelos arts. 8º, 2, “h”, e 25, 1, ambos do Decreto n. 678/92 - Pacto de San José da Costa Rica, em conformidade com o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal); b) viola o princípio da legalidade (arts. 105 e 147 da Lei de Execução Penal); c) a decisão proferida pelo Pretório Excelso não possui eficácia erga omnes, nem efeito vinculante, que já houve o reconhecimento pelo c. Tribunal Superior Eleitoral, em sede de recurso especial eleitoral no RE n. 44985, de que a prova colhida era ilícita em relação à conduta do art. 41-A da Lei n. 9.504/97; d) a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória viola direitos e garantias individuais salvaguardados pela Carta Magna (art. 5º, inc. LVII). Requer, ao final, a improcedência do pedido.

Já o requerido OILSON DE MATOS ALBRING, apesar de intimado, deixou fluir in albis o prazo assinalado (certidão de fl. 67).

É o relato.

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (Relator):

Primeiramente, saliento que o pedido é consequência do julgamento, pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal, do HC n. 126.292/SP, Relator Ministro Teori Zavascki, em que restou assentada, basicamente, a seguinte tese: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.”

O acórdão, que ainda não se encontra disponibilizado na internet, teve a seguinte decisão: “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, denegou a ordem, com a conseqüente revogação da liminar, vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, Procurador-Geral da República. Plenário, 17.02.2016.”.

Ainda que ausentes todos os subsídios jurídicos que fundamentaram a substancial quebra de paradigma em relação à, até então, vigente jurisprudência consolidada na Suprema Corte, consta de notícia publicada no seu sítio eletrônico o seguinte detalhamento adicional:

O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. "Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado", afirmou.

Como exemplo, o ministro lembrou que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. "A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado".

No tocante ao direito internacional, o ministro citou manifestação da ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando salientou que "em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte".

(Supremo Tribunal Federal, Pena pode ser cumprida após decisão de segunda instância, decide STF. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153>. Acesso em 02.3.2016.)

Pois bem: caber-me-ia, segundo o Regimento Interno do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, aqui, ordenar a efetivação, ou não, de tais medidas. Veja-se:

Art. 16 Compete ao Presidente:

[...]

XXXI - executar ou fazer executar as decisões proferidas pelo Tribunal.

No entanto, em razão da relevância da questão jurídica posta, decidi por autuar esta petição, com natureza de processo administrativo, a fim de que o Plenário desta Casa aprecie o cabimento da medida extrema de encarceramento, ou de cumprimento de pena restritiva de direito, tal como o fez o c. Tribunal Superior Eleitoral ao decidir, com caráter de generalidade, pela aplicabilidade da Lei n. 12.322/2010 à Justiça Eleitoral (Processo Administrativo n. 144683, Acórdão de 20.10.2011, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 093, Data 18.5.2012, Páginas 379-380).

Adianto, desde já, que meu voto seguirá os novos ditames do excelso Supremo Tribunal Federal e de diversos outros sodalícios do país.

De início, cabe-me expressar o óbvio: a última palavra, em matéria constitucional, é aquela proferida pelo excelso Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput, da Carta Magna). Ora, se há manifestação de seu Tribunal Pleno, apontando para a compatibilidade do imediato cumprimento da pena, após o julgamento pelo respectivo tribunal de apelação (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e Superior Tribunal Militar), com o art. 5º, inc. LVII, da Carta da República, a observância de tal decisão é o caminho que recomenda a lógica do sistema judicial.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil, em seus arts. 926 e 927, além de outras disposições, positivou, em nosso ordenamento, imperativo que caminha no sentido de instituto típico do direito anglo-saxão: o stare decisis. E, se queremos um Poder Judiciário mais eficiente e dinâmico, que dê as respostas processuais com maior celeridade, o que se revela como anseio da sociedade civil, expressamente posto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. LXXVIII (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), este é o caminho a trilhar.

