PET - 17311 - Sessão: 15/03/2016 às 17:00

O presente pedido de decretação de perda do mandato eletivo está sendo dirigido a vereador de município do nosso Estado,que deixou o partido pelo qual foi eleito e pretende levar consigo o mandato.

Em casos como esse, que costumam ter volume aumentado em ano de eleição municipal, este Tribunal debruça-se a verificar a existência de conflitos que se originam no seio das agremiações, muitas das vezes envolvendo questões interna corporis que hodiernamente escapam à competência da Justiça Eleitoral, dadas as hipóteses de justa causa que garantem aos mandatários o desligamento com a manutenção do cargo eletivo.

Enquanto a hipótese relativa à grave discriminação política pessoal reveste-se de natureza intrinsecamente subjetiva, as demais exceções à regra da perda do mandato: criação de novo partido (revogada pelo art. 22-A, da Lei n. 13.165/15), migração partidária durante o período de “janela”, e mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, pautam-se por critérios mais objetivos.

Logo após a publicação da Resolução n. 22.610/07, o TSE foi instado a manifestar o entendimento sobre o alcance e a interpretação da hipótese, merecendo relevo a recente orientação constante na Ação Cautelar n. 18578, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE - 31.3.2014):

A hipótese de mudança substancial do programa partidário, prevista na alínea d do art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007, diz respeito, como a própria definição estabelece, à alteração do programa partidário, que, por definição constitucional, tem caráter nacional (CF, art. 17, I). Para a caracterização da hipótese, é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante.

Entende-se que, para a configuração da mudança substancial ou do desvio reiterado do programa partidário, devem ser demonstradas as significativas alterações programáticas e ideológicas no estatuto da agremiação.

A interpretação é a de que a mudança substancial do programa partidário deve ser comprovada com o confronto entre o dispositivo estatutário anterior e aquele resultante da alteração. Quanto ao desvio reiterado do programa, é preciso apontar quais ações e decisões concretas foram tomadas pelo partido contra disposição prevista no seu estatuto.

Esses elementos, objetivamente considerados, não foram minimamente demonstrados pelo mandatário. E não se pode confundir mudança substancial do programa partidário com eventual desvio ético de alguns membros de um partido – uma coisa é a instituição, outra coisa são os homens e mulheres que a compõem. Não há qualquer relevância a referência feita a comportamentos externos a este processo, a maioria deles ainda dependente de julgamento ou de trânsito em julgado. O que importa é que o demandado elegeu-se vereador pelo partido demandante, utilizando os votos de outros correligionários para alcançar o quociente eleitoral. Esse é o fato relevante nesta ação.

Ainda assim, apenas por gosto ao debate, dou relevo a dois apontamentos específicos realizados quanto ao caso concreto: o primeiro, relativo à afirmativa do próprio mandatário infiel, no sentido de que combinou com o partido que deixaria o cargo em maio deste ano; e o segundo, atinente ao fato de que, no ano de 2012, em que foi eleito pelo PT ao cargo de vereador, a Ação Penal n. 470 já estava com julgamento iniciado no STF e ocupava amplo espaço na mídia, consolidando-se como um escândalo político nacional.

Em verdade, consta dos autos, e é dado público obtido junto ao site do TSE, que o vereador LEO BÜTTENBENDER se filiou ao Partido dos Trabalhadores em 13.7.2011. Igualmente, é pública a informação de que a Ação Penal n. 470 iniciou sua tramitação em 12.11.2007.

Em 2011, o assunto invocado pela defesa, corrupção, estava presente diariamente nos meios de comunicação em geral, na televisão, nas rádios, nas manchetes dos jornais do país e em outras tantas revistas que noticiavam os acontecimentos políticos da época.

Nada disso impediu que o requerido buscasse filiação ao PT e, no ano seguinte, concorresse a cargo eletivo invocando a orientação política adotada e fomentada pelo Partido dos Trabalhadores, logrando vitória nas urnas e elegendo-se vereador de Dois Irmãos.

