RC - 10603 - Sessão: 07/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por WALDEMAR FERREIRA DOS SANTOS FILHO contra decisão do Juízo Eleitoral da 37ª ZE, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral para condenar o réu nas sanções do delito previsto no art. 289 do Código Eleitoral, conforme fatos assim descritos na denúncia:

No dia 07 de fevereiro de 2012, no interior do Cartório da 37ª Zona Eleitoral desta cidade, o denunciado tentou inscrever-se fraudulentamente eleitor (…), mediante apresentação de documentos falsos (carteira de identidade, certificado de dispensa de incorporação do Ministério da Defesa e como comprovante de endereço, apresentou um recibo de aluguel subscrito por Milton José Almeida Filho) com o seu prenome e o prenome de seu genitor diversos dos verdadeiros.

Por consequência, na ocasião do alistamento, houve colisão dos registros eleitorais, pois no sistema de cadastro de eleitores foi verificado que havia um eleitor lotado na 34ª Zona Eleitoral de Pelotas/RS com o mesmo nome e data de nascimento, todavia com os prenomes acima referidos diferentes. De imediato, a divergência foi constatada pelo funcionário que atendia o denunciado que, ao ser indagado sobre já possuir inscrição eleitoral, alegou que nunca a teve. Diante de tais fatos, foram solicitados ao acusado documentos adicionais, não tendo WALDEMAR retornado à 37ª Zona Eleitoral e, portanto, não logrando êxito em seu intento.

A denúncia foi recebida no dia 30 de outubro de 2013 (fl. 128).

O acusado ofereceu contestação às fls. 183-187, tendo sido interrogado em 13 de maio de 2015 (fl. 328).

Testemunhas ouvidas em 05 de outubro 2015 (fl. 375)

Alegações finais às fls. 403-405 e 410-415.

Na sentença, fls. 417-420, o juízo considerou demonstrada a materialidade do delito pelo requerimento de alistamento eleitoral formulado pelo réu e condenou-o à pena de um ano e seis meses de reclusão, aumentado-a em três meses por considerá-lo reincidente e, aplicando a minorante da tentativa, tornou a pena definitiva em um ano e dois meses de reclusão.

Em suas razões recursais, o réu suscita preliminar de nulidade do interrogatório e dos atos posteriores e, no mérito, requer a reforma de decisão, aos argumentos de atipicidade da conduta e de ausência de dolo.

Com as contrarrazões, fls. 434-437, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento parcial do recurso, apenas para afastar a reincidência na dosimetria da pena.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A defesa foi intimada da decisão em 11.02.2016, fl. 424, e o recurso foi interposto no dia 18.02.2016, fl. 426, dentro do prazo de 10 (dez) dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral, contados em dobro para os membros da Defensoria Pública da União.

 

Preliminar

O réu suscita preliminar de não observância do rito estabelecido pela Lei n. 11.719/2008, haja vista o seu  interrogatório do réu ter sido colhido na audiência preliminar, em 13.05.2015 (fls. 328-329), antes da apresentação de defesa e da oitiva das testemunhas, as quais foram ouvidas em 05.10.2015 (fl. 375).

A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, manifesta-se pela rejeição da preliminar, sob o entendimento de que o réu mudou de endereço diversas vezes sem comunicar à Justiça Eleitoral e foi decretado revel. De acordo com o d. Procurador Regional Eleitoral, “o réu revelou descaso com andamento do feito, não manifestando qualquer intenção de valer-se do interrogatório como forma de exercício de autodefesa”.

A Lei n. 11.719/2008 promoveu alterações no Código de Processo Penal, estabelecendo redação no art. 400 fundamentalmente no sentido de protrair para o final da instrução o interrogatório do acusado.

Ou seja, após a inquirição das testemunhas.

O art. 359 do Código Eleitoral, por sua vez, fixa o interrogatório do acusado como ato a ser realizado logo após o recebimento da denúncia.

Antes, portanto, da oitiva das testemunhas.

Diante da diversidade de comandos, surgiu discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicabilidade do art. 400 do CPP aos processos eleitorais de natureza criminal.