Por isso, adquire especial importância o magistério do hoje Ministro da Suprema Corte Teori Albino Zavascki, que, já há muitos anos, sustenta que a eficácia das decisões de declaração incidental de inconstitucionalidade se expandem para além das partes do processo:

Sabe-se, com efeito, que as sentenças na jurisdição dos casos concretos têm força vinculante limitada às partes. Nesses casos, a certificação judicial da existência ou inexistência do direito questionado tem eficácia subjetiva limitada aos figurantes da relação processual. Não beneficia nem prejudica os terceiros. Todavia, se, para chegar à conclusão a que chegou, o julgador tiver feito um juízo – positivo ou negativo – a respeito da validade de uma norma, essa decisão ganha contornos juridicamente diferenciados, em face dos princípios constitucionais que pode envolver. É que os preceitos normativos têm, por natureza, a característica da generalidade, isto é, não se destinam a regular específicos casos concretos, mas, sim, estabelecer um comando abstrato aplicável a um conjunto indefinido de situações. Quando, portanto, questiona-se a legitimidade desse preceito, ainda que no julgamento de um caso concreto, o que se faz é pôr em cheque também a sua aptidão para incidir em todas as demais situações semelhantes. Essa peculiaridade é especialmente relevante se considerada em face do princípio da igualdade perante a lei, de cuja variada densidade normativa se extrai primordialmente a da necessidade de conferir um tratamento jurisdicional igual para situações iguais. É também importante em face do princípio da segurança jurídica, que estaria fatalmente comprometido se a mesma lei pudesse ser julgada constitucional num caso e inconstitucional em outro, dependendo do juiz que a aprecia.

Assim, põe-se em foco, objetivamente, a questão de como harmonizar a eficácia da decisão sobre a constitucionalidade da norma no caso concreto com as imposições dos princípios constitucionais da isonomia – que é absolutamente incompatível com eventuais tratamentos diferentes em face da mesma lei quando forem idênticas as situações -, e da segurança jurídica, que recomenda o grau mais elevado possível de certeza e estabilidade dos comandos normativos. Há, ademais, uma razão de ordem prática: se a norma é aplicável a um número indefinido de situações, não faz sentido repetir, para cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional já resolvida em oportunidade anterior. Essas são razões a demonstrar que as decisões a respeito da legitimidade das normas têm vocação natural para assumir uma projeção expansiva, para fora dos limites do caso concreto.

(A Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pp. 25-26.) (Grifei.)

Saliento, adicionalmente, que tal entendimento se encontra avalizado pelo Pretório Excelso em sua jurisprudência:

Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente.

(STF, Reclamação n. 4335, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20.3.2014, DJe-208 DIVULG 21.10.2014 PUBLIC 22.10.2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001.)

Desse modo, dentro de uma nova ótica, em que a jurisdição deve primar pela segurança jurídica, resta inevitável reconhecer, e aplicar, pois, o que o Ministro Teori Zavascki já vislumbrava corretamente: “É de alta significação prática, ademais, a força das decisões do STF em matéria constitucional, como precedente, especialmente para o efeito de julgamento de recursos e ações rescisórias, em casos análogos, pelos demais tribunais.” (ZAVASCKI, 2001, p. 37).

O estabelecimento de cláusulas constitucionais de competências que impõem os diferentes foros por prerrogativa de função de determinados acusados constitui, sem dúvida, uma alargada exceção dentro do sistema – fala-se em 22 mil pessoas favorecidas por tais regras (Jornal Folha de São Paulo, 22 mil pessoas têm foro privilegiado no Brasil, aponta Lava Jato. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/22-mil-pessoas-tem-foro-privilegiado-no-brasil-aponta-lava-jato/>. Acesso em 01.4.2016.). Não se desconhece que há autores que entendem ser possível a inconstitucionalidade de normas constitucionais, algo que não é admitido pelo excelso Supremo Tribunal Federal. No entanto, a título de fundamentação, resta claro que, no âmago desta teoria, está uma diferenciação entre uma e outra norma do texto constitucional originário, como explica Otto Bachof:

Põe-se, além disso, a questão de saber se também uma norma originariamente contida no documento constitucional (e emitida eficazmente, sob o ponto de vista formal), uma norma criada, portanto, não por força da limitada faculdade de revisão do poder constituído, mas da ampla competência do poder constituinte, pode ser materialmente inconstitucional.

Esta questão pode parecer, à primeira vista, paradoxal, pois, na verdade, uma lei constitucional não pode, manifestamente, violar-se a si mesma. Contudo, poderia suceder que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmente constitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental da Constituição: ora, o facto é que por constitucionalistas tão ilustres como KRÜGER e GIESE foi defendida a opinião de que, no caso de semelhante contradição, a norma constitucional de grau inferior seria inconstitucional e inválida.

(Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994, pp. 54-55.)

