RE - 1446 - Sessão: 28/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por AUSTRAL INCORPORADORA E URBANIZADORA LTDA - ME contra decisão do juízo da 169ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no artigo 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a recorrente.

Na sentença (fls. 106-110), a magistrada entendeu comprovada a doação de R$ 7.800,00, reconhecendo o próprio valor doado como excesso, uma vez que a empresa não obteve faturamento no ano anterior à eleição. Concluiu que, caracterizada a transgressão à norma, impõe-se a penalidade prevista no artigo 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Condenou a representada à pena de multa no valor de R$ 39.000,00 e à pena de proibição de participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público por cinco anos.

Em suas razões recursais (fls. 114-119), a empresa sustenta a ocorrência de erro material, alegando que a doação foi realizada pela pessoa física do seu sócio-administrador. Requer, sob o argumento da boa-fé, a reforma da sentença, para que seja julgada totalmente improcedente a representação.

Com as contrarrazões (fls. 121-122), nesta instância, os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo parcial provimento do recurso para afastar as sanções de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público (fls. 130-135).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A representada foi intimada em 04 de dezembro de 2015 (fls. 111-112), sexta-feira, e interpôs o recurso no dia 09 do mesmo mês, quarta-feira, dentro do prazo de 3 dias previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

Passo ao exame do mérito.

Cuida-se de recurso em representação por doação acima do limite legal previsto no artigo 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Na hipótese dos autos, está comprovado que a empresa representada efetuou doação, no pleito de 2014, no valor de R$ 7.800,00 (fl. 09), e que não obteve faturamento bruto no ano anterior à eleição – 2013 (anexo 1). Assim, a recorrente não poderia efetuar doação alguma, sob pena de multa sobre todo o valor doado. Essa é a linha da jurisprudência que acosto, com grifos meus:

RECURSO ELEITORAL. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/1997. ELEIÇÕES 2012. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. EXCESSO DE DOAÇÃO COMPROVADO.EMPRESA SEM FATURAMENTO NO ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO NÃO PODE REALIZAR DOAÇÕES DE CAMPANHA. ALEGAÇÃO SOBRE ERRO DE TERCEIRO. DESACOLHIMENTO. DESPROVIMENTO. 1. PESSOAS JURÍDICAS PODERÃO FAZER DOAÇÕES EM DINHEIRO OU ESTIMÁVEIS EM DINHEIRO PARA CAMPANHAS ELEITORAIS, OBEDECIDO O LIMITE DE DOIS POR CENTO (2%) DO FATURAMENTO BRUTO AUFERIDO NO ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO, SOB PENA DE MULTA (ARTIGO 81, § 2º, DA LEI DAS ELEICOES). 2. NO CASO, EXCESSO DE DOAÇÃO COMPROVADO POR INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL. O ESTABELECIMENTO DO FATURAMENTO OU RENDIMENTO BRUTO COMO PARÂMETRO PARA A FIXAÇÃO DE LIMITE DE DOAÇÃO NÃO ADMITE OUTRA INTERPRETAÇÃO SENÃO A DE QUE AO DOADOR SEM FATURAMENTO OU RENDIMENTO NO ANO ANTERIOR ÀS ELEIÇÕES É VEDADO REALIZAR DOAÇÕES PARA CAMPANHAS ELEITORAIS. 3. EVENTUAL ERRO DE TERCEIRO (CONSELHEIRA QUE NÃO TINHA PODERES PARA REPRESENTAR A RECORRENTE, MAS ASSINOU OS RECIBOS ELEITORAIS) DEVERÁ, SE O CASO, ACARRETAR REPARAÇÕES PELAS VIAS PRÓPRIAS, NÃO SERVINDO TAL ALEGAÇÃO PARA DESCARACTERIZAR O ILÍCITO CONSTATADO. 4. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE-SP - RE: 7514 SP, Relator: SILMAR FERNANDES, Data de Julgamento: 07.07.2014, Data de Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 14.07.2014.)

Inequívoca, portanto, a ofensa ao referido dispositivo legal.

Identificada a ilicitude da doação, o mencionado artigo estabelece as sanções de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia excedente e de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público por cinco anos. Transcrevo as disposições:

Art. 81.

[...]

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Relativamente à pena de multa, nada há o que reparar na sentença impugnada, que fixou sanção de R$ 39.000,00, equivalente a cinco vezes o excedente doado.

A norma tem caráter objetivo, não cabendo ao legislador ponderar sobre o porte da empresa e a sua capacidade de desequilibrar ou não o pleito com abuso de poder econômico.

Insubsistente o argumento de que a doação foi efetivada pelo sócio-adminstrador, JUAREZ CARDOSO DEMORI, e que os valores eram originários do seu pró-labore. As provas dos autos afastam a ocorrência de erro material e evidenciam a ilegalidade da doação. A prestação de contas do candidato aponta a doação pela pessoa jurídica representada, assim como a base de dados da Receita Federal, em análise às declarações de imposto de renda, assinala que a doação foi realizada em nome da empresa, com indicação do respectivo CNPJ.

Não merece prosperar a alegação recursal da falta de dolo para buscar o afastamento da penalidade imposta. As sanções administrativas incidem em razão da ofensa ao dispositivo legal, sendo irrelevante se o descumprimento da norma se deu deliberadamente ou por descuido da parte. Nesse sentido, aliás, conhecida previsão da Lei de Introdução às Normas estabelece que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Da mesma forma, não há que se falar em incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para afastar as penalidades da lei, que já se verificam presentes na fixação da sanção estabelecida pelo legislador. Afastar a sanção pecuniária com base na razoabilidade significaria negar vigência à própria norma, conforme já se manifestaram os Tribunais:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO DE RECUSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 23 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 16628, Acórdão de 17.12.2014, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 35, Data 23.02.2015, Página 53.)

No tocante à proibição de participar de licitações públicas, firmou-se entendimento de que a sanção não decorre automaticamente do ilícito, mas depende, para a sua incidência, da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade a ser realizado sobre o caso. Segue ementa ilustrativa do entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Considerando que a representação por doação de recursos acima do limite legal foi ajuizada dentro do prazo de 180 dias, contados da diplomação, perante o órgão judiciário originariamente competente para o seu processamento e julgamento, não há falar em decadência.

2. Ainda que reconhecida a incompetência do juízo, a propositura da ação dentro do prazo de 180 dias impede a consumação da decadência, conforme decidido recentemente por esta Corte (AgR-REspe 682-68/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30.4.2013).

3. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 - respectivamente, multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso e proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos - não são cumulativas, de forma que a sua aplicação conjunta depende da gravidade da infração e deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente.

4. No caso dos autos, considerando que o montante doado em excesso (R$ 16.982,34) não é insignificante, que superou em mais de cinco vezes o percentual máximo de 2% estabelecido no art. 81 da Lei 9.504/97 e que, ainda, correspondeu a 13,25% do seu faturamento bruto de 2009 (R$ 150.833,00), não há como aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para excluir da condenação a proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o Poder Público por cinco anos.

5. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 3623, Acórdão de 13.06.2013, Relator  Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 9.8.2013, Página 166/167)

No caso posto, não há evidência de má-fé por parte da representada. Ademais, o montante da doação não se mostra grave o suficiente para justificar tão elevada penalidade de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público,  mostrando-se adequado o seu afastamento, sendo a multa suficiente para sancionar o excesso da doação.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar as sanções de proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público.