A orientação do STF é de realização do interrogatório ao final da instrução, em homenagem ao princípio da ampla defesa e com o propósito de harmonizar a norma especial com a geral - Ação Penal n. 528, j. em 24.03.11, publicado no DJE de 08.06.11, relatoria do Min. Ricardo Lewandowski.

Nessa linha, igualmente, o Tribunal Superior Eleitoral. Como exemplo, o Habeas Corpus n. 6909, em 29.10.2013, publicado no DJE de 12.02.2014, Rel. Min. José Antônio Dias Toffoli, no qual, à unanimidade, prevaleceu entendimento pela aplicabilidade do art. 400 do CPP, em detrimento do disposto na Lei n. 8.038/90:

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA RECEBIDA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU QUANDO O ACUSADO ESTAVA AFASTADO DO CARGO DE PREFEITO, EM VIRTUDE DA CASSAÇÃO DO MANDATO EM SEDE DE AIME. REASSUNÇÃO POSTERIOR AO CARGO. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS. INTERROGATÓRIO DO RÉU NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ATO FINAL DA FASE INSTRUTÓRIA. ADOÇÃO DO RITO MAIS BENÉFICO DOS ARTS. 396 E SEGUINTES DO CPP AO PROCESSO PENAL ELEITORAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Não padece de nulidade a decisão do magistrado eleitoral que recebe denúncia contra o acusado que, à época, estava afastado do cargo de prefeito, em razão da procedência de ação de impugnação de mandato eletivo.

2. A posterior diplomação em cargo com prerrogativa de foro, que importe em modificação superveniente de competência, não invalida os atos já praticados no processo, nem exige a respectiva ratificação. Precedente.

3. Ainda que o acórdão regional que anulou a sentença de procedência da AIME tenha sido proferido antes do recebimento da denúncia pelo juiz de primeiro grau, a Corte Regional não determinou a execução imediata do julgado, o que afasta a competência por prerrogativa de foro, que somente veio a incidir após a concessão de liminar que determinou a recondução do ora paciente ao cargo de prefeito.

4. Sendo mais benéfico para o réu o rito do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, que fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, o procedimento deve prevalecer nas ações penais eleitorais originárias, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei nº 8.038/90. Precedentes do STF e desta Corte.

5. Ordem parcialmente concedida para determinar que seja obedecida a disciplina do art. 400 do CPP, em harmonia com o rito dos arts. 396 e seguintes.

Assim, o interrogatório ao final da instrução permite o melhor exercício da defesa, sendo inegável seu vínculo com os princípios constitucionais estruturantes das garantias processuais do acusado, como a ampla defesa e o contraditório, motivo pelo qual deve ser prestigiada a atual regulamentação do Código de Processo Penal, em detrimento dos dispositivos do Código Eleitoral, cunhados sob outros valores.

E também esta Corte tem se posicionado nesse sentido, conforme demonstra a seguinte ementa:

Recursos Criminais. Ação Penal. Corrupção. Art. 299 do Código Eleitoral.

Transporte irregular de eleitores. Art. 11, III, da Lei n. 6.091/74.

Procedência parcial no juízo originário.

Acolhimento da prefacial de nulidade do processo em face de coleta do interrogatório em momento anterior à oitiva de testemunhas. Harmonização da norma especial com a norma geral, visando a maior concretização dos direitos fundamentais. Compatibilidade entre o rito previsto no Código Eleitoral com a disposição do art. 400 do Código de Processo Penal, garantindo ao acusado melhores condições ao exercício da ampla defesa e do contraditório. 

Anulação da sentença e determinação de realização de novo interrogatório dos réus, mantendo-se preservados os demais atos da instrução processual. (RC 6106-18, Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, j. em 20 de agosto de 2013.) Grifei.

 

Essa decisão veio confirmar decisões anteriores:

Habeas Corpus com pedido de liminar. Impetração que objetiva o cancelamento de audiência designada para o interrogatório do paciente, assegurando que a oitiva do acusado somente ocorra ao final da instrução. Pleito liminar deferido.