Mais adiante, segue o professor alemão:

Enquanto o legislador constituinte actua autonomamente, estabelecendo normas jurídicas que não representam simples transformação positivante de direito supralegal, mas a expressão da livre decisão de vontade do pouvoir constituant, pode ele, justamente por força desta sua autonomia, consentir também excepções ao direito assim estabelecido. A meu ver, nenhuma diferença faz aqui que essas normas constitucionais sejam importantes ou menos importantes, não me parecendo possível considerar inconstitucional uma norma da Constituição de grau inferior, em virtude da sua pretensa incompatibilidade com o <<conteúdo de princípio da Constituição>> (GIESE), desde que este conteúdo de princípio da Constituição seja ainda produto de uma autónoma criação de direito. Não pode aqui falar-se de uma <<decisão de princípio>> e de uma <<ocasional tomada de posição contrária>>, de uma <<contradição do legislador constitucional consigo mesmo>> (KRÜGER), mas sim, quando muito, de regra e excepção. No facto de o legislador constituinte se decidir por uma determinada regulamentação tem de ver-se a declaração autêntica, ou de que ele considera essa regulamentação como estando em concordância com os princípios basilares da Constituição, ou de que, em desvio a estes princípios, a admitiu conscientemente como excepção aos mesmos. (BACHOF, 1994, pp. 56-57) (Grifei.)

Ora, como pode se depreender do citado autor, o duplo grau de jurisdição não é violado pelo julgamento originário de ações penais: esta foi a vontade do Poder Constituinte originário, como exceção expressa, para determinados detentores de posições de comando na vida política do país. O Pacto de San José da Costa Rica, que, realmente, foi incorporado à legislação pátria, elenca normas de caráter geral, as quais, no entanto, não têm o condão de tornar normas da redação original da Constituição Federal inconstitucionais. Isso porque todo o ordenamento jurídico está baseado no texto emanado pelo Poder Constituinte Originário, inclusive o próprio diploma internalizado¹.

Destaco, ademais, que o eminente constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho faz as seguintes anotações acerca das competências constitucionalmente estabelecidas:

Um dos mais importantes princípios constitucionais a assinalar nesta matéria é o princípio da indisponibilidade de competências ao qual está associado o princípio da tipicidade de competências. Daí que (1) de acordo com este último, as competências dos órgãos constitucionais sejam, em regra, apenas as expressamente enumeradas na Constituição; (2) de acordo com o primeiro, as competências constitucionalmente fixadas não possam ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição as atribuiu.

(Direito Constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 542-543.) (Grifei.)

Portanto, sequer há falar em conflito entre normas formal e materialmente constitucionais; a organização do Poder Judiciário em suas competências é parte central da ordem constitucional vigente, da mesma forma que os direitos e garantias fundamentais – ambos conjuntos normativos da Constituição, inclusive, encontram-se umbilicalmente ligados em um dos consagrados direitos fundamentais: o princípio do juiz natural.

Desse modo, em vista da arquitetura das competências jurisdicionais estabelecidas no sistema constitucional brasileiro, somente os acusados julgados nos juízos de primeira instância e, em razão de prerrogativa de função, originariamente na Suprema Corte² são contemplados pelo duplo grau de jurisdição exauriente. Portanto, in casu, seja antes, seja depois, da realização do julgamento do recurso especial eleitoral criminal interposto pela parte, não haverá a concretização de duplo juízo em grau ordinário de jurisdição, conforme preconizam os renomados processualistas Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes:

Deve-se observar, porém, que o princípio do duplo grau se esgota nos recursos cabíveis no âmbito da revisão, por uma única vez. Os recursos de terceiro grau das Justiças trabalhista e eleitoral, o recurso especial para o STJ e o extraordinário, para o STF, não se enquadram na garantia do duplo grau.

(Recursos no processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 23.)

Assim, a execução imediatamente posterior ao julgamento condenatório por tribunal de apelação, seja em grau recursal, seja em instância originária, está constitucional e legalmente amparada, afastado qualquer malferimento ao princípio da legalidade, em vista de que há, no arcabouço legislativo, normas que expressamente contemplam a possibilidade de imediata execução das sentenças emanadas pelas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

Vejam-se, respectivamente, o Código de Processo Penal e o Código Eleitoral:

CPP, art. 637: O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.

 

CE, Art. 257: Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

§ 1.º A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Ademais, também o c. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete interpretar e uniformizar a legislação ordinária (art. 105, inc. III, da Constituição Federal), possui enunciado, revigorado agora, que está em consonância com o imediato cumprimento do decreto penal condenatório: Súmula n. 267/STJ: "A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.".

A parte afirma, ainda, que o julgamento de recurso especial eleitoral no RE n. 44985, em que a prova colhida teria sido apontada pela Corte Superior como ilícita, seria prejudicial à ação penal na qual restou condenado. No entanto, a jurisprudência pátria, especialmente o c. Superior Tribunal de Justiça, posiciona-se pela independência entre as instâncias judiciais, de modo que devem os autos criminais ter sua regular e normal tramitação. Veja-se:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PECULATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. REFLEXO NA ESFERA PENAL. INDEPENDÊNCIA.