Salienta-se, muito embora a mídia dê maior relevo aos malfeitos de um único partido, que o acórdão da AP n. 470 concluiu por condenar integrantes de outras siglas: Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PL, atual PR), Jacinto Lamas (PL, atual PR), Pedro Corrêa (PP), João Cláudio Genú (PP), José Borba (PMDB), Romeu Queiroz (PTB-MG), Carlos Alberto Rodrigues (PL), Emerson Palmieri (PTB) e Pedro Henry (PP) – (STF, Informativos 673 a 685 e 687 a 690).

Também não se pode perder de vista que no escândalo político mais recente invocado pelo requerido, relativo à operação policial “Lava Jato”, apura-se a existência de desvios na Petrobras que remontam ao governo do partido que atualmente faz oposição ao PT e que anteriormente estava à frente do Poder Executivo, conforme se extrai da reportagem do jornal Estadão intitulada Ex-gerente da Petrobrás diz ter recebido propina desde 1997 (publicada em 05.02.2015, disponível em http://politica.estadao.com.br/).

De acordo com as informações prestadas para a imprensa, 28 siglas receberam dinheiro das empreiteiras investigadas na Lava Jato nas duas últimas eleições gerais. A operação investiga doações eleitorais efetuadas em 2010 e 2014 principalmente a candidaturas do PT, do PSDB e do PMDB, estando de fora apenas as legendas de esquerda e extrema esquerda: PSOL, PCB, PSTU e PCO (conforme matéria do Jornal O Globo publicada em 19.12.2014, disponível em http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/).

Em 06.3.2015, o relator, Ministro Teori Zavascki, retirou o segredo de justiça do processo, revelando os políticos investigados, assim listados pelo Jornal O Globo (http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/ministro-do-stf-autoriza-investigacao-de-politicos-na-lava-jato.html):

O PP é o partido com mais políticos investigados, são 32 pedidos de abertura de inquérito: senadores Ciro Nogueira, Benedito de Lira e Gladson Cameli; o ex-ministro e deputado Aguinaldo Ribeiro; os deputados Simão Sessim, Nelson Meurer, Eduardo da Fonte, Luiz Fernando Faria, Arthur Lira, Dilceu Sperafico, Afonso Hamm, Jeronimo Goergen, Luiz Carlos Heinze, Renato Molling, Sandes Júnior, Roberto Balestra, Missionário José Olímpio, Lázaro Botelho Martins, Roberto Pereira de Brito, José Otávio Germano e Waldir Maranhão; e os ex-deputados João Pizzolatti, Pedro Corrêa, Roberto Teixeira, Aline Corrêa, Carlos Magno, José Linhares Ponte (o Padre Zé), Pedro Henry, João Felipe de Souza Leão, Vilson Covatti, Luiz Argôlo, que hoje está no Solidariedade, e Mário Negromonte, que foi ministro das Cidades.

O PMDB tem sete nomes na lista: os senadores Edison Lobão, Valdir Raupp, Romero Jucá e o presidente do Senado, Renan Calheiros; os deputados Anibal Ferreira Gomes; o presidente da Câmara Eduardo Cunha; e a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

Dois parlamentares, de outros dois partidos, também estão na lista: o senador e ex-governador de Minas Gerais pelo PSDB, Antonio Anastasia, e o senador pelo PTB, e ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello.

O lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB, também faz parte da lista.

É bem verdade que esses escândalos rendem à imprensa mais ibope do que outras ações políticas que também são objeto de investigação criminal, a exemplo das malfadadas apurações de existência de “Mensalão Tucano”, “Máfia do Bicheiro Carlinhos Cachoeira”, “Cartel dos Metrôs de SP e DF”, “Privataria Tucana”, e até mesmo de corrupção para aprovação da “Emenda da Reeleição”.

Não é por menos que, atualmente, afirma-se que o Brasil é um país polarizado.

Mas, todos esses fatos evidenciam que a Justiça Eleitoral deve analisar com cautela os argumentos invocados por partidos e filiados nas ações de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária, principalmente em casos como o ora analisado, em que se alega “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário”.

Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário não equivalem ao estado de decepção com as atitudes tomadas por companheiros de partido, quanto mais quando, em mandato obtido em eleição municipal, levanta-se irresignação com atitudes realizadas por filiados que representam a agremiação em âmbito nacional.

