RC - 2849 - Sessão: 19/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso criminal contra a sentença do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório/RS – que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta contra EZIO MENGER, absolvendo-o da acusação de incursão nas condutas previstas nos arts. 290 (induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor) e 299 do Código Eleitoral, pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na inicial acusatória (fls. 02-05):

1º Fato: em dia e horário ainda não especificados nos autos, compreendidos no mês de março do ano de 2012, EZIO MENGER, enquanto candidato a Prefeito Municipal no Município de Itati/RS, induziu Adeli de Freitas Espíndula a se inscrever eleitora em Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa (endereço da sogra, Hillda de Oliveira Espíndula) porque tal eleitora, então moradora do Município de Capão da Canoa, nunca residiu no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque incorreu na infração penal prevista no artigo 290 do Código Eleitoral;

2º Fato: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas (1º Fato), o denunciado EZIO MENGER prometeu um emprego para Adeli de Freitas Espíndula na Prefeitura Municipal de Itati com o fito de obter-lhe o voto, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 299 do Código Eleitoral;

4º Fato: em dia e horário ainda não especificados nos autos, compreendidos no mês de março do ano de 2012, EZIO MENGER, enquanto candidato a Prefeito Municipal no Município de Itati/RS, induziu Eva Schmitt de Mattos, Cláudio Rodrigues da Conceição e Luana Mattos da Silva, essa menor na época do fato, a se inscreverem eleitores em Itati, Município abrangido pela 77ª Zona Eleitoral - Osório, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, combinado com o artigo 8º da Lei nº 6.996/1982 e artigo 1º da Lei nº 7.115/83, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa (conta de energia elétrica em nome de Jair Schmidt de Mattos, irmão de Eva Schmitt de Mattos) porque tais eleitores, então moradores do Município de Capão da Canoa, nunca residiram no endereço informado à Justiça Eleitoral, motivo porque Ézio incorreu na infração penal prevista no artigo 290 do Código Eleitoral (duas vezes);

5º Fato: nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas (1º Fato), o denunciado EZIO MENGER, candidato a Prefeito no Município de Itati, prometeu uma casa a Jair Schmitt de Mattos, irmão de Eva Schmitt de Mattos, bem como ofereceu dinheiro para Eva e sua família para pagarem as passagens no dia das eleições em Itati com o fito de obter-lhes o voto, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 299 do Código Eleitoral.

Narra a sentença que a mesma peça acusatória era dirigida contra Adeli de Freitas Espindola, Eva Schmitt de Mattos e Cláudio Rodrigues da Conceição, como incursos no art. 289 do Código Eleitoral (3º e 6º fatos), tendo estes aceito o benefício da Suspensão Condicional do Processo que lhes foi ofertado, restando como réu apenas EZIO MENGER.

Após regular instrução, o juízo de primeiro grau concluiu pela inexistência do 1º e 4º fatos e pela ausência de provas do cometimento dos delitos descritos no 2º e 5º fatos, sendo o acusado absolvido das imputações que lhe foram atribuídas, com fundamento no art. 386, I e III, do Código de Processo Penal (fls. 842-847).

Da sentença absolutória, o Ministério Público Eleitoral interpôs a presente apelação (fls. 859-869), sustentando haver provas suficientes da existência do 1º, 2º, 4º e 5º fatos delituosos, bem como de sua autoria.

Em contrarrazões, o réu suscitou, em preliminar, ausência de requisito para a admissibilidade do recurso, por falta de ataque aos fundamentos da sentença, pugnando pelo não conhecimento do apelo (fls. 875-881).

Nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso, postulando a reforma da sentença para o fim de ser condenado o recorrido às penas do art. 290 (quatro vezes) e 299 (quatro vezes) do Código Eleitoral , na forma do art. 69 do Código Penal (fls. 884-889v.).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1 Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo legal.

1.2 Preliminar de ausência de ataque aos fundamentos da sentença

Em contrarrazões, o recorrido suscita, em preliminar, ausência de requisitos para o conhecimento do recurso por falta de ataque aos fundamentos da sentença, pois o recorrente teria apenas repisado os argumentos das alegações finais (fls. 875-881).

Sem razão o recorrido.

Muito embora o recorrente tenha repetido, em suas razões recursais, os argumentos das alegações finais, acrescentou os motivos do seu inconformismo com a sentença, a qual, no seu entender, não possui lastro na prova produzida.

Considerando que a sentença de improcedência tem como fundamento a ausência de prova dos fatos, o Ministério Público indica onde elas estariam juntadas, referindo-se às fls. 280, 323v. e 362.

