RC - 2764 - Sessão: 19/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso criminal contra a sentença do Juízo da 77ª Zona Eleitoral – Osório – que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta em desfavor de DEROCI OSÓRIO FERNANDES MARTINS, absolvendo-o da acusação de incursão na conduta prevista no artigo 290 do Código Eleitoral (induzimento à inscrição fraudulenta de eleitor), pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na inicial acusatória (fls. 02-07):

1º Fato Em dia e horário não especificados, compreendidos no primeiro semestre do ano de 2012, enquanto candidato a vereador no Município de Itati/RS, induziu os eleitores Rubens de Castro Gomes e Maria Rosane Mattos de Souza Gomes a se inscreverem eleitores em Itati, RS, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de conta de luz de outrem, eis que moradores de Capão da Canoa e nunca residiram no endereço de Itati, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 290, do código Eleitoral (2 vezes);

3º Fato Em dia e horário não especificados, compreendidos no primeiro semestre do ano de 2012, enquanto candidato a vereador no Município de Itati/RS, induziu os eleitores Luciani Siqueira de Souza e sua nora Anelise dos Santos, a se inscreverem eleitores em Itati, RS, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral, com inflação ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de conta de luz de outrem, eis que moradores de Terra de Areia e nunca residiram no endereço de Itati, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 290, do Código Eleitoral (2 vezes);

5º Fato Em dia e horário não especificados, compreendidos no primeiro semestre do ano de 2012, enquanto candidato a vereador no Município de Itati/RS, induziu o eleitor Gilnei da Silva Rocha a se inscrever eleitor em Itati, RS, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, por meio de transferência fraudulenta de seu domicílio eleitoral, mediante apresentação de conta de luz de outrem, eis que morador de Terra de Areia e nunca residiu no endereço de Itati, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 290, do Código Eleitoral (1 vez);

7º Fato Em dia e horário não especificados, compreendidos no primeiro semestre do ano de 2012, enquanto candidato a vereador no Município de Itati/RS, induziu os eleitores Antônio Martins dos Reis, seu irmão, e Dilu Ciliomar dos Santos Reis (esposa de Antônio) a se inscreverem eleitores em Itati, RS, abrangido pela 77ª Zona Eleitoral, com infração ao disposto no artigo 55 e seguintes do Código Eleitoral, por meio de transferência fraudulenta de seus domicílios eleitorais, mediante apresentação de conta de luz de outrem, eis que moradores de Capão da Canoa e nunca residiram no endereço de Itati, incorrendo, assim, na infração penal prevista no artigo 290, do código Eleitoral (2 vezes).

Após regular instrução, sobreveio sentença de improcedência da ação penal eleitoral, sendo o acusado absolvido das imputações que lhe foram atribuídas, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal (fls. 779-785).

Da sentença absolutória o Ministério Público Eleitoral interpôs apelação (fls. 815-834), sustentando haver provas suficientes da existência dos fatos delituosos, bem como de sua autoria.

Apresentadas contrarrazões (fls. 840-844), nesta instância os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso, postulando a reforma da sentença para o fim de ser condenado o recorrido às penas do art. 290 do Código Eleitoral (sete vezes), na forma do art. 69 do Código Penal (fls. 847-853).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

A questão cinge-se a verificar se há procedência na denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral da 77ª Zona, dando conta de que Deroci Osório Fernandes Martins teria induzido os eleitores nominados nos 1º, 3º, 5º e 7º fatos a alistarem-se na circunscrição eleitoral de Itati.

O Juiz da 77ª Zona Eleitoral entendeu por julgar improcedente a ação, absolvendo o acusado, por concluir que "inexiste prova acerca da indução de parte de Deroci a que os eleitores identificados nos 1º, 3º, 5º e 7º fatos, para o alistamento eleitoral em Itati, para o fim de obter seus votos".

Adianto que compactuo com a decisão de primeiro grau, pois na minha compreensão, em que pesem as judiciosas razões recursais trazidas pelo Ministério Público Eleitoral junto à origem, e corroboradas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, não há elementos suficientes para a condenação do recorrido, devendo ser mantida a decisão de improcedência da denúncia.