Possibilidade de conciliação do rito disposto no Código Eleitoral, com a alteração introduzida pela Lei n. 11.719/08, ao art. 400 do Código de Processo Penal, o qual prevê a realização do interrogatório ao final da instrução. Harmonização da norma especial com a norma geral, para uma maior concretização das garantias do réu.

Concessão da ordem.

(HC 290-07, Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, julgado em 29.3.2013.)

 

"Habeas Corpus". Pedido liminar indeferido. O juízo de primeiro grau determinou o cancelamento da audiência aprazada. Requerimento que objetiva o trancamento da ação penal ou a inversão do rito para que o interrogatório dos réus ocorra ao final da instrução. Um dos pacientes requer, além do trancamento da ação penal, a sua exclusão do polo passivo da ação penal, face à violação de direitos e prerrogativas ao pleno exercício de sua profissão de advogado. A concessão de "Habeas Corpus" para trancamento de ação penal decorre de construção jurisprudencial, somente deferida em casos excepcionalíssimos, nos quais é flagrante a ocorrência de constrangimento ilegal a determinar pronta reparação. Não vislumbrada a existência da alegada falta de justa causa. Quanto ao pedido de exclusão do polo passivo da demanda, a atuação do paciente vem descrita na peça acusatória, com a narração dos atos por ele perpetrados, não se podendo, em juízo preliminar, sem motivo que descaracterize a prática de eventual delito, deferir o pleito apresentado. Em relação a inversão do rito, o STF considera que a transferência desse importante instituto da defesa para a fase posterior à instrução probatória constitui mecanismo mais eficaz para a garantia da ampla defesa. Deve ser efetivada a harmonização da norma especial e da norma geral, com intuito de maior concretização dos direitos fundamentais. Concessão parcial da ordem, com a manutenção do interrogatório dos réus ao final da instrução.

(HC 145-48, Rel. Dr. Eduardo Kothe Werlang, julgado em 13.11.2012.)

 

Daí, nulo o interrogatório do réu, pois contrariou o disposto nos arts. 394, § 2º, 396 e 400, do Código de Processo Penal. Como já referido, o réu foi interrogado em 13-05-2015 (fls. 328-329), e as testemunhas ouvidas na data de 05 de outubro de 2015 (fls. 375-377). A realização do interrogatório ao final busca melhor concretizar o princípio da ampla defesa. Colaciono excerto do voto proferido pelo Dr. Ingo Sarlet, no RE 6106-18:

O STF, no agravo regimental na Ação Penal n. 528, julgado em 24/03/11, publicado no DJE de 08/06/11, da relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, considerou que a transferência desse importante instituto da defesa para a fase posterior à instrução probatória constitui mecanismo mais eficaz para a garantia da ampla defesa. Nesse sentido, transcrevo excerto do voto condutor, do Min. Ricardo Lewandowski, que, naquela ocasião, citava o Min. Celso de Melo:

“(…) a realização do interrogatório do acusado como o ato final da fase instrutória permitirá a ele ter, digamos, um panorama geral, uma visão global de todas as provas até então produzidas nos autos, quer aquelas que o favorecem, que aquelas que o incriminam, uma vez que ele, ao contrário do que hoje sucede – hoje, o interrogatório como sendo um ato que precede a própria instrução probatória muitas vezes não permite ao réu que apresente elementos de defesa que possam suportar aquela versão que ele pretende transmitir ao juízo processante -, com a nova disciplina ritual e tendo lugar na última fase da instrução (…)

Mas, de todo modo, tendo uma visão global de todos os elementos de informação até então produzidos, ele então poderá estruturar melhor a sua defesa. E, ainda, devemos ter em consideração que o processo penal é, por excelência, um instrumento de salvaguarda dos direitos do réu (Questão de Ordem na Ação Penal 470)”.

 

E os valores tutelados levam à conclusão do caráter absoluto da nulidade, incapaz de ser convalidada. A respeito do tema, a lição de Eugênio Pacelli:

Se, de um lado, é possível admitir-se uma certa margem de disponibilidade quanto à eficiência e à suficiência da atuação das partes (sobretudo e particularmente da defesa), de outro, quando o vício esbarrar em questões de fundo, essenciais à configuração de nosso devido processo penal, não se pode nunca perder de vista a proteção das garantias constitucionais individuais inseridas em nosso atual modelo processual.