Assim, não há falar em ausência de ataque aos fundamentos da sentença.

Afasto, pois, a preliminar.

Mérito

Quanto ao mérito, a questão cinge-se a verificar se há procedência na denúncia realizada pelo Ministério Público Eleitoral da 77ª Zona, dando conta de que EZIO MENGER teria induzido os eleitores nominados no 1º e 4º fatos a alistarem-se na circunscrição eleitoral de Itati-RS e, ainda, oferecido vantagem econômica em troca de votos aos eleitores listados no 2º e 5º fatos.

O Juiz da 77ª Zona Eleitoral entendeu por julgar improcedente a ação, absolvendo o acusado, por concluir pela inexistência de materialidade em relação ao 1º e 4º fatos e de provas relativas ao 2º e 5º fatos.

Adianto que compactuo com a decisão de primeiro grau, pois, na minha compreensão, não há elementos suficientes para a condenação do recorrido, devendo ser mantida a decisão de improcedência da denúncia.

Em relação ao alegado induzimento à inscrição fraudulenta de eleitores (1º e 4º fatos), registro que assisti à mídia contendo a gravação da audiência de instrução e constatei a firmeza, coerência e segurança no depoimento prestado por Valério Neubert, pessoa que vendeu uma chácara localizada em frente a sua residência, para a sogra de Adeli de Freitas Espindola. Declarou que a conhece como “Derli”, e que ela construiu uma casa em Itati depois do ano de 2012 e para lá vai com a sogra quase todos os finais de semana. Em relação aos eleitores Eva Schmitt de Mattos, Cláudio Rodrigues da Conceição e Luana Mattos da Silva, disse que a primeira nasceu e se criou em Itati, é proprietária de um imóvel no lugar, e é esposa do segundo e mãe da terceira.

O testemunho de Jair Scmitt de Mattos, irmão de Eva, foi no mesmo sentido, acrescentando ter sido dela a iniciativa de transferir o título pois “usufruía mais da Prefeitura de Itati”.

Ou seja, todos os eleitores cujas inscrições eleitorais em Itati teriam sido induzidas pelo recorrido, possuíam, à época dos fatos, vínculos com o município: Adeli era proprietária de uma casa e, apesar de morar em Capão da Canoa, ia quase todos os finais de semana para Itati. Não bastasse isso, a sogra de Adeli também tinha uma chácara em Itati, comprada da testemunha Valério, o que também justificaria o vínculo da eleitora com o município. Da mesma forma, Eva era proprietária de um imóvel em Itati, o que torna legítimo não só o próprio domicílio eleitoral no município, como também o do seu cônjuge Cláudio e o da filha Luana. Por esses motivos, não vejo outra conclusão possível a não ser a de que inexistiu a alegada indução dos eleitores à transferência ou inscrição eleitoral mediante fraude.

Percebe-se que tivesse o réu, eventualmente, solicitado aos eleitores a transferência do domicílio eleitoral para Itati – e no caso da então menor Luana, que efetuasse a sua primeira inscrição eleitoral naquele município – o fato não se amoldaria ao tipo penal previsto no art. 290 do Código Eleitoral, cuja locução é "induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código".

Isso porque restou comprovada a possibilidade de os eleitores envolvidos terem o domicílio eleitoral na cidade de Itati, e, por outro lado, não restou configurado vício de vontade no ato de transferência ou alistamento eleitoral praticado por estes ao se cadastrarem no referido município.

Vale lembrar que o conceito de domicílio eleitoral ganhou contornos mais amplos, não sendo possível confundir com o conceito de domicílio civil, sendo suficiente para a sua configuração a existência de algum tipo de vínculo, a exemplo do familiar, patrimonial, político ou social.

A ilustrar, destaco jurisprudência sedimentada do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. VÍNCULO POLÍTICO. SUFICIÊNCIA. PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de que a demonstração do vínculo político é suficiente, por si só, para atrair o domicílio eleitoral, cujo conceito é mais elástico que o domicílio no Direito Civil (AgR-AI nº 7286/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 14.3.2013).

2. Recurso especial provido.

(TSE - REspe 8551 CE, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento 8.4.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 83, Data 7.5.2014, Página 38.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. CONCEITO ELÁSTICO. TRANSFERÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 55, § 1º, III, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.

1. Na espécie, a declaração subscrita por delegado de polícia constitui requisito suficiente para comprovação da residência do agravado e autoriza a transferência de seu domicílio eleitoral, nos termos do art. 55, § 1º, III, do CE.

2. O TSE já decidiu que o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo. No caso, o agravado demonstrou vínculo familiar com o Município de Barra de Santana/PB, pois seu filho reside naquele município.