Conforme consignado na sentença, todas as testemunhas ouvidas em juízo manifestaram que Deroci jamais solicitou aos eleitores referidos na denúncia que se cadastrassem para votar no município de Itati. Informaram, de igual modo, que a campanha eleitoral do recorrido transcorreu normalmente, sem que houvesse por parte dele oferta de dinheiro ou qualquer outro benefício para angariar votos.

A testemunha Darci Eberhardt, disse que "conhece Deroci e esse exerce atividade de agricultura, que trabalha na roça e cuidando de gado. Disse que a campanha de Deroci é sem dinheiro, sem nada".

No mesmo sentido foi o testemunho de José Paulo Menger ao afirmar que "conhece Deroci desde que era guri, e sua atividade principal é a agricultura. Sobre as campanhas políticas feitas por Deroci eram normais".

Por sua vez, Perci Justin disse "que Deroci pedia voto para as pessoas em suas casas, mas nunca ofereceu dinheiro. Sabe que Deroci trabalha na roça. Que durante a sua campanha eleitoral, somente ia nas casas pedir voto".

Já Deoclécio Mittmann da Silva afirmou em seu testemunho que "sobre os fatos da denúncia, não tem nenhum conhecimento. Sobre a campanha de Deroci, manifestou que ele passava nas casas, mas nunca ofereceu dinheiro".

Uma das acusadas pelo Ministério Público, Maria Jaci Eberhardt da Silva, afirmou em juízo "que o réu Deroci jamais lhe solicitou para que [...] transferisse o título eleitoral para Itati e que o fez por causa de sua mãe, a qual possui 90 anos de idade e que, como vem muito ver sua mãe, resolveu transferir o seu título eleitoral. Disse que o depoimento de fl. 33 do processo, embora seja sua a assinatura, não o leu e somente mandaram que assinasse. Manifestou que mora na propriedade em Itati desde que era pequena e que foi comprada por seu pai de seu avô e está em seu nome".

Outro denunciado, Marcionilio Espíndula da Silva, em seu interrogatório "contou que votava na cidade de Terra de Areia, mesmo depois de ter ido morar em Gravataí e no ano de 1972 transferiu para Cachoeirinha, depois para Gravataí e agora para Itati. Que, para realização da transferência do título eleitoral, acha que utilizou a conta de luz. Que Deroci não pediu para transferir para votar em Itati. Disse que tem criação de gado em Itati e que a conta de luz em Itati está no nome de sua esposa".

O magistrado de piso também analisou com extrema acuidade os depoimentos prestados nos autos da AIJE n. 510-65 – cujas peças foram juntadas a estes autos, na condição de prova emprestada, a pedido do Ministério Público – concluindo igualmente não haver provas de que Deroci tenha induzido os eleitores consignados na denúncia a inscreverem-se no município de Itati de forma fraudulenta.

Na referida AIJE, foi ouvido Gilnei da Silva Rocha, o qual teria sido compelido por Deroci a inscrever-se como eleitor em Itati. Gilnei afirmou que (fl. 574):

Mora em Terra de Areia. Transferiu o título de eleitor para Itati. Transferiu no mês de abril de 2012. O depoente tem uma sobrinha que reside na cidade de Itati. Possui vínculo muito próximo com sua sobrinha. Faz consulta médicas em Itati, pois não tem atendimento adequado para o seu problema de saúde em Terra de Areia. (...) Transferiu o título porque quis. Compareceu no Cartório Eleitoral de Osório para transferir o título. Pegou carona com Deroci. Pediu carona porque ouviu falar por outras pessoas que se o depoente pedisse, Deroci daria. Deroci passou em Terra de Areia e pegou o depoente. Veio sozinho com Deroci. Não sabia que Deroci era candidato. Ficou sabendo depois. Não pode votar. Foi pressionado na Polícia Federal. Pensa que isso se deu porque não tem muito conhecimento da Lei. Não pensou que a transferência de título daria problemas. As perguntas são feitas com muito rapidez. Aqui, se tem tempo para responder. Na Polícia Federal não. (...) Pelo MP: Não sabia que Deroci era vereador em Itati. Não conversou sobre o seu médico com Deroci, conversou apenas com sua sobrinha, pois ela fazia seu encaminhamento par ao médico. Recorda do depoimento que deu na Polícia Federal. Não disse na Polícia Federal que Deroci quem influenciou o depoente para transferi o título. Se está escrito, foi porque foi forçado. (...) Deroci não falava de política com o depoente. Não leu seu depoimento na Polícia Federal antes de assinar. Se tivesse a oportunidade de votar no pleito de 2012, não votaria em Deroci. Escolheria na hora. (...) Usou o comprovante de residência de sua sobrinha para fazer a transferência do título (…).