[...]

4. O Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão de que as esferas cível, administrativa e penal são independentes, com exceção dos casos de absolvição, no processo criminal, por afirmada inexistência do fato ou inocorrência de autoria. Daí porque não se sustenta a tese de que eventual absolvição ocorrida em sede de processo administrativo comunica-se à ação penal decorrente do mesmo fato.

5. Não há ilegalidade em condenação lastreada em provas inicialmente produzidas na esfera administrativa e, depois, reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa.

6. Recurso ordinário desprovido.

(STJ, Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 61.021/DF, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 10.12.2015, DJe 05.02.2016.) (Grifei.)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE NÃO CONFIGURADA, INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E CÍVEL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ANTERIOR À PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PRECEDENTES. DETERMINAÇÃO DE INDICIAMENTO FORMAL APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO APENAS PARA CASSAR A DECISÃO QUE DETERMINOU O INDICIAMENTO FORMAL DO PACIENTE.

[...]

2. Não impede a persecução criminal decisão cível que compreende não provada parcela dos fatos criminalmente imputados.

[...]

7. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para cassar a decisão que determinou o indiciamento formal do paciente, sem prejuízo do regular andamento da ação penal, cassando-se a liminar anteriormente deferida.

(STJ, Habeas Corpus n. 55.291/SP, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 03.12.2015, DJe 11.12.2015.) (Grifei.)

Por fim, devo salientar que, sob os auspícios desse novo entendimento, o c. Superior Tribunal de Justiça já deliberou em idêntico sentido, em recente acórdão, afastando os relevantes argumentos levantados pela parte, cuja ementa adoto como parte das razões de decidir:

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO E CORRUPÇÃO PASSIVA. ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. OBJETIVO DE PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INÍCIO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. MARCO DEFINIDOR. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. RECURSO ESPECIAL JÁ ANALISADO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. NOVAS DIRETRIZES DO STF. POSSIBILIDADE.

1. É firme entendimento jurisprudencial de que não cabe a esta Corte se manifestar, ainda que para fins de prequestionamento, sobre suposta afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

2. A jurisprudência dos tribunais superiores não reconhece incidência do direito ao duplo grau de jurisdição em julgamentos proferidos em ações penais de competência originária dos Tribunais. Tal compreensão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes. Assim, como diz um velho brocardo jurídico, "aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus". Precedentes.

3. Na linha do que havia decidido o Tribunal a quo, esta Corte entendeu devidamente caracterizado o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado delituoso, notadamente pela utilização da condição de prestígio parlamentar que o embargante possuía no cenário político local, condição esta que engendrou, segundo o acórdão condenatório – por meio de informações privilegiadas e de conchavos ("conluio e ajuste prévio") –, que a empresa de seu filho se sagrasse vencedora em diversas licitações, ilidindo o caráter competitivo dos procedimentos licitatórios.

4. A decisão proferida pela composição plena do STF, no Habeas Corpus nº 122.292-MG (ainda não publicado), indica que a mais elevada Corte do país, a quem a Lex Legis incumbe a nobre missão de “guarda da Constituição” (art. 102, caput, da CF), sufragou pensamento afinado ao de Gustavo Zagrebelsky – juiz que já presidiu a Corte Constitucional da Itália –, para quem o direito é disciplina prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos pontos dos votos dos eminentes juízes que participaram da sessão ocorrida em 17 de fevereiro próximo passado, assinalou-se a gravidade do quadro de “desarrumação” do sistema punitivo brasileiro, máxime por permitir a perene postergação do juízo definitivo de condenação, mercê do manejo de inúmeros recursos previstos na legislação processual penal.

5. Sob tal perspectiva é possível assimilar o novo posicionamento da Suprema Corte, forte na necessidade de se empreender, na interpretação e aplicação de qualquer norma jurídica que interfira com a liberdade, uma visão também objetiva dos direitos fundamentais, a qual não somente legitima eventuais e necessárias restrições às liberdades públicas do indivíduo, em nome de um interesse comunitário prevalente, mas também a própria limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais – preservando-se, evidentemente, o núcleo essencial de cada direito – que passam a ter, como contraponto, correspondentes deveres fundamentais.