Mudança substancial ou desvio reiterado são escusas que não se prestam para resolver inconformismo contra filiado que infringiu a lei, ainda que figure como líder da agremiação. Não se julga, em sede de ação de perda de cargo eletivo, a insatisfação pessoal de ter como correligionário alguém que está sendo investigado criminalmente, ou até mesmo que foi condenado, por prática de infração penal.

Os atos de filiação e de desfiliação são de livre escolha de qualquer cidadão, não cabendo à Justiça Eleitoral decidir qual partido é mais honesto, qual é o menos corrupto, qual escândalo midiático tem o condão de suprimir o dever de fidelidade partidária.

Essa escolha cabe tão somente ao filiado.

Acima de tudo, nenhuma das ações penais relatadas pelo vereador foi dirigida contra a instituição do partido enquanto pessoa jurídica de direito privado. Conforme bem observa a relatora, é preciso diferenciar as instituições das pessoas. Não se olvida que, em todas as siglas, e o PT não é exceção, há políticos que são considerados exemplo de estadistas, com história de vida que não está marcada por escândalos envolvendo desvios e corrupção.

Há os bons políticos e os maus políticos, e os escândalos de corrupção relatados na defesa demonstram, a quem quiser ver, que não há só um partido envolvido. É preciso ter senso crítico para separar o joio do trigo sem desmerecer uma classe, uma profissão, uma instituição.

O campo político é voltado a paixões que não raro permeiam amor e ódio devido ao jogo de poder, vaidades e interesses que somente os participantes conseguem desvendar plenamente.

Não se trata aqui de atacar ou defender agremiações. O julgamento deve ser, o quanto possível, pautado por elementos objetivos de prova.

Por isso, com respeito ao entendimento diverso, penso que seja temerário chancelar desfiliações partidárias sem perda do mandato quando fundamentadas em ações judiciais dirigidas a determinados integrantes de agremiações, na invocação de um senso comum de insatisfação com a política e com os políticos em nível nacional, elegendo-se um partido individual como o destinatário de um inconformismo que se espalha de forma generalizada em todos nós cidadãos.

Veja-se que o Presidente da Câmara de Deputados, exponente nome no PMDB, é alvo de investigação em três inquéritos policiais relacionados à Lava Jato e está inclusive sendo processado junto à Comissão de Ética da Câmara. Caso um mandatário filiado ao PMDB invoque esse fato, entenderá este Tribunal que está legitimado a deixar o partido sem perda do mandato?

Eduardo Azeredo, do PSDB, foi condenado a 20 anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro no escândalo denominado “Mensalão tucano”. Esse fato legitima parlamentares do PSDB a migrar de partido levando consigo o mandato eletivo?

E no âmbito local, em que as disputas são mais acirradas e as relações muito mais próximas? Estará aberto o sinal para que parlamentares se desfiliem quando este Tribunal cassar o registro e até o mandato de candidatos das majoritárias por compra de votos, abuso de poder e uso da máquina pública?

Soa até mesmo contraditório que o desabono de um partido seja pretexto de garantia para que filiados que o abandonem não percam o mandato eletivo, em virtude do sistema eleitoral brasileiro, o qual considera legítimas as coligações partidárias providencialmente formadas em período eleitoral, nas quais, não raras vezes, observa-se o aglomerado de agremiações que caminham em direções opostas fora da época das eleições, sequer havendo necessidade de simetria entre as pactuações ocorridas em âmbito nacional e estadual.

Considerar que escândalos de corrupção possam determinar a saída de filiados portando os mandatos obtidos pelos partidos é relegar ao clamor social, movido, no mais das vezes, por publicações midiáticas seletivas, a decisão final sobre a existência ou não de infidelidade partidária.

Com essas razões, acompanho a conclusão de que o requerido não demonstrou em que ponto o partido efetuou mudança ou desvio do seu programa partidário, considerando que as investigações criminais a que são submetidos os seus correligionários, ainda que repercutam de forma ampla na imprensa nacional, não legitimam a saída da agremiação sem prejuízo do mandato, por ausência de previsão legal.