[...]

Com efeito, enquanto a nulidade relativa diz respeito ao interesse das partes em determinado e específico processo, os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-se ao processo penal enquanto função jurisdicional, afetando não só o interesse de algum litigante, mas de todo e qualquer (presente, passado e futuro) acusado, em todo e qualquer processo. O que se põe em risco com a violação das formas em tais situações é a própria função judicante, com reflexos irreparáveis na qualidade da jurisdição prestada.

Configuram, portanto, vícios passíveis de nulidade absoluta as violações aos princípios fundamentais do processo penal, tais com o juiz natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do juiz, a da exigência de motivação das sentenças judiciais etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do processo. (Curso de Processo Penal, 13ª ed., 2010, p. 807.)

Desse modo, afetou-se a garantia da mais ampla defesa, não podendo ser convalidada, pois a redução das possibilidades de defesa limita a garantia da liberdade. Merece transcrição a seguinte passagem extraída de acórdão no qual foi relator o Ministro Celso de Mello:

HABEAS CORPUS – DIREITO AO CONTRADITÓRIO PRÉVIO (LEI Nº 10.409/2002, ART. 38) – REVOGAÇÃO DESSE DIPLOMA LEGISLATIVO – IRRELEVÂNCIA – EXIGÊNCIA MANTIDA NA NOVÍSSIMA LEI DE TÓXICOS (LEI Nº 11.343/2006, ART. 55) – INOBSERVÂNCIA DESSA FASE RITUAL PELO JUÍZO PROCESSANTE – nulidade PROCESSUAL ABSOLUTA – OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DO DUE PROCESS OF LAW – PEDIDO DEFERIDO

[...]

- A exigência de fiel observância, por parte do Estado, das formas processuais estabelecidas em lei, notadamente quando instituídas em favor do acusado, representa, no âmbito das persecuções penais, inestimável garantia de liberdade, pois o processo penal configura expressivo instrumento constitucional de salvaguarda dos direitos e garantias assegurados ao réu. Precedentes. (STF, segunda Turma, HC 96.967/SP, sessão de 23.06.2009, DJE de 07.08.2009.)

 

Quanto à falta de prova do prejuízo causado pela realização do interrogatório no início da instrução, não se pode ignorar a dificuldade na demonstração das consequências de uma nulidade, de forma que, nesses casos, deve-se reconhecer a existência de um prejuízo ínsito às ofensas que atingem garantias constitucionais. Sigo aqui o raciocínio do Ministro Carlos Ayres Brito, realizado no voto proferido no HC 103.394, assim ementado:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES, PRATICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS 6.368/1976 E 10.409/2002. OPÇÃO DO JUÍZO PROCESSANTE PELO RITO DA LEI 6368/1976. INOBSERVÂNCIA DO ART. 38 DA LEI 10.409/2002. NULIDADE ABSOLUTA. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. PROVA IMPOSSÍVEL. PREJUÍZO PRESUMIDO. NULIDADE QUE NÃO É DE SER SANADA PELA PRECLUSÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A ausência de oportunidade para o oferecimento da defesa prévia na ocasião legalmente assinalada revela-se incompatível com a pureza do princípio constitucional da plenitude de defesa, mormente em matéria penal. A falta do alegado requisito da defesa prévia à decisão judicial quanto ao recebimento da denúncia, em processo penal constitucionalmente concebido como pleno, deixa de sê-lo. A ampla defesa é transformada em curta defesa, ainda que por um momento, e já não há como desconhecer o automático prejuízo para a parte processual acusada. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessidade de demonstração do prejuízo para a defesa, mesmo nos casos de nulidade absoluta. Todavia, esse entendimento só se aplica quando é logicamente possível a prova do gravame. 3. Em casos como o presente, é muito difícil, senão impossível, a produção da prova do prejuízo. Pelo que o recebimento da denúncia e a condenação dos pacientes passam a operar como evidência de prejuízo à garantia da ampla defesa (HC 84.835, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 4. No campo das nulidades processuais, a preclusão – forma de convalidação do ato praticado em desconformidade com o modelo legal – diz respeito propriamente às chamadas nulidades relativas, porque somente nestas o reconhecimento da invalidade depende de provocação do interessado. 5. Ordem concedida, com determinação de expedição de alvará de soltura dos pacientes.
(HC 103094, Relator:  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 02.08.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 08.02.2012 PUBLIC 09.02.2012.)