3. O provimento do presente recurso especial não demanda o revolvimento de fatos e provas, mas apenas sua correta revaloração jurídica, visto que as premissas fáticas encontram-se delineadas no acórdão regional. Precedentes.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE - AgR-AI 7286 PB, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento 5.02.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 050, Data 14.3.2013.) (Grifei.)

Basta, portanto, o liame do eleitor com a circunscrição eleitoral, seja ele de ordem familiar, profissional, comunitária, afetiva, ainda que ausente o elemento material, vale dizer, a própria moradia.

São, portanto, diversas as circunstâncias flexibilizadoras da caracterização do vínculo do eleitor com o local em que pretende exercer sua capacidade eleitoral, o que restou comprovado no caso sob exame.

Ademais, como referido pelo juízo de primeiro grau, o réu respondeu à ação por abuso de poder econômico (RE 509-80.2012.6.21.0077), em que também se investigava o recrutamento de eleitores e utilização de informações falsas referentes ao domicílio, cujos fatos não restaram provados.

Nestes termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela inexistência de materialidade em relação ao 1º e 4º fatos.

Passo à análise dos delitos descritos no 2º e 5º fatos, pelos quais o réu EZIO teria prometido um emprego para a eleitora Adeli de Freitas Espindola, na Prefeitura Municipal de Itati, uma casa a Jair Schmitt de Mattos (irmão de Eva Schmitt de Mattos), bem como oferecido dinheiro para Eva e sua família pagarem as passagens de ônibus no dia das eleições.

Pois bem.

Sustenta o recorrente que os delitos restaram provados pelos depoimentos prestados na fase investigatória à Polícia Federal.

Todavia, o tal oferecimento de vantagem teria ocorrido, segundo a denúncia, em março de 2012, época em que os candidatos sequer haviam sido escolhidos nas respectivas convenções partidárias. Assim, não se mostra razoável que uma pessoa que nem sabia se seria escolhido em convenção ofereceria casa em troca de voto. Não estamos aqui falando em cestas, óculos, combustíveis ou outros bens de pouca expressão econômica, mas de nada mais nada menos do que uma casa.

Concluiu o juízo singular que a prova judicializada não autoriza o reconhecimento desse “favorecimento”, pois em momento algum da instrução do processo se verificou que EZIO tenha prometido a concessão de emprego para Adeli Freitas Espindola e dinheiro e passagens para Jair Schmitt.

A testemunha Valério Neubert disse que não tem conhecimento de que EZIO tenha prometido emprego para Adeli, mas desconfia que o fato não aconteceu, pois desde que Adeli comprou a casa (em Itati), ela sempre disse que era empregada em Capão da Canoa e nunca falou em deixar de trabalhar lá para ir morar em Itati.

No mesmo sentido foi o testemunho de Jair Schmitt de Mattos, o qual afirmou que na época não sabia que o candidato seria EZIO; que houve um período em que o telhado da sua casa estava ruim, mas EZIO não deu ajuda alguma para arrumação, tampouco prometeu casa para ele e seus familiares em troca de votos. A respeito do depoimento de Eva sobre a concessão de uma casa, disse que foi um mal-entendido, pois comentou que seria bom se conseguissem uma chance com o novo governo, independentemente de ser EZIO o candidato. Por fim, informou que EZIO não prometeu dar passagens para que votassem nele.

De fato, os delitos não restaram comprovados na instrução judicial, feita sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, tendo a sentença andado bem, igualmente nesse ponto. É cediço que a condenação na esfera criminal exige prova robusta da prática do delito pelo réu, o que efetivamente não se verifica no caso concreto.

À conclusão idêntica chegou a Corte deste Tribunal ao julgar o recurso interposto nos autos da AIJE 509-80, já mencionada, de cujo acórdão transcrevo o seguinte trecho:

Da mesma forma, também não restou demonstrado que o candidato tenha prometido dar uma casa a Jair Schmitt de Mattos, tio de Luana e irmão de Eva, ou qualquer outro benefício em troca de voto, mas tão somente “uma ajuda”, de modo totalmente genérico, consoante também se infere do trecho de seu depoimento em juízo, referido no decisum:

"Jair Schimtt de Mattos narrou, em depoimento prestado nesta Zona Eleitoral, que reside em Três Pinheiros, via de Itati. Referiu que Eva Schmitt de Mattos é sua irmã, tendo pedido a esta, bem como à filha desta, Luana Mattos da Silva, e ao companheiro de Eva, Cláudio Rodrigues da Conceição, que transferissem seus títulos de eleitores para Itati, para “darem uma força”. Na época, nem sabia que Ezio seria candidato. Negou que Ezio tenha oferecido uma casa ao depoente. Referiu que houve um mal-entendido de parte de Eva e de Cláudio, quando prestaram depoimento na polícia, pois, na verdade, está inscrito há muito tempo para receber uma casa da atual administração, porém não havia ganho até então. Assim, o pedido “para darem uma força” seria para mudar a administração municipal de Itati, e assim, quem sabe, conseguir a casa. Afirmou que vez ou outra ia a comício de Ezio. Asseverou que “não engolia” muita coisa da atual administração. Botou uma bandeira do PP na sua casa. Eva pretendia construir uma casa em Itati, portanto poderia “dar a força” pedida pelo depoente, para votar em seu candidato. Esclareceu que “a força” seria votarem no mesmo partido do depoente, mas ainda não sabia quem seria o candidato quando fez o pedido a Eva, Cláudio e Luana. Jair pagaria as passagens de ônibus para votarem no dia das eleições. O vizinho Luiz deu uma carona, transportando Eva, Cláudio e Luana até o Cartório Eleitoral para transferirem o domicílio eleitoral, o que ocorreu por ser comum em Itati os vizinhos se auxiliarem mutuamente" (fls. 114-116). (Grifei.)

Como se observa, a própria testemunha Jair teria solicitado a seus familiares que transferissem seus títulos eleitorais para o Município de Itati, a fim de lhe “darem uma força”, votando em seu partido, pois há tempos estava inscrito em um programa do governo, com o objetivo de ser contemplado com imóvel para fins residenciais, mas a atual administração em nada lhe favorecia.

[…]

Em relação à alegada promessa de emprego na Prefeitura de Itati à eleitora Adeli de Freitas Espindola, tenho que não houve comprovação da ocorrência. Conforme declarou em juízo nas fls. 175/176, Adeli esteve presente na visita que o candidato fez à sua sogra, Hilda, quando apresentou suas propostas políticas. Durante a conversa, por iniciativa sua, a testemunha mencionou já ser funcionária pública de Capão da Canoa e que, por ser possível, teria interesse em fazer uma permuta com um funcionário que trabalhasse em Itati, com o que concordou o candidato. A testemunha foi enfática ao negar que este lhe tenha oferecido proposta de emprego.

Convém ressaltar: embora na fase inquisitorial as testemunhas tenham apontado fortes indícios de envolvimento do recorrente Ezio Menger com as práticas ilícitas referidas na peça pórtica, tais versões não restaram confirmadas em juízo. A prova judicial não permite afirmar que tenha havido promessa de recompensa ou vantagem em troca de transferência de domicílio eleitoral para Itati.

Portanto, é preciso considerar que, apesar de as instâncias cível e penal serem independentes, a conduta imputada ao recorrido pelo 2º e 5º fatos também já foi alvo de apreciação por este Tribunal em sede de AIJE, de número 509-80, restando assentado, de forma unânime, que: “A prova judicial não permite afirmar tenha havido promessa de recompensa ou vantagem em troca da transferência do domicílio eleitoral para Itati”.

Transcrevo a ementa do acórdão:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Candidato a prefeito. Eleições 2012.

Parcial procedência da representação no juízo originário, para declarar a inelelegibilidade do representado não eleito.

Alegada condução de eleitores ao cartório eleitoral com o fim de promover inscrição e transferência fraudulentas de títulos eleitorais, bem como prometer benesses em troca do voto e oferecer transporte aos locais de votação no dia do pleito.

Conjunto probatório desprovido de elementos suficientes a confirmar a prática dos atos imputados ao recorrente.

A inexistência de prova estreme de dúvidas de abuso de poder impede a prolação de juízo condenatório. Afastada a sanção imposta.

Provimento.

(TRE-RS – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 509-80, Acórdão de 19.11.2013, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.)

Vale registrar que, em princípio, a natureza de ultima ratio da persecução penal não autorizaria o reconhecimento de que uma conduta, considerada sem força para atrair punição na seara civil, seja considerada ato penalmente relevante em sede de apuração dos fatos pelo juízo criminal.

Desse modo, evidencia-se que o caderno probatório não se mostra suficiente ao juízo condenatório.

Ademais, a dúvida deve militar sempre em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário.

Acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 294-298):

[...] toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou ideia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.

Nestes termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação dada a ausência de materialidade do 1º e 4º fatos, e de provas quanto ao 2º e 5º fatos.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença recorrida.

É como voto, Senhor Presidente.