Viviane Carlos Rocha, também ouvida na AIJE n. 510-65, informou que (fl. 575):

Reside em Itati. Trabalha no Posto de Saúde daquela cidade. Conhece Deroci de vista. Deroci é vereador de Itati e foi reeleito. Deroci já foi Secretário de Obras e de Saúde. Quando Deroci foi Secretário de Saúde, já trabalhava no posto de saúde. Deroci era seu chefe. Gilnei é seu tio. Gilnei vai uma vez por mês em Itati, pois suas consultas médicas se dão em Itati. Toda vez que Gilnei vai em Itati, vai na casa da depoente. Gilnei comentou com a depoente que queria transferir o título de eleitor para Itati, para conseguir marcar as consultas com mais facilidade. Gilnei pediu comprovante de residência para a depoente e a depoente deu, pois Gilnei precisava comprovar que residia em Itati. Pensa que Gilnei veio até o Cartório Eleitoral em Osório de carona com um conhecido da depoente. Não sabe dizer se Deroci pediu para eleitores de outas cidades transferirem o título de eleitor para Itati. Há muitas pessoas que residem em outros lugares e vão até Itati para consultar (…).

Por sua vez, Sadi Eberhardt Aresi, igualmente ouvido na AIJE, narrou que (fl. 579):

É irmão de Darci. Não é amigo de Deroci, é conhecido. Deroci é vereador e foi candidato na última eleição. Deroci não foi até sua casa pedir votos. Apenas sua cunha, que foi candidata, foi até sua casa. Pela Defesa: conheceu Rubens agora, pois ele comprou um terreno de seu irmão. (...) A esposa de seu irmão a quem forneceu a conta de luz com declaração para Rubens e Maria Rosane transferirem o título. Não sabe dizer por quem é fornecida a energia elétrica da casa do Rubens (…).

Também ouvidos nos autos da AIJE n. 510-65 (mídia juntada à fl. 585), Rubens de Castro Gomes, Maria Rosane Mattos de Souza, Antônio Martins dos Reis, Dilu Cilomar dos Santos Reis e Dolores Hoffman Maciel prestaram esclarecimentos justificando de forma coerente e convergente os motivos que os levaram a realizar a transferência de seus títulos eleitorais para o município de Itati.

Ainda é preciso considerar que, apesar de as instâncias cível e penal serem independentes, a conduta imputada ao recorrido pelos 1º, 5º e 7º fatos já foi alvo de apreciação por este Tribunal em sede de AIJE, de número 510-65, restando assentado, de forma unânime, que: “A prova judicial não permite afirmar tenha havido promessa de recompensa ou vantagem em troca da transferência do domicílio eleitoral para Itati”. Transcrevo a ementa do acórdão:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Vereador. Eleições 2012

Parcial procedência da ação no juízo originário, para declarar a inelelegibilidade do representado.

Conjunto probatório frágil para demonstrar a alegada prática de recrutamento indevido de eleitores para a transferência de títulos, bem como o oferecimento de transporte no dia das eleições.

Ausência de elementos suficientes para formar convicção acerca dos ilícitos apontados. A inexistência de prova estreme de dúvidas de abuso de poder impede a prolação de juízo condenatório. Afastada a sanção imposta ao recorrente.

Prejudicado o apelo ministerial.

Provimento do recurso remanescente.