 

Colho, ainda, do voto proferido pelo ministro relator:

[…] avançou o ministro Pertence para a consideração de que a natureza absoluta da nulidade não desobriga a defesa de demonstrar o efetivo prejuízo suportado. Isto, é claro, se possível a prova do gravame. Disse Sua Excelência que “não se adstringe ao das nulidades relativas o domínio do princípio fundamental da disciplina das nulidades processuais – o velho pas de nullité sans grief –, corolário da natureza instrumental do processo [...]: donde – sempre que possível –, ser exigida a prova do prejuízo, ainda que se trate de nulidade absoluta. […] Ocorre que – não bastassem o recebimento da denúncia e a superveniente condenação do paciente –, é de prova impossível a demonstração de que, se apresentada a defesa preliminar, no caso, a denúncia não teria sido recebida”.

[…]

11. Com efeito, a orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a inobservância do procedimento do art. 38 da (revogada) Lei 10.409/2002 configura hipótese de nulidade absoluta do processo penal, desde o recebimento da denúncia. Nulidade que traz ínsita a ideia de prejuízo processual, por comprometer a plenitude de defesa e o contraditório, sobretudo quando se haja condenado o réu, pois nunca se pode saber que efeitos produziria na subjetividade do magistrado processante a contradita do acusado quanto ao juízo de recebimento da denúncia. Estou a dizer: em que pesem manifestações desta Casa Constitucional Brasileira no sentido da necessidade de demonstração de prejuízo para o reconhecimento de nulidade absoluta (cito, por amostragem, o HC 99.441, da relatoria da ministra Ellen Gracie), penso que, em casos como o presente, é muito difícil, senão impossível, a produção da prova do prejuízo. Afinal, como provar que a peça defensiva influenciaria o Juízo processante nesse ou naquele sentido?

 

Assim como no precedente citado, entendo que na hipótese dos autos também a prova do prejuízo é de dificílima produção, pois não há como, por exemplo, avaliar de que forma responderia o acusado às perguntas do juiz quando já presente o panorama de toda a prova produzida nos autos. O prejuízo, portanto, é de se entender enraizado ao próprio procedimento desencadeado.

Dessa forma, diante da relevância da garantia constitucional afetada pela inversão do rito e da dificuldade de apurar-se a dimensão do prejuízo sofrido pela parte, entendo por reconhecer a nulidade do interrogatório realizado no início da instrução, podendo essa irregularidade ser suscitada e declarada a qualquer tempo.

Ressalto que a tese invocada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 442v.), no sentido de que se o denunciado – decretado revel – tivesse comparecido à audiência de instrução e julgamento poderia ter pleiteado a renovação do interrogatório, não merece prosperar. Os fatos praticados pelo réu no curso do processo não têm o condão de convalidar uma nulidade absoluta. Eventual inércia do demandado em relação à sua defesa não pode redundar-lhe em prejuízo ao qual não deu causa.

Conclui-se, portanto, que deve ser anulado o interrogatório do réu, extraindo-se dos autos o depoimento do acusado (fls. 328-329), o qual deverá ser novamente realizado como último ato da instrução, renovando-se a oportunidade para alegações finais.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para acolher a preliminar, declarar a nulidade do interrogatório do réu e, também, a nulidade da sentença, e para determinar ao Juízo de 1º Grau que extraia dos autos o depoimento do réu, realize novo interrogatório como último ato da instrução e renove a oportunidade para as partes apresentarem alegações finais, mantendo-se preservados os demais atos da instrução.