6. O aresto proferido pelo STF sinaliza que o recurso especial, tal como o recurso extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o início da execução provisória da pena, sem que isso importe em malferimento ao princípio da não culpabilidade. Trata-se de importante precedente que realinha a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com o entendimento prevalecente até fevereiro de 2009, momento em que, por sete votos a quatro, aquela Corte havia decidido que um acusado só poderia ser preso depois de sentença condenatória transitada em julgado (HC n. 84.078/MG, DJ 26/2/2010). Em verdade, a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com praticamente todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos.

7. Isso não significa afastar do julgador, dentro de seu inerente poder geral de cautela, a possibilidade de excepcionalmente atribuir, no exercício da jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE e, com isso, obstar o início da execução provisória da pena. Tal seria possível, por exemplo, em situações nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol d'oiseau, a manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação.

8. Todavia, no caso dos autos, o embargante foi condenado, por fatos ocorridos há quase dez anos, pelo crime de fraude ao caráter competitivo da licitação e por corrupção passiva. O recurso especial interposto pela defesa foi analisado com profundidade e, ao fim e ao cabo, manteve o decisum proferido pelo Tribunal de origem. Os embargos de declaração em nada integraram o acórdão, impondo ressaltar que a demora na tramitação de todo o processo, desde a origem até o julgamento por esta Corte, já resultou em benefício para o embargante, dado o reconhecimento de causa extintiva da punibilidade (prescrição da pretensão punitiva apenas com relação ao crime de quadrilha).

9. Nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários, com base na qual cabe ao Superior Tribunal de Justiça a interpretação do direito federal e ao Supremo Tribunal Federal a interpretação da Constituição da República.

10. Embargos de declaração rejeitados. Acolhido o pedido do Ministério Público Federal e determinando a expedição de mandado de prisão, com envio de cópia dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – juízo da condenação – para que encaminhe guia de recolhimento provisória ao juízo da VEC, para efetivo início da execução provisória das penas impostas ao recorrente.

(STJ, Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1484415/DF, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 03.3.2016. Disponível em <http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/RESp1484415.pdf>. Acesso em 04.4.2016.) (Grifei.)

Ante o exposto, voto no sentido de acolher a pretensão do Ministério Público Eleitoral, a fim de que haja a imediata execução do decreto condenatório deste Regional, ainda que os autos principais estejam pendentes de análise, em sede de recurso extraordinário lato sensu, pelo c. Tribunal Superior Eleitoral. Saliento, ademais, que, mesmo que o pleito não seja acolhido pelo Plenário desta Casa, ainda assim deverá ocorrer o cumprimento imediato do apenamento em relação ao réu OILSON DE MATOS ALBRING, para quem, na ausência de recurso especial eleitoral, já se encontra consumado o trânsito em julgado.

Determino, pois:

a) a imediata baixa, pela Secretaria Judiciária deste TRE/RS, do presente expediente à primeira instância, a fim de que seja iniciado o cumprimento das sanções penais impostas, nos termos do acórdão condenatório de fls. 23-46, funcionando os presentes autos como Processo de Execução Criminal (PEC) provisório;

b) autue-se, em primeira instância, na classe processual EP – Execução Penal;

c) aprecie, concretamente, o Juízo da 52ª Zona Eleitoral – São Luiz Gonzaga –, a necessidade de remessa dos autos à Vara local de Execuções Penais da Justiça Estadual, observando-se o teor da Súmula n. 192/STJ. 

__________
¹É o magistério de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “O primeiro efeito da eficácia é o estabelecimento de uma nova base para o ordenamento jurídico positivo. É isso que se chama de caráter inicial do Poder Constituinte originário. Quando se fala da inicialidade do Poder Constituinte originário, se está querendo dizer que a Constituição, obra última e acabada do Poder Constituinte originário, se torna a nova base do ordenamento jurídico positivo. Nesse sentido, então, a Constituição é um ato inicial, porque ela funda a ordem jurídica, não é fundada na ordem jurídica positiva, nem é fundada por meio da ordem jurídica positiva.” (O Poder constituinte. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 80.)
²Entendimento cristalizado desde a apreciação do cabimento de embargos infringentes na AP n. 470, o que ensejou, inclusive, a Emenda Regimental n. 49 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a fim de conferir às Turmas, não mais ao Plenário, a competência para a apreciação de inquéritos e de ações penais originárias. No entanto, os fundamentos jurídicos que amparam a possibilidade de rejulgamento, com cognição plena, na Corte Constitucional pátria, não são aplicáveis aos demais tribunais.

 

 

 

(Após votar o relator, Des. Luiz Felipe, acolhendo o requerimento ministerial, pediu vista dos autos a Dra. Gisele. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)