(TRE-RS – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 510-65, Acórdão de 28.11.2013, Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère.)

Em princípio, tem-se que a natureza de ultima ratio da persecução penal não autoriza o reconhecimento de que uma conduta considerada sem força para atrair punição na seara civil seja considerada ato penalmente relevante em sede de apuração dos fatos pelo juízo criminal.

É cediço que uma conduta pode ser considerada, concomitantemente, ilícito cível (ou administrativo) e ilícito penal, desde que haja alto grau de reprovação social da conduta tipificada como crime pelo legislador, situação comum no Código Eleitoral e na Lei n. 9.504/97.

Todavia, no presente caso há de se observar que o conteúdo do acórdão da AIJE apontou que: "não há elementos suficientes para formar-se a convicção acerca dos ilícitos apontados, uma vez que a prova testemunhal produzida em juízo não tem força suficiente para confirmar a prática do abuso econômico, restando prejudicada a análise da potencialidade lesiva do bem jurídico tutelado".

No aresto restou ainda consignado que: "Como é cediço, é imprescindível a existência de prova conclusiva e firme, submetida ao crivo do contraditório e capaz de demonstrar a certeza indispensável para deflagrar o grave ato de impor, como no caso em tela, a inelegibilidade pelo período de oito anos. O que, com a devida vênia do recorrente, não restou comprovado naqueles autos".

No caso concreto, conforme consignado na sentença, "o Ministério Público não logrou êxito em provar que Deroci induziu os eleitores (…) a transferirem seu domicílio eleitoral".

Isso porque restou comprovada a possibilidade de os eleitores envolvidos terem o domicílio eleitoral na cidade de Itati, e, por outro lado, não restou configurado vício de vontade no ato de transferência ou alistamento eleitoral por eles praticado ao cadastrarem-se no referido município.

Vale lembrar que o conceito de domicílio eleitoral ganhou contornos mais amplos, não sendo possível confundir com o conceito de domicílio civil, sendo suficiente para sua configuração a existência de algum tipo de vínculo, a exemplo do familiar, patrimonial, político ou social. A ilustrar, destaco jurisprudência sedimentada da Corte Superior:

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. VÍNCULO POLÍTICO. SUFICIÊNCIA. PROVIMENTO.

A jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de que a demonstração do vínculo político é suficiente, por si só, para atrair o domicílio eleitoral, cujo conceito é mais elástico que o domicílio no Direito Civil (AgR-AI nº 7286/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 14.3.2013).

2. Recurso especial provido.

(DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 83, Data 07.05.2014, Página 38, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. CONCEITO ELÁSTICO. TRANSFERÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 55, § 1º, III, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.

1. Na espécie, a declaração subscrita por delegado de polícia constitui requisito suficiente para comprovação da residência do agravado e autoriza a transferência de seu domicílio eleitoral, nos termos do art. 55, § 1º, III, do CE.

2. O TSE já decidiu que o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo. No caso, o agravado demonstrou vínculo familiar com o Município de Barra de Santana/PB, pois seu filho reside naquele município.

3. O provimento do presente recurso especial não demanda o revolvimento de fatos e provas, mas apenas sua correta revaloração jurídica, visto que as premissas fáticas encontram-se delineadas no acórdão regional. Precedentes.

4. Agravo regimental não provido.

(Acórdão de 05.02.2013. Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI.)

Basta, assim, um mínimo de liame do eleitor com a circunscrição eleitoral, seja ele de ordem familiar, profissional, comunitária, afetiva, ainda que ausente o elemento material, vale dizer, a própria moradia.

São, desse modo, diversas as circunstâncias flexibilizadoras da caracterização do vínculo do eleitor com o local em que pretende exercer sua capacidade eleitoral, o que restou comprovado no caso sob exame.

Portanto, evidencia-se que o caderno probatório não se mostra suficiente ao juízo condenatório.

Ademais, e é princípio constitucional, a dúvida deve militar em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário.

Acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal - 11ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, pp. 294-298):

[...] toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.

Nesses termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo-se íntegra a sentença recorrida.

É como voto, senhor Presidente.